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ESTUDOS
DA LITERATURA
ANGLÓFONA
1ª Edição - 2007
Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.
Gervásio Meneses de Oliveira
Presidente
William Oliveira
Vice-Presidente
Samuel Soares
Superintendente Administrativo e Financeiro
Germano Tabacof
Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão
Pedro Daltro Gusmão da Silva
Superintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadêmico
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância
Reinaldo de Oliveira Borba
Diretor Geral
Marcelo Nery
Diretor Acadêmico
Roberto Frederico Merhy
Diretor de Desenvolvimento e Inovações
Mário Fraga
Diretor Comercial
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Diretor de Tecnologia
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Diretor Administrativo e Financeiro
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Gerente Acadêmico
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Gerente de Ensino
Luis Carlos Nogueira Abbehusen
Gerente de Suporte Tecnológico
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Coord. de Softwares e Sistemas
Osmane Chaves
Coord. de Telecomunicações e Hardware
João Jacomel
Coord. de Produção de Material Didático
Equipe
Angélica de Fatima Silva Jorge, Alexandre Ribeiro, Cefas Gomes, Cláuder Frederico, Delmara Brito,
Diego Aragão, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale,
Marcio Serafim, Mariucha Silveira Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval Fonseca
Imagens
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Gerente de Ensino
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Revisão de Texto
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Ilustrações
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SOMESB
FTC - EaD
MATERIAL DIDÁTICO
SUMÁRIO
O CONTO E O ROMANCE________________________________________ 7
O CONTO__________________________________________________________ 7
A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA ANGLO-SAXÔNICA____________________________ 7
PERÍODO MEDIEVAL E CONTOS ARTURIANOS ____________________________________12
CHAUCER E O DESENVOLVIMENTO DOS CONTOS_________________________________15
O CONTO MODERNO _______________________________________________________18
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________30
O ROMANCE _______________________________________________________31
O NASCIMENTO DO ROMANCE _______________________________________________31
A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE NORTHROP FRYE_________________________________36
DESENVOLVIMENTO DO ROMANCE INGLÊS _____________________________________38
O ROMANCE NORTE AMERICANO _____________________________________________45
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________51
A POESIA E O TEATRO __________________________________________53
A POESIA __________________________________________________________53
A POESIA INGLESA: DE SHAKESPEARE AO ROMANTISMO___________________________53
A POESIA NORTE AMERICANA ________________________________________________67
A POESIA BEAT ____________________________________________________________74
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS _____________________________________________76
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________77
SUMÁRIO
O TEATRO _________________________________________________________79
SHAKESPEARE _____________________________________________________________79
OSCAR WILDE & BERNARD SHAW _____________________________________________86
O TEATRO NORTE AMERICANO _______________________________________________92
O TEATRO DO ABSURDO ____________________________________________________94
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________99
GLOSSÁRIO ____________________________________________________________ 101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________ 102
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ____________________________________________ 105
REFERÊNCIAS FILMOGRÁFICAS__________________________________________ 106
Prezados alunos,
Bem vindos à nossa nova etapa, desta feita, o estudo das literaturas de
expressão inglesa!
A nossa disciplina, Literatura em Língua Inglesa, irá tratar de um assunto
novo para muitos de vocês, que é produção literária dos países anglófonos.
A língua inglesa é, atualmente, a língua materna ou oficial em aproxima-
damente sessenta países, distribuídos por todos os continentes do nosso
planeta. Entretanto, nossos estudos estarão focalizados principalmente em
textos de autores provenientes do Reino Unido da Grã Bretanha e Estados
Unidos da América, pelo fato de se tratarem de bibliografia mais facilmente
encontrada em nosso país.
Iniciaremos o módulo abordando o conto como forma literária, desde os
seus primórdios até as tendências da contemporaneidade. Em seguida, ain-
da no mesmo bloco temático, trataremos do romance como forma literária
moderna, suas características, e seu desenvolvimento.
No segundo bloco temático estudaremos a poesia inglesa e norte ameri-
cana, bem como as vertentes literárias que influenciaram as diversas gera-
ções de poetas anglófonos. E, last but not least, o teatro será o nosso último
tema, cuja abordagem tratará das características do teatro de Shakespeare
até o Teatro do Absurdo.
Parafraseando Drummond que dizia que amar se aprende amando, cha-
mo atenção para o fato que literatura se aprende lendo. Portanto, apesar de
reconhecermos as dificuldades existentes na obtenção do material de leitu-
ra, é imprescindível que o aluno, na medida do possível, procure seguir as
nossas recomendações de bibliografia e filmografia ao final de cada tema.
Agora, mãos à obra!
Profa. Mestre Sonia Maria Davico Simon
Apresentação da Disciplina
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 7
Podemos imaginar, desde os tempos
mais remotos, seres humanos reunidos ao fim
do dia para uma refeição comunal ao redor do
fogo, compartilhando as experiências viven-
ciadas nas atividades diárias em expedições
de caça, coleta de alimentos, encontros for-
tuitos com outros grupos de humanos e ani-
mais selvagens. Essas experiências, narradas
ao redor da fogueira e ouvidas pelos demais
membros do grupo, deram origem às primei-
ras narrativas.
Esses relatos, modificados através dos
tempos nas sucessivas repetições e transmissões orais, passaram a incorporar explicações sobre
elementos e fenômenos da natureza até então desconhecidos pelos homens tais como a origem
do mundo, dos astros, fenômenos da natureza, animais, plantas, a morte, etc. Através da obser-
vação a humanidade imaginou histórias para explicar não somente a origem das coisas como
também a sua utilização, o que pode ser apreciado nos relatos que sobreviveram às sociedades
primitivas, agrárias.
Essas narrativas se configuraram como míticas ou mitológicas e podem ser identificadas
nos relatos bíblicos do Velho Testamento, como, por exemplo, o Livro do Gênesis. Outras
histórias, como a Odisséia, também se configuram como relatos míticos e narram a história de
um povo, ou civilização. Tais relatos constituem-se de longos poemas que contam, geralmente,
as aventuras de um personagem principal, um herói, representante das aspirações de uma nação
ou etnia, que, em superando obstáculos, consegue galgar uma posição de líder na comunidade
representando assim os valores de uma nação.
Pensadas deste modo, estas narrativas trazem contribuições profícuas para o entendimento
da identidade nacional (leia-se cultural) de um povo. Ressalvamos que há áreas da ciência, mais
positivistas, que divergem sobre a viabilidade de recorrer à literatura como fonte para entender
a história. Entretanto, podemos questionar até que ponto o olhar pretensamente distanciado do
historiador atinge a objetividade desejada, escapando à subjetividade inerente a qualquer ponto de
vista. Devemos pensar, ainda, que tipo de registro poderia ser mais elucidativo sobre a Guerra de
Tróia do que a Ilíada, ou, ainda, quem poderia trazer maiores revelações sobre a visão de mundo
da Alta Idade Média da Inglaterra, além de Chaucer em The Canterbury Tales, ou poderíamos
O CONTO E O ROMANCE
O CONTO
A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA ANGLO-
SAXÔNICA
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR8
do mesmo modo imaginar melhor quadro de Dublin do que aquele pintado nos traços marcantes
de James Joyce, em seus contos reunidos em Dubliners.
Todos os fatores supracitados, no entanto, não subtraem dos textos que serão aqui apresen-
tados o seu caráter representativo de uma cultura tão presente em nossa própria cultura brasileira,
traduzida como foi por tantos autores e intelectuais no Brasil. Que esta “tradução”, em seu sen-
tido mais amplo, seja uma justificativa convidativa para esta jornada no mundo anglófono.
Beowulf
Não devemos esquecer que apesar de todos os textos que serão aqui
estudados nos levarem a conhecer um pouco sobre a literatura anglófona e
sua cultura (pois literatura é cultura), há diversos textos outros que se per-
deram entre as conquistas territoriais e culturais e ainda muitos deles foram
alterados pela cultura colonizadora. Não podemos desconsiderar, ainda, que,
enquanto detentora do direito de preservar os textos antigos, a Igreja muitas
vezes domesticou suas traduções e ou adaptações.
PARA LEMBRAR
Denominados de épicos, os primeiros relatos anglófonos guardaram
narrativas de seus antepassados históricos: os Celtas, Anglo-Saxões, e de-
mais povos estabelecidos na região que hoje chamamos de Grã Bretanha
nos primeiros séculos, e suas respectivas culturas, antes mesmo que a língua
inglesa se constituísse como tal. Estes épicos foram escritos sob a forma
de poemas que, embora longos, continham elementos que facilitavam a sua memorização, a fim
de que pudessem ser repetidos e lembrados através dos tempos. Dos poemas épicos em língua
anglo-saxônica, ou Old English (Inglês Arcaico), destacamos Beowulf, manuscrito datado possi-
velmente do século XII e que se encontra no Museu Britânico.
Existente em diversas versões em inglês contemporâneo, os acontecimentos e os persona-
gens de Beowulf são comuns às sagas dos países escandinavos, como, por exemplo, a Dinamarca,
o que aponta para a influência cultural e lingüística daquele povo na constituição do país que hoje
chamamos de Grã Bretanha.
Beowulf é um poema épico, pré-cristão, provavelmente datado do período das invasões An-
glo-Saxônicas, embora o manuscrito seja de um período posterior. É uma história anônima, pos-
sivelmente composta por um único autor entre os séculos VII e VIII, e, não obstante o narrador
se reportar a uma cultura pagã e com valores pagãos, a noção de heroísmo aponta para um ponto
de vista cristão, na qual os valores morais e religiosos parecem estar embutidos. Os críticos literá-
rios chamam atenção para o fato de que as lutas realizadas por Beowulf prefiguram o antagonismo
cristão entre o bem e o mal, e simbolizam a cultura situada ainda na fronteira entre a estabilidade
de uma sociedade agrária e a instabilidade e o nomadismo do herói guerreiro.
Beowulf e Grendel
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 9
O documento com a transcrição do poema Beowulf existente no Museu Britânico data
do século XII, embora haja suspeitas que a sua composição remonte a trezentos ou até mesmo
quatrocentos anos antes.
A história acontece durante o reino de Hrothgar da Dinamarca, cenário constantemente
ameaçado por monstros de diversas origens e que são mortos em batalhas heroicamente vencidas
por Beowulf. Entretanto, ao final do relato, o herói é atacado por um dragão que lhe fere mortal-
mente; Beowulf, então, recebe exéquias1
pagãs e o épico tem o seu final. A saga é escrita em Old
English (inglês arcaico, contendo influências decorrentes das inumeráveis invasões dos povos
anglo-saxões).
Trecho de Beowulf:
We have learned of Eormanric’s
wolfish disposition; he held a wide dominion
in the realm of the Goths. That was a cruel king.
Many a man sat bound in sorrows,
anticipating woe, often wishing
that his kingdom were overcome.
Beowulf e os demais poemas épicos datados do período Anglo-Saxão eram recitados por um
scop: bardo itinerante que se deslocava pelos reinos – às vezes a serviço de um único monarca
– relatando fatos, acontecimentos e histórias.
Widsith e Outros Textos
O poema Widsith, por exemplo, um dos mais antigos manuscritos do período, narra as
viagens de um scop chamada Widsith (que significa “far journey”) por diversos reinos do mundo
germânico. O épico, possivelmente autobiográfico, encontra-se no Book of Exeter, coleção que
abriga outros textos, doado à Catedral de Exeter. Outros textos do período chamado Old English
Literature são The Battle of Maldon (escrito cerca do ano 1000), poema que trata da luta entre um
nobre senhor de Essex e uma invasão viking, e inúmeras transcrições de histórias bíblicas como
1 Exéquias são cerimônias fúnebres.
Os indícios de interferências textuais de origem cristã no poema Beowulf podem
ser explicados devido ao fato de a literalidade ter sido privilégio dos monges, responsáveis
pela maior parte da transcrição de documentos e textos literários na época. Um dado que
corrobora com esta interferência é o fato de ao monstro Grendel ser atribuída a descen-
dência da raça de Caim, personagem bíblico cuja história é marcada pela vilania e traição.
CURIOSIDADE
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR10
Judith, Gênesis, Exodus, Daniel, reunidos em quatro manuscritos: MS Cotton Vitellius, que faz
parte do acervo do Museu Britânico; The Junius Manuscript que se encontra na biblioteca Bodleian
em Oxford; The Book of Exeter que está na Catedral de Exeter; e o Vercelli Book que se encontra
na biblioteca da Catedral de Vercelli, sul da Itália.
SAIBA MAIS
Salientamos que embora os textos mencionados tenham sido escritos em versos, es-
tes se inserem na categoria contos por serem narrativas épicas. Tal inserção justifica-se por
consistir a epopéia em uma narrativa de feitos grandiosos, o que a aproxima da prosa.
Não devemos esquecer que o gênero romance é um desdobramento da epopéia. Em A
teoria do romance, Georg Lukács2
, situa a epopéia em um período anterior à modernidade, mais
especificamente, na cultura helênica, período propício para o desenvolvimento deste tipo de nar-
rativa, por ser marcado pelo sentimento de familiaridade entre o sujeito e o mundo, sendo este
caracterizado pela homogeneidade, a unidade. Com a modernidade, ou seja, com o começo do
Novo Mundo, no entanto, há uma quebra desta unidade e, assim, o homem se sente desenrai-
zado e ao sentimento de pertença diante do mundo sobrepõe-se uma sensação de desamparo,
uma forte desorientação. Assim, enquanto o Helenismo é “um mundo homogêneo, e tampouco
a separação entre homem e mundo, entre eu e tu é capaz de perturbar sua homogeneidade.” (p.
29), na era moderna predomina o que Lukács chama de “desabrigo transcendental”.
Crônica anglo-saxã
Esta obra é considerada a primeira produção escrita dos germânicos e, por ser composta
por relatos, é definida por alguns autores como um jornal. A Crônica anglo-saxã é constituída por
anotações em inglês arcaico e inglês médio sobre importantes acontecimentos do período do
2 LUKÁCS, Georg. “Culturas Fechadas”. In: id. A Teoria do Romance. São Paulo: Duas Cidades, 2000, p. 25-36.
Epopéia
PARA LEMBRAR
Trouxemos à baila as considerações feitas sobre a epopéia e o roman-
ce não só para justificar a inserção de textos como Beowulf neste módulo
sobre contos, mas, sobretudo, para mostrar que a literatura expressa ques-
tões de cunho histórico e de identidade não apenas através do conteúdo
das histórias narradas, mas até mesmo em sua forma. Afinal, como postula
Lukács, a forma da epopéia seria apenas possível em uma era fechada, em
que predominava a unidade tão marcadamente representada nas longas es-
trofes de histórias de bravos heróis.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 11
século IX a 1154, listados conforme a data em que ocorreram, como o trecho destacado ilustra:
A.D. 752. This year, the twelfth of his reign, Cuthred, king of
the West-Saxons, fought at Burford (27) with Ethelbald, king of
the Mercians, and put him to flight.
A.D. 753. This year Cuthred, king of the West-Saxons, fought
against the Welsh.
Notamos que a definição de crônica supracitada não se aplica à Crônica anglo saxã, já que
esta consiste em relatos breves de acontecimentos do período em que foi escrita. Esta obra se in-
sere, na verdade, nos textos qualificados por Massaud Moisés como “cronicões”, termo que, em
português e espanhol é utilizado para se referir a “simples e impessoais notações de efemérides”3
,
em contraste às crônicas, propriamente ditas, que são “obras que narravam os acontecimentos
com abundância de pormenores e algo de exegese, ou situavam-se numa perspectiva individu-
al da história”4
. Em inglês, entretanto, não há diferença de termos entre crônica e cronicões,
reunidas sob uma única palavra, chronicle. Ainda no tocante ao termo utilizado para se referir às
crônicas, salientamos que, na acepção moderna, em inglês, estas podem ser chamadas commentary,
literary column, sketch, light essay, human interest story, town gossip, entre outros.
Livro do Juízo Final
Na linhagem de textos documentais, é válido mencionarmos uma outra obra, o Livro do Ju-
ízo Final, cuja história está atrelada à conquista de território inglês e consolidação do Feudalismo
pelo normando, William I (ou Guilherme), o Conquistador. Este livro foi escrito para inventariar
as terras que seriam doadas em lotes a senhores que ajudariam William a manter o controle e
consolidar a conquista do território.
3 MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 132.
4 Op. cit., p. 132.
Crônica e cronicões
SAIBA MAIS
Na acepção moderna, o termo “crônica” se refere a um texto que relata um
acontecimento prosaico que é narrado com um olhar subjetivo – o que já lhe tiraria
a objetividade que é pretensamente buscada pela reportagem – ora revelando o seu
autor como um contador de histórias, ora estimulando nele algo de poético pelo tra-
tamento incomum que atribui às histórias. Em virtude de uma definição imprecisa
do que seja a crônica, este tipo de texto, geralmente escrito para jornais ou revistas,
é considerado “híbrido”, conforme Massaud Moisés, podendo ser tanto narrado em
forma de alegoria, quanto de resenha, confissão, monólogo, entre outras.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR12
O que é literatura?
Conforme Antoine Compagnon, o termo literatura começou a ser utilizado, tal como o
utilizamos na contemporaneidade, a partir do século XIX. Antes deste período, esta palavra
designava “as inscrições, a escritura, a erudição, ou o conhecimento das letras”5
, designação que
contempla os textos supracitados, Livro do Juízo Final e Crônica anglo-saxã, justificando a sua
inserção, naquela época, entre textos literários.
PERÍODO MEDIEVAL E CONTOS ARTURIANOS
Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda
No que pese os primeiros registros da literatura inglesa se encontrarem sob a forma de
poemas épicos, a prosa estava presente notadamente nas transcrições das histórias bíblicas e ha-
giografias, que consistem em biografias e histórias de feitos de um indivíduo que seja considerado
santo, abade, mártir, pregador, rei, bispo, virgem, entre outros. O conto como forma literária vai
se estabelecer definitivamente no período chamado de Middle English (Inglês Médio), após a
conquista Normanda, em 1066.
A partir da conquista da Inglaterra em 1066 por William I, O Conquistador, a língua falada
pelas camadas privilegiadas da sociedade e da corte inglesa era o normando, francês padrão da
época. Os nobres normandos que faziam parte da corte na Inglaterra, não raro, possuíam vastas
extensões de terra do outro lado do canal da Mancha, o que propiciava uma influência francesa
bastante acentuada pelo constante trânsito entre ambas as localidades. No século XII, durante o
reinado de Henrique II, têm-se notícias da chegada de trovadores vindos do continente, prova-
velmente trazidos por sua esposa, Eleanor de Aquitânia.
5 COMPAGNON, Antoine. A literatura. In: _____. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Hori-
zonte: UFMG, 1999, p. 30.
PARA REFLETIR
A qualificação de textos como o Livro do Juízo Final e Crônica anglo-
saxã como literatura leva-nos a ponderar sobre o que pode ser conside-
rado texto literário e não literário, uma vez que o conceito de literatura,
no senso comum, sempre esteve atrelado à noção de ficção.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 13
CURIOSIDADE
A temática explorada pelos trovadores abrangia histórias do imaginário celta, pa-
gão, tais como as lendas do Rei Artur e as aventuras dos seus fiéis escudeiros, também
conhecidos como cavaleiros da Távola Redonda. Muitas das lendas e personagens são
oriundos da tradição oral celta como Mordred, Merlin, Guinevere, Tristão, Gawain, e
Lear (posteriormente caracterizado como protagonista na tragédia de Shakespeare, Rei
Lear). Esses personagens já haviam sido mencionados no relato do escritor inglês Geor-
ge de Monmouth, numa tentativa de escrever a história da Inglaterra.
Tornadas populares, essas histórias inauguraram um novo modelo de narrativa, cuja ênfase
foi deslocada dos feitos heróicos até então abordados, para novos ideais de sentimento e com-
portamento, denominado de amor cortês.
O Amor Cortês
O “amor cortês” ou fin amors marcou um período na idade
média que destacou a mulher numa civilização predominantemente
masculina. A época medieval se caracterizou pela instabilidade política
causada pelas constantes lutas e guerras travadas entre os senhores de
pequenos reinos semi-independentes e que deviam obediência a um
rei que lhes era superior. Por outro lado, as Cruzadas exigiam a adesão
desses pequenos senhores de terra que, como prova de fé, abandona-
vam suas propriedades e famílias para lutar a serviço do cristianismo
em terras longínquas. Com o afastamento dos senhores, os pequenos
feudos passaram a ser governados por suas esposas, alçando a mulher
a um novo status, a de governante, senhora de terras. Ao mesmo tem-
po, a propagação do culto à Virgem Maria, promovida pela Igreja Ca-
tólica, elevou a mulher a uma posição privilegiada, associada à imagem
da Virgem Mãe. Anteriormente situada numa situação de submissão,
a dama medieval adquiriu poderes de governante, liderando a corte que privilegiou uma nova
forma artística.
O período do fin amors se distinguiu pelo surgimento de uma nova forma literária, o tro-
vadorismo; entretenimento palaciano que consistia na diversão da corte por trovadores, ou bar-
dos, que, acompanhados por um instrumento musical, relatavam as aventuras de cavaleiros que
compunham o acervo de histórias da tradição oral celta. Essas histórias se encontravam sob a
forma de versos e entretinham as damas e suas cortes nos longos períodos em que os senhores
estavam guerreando. Os trovadores enalteciam a figura feminina representada pela protagonista
da história e cantavam o amor entre os sexos como um sentimento elevado.
O Amor Cortês
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR14
Trovadores
PARA LEMBRAR
Na idade média, o casamento se resumia a uma associação
por interesses políticos e/ou pecuniários, em que os sentimen-
tos afetivos não eram levados em consideração. O adultério, se
não fora prática comum, também não era de todo extraordiná-
rio. É nesse contexto que florescem o amor cortês e os roman-
ces de cavalaria.
Os “romances” de cavalaria tinham como tema aventuras de cavaleiros que se dispunham a
enfrentar toda a sorte de obstáculos a fim de conquistar o coração de uma dama, sem, contudo,
se abster da preservação de valores éticos e morais e lealdade ao seu rei ou senhor.
CURIOSIDADE
Por se tratarem de histórias oriundas da tradição pagã, era costumeiro que o amor
carnal fizesse parte dos antigos enredos, entretanto, devido à influência do cristianismo,
no período medieval o resquício de paganismo foi atenuado e deu lugar ao que conven-
cionamos chamar de amor platônico, ou o amor que não se realiza fisicamente.
O fato de as damas dos feudos serem cortejadas pelos trovadores também influiu para o
apagamento do traço pagão do erotismo, uma vez que o amor cortês se tratava de um sentimento
envolvendo pessoas de classes sociais distintas. As senhoras dos feudos eram casadas e encon-
travam-se em uma posição socialmente superior à dos amados, os poetas, que, colocando-se
na condição de vassalos, contentavam-se como servos de sua dama, a serviço do amor, o amor
impossível.
Essas histórias, ainda transmitidas sob a forma de versos pelos trovadores ou ministreis
foram, posteriormente, transcritas e se tornaram populares sob a forma de uma coletânea que
se convencionou chamar de “Histórias do Ciclo Arturiano” por terem como protagonistas os
cavaleiros do rei Arthur. Histórias como “Excalibur” ou “A Busca do Santo Graal” fazem parte
desta coleção que conta ainda com personagens conhecidos como Lancelot, Sir Gawain, a Rainha
Guenevere, o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, entre outros. Esses relatos transfor-
maram a noção de amor na literatura ocidental e tornaram-se matrizes para outras tantas lendas
de amor impossível, como, por exemplo, Tristão e Isolda, fonte de inspiração para a ópera do
mesmo nome composta por Richard Wagner à época do romantismo.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 15
CHAUCER E O DESENVOLVIMENTO DOS CONTOS
Chaucer
É no período chamado de Middle English que vai despontar um dos maiores escritores da
língua inglesa, Geoffrey Chaucer. Neste período, a Inglaterra encontrava-se ainda sob a influencia
da língua francesa, ou melhor, o normando, francês padrão que predominou na Inglaterra du-
rante aproximadamente os dois séculos de ocupação normanda. De fato, o francês tornou-se o
idioma da corte e das classes abastadas da Inglaterra, enquanto que o latim se estabeleceu como a
língua oficial para escritos documentais e religiosos, promovendo grandes mudanças lingüísticas
no inglês moderno.
Chaucer se destacou como um artesão da palavra, e aproveitou seus conhecimentos lingü-
ísticos, especialmente o francês, além do italiano e do latim para enriquecer o léxico inglês através
do acréscimo de novos vocábulos oriundos dos idiomas que tinha domínio. Sua contribuição
estende-se ainda à inserção de uma perspectiva individual, a do contador de histórias, a partir da
qual é possível depreender uma filosofia de vida, embutida nas narrativas.
The Canterbury Tales
PARA LEMBRAR
Em virtude da presença da perspectiva individual, dos contos reu-
nidos em The Canterbury Tales depreendem-se não só imagens que repre-
sentam a Alta Idade Média, mas, sobretudo, uma visão de mundo. As
personagens, através das histórias que contam, revelam o modo de pen-
sar e a cultura da época. A perspectiva individual, o forte traço histórico
e a linguagem coloquial configuram The Canterbury Tales como uma
literatura que se aproxima muito da literatura moderna.
“Contos de Cantuária”, ou The Canterbury Tales (1386), é, possivelmente, a mais conhecida
obra de Geoffrey Chaucer. Reunidos sob a forma de contos (não obstante a sua estrutura em
versos, com cerca de 1 700 linhas), esses relatos elaborados artisticamente preservam o tom da
tradição oral. As narrativas revolvem em torno de um grupo de peregrinos que, agrupados em
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR16
uma estalagem chamada de Tabard Inn, se dirige à cidade de Cantuária, próxima ao santuário de
S. Thomas Beckett.
Os relatos apresentados pelas diversas categorias profissionais da época, tais como ma-
rinheiro, comerciante, abadessa, frade, entre outros, se constituem em uma crônica social cuja
tônica é a ironia. Os Contos de Cantuária conservam o recurso das estórias de moldura, ou seja,
todas as histórias encontram-se unidas pelo fato de serem contadas por um narrador para uma
platéia, simulando uma situação semelhante à da tradição oral. Por este motivo, estas histórias em
versos primorosos foram qualificadas como contos.
Mother Goose
Também portador da característica da oralidade, embora datado de um período posterior
(XVII-XVIII), é o “Livro da Mamãe Ganso”, ou Mother Goose. Trata-se de um clássico da litera-
tura infantil em países de língua inglesa, notadamente Inglaterra e Estados Unidos. O livro cons-
titui-se em uma coletânea de histórias transcritas da oralidade, muitas das quais fazem parte do
livro Histoire ou Contes du Temps Passé escritas na França por Charles Perrault no século XVII e que
se tornaram populares até a época atual. O Livro da Mamãe Ganso inclui cantigas e quadrinhas
infantis conhecidas como nursery rhymes.
O Narrador
Até então, os contos se atinham a narrativas de determinados fatos do cotidiano e a trans-
missão de valores ou de experiências vividas, ou ainda, das fábulas contidas nos denominados
contos maravilhosos, de forma a se aproximar das narrativas da oralidade. Walter Benjamin, em
“O Narrador: Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov”6
, enfatiza a importância da troca
de experiências nas narrativas de tradição oral, nas quais a palavra do narrador aglutinava e trans-
mitia valores sociais e morais aos ouvintes. No tocante à transmissão de conhecimento, Benjamin
identifica duas categorias de narradores, a saber, o “marinheiro comerciante”, configuração do
narrador “como alguém que vem de longe”7
, detendo, portanto, um saber especial, e o “cam-
ponês sedentário”, que possui um saber adquirido ao longo do tempo, tendo, desse modo, um
vasto conhecimento das histórias de seu povo. Ao narrar a experiência – sua ou alheia – a figura
do narrador se confundia com o próprio discurso. A riqueza em sabedoria manifestada nessas
narrativas foi se esboroando ao longo do tempo, em especial a partir da guerra mundial, quando
o indivíduo passou a se distanciar de valores coletivos, e começou a buscar respostas particulares,
isoladas.
De um plano de saber coletivo, transmitido pelo contador de histórias tradicional, surgiu,
então, a figura do narrador moderno, que perdeu a capacidade de transmitir um saber coletivo,
redimensionando esse plano para uma perspectiva cada vez mais individual, a ponto de submer-
gir em um psicologismo, característico em autores como Edgar Poe, considerado como inaugu-
rador do conto moderno. Na pós-modernidade, conforme Silviano Santiago, em “O narrador
pós-moderno”, surge uma outra categoria de narrador, que dá título ao seu texto. Na categoria
6 BENJAMIN, Walter. O Narrador:Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Arte Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.
7 Op. cit., p. 198.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 17
de narrador pós-moderno, o narrador é “aquele que quer extrair a si da ação narrada, em atitude
semelhante à de um repórter ou de um espectador”8
. Esquivando-se da história narrada e con-
figurando-se como um “ficcionista puro”, uma vez que trabalha no sentido de tornar verossímil
uma história que não é sua, mas de outrem. Silviano Santiago ressalva, no entanto, que nenhuma
escrita é inocente e, assim, na tentativa de distanciar-se da história narrada, não raro o narrador,
ao fazer falar o outro, fala sobre si indiretamente.
Como forma narrativa, o conto tem como característica a condensação de tempo, espaço e
conflito, bem como o número reduzido de personagens, e pode ser, segundo Cortázar, o relato
de um acontecimento verdadeiro ou falso, ou ainda uma fábula que se conta às crianças. De fato,
o conto é uma forma de narrativa que envolve um acontecimento de interesse humano: sobre
nós, para nós, em relação a nós (GOTLIEB, p.11). Podemos afirmar que a construção dessas
narrativas acontece de diversas maneiras, e que a sempre presente “voz” do contador de histó-
rias não se perdeu quando da sua transposição da oralidade para a escrita, cuja “voz” passou a
se apresentar no modo de contar a história e/ou nos detalhes da história, ou ainda, em ambos.
Entretanto, não queremos dizer com isto que todo contador de histórias seja necessariamente um
contista, mas que as elaborações de gestual e de voz, anteriormente utilizados pelo contador de
histórias da tradição oral, foram substituídas, com o advento da escrita, para o objeto estético, o
próprio texto. Os recursos criativos utilizados pelo autor resultam em um estilo próprio de narrar,
de enunciar detalhes, bem como criam a figura do narrador que é, também, um artifício poderoso
nos contos.
Dentre os autores modernos que se destacaram pela utilização de recursos que simulam
uma situação de oralidade, citamos o inglês, Rudyard Kipling, em The Elephant’s Child. A tradição
oral encontra-se manifesta no conto (vide site recomendado) através da escolha do tema - neste
conto de Kipling, a temática diz respeito ao folclore da Índia - transmite uma moral, e a narrati-
8 SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: ______. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 45.
Após estas breves considerações sobre o narrador tradicional, moderno
e pós-moderno, é válido fazer algumas observações sobre o sentido da palavra
“conto” e o sentido que este gênero textual assume. O conto, vocábulo advindo
do verbo contar, tem suas raízes no latim, computare; entretanto, o seu significado
não implica, para nós, em apenas relatar ou contar outra vez algo que já aconteceu.
O conto é, sobretudo, um ato de criação, invenção; não tem compromisso com a
veracidade já que é uma representação.
Saiba mais!
CURIOSIDADE
A mudança do conto ao longo dos séculos deveu-se principalmente à técnica
com relação à maneira de narrar, embora a sua estrutura tenha sido mantida. No
modelo tradicional, o conflito se desenvolve numa seqüência até o desfecho, en-
quanto que na narrativa moderna o modelo é fragmentado (GOTLIB,2004, p.29).
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR18
va segue o modelo tradicional em que os acontecimentos ocorrem numa seqüência, com início
(apresentação), meio (conflito) e fim (desfecho). Apesar da presente apreciação por autores e
leitores de contos que seguem o modelo tradicional de narrativa, é notória a transformação desta
forma literária, ao longo do tempo, de um relato fundamentalmente moralizante para uma narra-
tiva elaborada, cujo enredo contempla o psicológico ou o fantástico.
O CONTO MODERNO
A Teoria do Conto
A idade contemporânea problematiza o conto como gênero literário e divide os críticos
entre aqueles que admitem e os que não admitem uma teoria do conto. Vários estudiosos têm se
dedicado a definir, estabelecer regras, e esclarecer as múltiplas tendências dos contos. Citamos, a
título de ilustração, algumas afirmativas de alguns autores a esse respeito9
:
- o escritor brasileiro Mário de Andrade dizia que sempre será conto aquilo que seu autor
batizou com o nome de conto;
- Machado de Assis expressou a dificuldade em se estabelecer a definição do conto quan-
do, em 1873, disse: É gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade... e creio que essa mesma aparência
lhe faz mal, afastando-se dele os escritores e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas
vezes credor;
- Julio Cortazar afirma que se não tivermos uma idéia viva do que é o conto, teremos perdido tempo,
porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida
travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma sín-
tese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma
fugacidade numa permanência. Só com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda
ressonância que um grande conto tem em nós, e que explica também por que há tão poucos contos verdadeiramente
grandes.
O Decálogo do Perfeito Contista
Em 1927, o autor uruguaio Horácio Quiroga escreveu o Decálogo do perfeito contista,
numa tentativa de estabelecer normas, ou “mandamentos”, para a escrita do conto. São eles:
I. Crê num mestre _ Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov _ como na própria divindade.
II. Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás
sem que tu mesmo o saibas.
III. Resiste quanto possível à imitação, mas imita se o impulso for muito forte. Mais do que qualquer
9 Apud GOTLIEB, Nádia B. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2004. p. 9 e 10.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 19
coisa, o desenvolvimento da personalidade é uma longa paciência.
IV. Nutre uma fé cega não na tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua
arte como amas tua amada, dando-lhe todo o coração.
V. Não começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vais. Num conto bem-feito, as três
primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.
VI. Se queres expressar com exatidão essa circunstância _ “Desde o rio soprava um vento frio”_ não há na
língua dos homens mais palavras do que estas para expressa-la. Uma vez senhor de tuas palavras, não te preocupes
em avaliar se são consoantes ou dissonantes.
VII. Não adjetives sem necessidade, pois serão inúteis as rendas coloridas que venhas pendurar num subs-
tantivo débil. Se dizes o que é preciso, o substantivo, sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso acha-lo.
VIII. Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o final, sem atentar senão para o caminho
que traçaste. Não te distraias vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abuses do leitor. Um
conto é uma novela depurada de excessos. Considera isso uma verdade absoluta, ainda que não o seja.
IX. Não escrevas sob o império da emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Se és capaz de revivê-la tal
como a viveste, chegaste, na arte, à metade do caminho.
X. Ao escrever, não penses em teus amigos, nem na impressão que tua história causará. Conta, como se
teu relato não tivesse interesse senão para o pequeno mundo de teus personagens e como se tu fosses um deles, pois
somente assim obtém-se a vida num conto.
A maior parte dos ensaios que têm como objetivo a definição do conto se fundamentam na
noção de brevidade desta forma narrativa. Todavia o conto parece resistir às restrições impostas
pelas categorizações.
O conto é uma narrativa ficcional, de reduzidos limites em relação ao romance e à novela, umas vezes de teor
anedótico (Maupassant), outras vezes de teor espectral (Poe), ora intimista e nutrido de silêncios (Tchekhov), ora
de narração objetiva e perversa (Faulkner), e não raro de conteúdo impressionista à maneira de Proust, ou com a
aura poemática de Katharine Mansfield. Pode ter meia página ou 30 mil palavras, como em Henry James.10
A Questão da Brevidade
A afirmação de Hélio Pólvora incide sobre a questão da brevidade que insiste em caracte-
rizar os contos. Entretanto, é sabido que este não é o único critério para a classificação de uma
narrativa literária com conto. Henry James (1843-916) escreveu contos longos, acima de vinte
mil palavras e que ele próprio chamava de the beautiful and best nouvelle. Sabemos da existência de
contos de 50 páginas como, por exemplo, As Neves de Kilimanjaro do autor americano Ernest
Hemingway ou de apenas um parágrafo, como o da escritora indiana Suniti Namjoshi:
Case History by Suniti Namjoshi 11
After the event Little R. traumatized. Wolf not slain. Forester is wolf. How else was he there exactly on
time? Explains this to mother. Mother not happy. Thinks that the forester is extremely nice. Grandmother dead.
10 PÓLVORA, Hélio. Itinerários do Conto.Interfaces críticas e teóricas da moderna short story.Ilhéus: Editus, 2002. p. 15,16.
11 NAMJOSHI, Suniti(1944 - ). In Feminist Fables, 1981. Escritora indiana, é professora do Depto. De Inglês na Universidade de Toronto.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR20
Wolf not dead. Wolf marries mother. R. not happy. R. is a kid. Mother thinks wolf is extremely nice. Please to
see shrink. Shrink will make it clear that wolves on the whole are extremely nice. R. gets it straight. Okay to be
wolf. Mama is a wolf. She is a wolf. Shrink is a wolf. Mama and shrink, and forester also, extremely uptight.12
O autor chama a atenção para o fato de que mais importante que a extensão será o insight, aquele
mergulho existencial. 13
A história acima é uma releitura, irônica, do tradicional conto “Chapeuzinho
Vermelho”, em que a personagem principal, Chapeuzinho Vermelho, é, também, a narradora
que questiona o comportamento da mãe. A narrativa é breve, fragmentada, cifrada, e deixa que
o leitor manifeste um julgamento moral através do diálogo estabelecido entre o texto novo e a
história tradicional, de conhecimento prévio do leitor.
O Leitor
Segundo Harold Bloom14
, os contos favorecem uma postura ativa do leitor, que é levado
a trazer as respostas e explicações que o autor evita; they compel the reader to be active and to discern
explanations that the writer avoids15
. Diferentemente dos romances, o leitor participa nos contos, infe-
rindo sobre o que não está explicito, valendo-se, para tanto, das pistas oferecidas pelos escritores.
A maior parte dos contistas evita um julgamento moral deixando que os leitores decidam sobre
a sua relevância ou não.
A qualidade do conto está diretamente relacionada à sua capacidade de provocar no leitor
um arrebatamento que não o faça abandonar a leitura até chegar ao seu final. Pressupõe-se, por-
tanto, uma relação entre a tensão e a extensão do conto, uma vez que, o autor necessita não cansar
o leitor com uma leitura longa e, ao mesmo tempo, mantê-lo interessado no texto. É, portanto,
no efeito (singular) que o conto causa ao leitor que Poe vai estabelecer a diferença entre romance
e conto, afirmando que no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual
for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência
externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção 16
. De acordo com Poe, o conto é o resultado
de um trabalho consciente do autor, e do seu controle sobre o material que pretende narrar, ten-
12 NAMJOSHI, Suniti. Case History - Three Feminist Fables. In Wayward Girls & Wicked Women.CARTER, Angela, editor. New York: Penguin Books,
1986. p. 85
13 PÓLVORA, Hélio.Op.cit. loc. cit.
14 BLOOM, Harold. How to read and why. New York: Touchstone, 2000.p.31.
15 SIMON, Sonia. Tradução livre. “eles (os contos) compelem o leitor a se tornar ativo e buscar explicações evitadas pelos escritores.” BLOOM, Harold.
Op.cit. Loc. cit.
16 POE, Edgar A. Apud GOTLIEB, Nádia B. Op. Cit. p. 34.
CURIOSIDADE
Uma vez perguntaram ao escritor americano, Edgar Allan Poe
“como se ler um conto?” e ele respondeu: “em uma sentada...” Pode-
ríamos interpretar a resposta, como mais uma reiteração da obrigato-
riedade da brevidade do conto. Entretanto, o que Poe se referia era a
capacidade da obra literária em “seqüestrar” o leitor de forma a não
querer parar de ler a história até o seu desfecho, em uma só “sentada”.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 21
do sido concebido desde o início com o intuito de causar um efeito singular.
Segundo Nádia Gotlib, trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos17
.
Edgar Allan Poe
Edgar Allan Poe (1809-1849) é considerado um mestre desta forma narrativa e escreveu
contos portadores de um forte conteúdo simbólico. Sua obra influenciou escritores do século
XX, na Europa e nos Estados Unidos, que iniciaram o movimento conhecido como moder-
nismo. Os contos de Poe possibilitam uma investigação psicológica dos seus personagens. A
psicologia e o simbolismo são traços que renderam a Poe o título de “pai do conto moderno”.
Seus contos narram histórias de horror, morte, vingança, ruína, em cenários variados; as histórias
dizem respeito a conflitos psicológicos e os seus personagens geralmente se encontram em está-
gios mentais limítrofes da loucura.
Tomemos como exemplo o início do conto The Black Cat datado de 1843, em que o nar-
rador diz:
FOR the most wild, yet most homely narrative which I am about to pen, I neither
expect nor solicit belief. Mad indeed would I be to expect it, in a case where my very senses
reject their own evidence. Yet, mad am I not --and very surely do I not dream. But to-morrow
I die, and to-day I would unburthen my soul. (…) In their consequences, these events have
terrified --have tortured --have destroyed me. Yet I will not attempt to expound them. To me,
they have presented little but Horror --to many they will seem less terrible than baroques.
Desde o primeiro parágrafo, o leitor é introduzido em uma atmosfera de morte: to-morrow I
die... e loucura: Mad indeed would I be to expect it… Os temas de morte e loucura, recorrentes
nos contos e poemas de Edgar Allan Poe, fizeram parte também de sua vida pessoal, marcada por
perdas familiares e abuso de substâncias tóxicas como o álcool e que resultaram no seu trágico
desaparecimento precoce.
17 GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2004, p. 35
Edgar Allan Poe é considerado o pioneiro das histórias de detetive e de ter-
ror, seus contos remetem o leitor a uma atmosfera de terror e medo e tornaram-se
referências neste tipo literatura.
Saiba mais!
The black cat
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR22
PARA REFLETIR
A presença deste traço biográfico na obra de Poe reverbera para a discussão sempre presen-
te nos estudos literários sobre a pertinência de estudar a biografia do autor para entender a sua
obra. De um lado temos o historicismo, que realiza um estudo do pano de fundo da obra (con-
texto histórico e biografia do autor), de outro lado, temos os estudos de base estruturalista, que
defendem uma outra leitura, privilegiando a análise do texto em sua imanência, ou seja, em sua
estrutura, desconsiderando qualquer coisa que não seja a linguagem. Antoine Compagnon postu-
la a conjugação destas duas vertentes, pois, conforme este “demônio da teoria”, ainda uma vez, trata-se
de sair desta falsa alternativa: o texto ou o autor. Por conseguinte, nenhum método exclusivo é suficiente 18
.
Poe foi o pioneiro na escrita de histórias de crime em que o detetive utiliza o raciocínio para
a elucidação dos assassinatos, diferentemente das histórias tradicionais em que os investigadores
se limitam a seguir as pistas deixadas pelos criminosos sem, contudo, se deter, por exemplo, na
análise dos dados e do estudo da patologia do criminoso. Este procedimento cria um envolvi-
mento lúdico com o leitor que “participa” na decifração de códigos que levarão à descoberta do
autor do crime. Em “Os assassinatos da Rua Morgue”, conto inaugural deste gênero narrativo, o
personagem principal é um detetive, Monsieur Dupin, cuja perspicácia na investigação dos crimes
o consagrou na tradição posteriormente seguida por outros escritores de língua inglesa como, Ar-
thur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, e Agatha Christie, criadora do Monsieur Poirot
e Miss Marple.
Edgar A. Poe dividiu seus contos em duas categorias: Arabesque e Grotesque. Denominou
Arabesque a narrativa predominantemente em prosa, em que o estado psicológico dos persona-
gens encontra-se no limite da sanidade, ou em situação física e/ou mental de agonia a ponto de
estarem sempre prontas a se entregarem à morte de forma prazerosa. A categoria descrita como
Grotesque se refere à prosa que remete a um poema. A morte está sempre presente na obra de Poe
e as heroínas de seus contos e poesias são mulheres que já faleceram ou que encontram a morte
durante a narrativa.
Poe também se destacou como poeta e ensaísta; o seu poema The Raven (O Corvo) e o en-
saio The Philosophy of Composition são obras referenciais em suas respectivas áreas. Em The Philoso-
phy of Composition, Poe retoma algumas observações sobre o conto e defende o seu ponto de vista
acerca da totalidade de efeito ou unidade de impressão que se consegue ao ler o texto de uma só vez 19
.
18 COMPAGNON, Antoine. O Autor. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Hori-
zonte: UFMG, 1999, p. 96.
19 GOTLIB, N. Op. Cit. p. 35.
The Raven
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 23
Saiba mais!
Para Poe, o processo de criação literária é consciente e intencional. Ele trabalha
com o intuito de causar um efeito no leitor, e todas as suas escolhas são feitas com
o objetivo de conseguir esse efeito. Nesse sentido ele não compartilha da crença na
inspiração, mas defende que o escritor parte de uma proposta de construção de um
conto, baseado em um acontecimento que cause este efeito, predeterminado e sin-
gular, sobre o leitor.
Cortazar resume o conceito de conto em Poe dizendo que um conto é uma verdadeira máquina
literária de criar interesse e amplia esta noção identificando o acontecimento como fundamental para
despertar e manter o interesse do leitor.
As contribuições de Poe estendem-se, ainda, à configuração do flâneur, que influenciou auto-
res como Baudelaire. Segundo Walter Benjamin, o flâneur é o sujeito que se entrega à multidão dos
grandes centros urbanos, contemplando a transitoriedade da vida na cidade. Um conto exemplar
que traz a figura do flâneur e ilustra este elogio às multidões é O homem da multidão. Este conto traz
a história de uma personagem, o narrador, que, encontrando-se no Café D., observa a multidão.
Atendo-se, inicialmente à visão da grande massa indistinta que caracteriza o cenário observado,
o narrador, progressivamente, é levado a particularizar os grupos de transeuntes que passam em
sua frente. Cada grupo, contudo, não escapa à massificação imposta pelos grandes centros e logo
a personagem passa a qualificar os transeuntes em tipos, quais sejam, “the tribe of clerks” (“a cas-
ta dos empregados”), “the upper clerks of staunch firms” (“a dos empregados de maior categoria
de antigas firmas sólidas”), “the race of swell pick-pockets” (“ a raça dos batedores de carteiras
fantasiados de peraltas”), entre outros. As pessoas eram, assim, qualificadas conforme o seu tipo,
como ilustra o trecho abaixo sobre a caracterização dos jogadores (gamblers):
The gamblers, of whom I described not a few, were still more easily recognizable. They wore every variety of
dress, from that of the desperate thimble-rig bully, with velvet waistcoat, fancy neckerchief, gilt chains, and filigreed
buttons, to that of the scrupulously inornate clergyman than which nothing could be less liable to suspicion. Still
all were distinguished by a certain sodden swarthiness of complexion, a filmy dimness of eye, and pallor and com-
pression of lip. There were two other traits, moreover, by which I could always detect them; -- a guarded lowness
Flâmeur
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR24
of tone in conversation, and a more than ordinary extension of the thumb in a direction at right angles with the
fingers. -- Very often, in company with these sharpers, I observed an order of men somewhat different in habits,
but still birds of a kindred feather. They may be defined as the gentlemen who live by their wits. They seem to
prey upon the public in two battalions -- that of the dandies and that of the military men. Of the first grade the
leading features are long locks and smiles; of the second frogged coats and frowns20
.
Divertindo-se ao reconhecer cada tipo que por ele transita, repentinamente, o seu olhar
passa para um plano mais individual. É o momento em que narrador se depara com um sujeito
que escapa a qualquer classificação. Este homem é um decrepit old man, some sixty-five or seventy years
of age (“um velho decrépito, de uns sessenta e cinco ou setenta anos de idade21
”). Em meio àquela
multidão, a aparência estranha daquele homem lhe chama a atenção a ponto de sair em meio a
multidão perseguindo-o. Nesta trajetória, tem a impressão de estar acompanhando em vão aque-
le velho que, concluindo ser “o tipo e o gênio do crime profundo”, desiste de persegui-lo, pois
como já traduzira um certo livro alemão, citado no começo da história, talvez ele seja um caso
que não deve ser lido.
Além de Poe, a literatura anglófona conta com uma gama de escritores que se destacaram
na escolha do conto como forma literária: Henry James, James Joyce, D.H. Lawrence, Ernest
Hemingway, Eudora Welty, Flannery O’Connor, Virginia Woolf, Katherine Mansfield, William
Faulkner, Scott Fitzgerald, e muitos outros.
Enquanto Poe considerava fundamental o efeito causado pelo conto, outros estudiosos o
definem como a representação de um momento especial ou de crise. Discute-se, porém, se o mo-
mento especial seria o da leitura, o do acontecimento, ou ainda aquele vivido pelo narrador. Ain-
da há críticos que consideram que o conto representa justamente a falta de crise. De acordo com
Gotlib, o importante é que o conto representa, de forma especial, algo que faz parte da vida.
James Joyce & Epifania
Dentre os autores que se distinguiram por retratarem “momentos especiais” James Joyce
ocupa um lugar de destaque pela sua concepção de epifania.
20 POE, Edgar Allan. The man of the crowd. Disponível: http://etext.virginia.edu/etcbin/toccer-new2?id=PoeCrow.sgm&images=images/
modeng&data=/texts/english/modeng/parsed&tag=public&part=1&division=div1. Acesso: 31 jan. 07
21 POE, Edgar Allan. O homem da multidão. In: ______. Ficção completa, poesia e ensaios. Tradução de Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1986, p. 38-45.
É interessante ponderarmos que apesar de haver uma ênfase so-
bre o caráter fantástico das Histórias extraordinárias de Poe, elas não
deixam de registrar marcas do contexto histórico e social no qual o
escritor viveu. A configuração de um cenário tal como o descrito no
conto, a caracterização das personagens e a apresentação de tipos so-
ciais da cidade moderna oferecem uma visão em nada superficial do
que seria a sociedade da época.
Para refletir
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 25
James Joyce (1882-1941) foi um escritor irlandês, mais notoriamente conhecido pelos seus
romances Ulysses e Finnegan’s Wake, marcados por uma estratégia narrativa chamada fluxo de cons-
ciência ou monólogo interior, que consiste na narração de uma história marcada por raras ações e
constantes reflexões e rememorações. Uma outra narrativa bastante significativa, mas que escapa
um pouco à proposta dos romances supracitados, é a sua coletânea de contos, The Dubliners (Os
Dublinenses), escrita em 1914.
Em Contos Dublinenses, que protagoniza a cidade de Dublin, as narrativas se iniciam com
uma descrição minuciosa dos locais onde se passa a história, como na seguinte passagem:
North Richmond Street, being blind, was a quiet street except at the hour when the Christian Brothers’
School set the boys free. An uninhabited house of two stores stood at the blind end, detached from its neighbours in
a square ground. The other houses of the street, conscious of decent lives within them, gazed at one another with
brown imperturbable faces.
É composto um retrato da cidade de Dublin, do seu povo e clima, a partir da visão e ex-
periência do autor. As histórias são perpassadas por um olhar sobre a infância, a adolescência, a
maturidade e a vida pública.
Todavia, não obstante ser um cronista de sua própria cidade, a mais importante caracterís-
tica de Joyce reside na utilização do recurso da epifania em seus contos e romances. Conforme
concebida por Joyce, a epifania é identificada como uma espécie ou grau de apreensão do objeto que poderia
ser identificada com o objetivo do conto, enquanto uma forma de representação da realidade 22
.
A palavra vem do grego epipháneia, significando manifestação ou aparecimento. A Igreja
Católica utiliza o vocábulo epifania no sentido de revelação, quando da passagem da primeira
manifestação de Jesus Cristo ao gentios, durante a visita dos Reis Magos: Em geral, uma súbita ma-
nifestação ou percepção da natureza essencial ou significado de alguma coisa. (Webster, 1971, p. 279).
Segundo o próprio Joyce,
“por epifania, referia-se a uma súbita manifestação espiritual, seja na vulgaridade do discurso ou do gesto,
seja numa fase memorável do próprio espírito” 23
.
De acordo com Hélio Pólvora, o conto Araby (vide indicação de leitura e site), contém o
instante mais epifânico da coletânea The Dubliners. O enredo focaliza a paixão adolescente em que
o objeto da afeição, uma moça, não pode ir a um bazar que se chama Araby e o apaixonado, um
rapaz, lhe promete ir e trazer-lhe um presente. Neste momento, ocorre a epifania:
She held one of the spikes, bowing her head towards me. The light from the lamp opposite our door caught
the white curve of her neck, lit up her hair that rested there and, falling, lit up the hand upon the railing. It fell
over one side of her dress and caught the white border of a petticoat, just visible as she stood at ease.
O instante em que ocorre a epifania é o momento de revelação – objetivo do conto. Em
Araby a revelação é o momento em que o adolescente percebe o objeto da sua paixão, uma mu-
lher, tornando-se, por sua vez, um homem. É o instante fugaz da sua transformação em adulto,
modificando irreversivelmente a sua condição como ser humano. A epifania é um momento
22 GOTLIB, N. Op. Cit. p. 51.
23 JOYCE, James, apud PÓLVORA, Hélio. Op. cit. p.68.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR26
especial pela significação que traz. Joyce “desvela” algo através da linguagem: um instante que
revela o objeto ao sujeito.
...o trivial em Joyce, quando tem de fato alguma significação, se ilumina, passa a emitir luz própria; de
repente, uma frase ou um trecho de prosa entra a arder como se fosse um facho24
.
Isto equivale a dizer que a linguagem, em Joyce, consegue transformar o prosaico em uma
transfiguração da realidade, inaugurando uma das matrizes da prosa moderna.
Na idade moderna, outros autores de língua inglesa se destacaram como contistas, notada-
mente Katharine Mansfield (Nova Zelândia), Angela Carter, Margaret Atwood (Canadá), Virginia
Woolf entre tantos outros.
Virginia Woolf
Virginia Woolf valeu-se proficuamente da estratégia narrativa de fluxo de consciência em
seus contos. Neles a ação apresenta-se apenas como uma espécie de pano de fundo de reflexões
e memórias que preenchem os seus contos, marcados pela ausência de uma seqüência temporal,
ou seja, da linearidade e apresentados como se realmente seguissem o fluxo do pensamento de
suas personagens. Além disso, é válido destacar o nível de poeticidade de sua narrativa que, aliada
à ausência de ação, já referida, qualificam-na como uma prosa poética.
O processo empreendido por esta autora é, conforme termo utilizado por Victor Chklo-
vski25
, em “A arte como procedimento”, o de desautomatizar a percepção, que é assim tornada
automática em virtude do ritmo acelerado da vida que faz com que cada ação passe despercebida.
A arte como procedimento é, então, claramente evidenciada em Kew Gardens, conto no qual o nar-
rador, minuciosa e poeticamente narra um dia de julho em Kew Gardens. O narrador faz incursões
minimalistas na paisagem, depreendendo cores, ruídos, sensações, que consistem no verdadeiro
tema do conto, como ilustra o primeiro parágrafo do conto.
From the oval–shaped flower–bed there rose perhaps a hundred stalks spreading into heart–shaped or ton-
gue–shaped leaves half way up and unfurling at the tip red or blue or yellow petals marked with spots of colour
raised upon the surface; and from the red, blue or yellow gloom of the throat emerged a straight bar, rough with
24 PÓLVORA, Hélio. Op. cit.p.63.
25 CHKLOVSKI, Victor. “A arte como procedimento”. Tradução Ana Maria Ribeiro Filipouski et al. In: TOLEDO, Dionísio (org). Teoria da Literatura:
Formalistas russos. 2ª reimpressão da 1.ed. Porto Alegre: Globo, 1973, p. 39-56.
Em virtude do caráter estático de sua narrativa, a literatura de
Virginia Woolf pode, por vezes, ser considerada alheia à realidade. No
entanto, em uma leitura mais arguta de sua obra, notamos um olhar
que escapa ao realismo, mas que apresenta uma capacidade de penetrar
no indizível, no mistério do ser humano, e captar uma visão do real
que jamais seria possível através de uma narrativa que se pretendesse
mais “fidedigna” à realidade.
Para refletir
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 27
gold dust and slightly clubbed at the end. The petals were voluminous enough to be stirred by the summer breeze,
and when they moved, the red, blue and yellow lights passed one over the other, staining an inch of the brown earth
beneath with a spot of the most intricate colour. The light fell either upon the smooth, grey back of a pebble, or,
the shell of a snail with its brown, circular veins, or falling into a raindrop, it expanded with such intensity of red,
blue and yellow the thin walls of water that one expected them to burst and disappear. Instead, the drop was left
in a second silver grey once more, and the light now settled upon the flesh of a leaf, revealing the branching thread
of fibre beneath the surface, and again it moved on and spread its illumination in the vast green spaces beneath the
dome of the heart–shaped and tongue–shaped leaves. Then the breeze stirred rather more briskly overhead and the
colour was flashed into the air above, into the eyes of the men and women who walk in Kew Gardens in July.
A ação cede o seu lugar para o desenho de um quadro em que transitam pessoas, conforme
a seguinte passagem:
soon diminished in size among the trees and looked half transparent as the sunlight and shade swam over
their backs in large trembling irregular patches 26
.
A tradução desta passagem para o português é:
logo diminuíam de tamanho entre as árvores, dando a impressão de serem semitransparentes à medida que
a luz e sombras boiavam nas suas costas em manchas trêmulas, grandes e irregulares 27
.
Ao transubstanciar a passagem de um grupo de pessoas em uma imagem semitransparente
e subjetivar a paisagem, o narrador redimensiona o olhar do seu leitor de uma visão meramente
superficial da realidade para um olhar sensível às sutilezas do mundo e capaz de desacelerar o
processo de banalização da vida.
Devemos ressaltar que, inserida em um contexto entre a era vitoriana e o início da era mo-
derna na Inglaterra, a produção ficcional de Virginia Woolf não raro traz à baila as contradições
de uma época marcada pelo conservadorismo e a predominância de ditames patriarcais, assim
como pela euforia trazida pelo processo de modernização. O seu projeto estético, neste sentido, é
também ético, pois ela problematiza, através da escolha por uma composição mais poética e livre
da linearidade, a predominância de um padrão que rime com opressão.
Virginia Woolf e Katherine Mansfield
Uma outra contista muito significativa nas letras inglesas, é a neozelandesa Katherine Mans-
field. As narrativas desta autora, ao lado das de Virginia Woolf, figuram como inquietantes críticas
ao moralismo de herança vitoriana e à posição social da mulher, o que leva a sua escrita a ser
qualificada por vezes como feminista. São apontadas, ainda, outras aproximações entre Mansfield
e Woolf no que tange ao projeto literário. Na literatura destas autoras, verifica-se, por exemplo,
uma ênfase sobre as reflexões, em detrimento da ação. Mas, no que concerne à configuração das
personagens, podem ser identificados alguns distanciamentos, já que as personagens de Mans-
field são construídas com um traço de humor e ironia, enquanto as de Woolf carregam uma certa
26 WOOLF, Virginia. Kew Gardens. In: ______. A haunted house. Disponível: http://etext.library.adelaide.edu.au/w/woolf/virginia/w91h/chap6.html.
Acesso: 31 jan. 2007.
27 WOOLF, Virginia. Kew Gardens. In: ______. Contos completos. Tradução Leonardo Fróes. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 117.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR28
elegância e sutileza. Observamos, no que tange à configuração do cenário, no entanto, uma clara
aproximação, basta comparar o trecho de Kew Gardens, de Virginia Woolf, acima destacado, ao de
The garden party, de Katherine Mansfield.
Windless, warm, the sky without a cloud. Only the blue was veiled with a haze of light gold, as it is so-
metimes in early summer. The gardener had been up since dawn, mowing the lawns and sweeping them, until the
grass and the dark flat rosettes where the daisy plants had been seemed to shine. As for the roses, you could not
help feeling they understood that roses are the only flowers that impress people at garden-parties; the only flowers
that everybody is certain of knowing. Hundreds, yes, literally hundreds, had come out in a single night; the green
bushes bowed down as though they had been visited by archangels28
.
Apesar do minimalismo em Mansfield não ser tão exacerbado quanto no texto de Virginia,
o jardim descrito pela narradora de Katherine Mansfield é poeticamente singularizado em seu
conto, que narra, assim como em um romance de Virginia Woolf, Mrs. Dalloway, os preparativos
para uma festa.
Angela Carter
Iniciamos este módulo falando sobre a tradição oral nos primórdios da configuração da lite-
ratura em língua inglesa. É muito comum associarmos a literatura de base oral ao período anterior
ao despontar da modernidade. Esta associação é justificada pelas razões já aqui mencionadas ao
tratar das oposições apontadas por Walter Benjamin entre o narrador tradicional e o moderno. A
despeito deste binarismo, devemos considerar que a oposição entre o oral e o escrito nem sempre
se sustenta, principalmente se observarmos que muitos textos da tradição oral apenas chegaram
até nossos dias porque foram escritos e, além disso, há traços da oralidade no texto escrito e
vice versa. No tocante às interseções entre o oral e o escrito, é válido mencionar a autora Angela
Carter que, em plena pós-modernidade, fez uma releitura de contos da tradição oral, que foram
reunidos em seu livro O quarto do Barba-azul.
O quarto do Barba-azul é composto por dez contos que narram em forma de pastiche histó-
rias infantis, em sua maioria contos de fadas. Tomemos como exemplo o conto “O lobisomem”,
no qual a autora faz uma releitura do conto de fadas Chapeuzinho vermelho, tornado clássico por
Charles Perrault. Neste conto, o narrador começa a história configurando um cenário frio, em que
predominam as superstições. Um mundo cheio de bruxas, diabos, figuras lendárias que permeiam
os pensamentos de “Vidas pobres, breves, árduas ”29
. Situando o imaginário da época, a narradora
então conta a ida de uma menina que, atendendo ao pedido da mãe, vai visitar a sua avó.
Vá visitar a sua vovozinha, que tem estado doente. Leve-lhe bolos de aveia que fiz no fogão de pedra e uma
malguinha com manteiga30
.
[...]
Não saia do caminho, por causa dos ursos, do javali, dos lobos esfaimados. Olhe, leve o facão do seu pai;
você sabe usá-lo.
A menina obedece, não deixando de levar o facão mencionado pela mãe. No caminho,
28 MANSFIELD, Katherine. The garden party. In: ______. The garden party. Disponível: http://digital.library.upenn.edu/women/mansfield/garden/
party.html. Acesso: 31 jan. 07.
29 CARTER, Angela. O lobisomem. In: ______. O quarto do Barba-azul. Tradução Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 193.
30 Op. cit., p. 194.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 29
depara-se com um lobo e, prontamente, o fere com o facão amputando-lhe a mão. Ela enrola a
mão amputada e a leva dentro da cesta à casa da avó. Lá chegando depara-se com a avó muito
enferma. Abre a cesta e vê que a pata que havia guardado transformara-se em uma mão, a mão
que faltava à sua avó. A menina puxou o lençol da avó e esta lutou contra a menina, que gritou tão
alto a ponto de os vizinhos ouvirem e aparecerem para ajudá-la. A avó era, na verdade, a bruxa.
É interessante observarmos nesta história que esta releitura é enriquecida por questões de
cunho cultural identificadas quando o narrador faz a caracterização do cenário e não se exime
de falar sobre as crenças da época que justificam os acontecimentos fantásticos que ocorrem na
narrativa. Por este conto de Carter, notamos, portanto, que a atmosfera tosca e a vida da floresta,
com todas as feras que nela vivem, são um ambiente propício para engendrar lendas e mitos que
explicam aquilo que o povo, sem estas narrativas, não conseguiria explicar.
Em linhas anteriores, afirmamos que no livro enfocado, Angela Carter narra em forma de
pastiche. Para entender este termo pós-moderno, precisamos, na esteira de Silviano Santiago31
,
estabelecer a diferença entre paródia e pastiche. Segundo Santiago, a paródia consiste em uma
ruptura frente ao passado, que não raro é marcada pelo escárnio e ironia, predominante na mo-
dernidade. O pastiche, por sua vez, “aceita o passado como tal, e a obra de arte nada mais é do
que um suplemento ”32
. Desse modo, a distinção entre estas duas instâncias se estabelece para
Silviano a partir da relação que elas têm com o passado. Conforme o autor, “o pastiche endossa
o passado, ao contrário da paródia, que sempre ridiculariza o passado ”33
.
A presença de um elemento como a ironia, conforme Silviano Santiago, poderia nos levar a
considerar os contos de Angela Carter como paródia, por serem eles marcados por esse elemen-
to. No entanto, as aproximações ao pastiche se justificam pelo fato de as narrativas de Carter não
representarem uma ruptura com o passado. O que Angela Carter propõe é uma “outra” leitura,
que suplemente o que já foi escrito e não que rechace a tradição.
Podemos concluir considerando que o compromisso do conto é com a “história”, seu foco
original. E a economia que permeia a construção do conto é que possibilita o surgimento da
genialidade de grandes autores na manipulação da tensão de uma narrativa que ao seqüestrar a
atenção do leitor faça-o lê-lo de uma “só sentada”.
31 SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: ______. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p.
108-144.
32 Op. cit., p. 134.
33 Idem, ibidem.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR30
Dentre os textos que lhe são conhecidos na literatura ocidental qual a narrativa que você
identificaria como texto(s) fundador(es) de uma nação?
1.
Atividade Complementar
De acordo com o conceito de amor cortês, qual história você conhece em que se pode
identificar essa noção de amor?
2.
Que histórias de amor impossível você conhece? Por que o amor se torna impossível
nessas histórias?
3.
Que narrativa(s) você conhece que se baseia no folclore?4.
Leia o conto The Black Cat, de Edgar Allan Poe, no site abaixo recomendado e descreva
a sensação produzida pelo conto.
5.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 31
Edgar A. Poe:
http://bau2.uibk.ac.at/sg/poe/works/blackcat.html
James Joyce:
http://www.bibliomania.com/0/0/29/63/frameset.html
Rudyard Kipling:
http://www.classicshorts.com/bib.html#tec
Sites indicados
Filmes indicados
Beowulf
A Lenda de Grendel
Um Leão no Inverno
Tristão e Isolda
Lancelot
Os Mortos (The Dead)
O ROMANCE
O NASCIMENTO DO ROMANCE
De acordo com Ian Watt (1990)34
, o surgimento do romance ocorre no século XVIII,
período que marca a ascensão e consolidação da burguesia. Para empreender a análise sobre o
surgimento do romance, em sua relação com o contexto histórico mencionado, Watt se debruça
sobre três representativos escritores, quais sejam, Defoe, Richardson e Fielding do século. Estes
escritores foram escolhidos para desenvolver a sua teoria sobre o romance porque, segundo Watt,
eles forjaram uma nova configuração literária que foge aos modelos da ficção da Grécia, da Idade
Média e do romance francês do século XVII, voltando-se para a experiência do indivíduo em sua
solidão, privilegiando uma escrita que fosse fiel ao “real”.
34 WATT, Ian. Realism and the novel form. In: id. The rise of the novel: studies in Defoe, Richardson and Fielding. U.S.A.: Penguin Books, 1983.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR32
O empenho em configurar uma narrativa “real” advém da leitura que fez sobre o Discurso
sobre o método e Meditações, de Descartes. Na leitura desta obra, Watt sustenta a noção de que a “busca
da verdade” passou a ser uma “questão inteiramente individual”, deixando de ser uma busca da
coletividade.
Defoe, Richardson & Fielding
O romance se configura como uma forma literária nova, diferente das produzidas nos sé-
culos anteriores, e que teve início na Inglaterra, no começo do século XVIII com Daniel Defoe,
Samuel Richardson e Henry Fielding. Embora Richardson e Fielding considerassem suas obras
como pioneiras por terem rompido com o antigo modelo ficcional, o termo “romance” só se
consagrou no final do século XVIII e esses autores sequer o utilizaram para designar a nova cria-
ção literária.
De fato, os autores mencionados não constituem uma “escola literária”, e suas obras apre-
sentam diferenças que demonstram a inexistência de influências recíprocas. Entretanto, o fato de
que esses três primeiros romancistas ingleses tivessem surgido na mesma geração leva-nos a crer
que as condições históricas da época contribuíram para favorecer o aparecimento do romance
como tal.
Realismo e o Romance
Os historiadores afirmam que a diferença essencial entre as formas literárias anteriores e
o romance é o “realismo”. A palavra “realismo” foi utilizada na pintura de Rembrandt como o
termo oposto ao “ideal poético” da pintura neoclássica; posteriormente, o termo passou a ser
utilizado na literatura. A palavra como antônima de idealismo tem origem na retratação da vida
vulgar, ou seja, nas imperfeições do comportamento humano e seus deslizes por motivos eco-
nômicos ou carnais. Ian Watt considera que a superficialidade dessa consideração subestima uma
questão fundamental que é o fato que o romance procura retratar todo o tipo de experiência humana35
e
não apenas os aspectos vulgares; além do mais, Watt argumenta que a maneira como a experiên-
cia humana encontra-se representada é mais relevante do que a espécie de vida apresentada. Esta
posição está mais próxima dos realistas franceses, que, por sua vez, consideram que o romance,
mais do que qualquer outra forma literária, fez emergir a questão da imitação e correspondência
entre a vida real e literatura.
Assim, o romance é o veículo literário lógico de uma cultura que, nos últimos séculos, conferiu um valor sem
precedentes à originalidade, à novidade36
.
Individualismo
A busca da verdade como um questionamento individual se reflete nessa “nova” forma lite-
rária chamada romance, desafiando, portanto, a pratica tradicional que se baseava na História ou
na fábula (WATT, 1990, p.15). Entretanto, se levarmos em consideração o fato que o romancista
precisa imprimir fidelidade à experiência humana através de seus relatos, torna-se difícil identifi-
car a novidade e originalidade nos romances, desafio que exigirá habilidade do escritor no manejo
das convenções formais.
35 WATT, Ian. A Ascensão do Romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 13.
36 WATT, Ian. Op. Cit. p. 15.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 33
Considerando que Defoe e Richardson foram os primeiros grandes escritores ingleses que
não basearam seus enredos na mitologia, História ou outra fonte literária do passado, Watt esta-
belece as características que diferenciam as formas literárias anteriores e o romance.
Daniel Defoe se distingue pela narrativa fluida, espontânea, mesclada com a memória auto-
biográfica. A publicação de Robinson Crusoe em 1719, seguido da continuação da história desta
personagem em 1720, inaugura uma nova forma literária que engloba outras formas narrativas
como o diário, e memórias autobiográficas, se constituindo como marco do nascimento do ro-
mance moderno. A história é o relato das aventuras de uma personagem de nome Robinson
Crusoe, desde a sua partida da Inglaterra até o seu retorno, após passar 24 anos como náufrago
numa ilha deserta.
Ambiente
Segundo Watt, dentre os aspectos que distinguem o romance estão a caracterização do am-
biente e a sua detalhada apresentação. No romance, os espaços físicos são apresentados com uma
descrição pormenorizada, bem como os ambientes em que ocorrem as cenas do enredo. Veja no
seguinte exemplo:
There was a hill not above a mile from me, which rose up very steep and high, and which seemed to over-top
some other hills, which lay as in a ridge from it northward;
(…)
… I found a little plain on the side of a rising hill, whose front towards this little plain was steep as a
house-side, so that nothing could come down upon me from the top; on the side of this rock there was a hollow place
worn a little way in like the entrance or door of a cave, but there was not really any cave or way into the rock at
all 37
.
A ilha em que Robinson Crusoe se refugia após o naufrágio é descrita detalhadamente em
todos os aspectos físicos e geográficos, e, de fato, a personagem realiza um inventário de tudo que
consegue retirar do navio naufragado para a constituição de seu novo lar. Assim também ocorre
com os ambientes onde Pamela, personagem principal do romance homônimo de Richardson,
37 DEFOE, Daniel. The Life and Adventures of Robinson Crusoe. London: Penguin Books, 1983. p. 71 & 77.
Robinson Crusoe
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR34
circula.
Personagens
Outro aspecto ressaltado por Watt é o fato de que, no gênero romance, as personagens são
particularizadas, ou seja, são construídas de forma a se constituírem como indivíduos com iden-
tidade própria, portando nome e sobrenome: Os nomes próprios têm exatamente a mesma função na vida
social: são expressão verbal da identidade particular de cada indivíduo38
.
I was born in the year 1632, in the city of York, of a good family, tho’ not of that country, my father
being a foreigner of Bremen, who settled first at Hull. He got a good state by merchandise, and leaving off his
trade lived afterward at York, from whence he had married my married my mother, whose relations were named
Robinson, a very good family in that country, and from whom I was called Robinson Kreutznaer; but by the usual
corruption of words in England, we are now called, nay, we call ourselves and write our name, Crusoe, and so my
companions always call me39
.
Defoe, por exemplo, evita nomes extravagantes e tradicionais, utilizando nomes próprios
mais próximos à sua realidade. Richardson seguiu esta tendência e foi além, dando nome e sobre-
nome até mesmo às personagens secundárias. Quanto a Fielding, há evidências que haja retirado
os nomes de seus personagens de uma lista de assinantes da edição de 1724 da History of his own
time de Gilbert Burnet. Esta prática consolidou esse costume como tradição do gênero, tornan-
do-se uma ferramenta que ajuda a manter a crença do leitor na veracidade da “existência” da
personagem.
O Tempo
O tempo é outro aspecto fundamental do romance, em que os personagens existem como
indivíduos em um determinado espaço e em um determinado tempo. Segundo Watt, as persona-
gens do romance só podem ser individualizadas se estão situadas num contexto com tempo e lo-
cal particularizados. Essa dimensão tornou-se crucial a partir do Renascimento e que o romance
passou a refletir de modo particular.
E.M. Forster considera o retrato da “vida através do tempo” como a função distintiva que
o romance acrescentou à preocupação mais antiga da literatura pelo retrato da “vida através dos
valores”. Northrop Frye vê “a aliança entre tempo e homem ocidental” como a característica
definidora do romance comparado a outros gêneros40
.
Diferentemente da tragédia em que a ação ocorre em 24h, ou do conto cujo foco está dire-
cionado para um momento específico, o romance pode abranger toda a vida de uma personagem
ou mesmo de gerações. Em Crusoe, por exemplo, a narrativa perpassa um grande período de
tempo da vida da personagem que, só como náufrago passa 24 anos na ilha! De fato, a história
inicia antes do naufrágio e termina depois do seu retorno à Inglaterra. Crusoe mantém um diário,
em que anota as suas atividades contendo datas especificas.
38 WATT, Ian. Op. Cit. p. 19.
39 DEFOE, Daniel.Op. cit. p.31.
40 WATT, Ian. Op. cit. p. 22
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 35
The Journal41
September 30, 1659. I, poor miserable Robinson Crusoe, being shipwrecked, during a dreadful storm, in
the offing, came on shore on this dismal unfortunate island, which I called the Island of Despair, all the rest of
the ship’s company being drowned, and my self almost dead.
(…)
October 1. In the morning I saw…
(…)
From the 1 of October to the 24 . All these days entirely spent in many several voyages to get all I could
out of the ship, which I brought on shore, every tide of flood, upon rafts.
Richardson, por sua vez, utilizando a forma epistolar para acentuar o cunho de veracidade
da narrativa, detalha os sobrescritos das cartas com dia da semana e até a hora do dia. Fielding,
em Tom Jones, detalha cronologicamente as viagens entre West Country e Londres das persona-
gens, informando até mesmo as fases da Lua, além de relatar acontecimentos históricos do ano
em que transcorre a ação. A narrativa no romance também permite uma alternância de relatos
entre fatos passados e o tempo presente (da ação no romance), como por exemplo, a técnica de
flashback. Portanto, com relação ao enredo, o romance estabelece uma relação entre ações pas-
sadas e a presente, em que as experiências passadas se constituem como causa da ação presente,
diferentemente das formas literárias anteriores.
A fidelidade do romance à experiência cotidiana depende diretamente de seu emprego de uma escala tempo-
ral muito mais minuciosa do que aquela utilizada pela narrativa anterior42
.
De fato, o romance se detém no detalhamento do cotidiano da vida de suas personagens ao
longo do tempo, como pode ser observado na pormenorização do dia-a-dia de Crusoe na ilha.
Having now fixed my habitation, I found it absolutely necessary to provide a place to make a fire in, and
fewel to burn; and what I did for that, as also how I enlargened my cave, and what conveniences I made, I shall give
a full account of my self, and of my thoughts about living, which it may well be supposed were not a few43
.
Um exemplo flagrante da representação do cotidiano das personagens é identificado no
romance de fluxo de consciência, em que a narrativa pretende corresponder diretamente do fluxo
de pensamento da mente da personagem, sem interferência e sem aparente controle externo.
Podemos, portanto, afirmar que o principal objetivo do romancista é a elaboração de um relato
autêntico das verdadeiras experiências individuais, e resumir os seus principais aspectos como:
Pensado deste modo, o rompimento com a narrativa tradicional e a máxima aproximação
da realidade resultaram no estabelecimento de alguns aspectos que, conforme Watt, caracterizam
o romance realista. Estes aspectos consistem nos seguintes fatos:
- o desvio do olhar para o indivíduo isolado até este ficasse tão próximo a ponto de captar-
lhe os seus pensamentos;
41 DEFOE, Daniel. Op. cit. p. 87
42 WATT, Ian Op. cit. p. 23
43 DEFOE, Daniel. Op. cit. p.80.
st th
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR36
- a substituição de personagens-tipo por sujeitos e situações comuns, tornando a persona-
gem particular;
- a atribuição de nomes às personagens que revelariam algo de significativo sobre sua
personalidade;
- a apresentação das experiências vividas como uma causa para as experiências do
presente;
- a definição e descrição minuciosa do espaço e do tempo para que eles fossem caracteriza-
dos como um “ambiente físico real”;
- a presença da linearidade e na constituição de uma “prosa clara e fácil” para apresentar,
ao invés de representar, o real.
Watt argumenta que a premissa implícita no gênero romance é ser um relato completo e autêntico da
experiência humana, tendo, portanto, a obrigação de fornecer ao leitor detalhes da história como a individualidade
dos agentes envolvidos, os particulares das épocas e locais de suas ações _ detalhes que são apresentados através do
emprego da linguagem muito mais referencial do que é comum em outras formas literárias44
.
De fato, o romance é uma forma híbrida, que engloba os diversos gêneros como o épico, o
lírico e até o drama, e comporta outros tipos de relato tais como o diário e cartas, etc.
A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE NORTHROP FRYE
A psicóloga e crítica literária inglesa, Maud Bodkin, afirma que existe um padrão de arquéti-
pos que transparece na poética que trata de temas antigos e sugere que esses padrões seriam, pos-
sivelmente, adquiridos através da cultura, ou seja, que tais padrões são ensinados e apreendidos
por gerações sucessivas (BODKIN, 1934), divergindo de Carl Jung que afirmava a transmissão
de padrões através de uma “impressão” na mente que se repetia nas gerações.
Por sua vez, o estudioso e crítico literário, Northrop Frye, vai além e considera que a lite-
ratura é um sistema sofisticado de um grupo de fórmulas básicas oriundas de culturas primitivas
(LAPIDES, BURROWS & SHAWCROSS, 1973). Frye, a partir de um estudo baseado nos pa-
drões míticos, identifica quatro fases correspondentes às quatro estações do ano e que represen-
tam os enredos recorrentes na literatura.
Padrões Míticos
Os padrões míticos estudados por Frye são os mitos das Estações e do Herói (também
chamado do mito da Jornada). O mito das Estações representa o ciclo da vida humana, em que
as estações correspondem às etapas da existência; desta forma, a Primavera representa o nasci-
mento do indivíduo até o desabrochar da juventude; o Verão corresponde ao desenvolvimento,
ou a plenitude do indivíduo; o Outono, a maturidade; e, finalmente, o Inverno representa a sua
morte, o final da existência. Entretanto, o ciclo se repete ad continuum de forma que o rebrotar das
44 WATT, Ian. Op. cit. p. 31.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 37
plantas na Primavera representa, metaforicamente, a renovação da vida.
O segundo padrão, o do Herói, categoriza os protagonistas
dos relatos nas sociedades primitivas através das qualidades a eles
atribuídas. As características apontadas por Frye são as seguintes:
- os heróis nascem em circunstâncias misteriosas ou extra-
ordinárias, como, por exemplo, a concepção de Jesus pela Virgem
Maria;
- o herói é filho de um grande homem ou deus, como Pro-
meteu ou Jesus;
- é predestinado; possui uma existência especial distinguida
por uma missão;
- enquanto jovem, o herói passa por experiência de exílio ou
é exposto a um risco de vida como Moisés, Hamlet, ou Branca de Neve;
- supera obstáculos a fim de se tornar um herói, como Hércules;
- defende a sua nação, ou comunidade, de algum malefício, como Beowulf;
- sua morte é, geralmente, misteriosa e/ou ambígua, como a morte do Rei Artur.
Esses padrões, ou monomitos, têm em comum o fato de serem cíclicos, e são ferramentas
úteis no estudo da linguagem dos símbolos, ou de uma análise simbólica.
Modelos Ficcionais
A partir desse estudo, Northrop Frye desenvolveu uma classificação dos modelos ficcio-
nais. Esses modelos se relacionam às qualidades e à atuação nos enredos dos protagonistas de
narrativas. São cinco categorias ou modelos ficcionais denominados de “modo imitativo”, ou
mimetic modes:
1. O modo imitativo elevado (superior in kind to other men and environment ) - diz respeito ao
herói superior aos outros homens; é considerado uma divindade e sua história se configura como
uma mitologia.
2. O modo imitativo alto (superior in degree to to other men and environment)– o herói é superior
aos demais homens e é o típico herói dos romances de cavalaria, cujos feitos são extraordinários,
entretanto são seres mortais. Movimentam-se numa dimensão em que as leis da natureza se en-
contram em suspensão e seu mundo é habitado por animais falantes, bruxas, ogres; são dotados
de grande coragem e não raro possuem armas especiais. É o mundo dos contos maravilhosos, e
das lendas.
3. O modo imitativo superior (high mimetic mode; superior in degree to other men but not to the envi-
ronment)– é o líder; Possui autoridade e liderança; é o herói dos épicos e da tragédia.
4. O modo imitativo baixo (low mimetic mode; he is not superior; he is one of us) – é o homem
comum, e geralmente é o herói de comédias e da ficção realista.
Rei Arthur
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR38
5. O modo irônico (ironic mode) – é o herói inferior com relação ao poder e inteligência,
como, por exemplo, o protagonista de “O Homem do Subterrâneo” de Dostoevsky.
Segundo Frye, o desenvolvimento das narrativas literárias pode ser estudado de acordo com
a sua origem, e postula duas fontes de narrativas. A forma secular consolidada pelos romances
de cavalaria, e a narrativa religiosa que engloba as histórias bíblicas e vida dos santos. As três
primeiras categorias de heróis mencionadas predominam na literatura até que o surgimento de
uma nova classe social na Inglaterra, a classe média, favorecesse o desenvolvimento dessa nova
forma literária a partir de Defoe, o romance. A partir do romance, predominará o protagonista
que corresponde ao herói low mimetic mode, ou seja, o homem comum. Esse modelo permanecerá
até o final do século XIX.
DESENVOLVIMENTO DO ROMANCE INGLÊS
O Gótico
Durante o período romântico surge a ficção gótica, baseada na noção de horror e prazer de
Edward Burke em seu ensaio A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and
Beautiful (1757). Segundo Burke, “dor e terror são capazes de propiciar deleite”. A consciência
do sublime proporciona a mais forte emoção que a mente seria capaz de sentir, e pode advir da
contemplação da natureza selvagem e cenários montanhosos, ou do estudo de arquitetura, nota-
damente a apreciação das construções das catedrais medievais e as ruínas dos castelos. De fato,
essa noção vai permear o romantismo inglês. Burke cita, entre as narrativas literárias capazes de
provocar a sensação de “prazer no horror”, Paradise Lost de John Milton, e as tragédias de Shakes-
peare. A ficção gótica se configura como uma reação ao conforto e segurança promovidos pelo
progresso comercial e estabilidade política, e, sobretudo, à regra da razão. Os traços do gótico
vão permanecer na literatura inglesa e são visíveis desde a literatura das irmãs Brontë até os dias
de hoje, inclusive na música e no cinema.
O Gótico
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 39
Jane Austen
Jane Austen (1775-1817) foi a primeira romancista (mulher) importante e sua produção
literária dispensa classificação. Seus romances representam o cotidiano feminino da sua época.
Sua literatura sugere pouco ou nenhum engajamento político nem qualquer envolvimento em
eventos políticos nacionais ou internacionais, a despeito de ter vivido uma época de efetivo risco
de uma invasão militar por parte da França, já que se tratava do período das Campanhas Napo-
leônicas. Conforme Anthony Burgess45
, sua intenção sempre esteve voltada para as “pessoas”
e não para as “idéias”. Por isso em sua literatura as personagens são descritas da forma mais real
possível, com todas as suas falhas e qualidades.
Além disso, salientamos a apresentação de traços que retratam a sociedade em seu tempo,
sem que, contudo, a sua narrativa seja datada. Seus textos apresentam um retrato da classe média
alta britânica e de uma sociedade que se define em termos de posse de terra, dinheiro e posição
social. Sua mensagem moral insiste na boa conduta, boas maneiras, razão e a admiração pela insti-
tuição do matrimônio. Apesar de não desdenhar o amor, seus romances demonstram o equilíbrio
entre a maturidade e impulsividade. Dentre os seus livros, destacam-se Emma, Razão e Sensibilida-
de, Orgulho e Preconceito, todos já transpostos para a linguagem cinematográfica.
As irmãs Brontë
As irmãs Brontë, Charlotte (1816-55), Emily (1818-48) e Anne (1820-49) viveram no pe-
ríodo conhecido como “Alta Literatura Victoriana”. Reclusas em uma pequena paróquia em
Yorkshire, norte da Inglaterra, mantiveram-se distantes porém bem informadas a respeito do que
ocorria no mundo. Influenciadas pela literatura gótica, escreveram romances e poemas. Charlotte
Brontë escreveu Jane Eyre e Shirley; Emily Brontë publicou O Morro dos Ventos Uivantes; e Anne
Brontë é autora de Agnes Grey. Curiosamente, as irmãs Brontë têm uma obra bastante reduzida, e,
de fato, Emily Brontë publicou unicamente O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights).
O cenário de seus romances denota uma acentuada influência gótica, facilmente identificada
na sombria casa nos morros uivantes, do romance Wuthering Heights. No que pese a configuração
das suas personagens, as heroínas das irmãs Brontë enfatizam a importância da independência
financeira e intelectual da mulher.
No tocante a Wuthering Heights, um romance escrito com um espírito romântico, o seu en-
redo consiste na história da paixão avassaladora e trágica de Heathcliff e Catherine. Heathcliff
foi encontrado pelo pai de Catherine e se tornou um criado da família. O afeto precocemente
sentido por ela desencadeou um amor que mescla a veneração à paixão carnal. Em virtude de
convenções sociais, Catherine decide casar-se com Edgar Linton, o que desaponta Heathcliff
profundamente, levando-o a deixar a casa de sua amada e voltar anos depois para se vingar. Em
meio ao seu plano de vingança, Catherine morre, voltando ocasionalmente em espírito para rever
o seu Heathcliff.
Quanto ao título do romance, o fato de o vento “uivar” devido à geografia do lugar já
anuncia um cenário sobrenatural de mistério e apreensão. Wuthering Heights exemplifica a revi-
talização do romance gótico na literatura vitoriana.
45 BURGESS, Anthony. A chegada da época moderna. In: ______. A literatura inglesa. Tradução Duda Machado. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 209.
FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR40
A passagem a seguir pertence ao capítulo 9 e é uma das cenas mais marcantes do romance
de Emily Brontë. O amor de Catherine por Heathcliff, expressado nessa passagem, transcende as
convenções sociais, alcançando um status quase religioso. No entanto, Catherine escolhe seguir o
papel social esperado dela e se casa com Edgar Linton, traindo Heathcliff e, conseqüentemente,
o seu amor por ele.
I cannot express it; but surely you and everybody have a notion that there is or should be an existence of
yours beyond you. What were the use of my creation, if I were entirely contained here? My great miseries in this
world have been Heathcliff’s miseries, and I watched and felt each from the beginning: my great thought in living is
himself. If all else perished, and he remained, I should still continue to be; and if all else remained, and he were
annihilated, the universe would turn to a might stranger: I should not seem a part of it. My love for Linton is
like a foliage in the woods: time will change it, I’m well aware, as winter changes the trees. My love for Heathcliff
resembles the eternal rocks beneath: a source of little visible delight, but necessary. Nelly, I am Heathcliff! He’s
always, always in my mind: not as a pleasure, any more than I am always a pleasure to myself, but as my own
being.
Ressaltamos que o tema do amor de Catherine e Heathcliff inspirou produções fílmicas,
músicas e, mais recentemente, uma releitura feita por uma autora caribenha, Maryse Condé, sob
o título de Corações migrantes (1995).
Charles Dickens
Charles Dickens (1812-1870) é considerado um dos autores mais lidos da era vitoriana. Ele
ficou conhecido pela configuração de personagens cômicos, caricaturados e grotescos, traços
que encontraram algumas aclamações da crítica, mas que também levaram escritores e críticos, a
exemplo de Virginia Woolf, a considerarem a sua produção literária “menor”.
Alguns de seus livros mais conhecidos são Oliver Twist, através do qual postula que a socie-
dade pode causar sofrimento às crianças; David Copperfield, considerado um romance autobiográ-
fico; e Great Expectations, que conta a história do órfão Pip, desde a sua infância até a maturidade,
num estilo autobiográfico, por meio do qual o próprio Charles Dickens traz relatos que remetem
à sua própria vida.
O Morro dos Ventos Uivantes
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Literatura anglofona

  • 1.
  • 3. Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda. Gervásio Meneses de Oliveira Presidente William Oliveira Vice-Presidente Samuel Soares Superintendente Administrativo e Financeiro Germano Tabacof Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão Pedro Daltro Gusmão da Silva Superintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadêmico Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância Reinaldo de Oliveira Borba Diretor Geral Marcelo Nery Diretor Acadêmico Roberto Frederico Merhy Diretor de Desenvolvimento e Inovações Mário Fraga Diretor Comercial Jean Carlo Nerone Diretor de Tecnologia André Portnoi Diretor Administrativo e Financeiro Ronaldo Costa Gerente Acadêmico Jane Freire Gerente de Ensino Luis Carlos Nogueira Abbehusen Gerente de Suporte Tecnológico Romulo Augusto Merhy Coord. de Softwares e Sistemas Osmane Chaves Coord. de Telecomunicações e Hardware João Jacomel Coord. de Produção de Material Didático Equipe Angélica de Fatima Silva Jorge, Alexandre Ribeiro, Cefas Gomes, Cláuder Frederico, Delmara Brito, Diego Aragão, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale, Marcio Serafim, Mariucha Silveira Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval Fonseca Imagens Corbis/Image100/Imagemsource Produção Acadêmica Jane Freire Gerente de Ensino Ana Paula Amorim Supervisão Jussiara Gonzaga Coordenação de Curso Sônia Maria Davico Simon Autor(a) Produção Técnica João Jacomel Coordenação Carlos Magno Brito Almeida Santos Revisão de Texto Delmara Brito dos Santos Editoração Francisco Júnior e Fábio Gonçalves Ilustrações copyright © FTC EaD Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância. www.ead.ftc.br SOMESB FTC - EaD MATERIAL DIDÁTICO
  • 4. SUMÁRIO O CONTO E O ROMANCE________________________________________ 7 O CONTO__________________________________________________________ 7 A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA ANGLO-SAXÔNICA____________________________ 7 PERÍODO MEDIEVAL E CONTOS ARTURIANOS ____________________________________12 CHAUCER E O DESENVOLVIMENTO DOS CONTOS_________________________________15 O CONTO MODERNO _______________________________________________________18 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________30 O ROMANCE _______________________________________________________31 O NASCIMENTO DO ROMANCE _______________________________________________31 A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE NORTHROP FRYE_________________________________36 DESENVOLVIMENTO DO ROMANCE INGLÊS _____________________________________38 O ROMANCE NORTE AMERICANO _____________________________________________45 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________51 A POESIA E O TEATRO __________________________________________53 A POESIA __________________________________________________________53 A POESIA INGLESA: DE SHAKESPEARE AO ROMANTISMO___________________________53 A POESIA NORTE AMERICANA ________________________________________________67 A POESIA BEAT ____________________________________________________________74 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS _____________________________________________76 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________77
  • 5. SUMÁRIO O TEATRO _________________________________________________________79 SHAKESPEARE _____________________________________________________________79 OSCAR WILDE & BERNARD SHAW _____________________________________________86 O TEATRO NORTE AMERICANO _______________________________________________92 O TEATRO DO ABSURDO ____________________________________________________94 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________99 GLOSSÁRIO ____________________________________________________________ 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________ 102 REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ____________________________________________ 105 REFERÊNCIAS FILMOGRÁFICAS__________________________________________ 106
  • 6. Prezados alunos, Bem vindos à nossa nova etapa, desta feita, o estudo das literaturas de expressão inglesa! A nossa disciplina, Literatura em Língua Inglesa, irá tratar de um assunto novo para muitos de vocês, que é produção literária dos países anglófonos. A língua inglesa é, atualmente, a língua materna ou oficial em aproxima- damente sessenta países, distribuídos por todos os continentes do nosso planeta. Entretanto, nossos estudos estarão focalizados principalmente em textos de autores provenientes do Reino Unido da Grã Bretanha e Estados Unidos da América, pelo fato de se tratarem de bibliografia mais facilmente encontrada em nosso país. Iniciaremos o módulo abordando o conto como forma literária, desde os seus primórdios até as tendências da contemporaneidade. Em seguida, ain- da no mesmo bloco temático, trataremos do romance como forma literária moderna, suas características, e seu desenvolvimento. No segundo bloco temático estudaremos a poesia inglesa e norte ameri- cana, bem como as vertentes literárias que influenciaram as diversas gera- ções de poetas anglófonos. E, last but not least, o teatro será o nosso último tema, cuja abordagem tratará das características do teatro de Shakespeare até o Teatro do Absurdo. Parafraseando Drummond que dizia que amar se aprende amando, cha- mo atenção para o fato que literatura se aprende lendo. Portanto, apesar de reconhecermos as dificuldades existentes na obtenção do material de leitu- ra, é imprescindível que o aluno, na medida do possível, procure seguir as nossas recomendações de bibliografia e filmografia ao final de cada tema. Agora, mãos à obra! Profa. Mestre Sonia Maria Davico Simon Apresentação da Disciplina
  • 7. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 7 Podemos imaginar, desde os tempos mais remotos, seres humanos reunidos ao fim do dia para uma refeição comunal ao redor do fogo, compartilhando as experiências viven- ciadas nas atividades diárias em expedições de caça, coleta de alimentos, encontros for- tuitos com outros grupos de humanos e ani- mais selvagens. Essas experiências, narradas ao redor da fogueira e ouvidas pelos demais membros do grupo, deram origem às primei- ras narrativas. Esses relatos, modificados através dos tempos nas sucessivas repetições e transmissões orais, passaram a incorporar explicações sobre elementos e fenômenos da natureza até então desconhecidos pelos homens tais como a origem do mundo, dos astros, fenômenos da natureza, animais, plantas, a morte, etc. Através da obser- vação a humanidade imaginou histórias para explicar não somente a origem das coisas como também a sua utilização, o que pode ser apreciado nos relatos que sobreviveram às sociedades primitivas, agrárias. Essas narrativas se configuraram como míticas ou mitológicas e podem ser identificadas nos relatos bíblicos do Velho Testamento, como, por exemplo, o Livro do Gênesis. Outras histórias, como a Odisséia, também se configuram como relatos míticos e narram a história de um povo, ou civilização. Tais relatos constituem-se de longos poemas que contam, geralmente, as aventuras de um personagem principal, um herói, representante das aspirações de uma nação ou etnia, que, em superando obstáculos, consegue galgar uma posição de líder na comunidade representando assim os valores de uma nação. Pensadas deste modo, estas narrativas trazem contribuições profícuas para o entendimento da identidade nacional (leia-se cultural) de um povo. Ressalvamos que há áreas da ciência, mais positivistas, que divergem sobre a viabilidade de recorrer à literatura como fonte para entender a história. Entretanto, podemos questionar até que ponto o olhar pretensamente distanciado do historiador atinge a objetividade desejada, escapando à subjetividade inerente a qualquer ponto de vista. Devemos pensar, ainda, que tipo de registro poderia ser mais elucidativo sobre a Guerra de Tróia do que a Ilíada, ou, ainda, quem poderia trazer maiores revelações sobre a visão de mundo da Alta Idade Média da Inglaterra, além de Chaucer em The Canterbury Tales, ou poderíamos O CONTO E O ROMANCE O CONTO A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA ANGLO- SAXÔNICA
  • 8. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR8 do mesmo modo imaginar melhor quadro de Dublin do que aquele pintado nos traços marcantes de James Joyce, em seus contos reunidos em Dubliners. Todos os fatores supracitados, no entanto, não subtraem dos textos que serão aqui apresen- tados o seu caráter representativo de uma cultura tão presente em nossa própria cultura brasileira, traduzida como foi por tantos autores e intelectuais no Brasil. Que esta “tradução”, em seu sen- tido mais amplo, seja uma justificativa convidativa para esta jornada no mundo anglófono. Beowulf Não devemos esquecer que apesar de todos os textos que serão aqui estudados nos levarem a conhecer um pouco sobre a literatura anglófona e sua cultura (pois literatura é cultura), há diversos textos outros que se per- deram entre as conquistas territoriais e culturais e ainda muitos deles foram alterados pela cultura colonizadora. Não podemos desconsiderar, ainda, que, enquanto detentora do direito de preservar os textos antigos, a Igreja muitas vezes domesticou suas traduções e ou adaptações. PARA LEMBRAR Denominados de épicos, os primeiros relatos anglófonos guardaram narrativas de seus antepassados históricos: os Celtas, Anglo-Saxões, e de- mais povos estabelecidos na região que hoje chamamos de Grã Bretanha nos primeiros séculos, e suas respectivas culturas, antes mesmo que a língua inglesa se constituísse como tal. Estes épicos foram escritos sob a forma de poemas que, embora longos, continham elementos que facilitavam a sua memorização, a fim de que pudessem ser repetidos e lembrados através dos tempos. Dos poemas épicos em língua anglo-saxônica, ou Old English (Inglês Arcaico), destacamos Beowulf, manuscrito datado possi- velmente do século XII e que se encontra no Museu Britânico. Existente em diversas versões em inglês contemporâneo, os acontecimentos e os persona- gens de Beowulf são comuns às sagas dos países escandinavos, como, por exemplo, a Dinamarca, o que aponta para a influência cultural e lingüística daquele povo na constituição do país que hoje chamamos de Grã Bretanha. Beowulf é um poema épico, pré-cristão, provavelmente datado do período das invasões An- glo-Saxônicas, embora o manuscrito seja de um período posterior. É uma história anônima, pos- sivelmente composta por um único autor entre os séculos VII e VIII, e, não obstante o narrador se reportar a uma cultura pagã e com valores pagãos, a noção de heroísmo aponta para um ponto de vista cristão, na qual os valores morais e religiosos parecem estar embutidos. Os críticos literá- rios chamam atenção para o fato de que as lutas realizadas por Beowulf prefiguram o antagonismo cristão entre o bem e o mal, e simbolizam a cultura situada ainda na fronteira entre a estabilidade de uma sociedade agrária e a instabilidade e o nomadismo do herói guerreiro. Beowulf e Grendel
  • 9. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 9 O documento com a transcrição do poema Beowulf existente no Museu Britânico data do século XII, embora haja suspeitas que a sua composição remonte a trezentos ou até mesmo quatrocentos anos antes. A história acontece durante o reino de Hrothgar da Dinamarca, cenário constantemente ameaçado por monstros de diversas origens e que são mortos em batalhas heroicamente vencidas por Beowulf. Entretanto, ao final do relato, o herói é atacado por um dragão que lhe fere mortal- mente; Beowulf, então, recebe exéquias1 pagãs e o épico tem o seu final. A saga é escrita em Old English (inglês arcaico, contendo influências decorrentes das inumeráveis invasões dos povos anglo-saxões). Trecho de Beowulf: We have learned of Eormanric’s wolfish disposition; he held a wide dominion in the realm of the Goths. That was a cruel king. Many a man sat bound in sorrows, anticipating woe, often wishing that his kingdom were overcome. Beowulf e os demais poemas épicos datados do período Anglo-Saxão eram recitados por um scop: bardo itinerante que se deslocava pelos reinos – às vezes a serviço de um único monarca – relatando fatos, acontecimentos e histórias. Widsith e Outros Textos O poema Widsith, por exemplo, um dos mais antigos manuscritos do período, narra as viagens de um scop chamada Widsith (que significa “far journey”) por diversos reinos do mundo germânico. O épico, possivelmente autobiográfico, encontra-se no Book of Exeter, coleção que abriga outros textos, doado à Catedral de Exeter. Outros textos do período chamado Old English Literature são The Battle of Maldon (escrito cerca do ano 1000), poema que trata da luta entre um nobre senhor de Essex e uma invasão viking, e inúmeras transcrições de histórias bíblicas como 1 Exéquias são cerimônias fúnebres. Os indícios de interferências textuais de origem cristã no poema Beowulf podem ser explicados devido ao fato de a literalidade ter sido privilégio dos monges, responsáveis pela maior parte da transcrição de documentos e textos literários na época. Um dado que corrobora com esta interferência é o fato de ao monstro Grendel ser atribuída a descen- dência da raça de Caim, personagem bíblico cuja história é marcada pela vilania e traição. CURIOSIDADE
  • 10. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR10 Judith, Gênesis, Exodus, Daniel, reunidos em quatro manuscritos: MS Cotton Vitellius, que faz parte do acervo do Museu Britânico; The Junius Manuscript que se encontra na biblioteca Bodleian em Oxford; The Book of Exeter que está na Catedral de Exeter; e o Vercelli Book que se encontra na biblioteca da Catedral de Vercelli, sul da Itália. SAIBA MAIS Salientamos que embora os textos mencionados tenham sido escritos em versos, es- tes se inserem na categoria contos por serem narrativas épicas. Tal inserção justifica-se por consistir a epopéia em uma narrativa de feitos grandiosos, o que a aproxima da prosa. Não devemos esquecer que o gênero romance é um desdobramento da epopéia. Em A teoria do romance, Georg Lukács2 , situa a epopéia em um período anterior à modernidade, mais especificamente, na cultura helênica, período propício para o desenvolvimento deste tipo de nar- rativa, por ser marcado pelo sentimento de familiaridade entre o sujeito e o mundo, sendo este caracterizado pela homogeneidade, a unidade. Com a modernidade, ou seja, com o começo do Novo Mundo, no entanto, há uma quebra desta unidade e, assim, o homem se sente desenrai- zado e ao sentimento de pertença diante do mundo sobrepõe-se uma sensação de desamparo, uma forte desorientação. Assim, enquanto o Helenismo é “um mundo homogêneo, e tampouco a separação entre homem e mundo, entre eu e tu é capaz de perturbar sua homogeneidade.” (p. 29), na era moderna predomina o que Lukács chama de “desabrigo transcendental”. Crônica anglo-saxã Esta obra é considerada a primeira produção escrita dos germânicos e, por ser composta por relatos, é definida por alguns autores como um jornal. A Crônica anglo-saxã é constituída por anotações em inglês arcaico e inglês médio sobre importantes acontecimentos do período do 2 LUKÁCS, Georg. “Culturas Fechadas”. In: id. A Teoria do Romance. São Paulo: Duas Cidades, 2000, p. 25-36. Epopéia PARA LEMBRAR Trouxemos à baila as considerações feitas sobre a epopéia e o roman- ce não só para justificar a inserção de textos como Beowulf neste módulo sobre contos, mas, sobretudo, para mostrar que a literatura expressa ques- tões de cunho histórico e de identidade não apenas através do conteúdo das histórias narradas, mas até mesmo em sua forma. Afinal, como postula Lukács, a forma da epopéia seria apenas possível em uma era fechada, em que predominava a unidade tão marcadamente representada nas longas es- trofes de histórias de bravos heróis.
  • 11. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 11 século IX a 1154, listados conforme a data em que ocorreram, como o trecho destacado ilustra: A.D. 752. This year, the twelfth of his reign, Cuthred, king of the West-Saxons, fought at Burford (27) with Ethelbald, king of the Mercians, and put him to flight. A.D. 753. This year Cuthred, king of the West-Saxons, fought against the Welsh. Notamos que a definição de crônica supracitada não se aplica à Crônica anglo saxã, já que esta consiste em relatos breves de acontecimentos do período em que foi escrita. Esta obra se in- sere, na verdade, nos textos qualificados por Massaud Moisés como “cronicões”, termo que, em português e espanhol é utilizado para se referir a “simples e impessoais notações de efemérides”3 , em contraste às crônicas, propriamente ditas, que são “obras que narravam os acontecimentos com abundância de pormenores e algo de exegese, ou situavam-se numa perspectiva individu- al da história”4 . Em inglês, entretanto, não há diferença de termos entre crônica e cronicões, reunidas sob uma única palavra, chronicle. Ainda no tocante ao termo utilizado para se referir às crônicas, salientamos que, na acepção moderna, em inglês, estas podem ser chamadas commentary, literary column, sketch, light essay, human interest story, town gossip, entre outros. Livro do Juízo Final Na linhagem de textos documentais, é válido mencionarmos uma outra obra, o Livro do Ju- ízo Final, cuja história está atrelada à conquista de território inglês e consolidação do Feudalismo pelo normando, William I (ou Guilherme), o Conquistador. Este livro foi escrito para inventariar as terras que seriam doadas em lotes a senhores que ajudariam William a manter o controle e consolidar a conquista do território. 3 MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 132. 4 Op. cit., p. 132. Crônica e cronicões SAIBA MAIS Na acepção moderna, o termo “crônica” se refere a um texto que relata um acontecimento prosaico que é narrado com um olhar subjetivo – o que já lhe tiraria a objetividade que é pretensamente buscada pela reportagem – ora revelando o seu autor como um contador de histórias, ora estimulando nele algo de poético pelo tra- tamento incomum que atribui às histórias. Em virtude de uma definição imprecisa do que seja a crônica, este tipo de texto, geralmente escrito para jornais ou revistas, é considerado “híbrido”, conforme Massaud Moisés, podendo ser tanto narrado em forma de alegoria, quanto de resenha, confissão, monólogo, entre outras.
  • 12. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR12 O que é literatura? Conforme Antoine Compagnon, o termo literatura começou a ser utilizado, tal como o utilizamos na contemporaneidade, a partir do século XIX. Antes deste período, esta palavra designava “as inscrições, a escritura, a erudição, ou o conhecimento das letras”5 , designação que contempla os textos supracitados, Livro do Juízo Final e Crônica anglo-saxã, justificando a sua inserção, naquela época, entre textos literários. PERÍODO MEDIEVAL E CONTOS ARTURIANOS Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda No que pese os primeiros registros da literatura inglesa se encontrarem sob a forma de poemas épicos, a prosa estava presente notadamente nas transcrições das histórias bíblicas e ha- giografias, que consistem em biografias e histórias de feitos de um indivíduo que seja considerado santo, abade, mártir, pregador, rei, bispo, virgem, entre outros. O conto como forma literária vai se estabelecer definitivamente no período chamado de Middle English (Inglês Médio), após a conquista Normanda, em 1066. A partir da conquista da Inglaterra em 1066 por William I, O Conquistador, a língua falada pelas camadas privilegiadas da sociedade e da corte inglesa era o normando, francês padrão da época. Os nobres normandos que faziam parte da corte na Inglaterra, não raro, possuíam vastas extensões de terra do outro lado do canal da Mancha, o que propiciava uma influência francesa bastante acentuada pelo constante trânsito entre ambas as localidades. No século XII, durante o reinado de Henrique II, têm-se notícias da chegada de trovadores vindos do continente, prova- velmente trazidos por sua esposa, Eleanor de Aquitânia. 5 COMPAGNON, Antoine. A literatura. In: _____. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Hori- zonte: UFMG, 1999, p. 30. PARA REFLETIR A qualificação de textos como o Livro do Juízo Final e Crônica anglo- saxã como literatura leva-nos a ponderar sobre o que pode ser conside- rado texto literário e não literário, uma vez que o conceito de literatura, no senso comum, sempre esteve atrelado à noção de ficção.
  • 13. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 13 CURIOSIDADE A temática explorada pelos trovadores abrangia histórias do imaginário celta, pa- gão, tais como as lendas do Rei Artur e as aventuras dos seus fiéis escudeiros, também conhecidos como cavaleiros da Távola Redonda. Muitas das lendas e personagens são oriundos da tradição oral celta como Mordred, Merlin, Guinevere, Tristão, Gawain, e Lear (posteriormente caracterizado como protagonista na tragédia de Shakespeare, Rei Lear). Esses personagens já haviam sido mencionados no relato do escritor inglês Geor- ge de Monmouth, numa tentativa de escrever a história da Inglaterra. Tornadas populares, essas histórias inauguraram um novo modelo de narrativa, cuja ênfase foi deslocada dos feitos heróicos até então abordados, para novos ideais de sentimento e com- portamento, denominado de amor cortês. O Amor Cortês O “amor cortês” ou fin amors marcou um período na idade média que destacou a mulher numa civilização predominantemente masculina. A época medieval se caracterizou pela instabilidade política causada pelas constantes lutas e guerras travadas entre os senhores de pequenos reinos semi-independentes e que deviam obediência a um rei que lhes era superior. Por outro lado, as Cruzadas exigiam a adesão desses pequenos senhores de terra que, como prova de fé, abandona- vam suas propriedades e famílias para lutar a serviço do cristianismo em terras longínquas. Com o afastamento dos senhores, os pequenos feudos passaram a ser governados por suas esposas, alçando a mulher a um novo status, a de governante, senhora de terras. Ao mesmo tem- po, a propagação do culto à Virgem Maria, promovida pela Igreja Ca- tólica, elevou a mulher a uma posição privilegiada, associada à imagem da Virgem Mãe. Anteriormente situada numa situação de submissão, a dama medieval adquiriu poderes de governante, liderando a corte que privilegiou uma nova forma artística. O período do fin amors se distinguiu pelo surgimento de uma nova forma literária, o tro- vadorismo; entretenimento palaciano que consistia na diversão da corte por trovadores, ou bar- dos, que, acompanhados por um instrumento musical, relatavam as aventuras de cavaleiros que compunham o acervo de histórias da tradição oral celta. Essas histórias se encontravam sob a forma de versos e entretinham as damas e suas cortes nos longos períodos em que os senhores estavam guerreando. Os trovadores enalteciam a figura feminina representada pela protagonista da história e cantavam o amor entre os sexos como um sentimento elevado. O Amor Cortês
  • 14. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR14 Trovadores PARA LEMBRAR Na idade média, o casamento se resumia a uma associação por interesses políticos e/ou pecuniários, em que os sentimen- tos afetivos não eram levados em consideração. O adultério, se não fora prática comum, também não era de todo extraordiná- rio. É nesse contexto que florescem o amor cortês e os roman- ces de cavalaria. Os “romances” de cavalaria tinham como tema aventuras de cavaleiros que se dispunham a enfrentar toda a sorte de obstáculos a fim de conquistar o coração de uma dama, sem, contudo, se abster da preservação de valores éticos e morais e lealdade ao seu rei ou senhor. CURIOSIDADE Por se tratarem de histórias oriundas da tradição pagã, era costumeiro que o amor carnal fizesse parte dos antigos enredos, entretanto, devido à influência do cristianismo, no período medieval o resquício de paganismo foi atenuado e deu lugar ao que conven- cionamos chamar de amor platônico, ou o amor que não se realiza fisicamente. O fato de as damas dos feudos serem cortejadas pelos trovadores também influiu para o apagamento do traço pagão do erotismo, uma vez que o amor cortês se tratava de um sentimento envolvendo pessoas de classes sociais distintas. As senhoras dos feudos eram casadas e encon- travam-se em uma posição socialmente superior à dos amados, os poetas, que, colocando-se na condição de vassalos, contentavam-se como servos de sua dama, a serviço do amor, o amor impossível. Essas histórias, ainda transmitidas sob a forma de versos pelos trovadores ou ministreis foram, posteriormente, transcritas e se tornaram populares sob a forma de uma coletânea que se convencionou chamar de “Histórias do Ciclo Arturiano” por terem como protagonistas os cavaleiros do rei Arthur. Histórias como “Excalibur” ou “A Busca do Santo Graal” fazem parte desta coleção que conta ainda com personagens conhecidos como Lancelot, Sir Gawain, a Rainha Guenevere, o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, entre outros. Esses relatos transfor- maram a noção de amor na literatura ocidental e tornaram-se matrizes para outras tantas lendas de amor impossível, como, por exemplo, Tristão e Isolda, fonte de inspiração para a ópera do mesmo nome composta por Richard Wagner à época do romantismo.
  • 15. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 15 CHAUCER E O DESENVOLVIMENTO DOS CONTOS Chaucer É no período chamado de Middle English que vai despontar um dos maiores escritores da língua inglesa, Geoffrey Chaucer. Neste período, a Inglaterra encontrava-se ainda sob a influencia da língua francesa, ou melhor, o normando, francês padrão que predominou na Inglaterra du- rante aproximadamente os dois séculos de ocupação normanda. De fato, o francês tornou-se o idioma da corte e das classes abastadas da Inglaterra, enquanto que o latim se estabeleceu como a língua oficial para escritos documentais e religiosos, promovendo grandes mudanças lingüísticas no inglês moderno. Chaucer se destacou como um artesão da palavra, e aproveitou seus conhecimentos lingü- ísticos, especialmente o francês, além do italiano e do latim para enriquecer o léxico inglês através do acréscimo de novos vocábulos oriundos dos idiomas que tinha domínio. Sua contribuição estende-se ainda à inserção de uma perspectiva individual, a do contador de histórias, a partir da qual é possível depreender uma filosofia de vida, embutida nas narrativas. The Canterbury Tales PARA LEMBRAR Em virtude da presença da perspectiva individual, dos contos reu- nidos em The Canterbury Tales depreendem-se não só imagens que repre- sentam a Alta Idade Média, mas, sobretudo, uma visão de mundo. As personagens, através das histórias que contam, revelam o modo de pen- sar e a cultura da época. A perspectiva individual, o forte traço histórico e a linguagem coloquial configuram The Canterbury Tales como uma literatura que se aproxima muito da literatura moderna. “Contos de Cantuária”, ou The Canterbury Tales (1386), é, possivelmente, a mais conhecida obra de Geoffrey Chaucer. Reunidos sob a forma de contos (não obstante a sua estrutura em versos, com cerca de 1 700 linhas), esses relatos elaborados artisticamente preservam o tom da tradição oral. As narrativas revolvem em torno de um grupo de peregrinos que, agrupados em
  • 16. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR16 uma estalagem chamada de Tabard Inn, se dirige à cidade de Cantuária, próxima ao santuário de S. Thomas Beckett. Os relatos apresentados pelas diversas categorias profissionais da época, tais como ma- rinheiro, comerciante, abadessa, frade, entre outros, se constituem em uma crônica social cuja tônica é a ironia. Os Contos de Cantuária conservam o recurso das estórias de moldura, ou seja, todas as histórias encontram-se unidas pelo fato de serem contadas por um narrador para uma platéia, simulando uma situação semelhante à da tradição oral. Por este motivo, estas histórias em versos primorosos foram qualificadas como contos. Mother Goose Também portador da característica da oralidade, embora datado de um período posterior (XVII-XVIII), é o “Livro da Mamãe Ganso”, ou Mother Goose. Trata-se de um clássico da litera- tura infantil em países de língua inglesa, notadamente Inglaterra e Estados Unidos. O livro cons- titui-se em uma coletânea de histórias transcritas da oralidade, muitas das quais fazem parte do livro Histoire ou Contes du Temps Passé escritas na França por Charles Perrault no século XVII e que se tornaram populares até a época atual. O Livro da Mamãe Ganso inclui cantigas e quadrinhas infantis conhecidas como nursery rhymes. O Narrador Até então, os contos se atinham a narrativas de determinados fatos do cotidiano e a trans- missão de valores ou de experiências vividas, ou ainda, das fábulas contidas nos denominados contos maravilhosos, de forma a se aproximar das narrativas da oralidade. Walter Benjamin, em “O Narrador: Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov”6 , enfatiza a importância da troca de experiências nas narrativas de tradição oral, nas quais a palavra do narrador aglutinava e trans- mitia valores sociais e morais aos ouvintes. No tocante à transmissão de conhecimento, Benjamin identifica duas categorias de narradores, a saber, o “marinheiro comerciante”, configuração do narrador “como alguém que vem de longe”7 , detendo, portanto, um saber especial, e o “cam- ponês sedentário”, que possui um saber adquirido ao longo do tempo, tendo, desse modo, um vasto conhecimento das histórias de seu povo. Ao narrar a experiência – sua ou alheia – a figura do narrador se confundia com o próprio discurso. A riqueza em sabedoria manifestada nessas narrativas foi se esboroando ao longo do tempo, em especial a partir da guerra mundial, quando o indivíduo passou a se distanciar de valores coletivos, e começou a buscar respostas particulares, isoladas. De um plano de saber coletivo, transmitido pelo contador de histórias tradicional, surgiu, então, a figura do narrador moderno, que perdeu a capacidade de transmitir um saber coletivo, redimensionando esse plano para uma perspectiva cada vez mais individual, a ponto de submer- gir em um psicologismo, característico em autores como Edgar Poe, considerado como inaugu- rador do conto moderno. Na pós-modernidade, conforme Silviano Santiago, em “O narrador pós-moderno”, surge uma outra categoria de narrador, que dá título ao seu texto. Na categoria 6 BENJAMIN, Walter. O Narrador:Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Arte Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. 7 Op. cit., p. 198.
  • 17. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 17 de narrador pós-moderno, o narrador é “aquele que quer extrair a si da ação narrada, em atitude semelhante à de um repórter ou de um espectador”8 . Esquivando-se da história narrada e con- figurando-se como um “ficcionista puro”, uma vez que trabalha no sentido de tornar verossímil uma história que não é sua, mas de outrem. Silviano Santiago ressalva, no entanto, que nenhuma escrita é inocente e, assim, na tentativa de distanciar-se da história narrada, não raro o narrador, ao fazer falar o outro, fala sobre si indiretamente. Como forma narrativa, o conto tem como característica a condensação de tempo, espaço e conflito, bem como o número reduzido de personagens, e pode ser, segundo Cortázar, o relato de um acontecimento verdadeiro ou falso, ou ainda uma fábula que se conta às crianças. De fato, o conto é uma forma de narrativa que envolve um acontecimento de interesse humano: sobre nós, para nós, em relação a nós (GOTLIEB, p.11). Podemos afirmar que a construção dessas narrativas acontece de diversas maneiras, e que a sempre presente “voz” do contador de histó- rias não se perdeu quando da sua transposição da oralidade para a escrita, cuja “voz” passou a se apresentar no modo de contar a história e/ou nos detalhes da história, ou ainda, em ambos. Entretanto, não queremos dizer com isto que todo contador de histórias seja necessariamente um contista, mas que as elaborações de gestual e de voz, anteriormente utilizados pelo contador de histórias da tradição oral, foram substituídas, com o advento da escrita, para o objeto estético, o próprio texto. Os recursos criativos utilizados pelo autor resultam em um estilo próprio de narrar, de enunciar detalhes, bem como criam a figura do narrador que é, também, um artifício poderoso nos contos. Dentre os autores modernos que se destacaram pela utilização de recursos que simulam uma situação de oralidade, citamos o inglês, Rudyard Kipling, em The Elephant’s Child. A tradição oral encontra-se manifesta no conto (vide site recomendado) através da escolha do tema - neste conto de Kipling, a temática diz respeito ao folclore da Índia - transmite uma moral, e a narrati- 8 SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: ______. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 45. Após estas breves considerações sobre o narrador tradicional, moderno e pós-moderno, é válido fazer algumas observações sobre o sentido da palavra “conto” e o sentido que este gênero textual assume. O conto, vocábulo advindo do verbo contar, tem suas raízes no latim, computare; entretanto, o seu significado não implica, para nós, em apenas relatar ou contar outra vez algo que já aconteceu. O conto é, sobretudo, um ato de criação, invenção; não tem compromisso com a veracidade já que é uma representação. Saiba mais! CURIOSIDADE A mudança do conto ao longo dos séculos deveu-se principalmente à técnica com relação à maneira de narrar, embora a sua estrutura tenha sido mantida. No modelo tradicional, o conflito se desenvolve numa seqüência até o desfecho, en- quanto que na narrativa moderna o modelo é fragmentado (GOTLIB,2004, p.29).
  • 18. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR18 va segue o modelo tradicional em que os acontecimentos ocorrem numa seqüência, com início (apresentação), meio (conflito) e fim (desfecho). Apesar da presente apreciação por autores e leitores de contos que seguem o modelo tradicional de narrativa, é notória a transformação desta forma literária, ao longo do tempo, de um relato fundamentalmente moralizante para uma narra- tiva elaborada, cujo enredo contempla o psicológico ou o fantástico. O CONTO MODERNO A Teoria do Conto A idade contemporânea problematiza o conto como gênero literário e divide os críticos entre aqueles que admitem e os que não admitem uma teoria do conto. Vários estudiosos têm se dedicado a definir, estabelecer regras, e esclarecer as múltiplas tendências dos contos. Citamos, a título de ilustração, algumas afirmativas de alguns autores a esse respeito9 : - o escritor brasileiro Mário de Andrade dizia que sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto; - Machado de Assis expressou a dificuldade em se estabelecer a definição do conto quan- do, em 1873, disse: É gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade... e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor; - Julio Cortazar afirma que se não tivermos uma idéia viva do que é o conto, teremos perdido tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma sín- tese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência. Só com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonância que um grande conto tem em nós, e que explica também por que há tão poucos contos verdadeiramente grandes. O Decálogo do Perfeito Contista Em 1927, o autor uruguaio Horácio Quiroga escreveu o Decálogo do perfeito contista, numa tentativa de estabelecer normas, ou “mandamentos”, para a escrita do conto. São eles: I. Crê num mestre _ Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov _ como na própria divindade. II. Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás sem que tu mesmo o saibas. III. Resiste quanto possível à imitação, mas imita se o impulso for muito forte. Mais do que qualquer 9 Apud GOTLIEB, Nádia B. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2004. p. 9 e 10.
  • 19. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 19 coisa, o desenvolvimento da personalidade é uma longa paciência. IV. Nutre uma fé cega não na tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como amas tua amada, dando-lhe todo o coração. V. Não começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vais. Num conto bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas. VI. Se queres expressar com exatidão essa circunstância _ “Desde o rio soprava um vento frio”_ não há na língua dos homens mais palavras do que estas para expressa-la. Uma vez senhor de tuas palavras, não te preocupes em avaliar se são consoantes ou dissonantes. VII. Não adjetives sem necessidade, pois serão inúteis as rendas coloridas que venhas pendurar num subs- tantivo débil. Se dizes o que é preciso, o substantivo, sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso acha-lo. VIII. Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o final, sem atentar senão para o caminho que traçaste. Não te distraias vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abuses do leitor. Um conto é uma novela depurada de excessos. Considera isso uma verdade absoluta, ainda que não o seja. IX. Não escrevas sob o império da emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Se és capaz de revivê-la tal como a viveste, chegaste, na arte, à metade do caminho. X. Ao escrever, não penses em teus amigos, nem na impressão que tua história causará. Conta, como se teu relato não tivesse interesse senão para o pequeno mundo de teus personagens e como se tu fosses um deles, pois somente assim obtém-se a vida num conto. A maior parte dos ensaios que têm como objetivo a definição do conto se fundamentam na noção de brevidade desta forma narrativa. Todavia o conto parece resistir às restrições impostas pelas categorizações. O conto é uma narrativa ficcional, de reduzidos limites em relação ao romance e à novela, umas vezes de teor anedótico (Maupassant), outras vezes de teor espectral (Poe), ora intimista e nutrido de silêncios (Tchekhov), ora de narração objetiva e perversa (Faulkner), e não raro de conteúdo impressionista à maneira de Proust, ou com a aura poemática de Katharine Mansfield. Pode ter meia página ou 30 mil palavras, como em Henry James.10 A Questão da Brevidade A afirmação de Hélio Pólvora incide sobre a questão da brevidade que insiste em caracte- rizar os contos. Entretanto, é sabido que este não é o único critério para a classificação de uma narrativa literária com conto. Henry James (1843-916) escreveu contos longos, acima de vinte mil palavras e que ele próprio chamava de the beautiful and best nouvelle. Sabemos da existência de contos de 50 páginas como, por exemplo, As Neves de Kilimanjaro do autor americano Ernest Hemingway ou de apenas um parágrafo, como o da escritora indiana Suniti Namjoshi: Case History by Suniti Namjoshi 11 After the event Little R. traumatized. Wolf not slain. Forester is wolf. How else was he there exactly on time? Explains this to mother. Mother not happy. Thinks that the forester is extremely nice. Grandmother dead. 10 PÓLVORA, Hélio. Itinerários do Conto.Interfaces críticas e teóricas da moderna short story.Ilhéus: Editus, 2002. p. 15,16. 11 NAMJOSHI, Suniti(1944 - ). In Feminist Fables, 1981. Escritora indiana, é professora do Depto. De Inglês na Universidade de Toronto.
  • 20. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR20 Wolf not dead. Wolf marries mother. R. not happy. R. is a kid. Mother thinks wolf is extremely nice. Please to see shrink. Shrink will make it clear that wolves on the whole are extremely nice. R. gets it straight. Okay to be wolf. Mama is a wolf. She is a wolf. Shrink is a wolf. Mama and shrink, and forester also, extremely uptight.12 O autor chama a atenção para o fato de que mais importante que a extensão será o insight, aquele mergulho existencial. 13 A história acima é uma releitura, irônica, do tradicional conto “Chapeuzinho Vermelho”, em que a personagem principal, Chapeuzinho Vermelho, é, também, a narradora que questiona o comportamento da mãe. A narrativa é breve, fragmentada, cifrada, e deixa que o leitor manifeste um julgamento moral através do diálogo estabelecido entre o texto novo e a história tradicional, de conhecimento prévio do leitor. O Leitor Segundo Harold Bloom14 , os contos favorecem uma postura ativa do leitor, que é levado a trazer as respostas e explicações que o autor evita; they compel the reader to be active and to discern explanations that the writer avoids15 . Diferentemente dos romances, o leitor participa nos contos, infe- rindo sobre o que não está explicito, valendo-se, para tanto, das pistas oferecidas pelos escritores. A maior parte dos contistas evita um julgamento moral deixando que os leitores decidam sobre a sua relevância ou não. A qualidade do conto está diretamente relacionada à sua capacidade de provocar no leitor um arrebatamento que não o faça abandonar a leitura até chegar ao seu final. Pressupõe-se, por- tanto, uma relação entre a tensão e a extensão do conto, uma vez que, o autor necessita não cansar o leitor com uma leitura longa e, ao mesmo tempo, mantê-lo interessado no texto. É, portanto, no efeito (singular) que o conto causa ao leitor que Poe vai estabelecer a diferença entre romance e conto, afirmando que no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção 16 . De acordo com Poe, o conto é o resultado de um trabalho consciente do autor, e do seu controle sobre o material que pretende narrar, ten- 12 NAMJOSHI, Suniti. Case History - Three Feminist Fables. In Wayward Girls & Wicked Women.CARTER, Angela, editor. New York: Penguin Books, 1986. p. 85 13 PÓLVORA, Hélio.Op.cit. loc. cit. 14 BLOOM, Harold. How to read and why. New York: Touchstone, 2000.p.31. 15 SIMON, Sonia. Tradução livre. “eles (os contos) compelem o leitor a se tornar ativo e buscar explicações evitadas pelos escritores.” BLOOM, Harold. Op.cit. Loc. cit. 16 POE, Edgar A. Apud GOTLIEB, Nádia B. Op. Cit. p. 34. CURIOSIDADE Uma vez perguntaram ao escritor americano, Edgar Allan Poe “como se ler um conto?” e ele respondeu: “em uma sentada...” Pode- ríamos interpretar a resposta, como mais uma reiteração da obrigato- riedade da brevidade do conto. Entretanto, o que Poe se referia era a capacidade da obra literária em “seqüestrar” o leitor de forma a não querer parar de ler a história até o seu desfecho, em uma só “sentada”.
  • 21. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 21 do sido concebido desde o início com o intuito de causar um efeito singular. Segundo Nádia Gotlib, trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos17 . Edgar Allan Poe Edgar Allan Poe (1809-1849) é considerado um mestre desta forma narrativa e escreveu contos portadores de um forte conteúdo simbólico. Sua obra influenciou escritores do século XX, na Europa e nos Estados Unidos, que iniciaram o movimento conhecido como moder- nismo. Os contos de Poe possibilitam uma investigação psicológica dos seus personagens. A psicologia e o simbolismo são traços que renderam a Poe o título de “pai do conto moderno”. Seus contos narram histórias de horror, morte, vingança, ruína, em cenários variados; as histórias dizem respeito a conflitos psicológicos e os seus personagens geralmente se encontram em está- gios mentais limítrofes da loucura. Tomemos como exemplo o início do conto The Black Cat datado de 1843, em que o nar- rador diz: FOR the most wild, yet most homely narrative which I am about to pen, I neither expect nor solicit belief. Mad indeed would I be to expect it, in a case where my very senses reject their own evidence. Yet, mad am I not --and very surely do I not dream. But to-morrow I die, and to-day I would unburthen my soul. (…) In their consequences, these events have terrified --have tortured --have destroyed me. Yet I will not attempt to expound them. To me, they have presented little but Horror --to many they will seem less terrible than baroques. Desde o primeiro parágrafo, o leitor é introduzido em uma atmosfera de morte: to-morrow I die... e loucura: Mad indeed would I be to expect it… Os temas de morte e loucura, recorrentes nos contos e poemas de Edgar Allan Poe, fizeram parte também de sua vida pessoal, marcada por perdas familiares e abuso de substâncias tóxicas como o álcool e que resultaram no seu trágico desaparecimento precoce. 17 GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2004, p. 35 Edgar Allan Poe é considerado o pioneiro das histórias de detetive e de ter- ror, seus contos remetem o leitor a uma atmosfera de terror e medo e tornaram-se referências neste tipo literatura. Saiba mais! The black cat
  • 22. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR22 PARA REFLETIR A presença deste traço biográfico na obra de Poe reverbera para a discussão sempre presen- te nos estudos literários sobre a pertinência de estudar a biografia do autor para entender a sua obra. De um lado temos o historicismo, que realiza um estudo do pano de fundo da obra (con- texto histórico e biografia do autor), de outro lado, temos os estudos de base estruturalista, que defendem uma outra leitura, privilegiando a análise do texto em sua imanência, ou seja, em sua estrutura, desconsiderando qualquer coisa que não seja a linguagem. Antoine Compagnon postu- la a conjugação destas duas vertentes, pois, conforme este “demônio da teoria”, ainda uma vez, trata-se de sair desta falsa alternativa: o texto ou o autor. Por conseguinte, nenhum método exclusivo é suficiente 18 . Poe foi o pioneiro na escrita de histórias de crime em que o detetive utiliza o raciocínio para a elucidação dos assassinatos, diferentemente das histórias tradicionais em que os investigadores se limitam a seguir as pistas deixadas pelos criminosos sem, contudo, se deter, por exemplo, na análise dos dados e do estudo da patologia do criminoso. Este procedimento cria um envolvi- mento lúdico com o leitor que “participa” na decifração de códigos que levarão à descoberta do autor do crime. Em “Os assassinatos da Rua Morgue”, conto inaugural deste gênero narrativo, o personagem principal é um detetive, Monsieur Dupin, cuja perspicácia na investigação dos crimes o consagrou na tradição posteriormente seguida por outros escritores de língua inglesa como, Ar- thur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, e Agatha Christie, criadora do Monsieur Poirot e Miss Marple. Edgar A. Poe dividiu seus contos em duas categorias: Arabesque e Grotesque. Denominou Arabesque a narrativa predominantemente em prosa, em que o estado psicológico dos persona- gens encontra-se no limite da sanidade, ou em situação física e/ou mental de agonia a ponto de estarem sempre prontas a se entregarem à morte de forma prazerosa. A categoria descrita como Grotesque se refere à prosa que remete a um poema. A morte está sempre presente na obra de Poe e as heroínas de seus contos e poesias são mulheres que já faleceram ou que encontram a morte durante a narrativa. Poe também se destacou como poeta e ensaísta; o seu poema The Raven (O Corvo) e o en- saio The Philosophy of Composition são obras referenciais em suas respectivas áreas. Em The Philoso- phy of Composition, Poe retoma algumas observações sobre o conto e defende o seu ponto de vista acerca da totalidade de efeito ou unidade de impressão que se consegue ao ler o texto de uma só vez 19 . 18 COMPAGNON, Antoine. O Autor. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Hori- zonte: UFMG, 1999, p. 96. 19 GOTLIB, N. Op. Cit. p. 35. The Raven
  • 23. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 23 Saiba mais! Para Poe, o processo de criação literária é consciente e intencional. Ele trabalha com o intuito de causar um efeito no leitor, e todas as suas escolhas são feitas com o objetivo de conseguir esse efeito. Nesse sentido ele não compartilha da crença na inspiração, mas defende que o escritor parte de uma proposta de construção de um conto, baseado em um acontecimento que cause este efeito, predeterminado e sin- gular, sobre o leitor. Cortazar resume o conceito de conto em Poe dizendo que um conto é uma verdadeira máquina literária de criar interesse e amplia esta noção identificando o acontecimento como fundamental para despertar e manter o interesse do leitor. As contribuições de Poe estendem-se, ainda, à configuração do flâneur, que influenciou auto- res como Baudelaire. Segundo Walter Benjamin, o flâneur é o sujeito que se entrega à multidão dos grandes centros urbanos, contemplando a transitoriedade da vida na cidade. Um conto exemplar que traz a figura do flâneur e ilustra este elogio às multidões é O homem da multidão. Este conto traz a história de uma personagem, o narrador, que, encontrando-se no Café D., observa a multidão. Atendo-se, inicialmente à visão da grande massa indistinta que caracteriza o cenário observado, o narrador, progressivamente, é levado a particularizar os grupos de transeuntes que passam em sua frente. Cada grupo, contudo, não escapa à massificação imposta pelos grandes centros e logo a personagem passa a qualificar os transeuntes em tipos, quais sejam, “the tribe of clerks” (“a cas- ta dos empregados”), “the upper clerks of staunch firms” (“a dos empregados de maior categoria de antigas firmas sólidas”), “the race of swell pick-pockets” (“ a raça dos batedores de carteiras fantasiados de peraltas”), entre outros. As pessoas eram, assim, qualificadas conforme o seu tipo, como ilustra o trecho abaixo sobre a caracterização dos jogadores (gamblers): The gamblers, of whom I described not a few, were still more easily recognizable. They wore every variety of dress, from that of the desperate thimble-rig bully, with velvet waistcoat, fancy neckerchief, gilt chains, and filigreed buttons, to that of the scrupulously inornate clergyman than which nothing could be less liable to suspicion. Still all were distinguished by a certain sodden swarthiness of complexion, a filmy dimness of eye, and pallor and com- pression of lip. There were two other traits, moreover, by which I could always detect them; -- a guarded lowness Flâmeur
  • 24. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR24 of tone in conversation, and a more than ordinary extension of the thumb in a direction at right angles with the fingers. -- Very often, in company with these sharpers, I observed an order of men somewhat different in habits, but still birds of a kindred feather. They may be defined as the gentlemen who live by their wits. They seem to prey upon the public in two battalions -- that of the dandies and that of the military men. Of the first grade the leading features are long locks and smiles; of the second frogged coats and frowns20 . Divertindo-se ao reconhecer cada tipo que por ele transita, repentinamente, o seu olhar passa para um plano mais individual. É o momento em que narrador se depara com um sujeito que escapa a qualquer classificação. Este homem é um decrepit old man, some sixty-five or seventy years of age (“um velho decrépito, de uns sessenta e cinco ou setenta anos de idade21 ”). Em meio àquela multidão, a aparência estranha daquele homem lhe chama a atenção a ponto de sair em meio a multidão perseguindo-o. Nesta trajetória, tem a impressão de estar acompanhando em vão aque- le velho que, concluindo ser “o tipo e o gênio do crime profundo”, desiste de persegui-lo, pois como já traduzira um certo livro alemão, citado no começo da história, talvez ele seja um caso que não deve ser lido. Além de Poe, a literatura anglófona conta com uma gama de escritores que se destacaram na escolha do conto como forma literária: Henry James, James Joyce, D.H. Lawrence, Ernest Hemingway, Eudora Welty, Flannery O’Connor, Virginia Woolf, Katherine Mansfield, William Faulkner, Scott Fitzgerald, e muitos outros. Enquanto Poe considerava fundamental o efeito causado pelo conto, outros estudiosos o definem como a representação de um momento especial ou de crise. Discute-se, porém, se o mo- mento especial seria o da leitura, o do acontecimento, ou ainda aquele vivido pelo narrador. Ain- da há críticos que consideram que o conto representa justamente a falta de crise. De acordo com Gotlib, o importante é que o conto representa, de forma especial, algo que faz parte da vida. James Joyce & Epifania Dentre os autores que se distinguiram por retratarem “momentos especiais” James Joyce ocupa um lugar de destaque pela sua concepção de epifania. 20 POE, Edgar Allan. The man of the crowd. Disponível: http://etext.virginia.edu/etcbin/toccer-new2?id=PoeCrow.sgm&images=images/ modeng&data=/texts/english/modeng/parsed&tag=public&part=1&division=div1. Acesso: 31 jan. 07 21 POE, Edgar Allan. O homem da multidão. In: ______. Ficção completa, poesia e ensaios. Tradução de Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 38-45. É interessante ponderarmos que apesar de haver uma ênfase so- bre o caráter fantástico das Histórias extraordinárias de Poe, elas não deixam de registrar marcas do contexto histórico e social no qual o escritor viveu. A configuração de um cenário tal como o descrito no conto, a caracterização das personagens e a apresentação de tipos so- ciais da cidade moderna oferecem uma visão em nada superficial do que seria a sociedade da época. Para refletir
  • 25. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 25 James Joyce (1882-1941) foi um escritor irlandês, mais notoriamente conhecido pelos seus romances Ulysses e Finnegan’s Wake, marcados por uma estratégia narrativa chamada fluxo de cons- ciência ou monólogo interior, que consiste na narração de uma história marcada por raras ações e constantes reflexões e rememorações. Uma outra narrativa bastante significativa, mas que escapa um pouco à proposta dos romances supracitados, é a sua coletânea de contos, The Dubliners (Os Dublinenses), escrita em 1914. Em Contos Dublinenses, que protagoniza a cidade de Dublin, as narrativas se iniciam com uma descrição minuciosa dos locais onde se passa a história, como na seguinte passagem: North Richmond Street, being blind, was a quiet street except at the hour when the Christian Brothers’ School set the boys free. An uninhabited house of two stores stood at the blind end, detached from its neighbours in a square ground. The other houses of the street, conscious of decent lives within them, gazed at one another with brown imperturbable faces. É composto um retrato da cidade de Dublin, do seu povo e clima, a partir da visão e ex- periência do autor. As histórias são perpassadas por um olhar sobre a infância, a adolescência, a maturidade e a vida pública. Todavia, não obstante ser um cronista de sua própria cidade, a mais importante caracterís- tica de Joyce reside na utilização do recurso da epifania em seus contos e romances. Conforme concebida por Joyce, a epifania é identificada como uma espécie ou grau de apreensão do objeto que poderia ser identificada com o objetivo do conto, enquanto uma forma de representação da realidade 22 . A palavra vem do grego epipháneia, significando manifestação ou aparecimento. A Igreja Católica utiliza o vocábulo epifania no sentido de revelação, quando da passagem da primeira manifestação de Jesus Cristo ao gentios, durante a visita dos Reis Magos: Em geral, uma súbita ma- nifestação ou percepção da natureza essencial ou significado de alguma coisa. (Webster, 1971, p. 279). Segundo o próprio Joyce, “por epifania, referia-se a uma súbita manifestação espiritual, seja na vulgaridade do discurso ou do gesto, seja numa fase memorável do próprio espírito” 23 . De acordo com Hélio Pólvora, o conto Araby (vide indicação de leitura e site), contém o instante mais epifânico da coletânea The Dubliners. O enredo focaliza a paixão adolescente em que o objeto da afeição, uma moça, não pode ir a um bazar que se chama Araby e o apaixonado, um rapaz, lhe promete ir e trazer-lhe um presente. Neste momento, ocorre a epifania: She held one of the spikes, bowing her head towards me. The light from the lamp opposite our door caught the white curve of her neck, lit up her hair that rested there and, falling, lit up the hand upon the railing. It fell over one side of her dress and caught the white border of a petticoat, just visible as she stood at ease. O instante em que ocorre a epifania é o momento de revelação – objetivo do conto. Em Araby a revelação é o momento em que o adolescente percebe o objeto da sua paixão, uma mu- lher, tornando-se, por sua vez, um homem. É o instante fugaz da sua transformação em adulto, modificando irreversivelmente a sua condição como ser humano. A epifania é um momento 22 GOTLIB, N. Op. Cit. p. 51. 23 JOYCE, James, apud PÓLVORA, Hélio. Op. cit. p.68.
  • 26. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR26 especial pela significação que traz. Joyce “desvela” algo através da linguagem: um instante que revela o objeto ao sujeito. ...o trivial em Joyce, quando tem de fato alguma significação, se ilumina, passa a emitir luz própria; de repente, uma frase ou um trecho de prosa entra a arder como se fosse um facho24 . Isto equivale a dizer que a linguagem, em Joyce, consegue transformar o prosaico em uma transfiguração da realidade, inaugurando uma das matrizes da prosa moderna. Na idade moderna, outros autores de língua inglesa se destacaram como contistas, notada- mente Katharine Mansfield (Nova Zelândia), Angela Carter, Margaret Atwood (Canadá), Virginia Woolf entre tantos outros. Virginia Woolf Virginia Woolf valeu-se proficuamente da estratégia narrativa de fluxo de consciência em seus contos. Neles a ação apresenta-se apenas como uma espécie de pano de fundo de reflexões e memórias que preenchem os seus contos, marcados pela ausência de uma seqüência temporal, ou seja, da linearidade e apresentados como se realmente seguissem o fluxo do pensamento de suas personagens. Além disso, é válido destacar o nível de poeticidade de sua narrativa que, aliada à ausência de ação, já referida, qualificam-na como uma prosa poética. O processo empreendido por esta autora é, conforme termo utilizado por Victor Chklo- vski25 , em “A arte como procedimento”, o de desautomatizar a percepção, que é assim tornada automática em virtude do ritmo acelerado da vida que faz com que cada ação passe despercebida. A arte como procedimento é, então, claramente evidenciada em Kew Gardens, conto no qual o nar- rador, minuciosa e poeticamente narra um dia de julho em Kew Gardens. O narrador faz incursões minimalistas na paisagem, depreendendo cores, ruídos, sensações, que consistem no verdadeiro tema do conto, como ilustra o primeiro parágrafo do conto. From the oval–shaped flower–bed there rose perhaps a hundred stalks spreading into heart–shaped or ton- gue–shaped leaves half way up and unfurling at the tip red or blue or yellow petals marked with spots of colour raised upon the surface; and from the red, blue or yellow gloom of the throat emerged a straight bar, rough with 24 PÓLVORA, Hélio. Op. cit.p.63. 25 CHKLOVSKI, Victor. “A arte como procedimento”. Tradução Ana Maria Ribeiro Filipouski et al. In: TOLEDO, Dionísio (org). Teoria da Literatura: Formalistas russos. 2ª reimpressão da 1.ed. Porto Alegre: Globo, 1973, p. 39-56. Em virtude do caráter estático de sua narrativa, a literatura de Virginia Woolf pode, por vezes, ser considerada alheia à realidade. No entanto, em uma leitura mais arguta de sua obra, notamos um olhar que escapa ao realismo, mas que apresenta uma capacidade de penetrar no indizível, no mistério do ser humano, e captar uma visão do real que jamais seria possível através de uma narrativa que se pretendesse mais “fidedigna” à realidade. Para refletir
  • 27. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 27 gold dust and slightly clubbed at the end. The petals were voluminous enough to be stirred by the summer breeze, and when they moved, the red, blue and yellow lights passed one over the other, staining an inch of the brown earth beneath with a spot of the most intricate colour. The light fell either upon the smooth, grey back of a pebble, or, the shell of a snail with its brown, circular veins, or falling into a raindrop, it expanded with such intensity of red, blue and yellow the thin walls of water that one expected them to burst and disappear. Instead, the drop was left in a second silver grey once more, and the light now settled upon the flesh of a leaf, revealing the branching thread of fibre beneath the surface, and again it moved on and spread its illumination in the vast green spaces beneath the dome of the heart–shaped and tongue–shaped leaves. Then the breeze stirred rather more briskly overhead and the colour was flashed into the air above, into the eyes of the men and women who walk in Kew Gardens in July. A ação cede o seu lugar para o desenho de um quadro em que transitam pessoas, conforme a seguinte passagem: soon diminished in size among the trees and looked half transparent as the sunlight and shade swam over their backs in large trembling irregular patches 26 . A tradução desta passagem para o português é: logo diminuíam de tamanho entre as árvores, dando a impressão de serem semitransparentes à medida que a luz e sombras boiavam nas suas costas em manchas trêmulas, grandes e irregulares 27 . Ao transubstanciar a passagem de um grupo de pessoas em uma imagem semitransparente e subjetivar a paisagem, o narrador redimensiona o olhar do seu leitor de uma visão meramente superficial da realidade para um olhar sensível às sutilezas do mundo e capaz de desacelerar o processo de banalização da vida. Devemos ressaltar que, inserida em um contexto entre a era vitoriana e o início da era mo- derna na Inglaterra, a produção ficcional de Virginia Woolf não raro traz à baila as contradições de uma época marcada pelo conservadorismo e a predominância de ditames patriarcais, assim como pela euforia trazida pelo processo de modernização. O seu projeto estético, neste sentido, é também ético, pois ela problematiza, através da escolha por uma composição mais poética e livre da linearidade, a predominância de um padrão que rime com opressão. Virginia Woolf e Katherine Mansfield Uma outra contista muito significativa nas letras inglesas, é a neozelandesa Katherine Mans- field. As narrativas desta autora, ao lado das de Virginia Woolf, figuram como inquietantes críticas ao moralismo de herança vitoriana e à posição social da mulher, o que leva a sua escrita a ser qualificada por vezes como feminista. São apontadas, ainda, outras aproximações entre Mansfield e Woolf no que tange ao projeto literário. Na literatura destas autoras, verifica-se, por exemplo, uma ênfase sobre as reflexões, em detrimento da ação. Mas, no que concerne à configuração das personagens, podem ser identificados alguns distanciamentos, já que as personagens de Mans- field são construídas com um traço de humor e ironia, enquanto as de Woolf carregam uma certa 26 WOOLF, Virginia. Kew Gardens. In: ______. A haunted house. Disponível: http://etext.library.adelaide.edu.au/w/woolf/virginia/w91h/chap6.html. Acesso: 31 jan. 2007. 27 WOOLF, Virginia. Kew Gardens. In: ______. Contos completos. Tradução Leonardo Fróes. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 117.
  • 28. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR28 elegância e sutileza. Observamos, no que tange à configuração do cenário, no entanto, uma clara aproximação, basta comparar o trecho de Kew Gardens, de Virginia Woolf, acima destacado, ao de The garden party, de Katherine Mansfield. Windless, warm, the sky without a cloud. Only the blue was veiled with a haze of light gold, as it is so- metimes in early summer. The gardener had been up since dawn, mowing the lawns and sweeping them, until the grass and the dark flat rosettes where the daisy plants had been seemed to shine. As for the roses, you could not help feeling they understood that roses are the only flowers that impress people at garden-parties; the only flowers that everybody is certain of knowing. Hundreds, yes, literally hundreds, had come out in a single night; the green bushes bowed down as though they had been visited by archangels28 . Apesar do minimalismo em Mansfield não ser tão exacerbado quanto no texto de Virginia, o jardim descrito pela narradora de Katherine Mansfield é poeticamente singularizado em seu conto, que narra, assim como em um romance de Virginia Woolf, Mrs. Dalloway, os preparativos para uma festa. Angela Carter Iniciamos este módulo falando sobre a tradição oral nos primórdios da configuração da lite- ratura em língua inglesa. É muito comum associarmos a literatura de base oral ao período anterior ao despontar da modernidade. Esta associação é justificada pelas razões já aqui mencionadas ao tratar das oposições apontadas por Walter Benjamin entre o narrador tradicional e o moderno. A despeito deste binarismo, devemos considerar que a oposição entre o oral e o escrito nem sempre se sustenta, principalmente se observarmos que muitos textos da tradição oral apenas chegaram até nossos dias porque foram escritos e, além disso, há traços da oralidade no texto escrito e vice versa. No tocante às interseções entre o oral e o escrito, é válido mencionar a autora Angela Carter que, em plena pós-modernidade, fez uma releitura de contos da tradição oral, que foram reunidos em seu livro O quarto do Barba-azul. O quarto do Barba-azul é composto por dez contos que narram em forma de pastiche histó- rias infantis, em sua maioria contos de fadas. Tomemos como exemplo o conto “O lobisomem”, no qual a autora faz uma releitura do conto de fadas Chapeuzinho vermelho, tornado clássico por Charles Perrault. Neste conto, o narrador começa a história configurando um cenário frio, em que predominam as superstições. Um mundo cheio de bruxas, diabos, figuras lendárias que permeiam os pensamentos de “Vidas pobres, breves, árduas ”29 . Situando o imaginário da época, a narradora então conta a ida de uma menina que, atendendo ao pedido da mãe, vai visitar a sua avó. Vá visitar a sua vovozinha, que tem estado doente. Leve-lhe bolos de aveia que fiz no fogão de pedra e uma malguinha com manteiga30 . [...] Não saia do caminho, por causa dos ursos, do javali, dos lobos esfaimados. Olhe, leve o facão do seu pai; você sabe usá-lo. A menina obedece, não deixando de levar o facão mencionado pela mãe. No caminho, 28 MANSFIELD, Katherine. The garden party. In: ______. The garden party. Disponível: http://digital.library.upenn.edu/women/mansfield/garden/ party.html. Acesso: 31 jan. 07. 29 CARTER, Angela. O lobisomem. In: ______. O quarto do Barba-azul. Tradução Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 193. 30 Op. cit., p. 194.
  • 29. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 29 depara-se com um lobo e, prontamente, o fere com o facão amputando-lhe a mão. Ela enrola a mão amputada e a leva dentro da cesta à casa da avó. Lá chegando depara-se com a avó muito enferma. Abre a cesta e vê que a pata que havia guardado transformara-se em uma mão, a mão que faltava à sua avó. A menina puxou o lençol da avó e esta lutou contra a menina, que gritou tão alto a ponto de os vizinhos ouvirem e aparecerem para ajudá-la. A avó era, na verdade, a bruxa. É interessante observarmos nesta história que esta releitura é enriquecida por questões de cunho cultural identificadas quando o narrador faz a caracterização do cenário e não se exime de falar sobre as crenças da época que justificam os acontecimentos fantásticos que ocorrem na narrativa. Por este conto de Carter, notamos, portanto, que a atmosfera tosca e a vida da floresta, com todas as feras que nela vivem, são um ambiente propício para engendrar lendas e mitos que explicam aquilo que o povo, sem estas narrativas, não conseguiria explicar. Em linhas anteriores, afirmamos que no livro enfocado, Angela Carter narra em forma de pastiche. Para entender este termo pós-moderno, precisamos, na esteira de Silviano Santiago31 , estabelecer a diferença entre paródia e pastiche. Segundo Santiago, a paródia consiste em uma ruptura frente ao passado, que não raro é marcada pelo escárnio e ironia, predominante na mo- dernidade. O pastiche, por sua vez, “aceita o passado como tal, e a obra de arte nada mais é do que um suplemento ”32 . Desse modo, a distinção entre estas duas instâncias se estabelece para Silviano a partir da relação que elas têm com o passado. Conforme o autor, “o pastiche endossa o passado, ao contrário da paródia, que sempre ridiculariza o passado ”33 . A presença de um elemento como a ironia, conforme Silviano Santiago, poderia nos levar a considerar os contos de Angela Carter como paródia, por serem eles marcados por esse elemen- to. No entanto, as aproximações ao pastiche se justificam pelo fato de as narrativas de Carter não representarem uma ruptura com o passado. O que Angela Carter propõe é uma “outra” leitura, que suplemente o que já foi escrito e não que rechace a tradição. Podemos concluir considerando que o compromisso do conto é com a “história”, seu foco original. E a economia que permeia a construção do conto é que possibilita o surgimento da genialidade de grandes autores na manipulação da tensão de uma narrativa que ao seqüestrar a atenção do leitor faça-o lê-lo de uma “só sentada”. 31 SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: ______. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 108-144. 32 Op. cit., p. 134. 33 Idem, ibidem.
  • 30. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR30 Dentre os textos que lhe são conhecidos na literatura ocidental qual a narrativa que você identificaria como texto(s) fundador(es) de uma nação? 1. Atividade Complementar De acordo com o conceito de amor cortês, qual história você conhece em que se pode identificar essa noção de amor? 2. Que histórias de amor impossível você conhece? Por que o amor se torna impossível nessas histórias? 3. Que narrativa(s) você conhece que se baseia no folclore?4. Leia o conto The Black Cat, de Edgar Allan Poe, no site abaixo recomendado e descreva a sensação produzida pelo conto. 5.
  • 31. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 31 Edgar A. Poe: http://bau2.uibk.ac.at/sg/poe/works/blackcat.html James Joyce: http://www.bibliomania.com/0/0/29/63/frameset.html Rudyard Kipling: http://www.classicshorts.com/bib.html#tec Sites indicados Filmes indicados Beowulf A Lenda de Grendel Um Leão no Inverno Tristão e Isolda Lancelot Os Mortos (The Dead) O ROMANCE O NASCIMENTO DO ROMANCE De acordo com Ian Watt (1990)34 , o surgimento do romance ocorre no século XVIII, período que marca a ascensão e consolidação da burguesia. Para empreender a análise sobre o surgimento do romance, em sua relação com o contexto histórico mencionado, Watt se debruça sobre três representativos escritores, quais sejam, Defoe, Richardson e Fielding do século. Estes escritores foram escolhidos para desenvolver a sua teoria sobre o romance porque, segundo Watt, eles forjaram uma nova configuração literária que foge aos modelos da ficção da Grécia, da Idade Média e do romance francês do século XVII, voltando-se para a experiência do indivíduo em sua solidão, privilegiando uma escrita que fosse fiel ao “real”. 34 WATT, Ian. Realism and the novel form. In: id. The rise of the novel: studies in Defoe, Richardson and Fielding. U.S.A.: Penguin Books, 1983.
  • 32. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR32 O empenho em configurar uma narrativa “real” advém da leitura que fez sobre o Discurso sobre o método e Meditações, de Descartes. Na leitura desta obra, Watt sustenta a noção de que a “busca da verdade” passou a ser uma “questão inteiramente individual”, deixando de ser uma busca da coletividade. Defoe, Richardson & Fielding O romance se configura como uma forma literária nova, diferente das produzidas nos sé- culos anteriores, e que teve início na Inglaterra, no começo do século XVIII com Daniel Defoe, Samuel Richardson e Henry Fielding. Embora Richardson e Fielding considerassem suas obras como pioneiras por terem rompido com o antigo modelo ficcional, o termo “romance” só se consagrou no final do século XVIII e esses autores sequer o utilizaram para designar a nova cria- ção literária. De fato, os autores mencionados não constituem uma “escola literária”, e suas obras apre- sentam diferenças que demonstram a inexistência de influências recíprocas. Entretanto, o fato de que esses três primeiros romancistas ingleses tivessem surgido na mesma geração leva-nos a crer que as condições históricas da época contribuíram para favorecer o aparecimento do romance como tal. Realismo e o Romance Os historiadores afirmam que a diferença essencial entre as formas literárias anteriores e o romance é o “realismo”. A palavra “realismo” foi utilizada na pintura de Rembrandt como o termo oposto ao “ideal poético” da pintura neoclássica; posteriormente, o termo passou a ser utilizado na literatura. A palavra como antônima de idealismo tem origem na retratação da vida vulgar, ou seja, nas imperfeições do comportamento humano e seus deslizes por motivos eco- nômicos ou carnais. Ian Watt considera que a superficialidade dessa consideração subestima uma questão fundamental que é o fato que o romance procura retratar todo o tipo de experiência humana35 e não apenas os aspectos vulgares; além do mais, Watt argumenta que a maneira como a experiên- cia humana encontra-se representada é mais relevante do que a espécie de vida apresentada. Esta posição está mais próxima dos realistas franceses, que, por sua vez, consideram que o romance, mais do que qualquer outra forma literária, fez emergir a questão da imitação e correspondência entre a vida real e literatura. Assim, o romance é o veículo literário lógico de uma cultura que, nos últimos séculos, conferiu um valor sem precedentes à originalidade, à novidade36 . Individualismo A busca da verdade como um questionamento individual se reflete nessa “nova” forma lite- rária chamada romance, desafiando, portanto, a pratica tradicional que se baseava na História ou na fábula (WATT, 1990, p.15). Entretanto, se levarmos em consideração o fato que o romancista precisa imprimir fidelidade à experiência humana através de seus relatos, torna-se difícil identifi- car a novidade e originalidade nos romances, desafio que exigirá habilidade do escritor no manejo das convenções formais. 35 WATT, Ian. A Ascensão do Romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 13. 36 WATT, Ian. Op. Cit. p. 15.
  • 33. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 33 Considerando que Defoe e Richardson foram os primeiros grandes escritores ingleses que não basearam seus enredos na mitologia, História ou outra fonte literária do passado, Watt esta- belece as características que diferenciam as formas literárias anteriores e o romance. Daniel Defoe se distingue pela narrativa fluida, espontânea, mesclada com a memória auto- biográfica. A publicação de Robinson Crusoe em 1719, seguido da continuação da história desta personagem em 1720, inaugura uma nova forma literária que engloba outras formas narrativas como o diário, e memórias autobiográficas, se constituindo como marco do nascimento do ro- mance moderno. A história é o relato das aventuras de uma personagem de nome Robinson Crusoe, desde a sua partida da Inglaterra até o seu retorno, após passar 24 anos como náufrago numa ilha deserta. Ambiente Segundo Watt, dentre os aspectos que distinguem o romance estão a caracterização do am- biente e a sua detalhada apresentação. No romance, os espaços físicos são apresentados com uma descrição pormenorizada, bem como os ambientes em que ocorrem as cenas do enredo. Veja no seguinte exemplo: There was a hill not above a mile from me, which rose up very steep and high, and which seemed to over-top some other hills, which lay as in a ridge from it northward; (…) … I found a little plain on the side of a rising hill, whose front towards this little plain was steep as a house-side, so that nothing could come down upon me from the top; on the side of this rock there was a hollow place worn a little way in like the entrance or door of a cave, but there was not really any cave or way into the rock at all 37 . A ilha em que Robinson Crusoe se refugia após o naufrágio é descrita detalhadamente em todos os aspectos físicos e geográficos, e, de fato, a personagem realiza um inventário de tudo que consegue retirar do navio naufragado para a constituição de seu novo lar. Assim também ocorre com os ambientes onde Pamela, personagem principal do romance homônimo de Richardson, 37 DEFOE, Daniel. The Life and Adventures of Robinson Crusoe. London: Penguin Books, 1983. p. 71 & 77. Robinson Crusoe
  • 34. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR34 circula. Personagens Outro aspecto ressaltado por Watt é o fato de que, no gênero romance, as personagens são particularizadas, ou seja, são construídas de forma a se constituírem como indivíduos com iden- tidade própria, portando nome e sobrenome: Os nomes próprios têm exatamente a mesma função na vida social: são expressão verbal da identidade particular de cada indivíduo38 . I was born in the year 1632, in the city of York, of a good family, tho’ not of that country, my father being a foreigner of Bremen, who settled first at Hull. He got a good state by merchandise, and leaving off his trade lived afterward at York, from whence he had married my married my mother, whose relations were named Robinson, a very good family in that country, and from whom I was called Robinson Kreutznaer; but by the usual corruption of words in England, we are now called, nay, we call ourselves and write our name, Crusoe, and so my companions always call me39 . Defoe, por exemplo, evita nomes extravagantes e tradicionais, utilizando nomes próprios mais próximos à sua realidade. Richardson seguiu esta tendência e foi além, dando nome e sobre- nome até mesmo às personagens secundárias. Quanto a Fielding, há evidências que haja retirado os nomes de seus personagens de uma lista de assinantes da edição de 1724 da History of his own time de Gilbert Burnet. Esta prática consolidou esse costume como tradição do gênero, tornan- do-se uma ferramenta que ajuda a manter a crença do leitor na veracidade da “existência” da personagem. O Tempo O tempo é outro aspecto fundamental do romance, em que os personagens existem como indivíduos em um determinado espaço e em um determinado tempo. Segundo Watt, as persona- gens do romance só podem ser individualizadas se estão situadas num contexto com tempo e lo- cal particularizados. Essa dimensão tornou-se crucial a partir do Renascimento e que o romance passou a refletir de modo particular. E.M. Forster considera o retrato da “vida através do tempo” como a função distintiva que o romance acrescentou à preocupação mais antiga da literatura pelo retrato da “vida através dos valores”. Northrop Frye vê “a aliança entre tempo e homem ocidental” como a característica definidora do romance comparado a outros gêneros40 . Diferentemente da tragédia em que a ação ocorre em 24h, ou do conto cujo foco está dire- cionado para um momento específico, o romance pode abranger toda a vida de uma personagem ou mesmo de gerações. Em Crusoe, por exemplo, a narrativa perpassa um grande período de tempo da vida da personagem que, só como náufrago passa 24 anos na ilha! De fato, a história inicia antes do naufrágio e termina depois do seu retorno à Inglaterra. Crusoe mantém um diário, em que anota as suas atividades contendo datas especificas. 38 WATT, Ian. Op. Cit. p. 19. 39 DEFOE, Daniel.Op. cit. p.31. 40 WATT, Ian. Op. cit. p. 22
  • 35. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 35 The Journal41 September 30, 1659. I, poor miserable Robinson Crusoe, being shipwrecked, during a dreadful storm, in the offing, came on shore on this dismal unfortunate island, which I called the Island of Despair, all the rest of the ship’s company being drowned, and my self almost dead. (…) October 1. In the morning I saw… (…) From the 1 of October to the 24 . All these days entirely spent in many several voyages to get all I could out of the ship, which I brought on shore, every tide of flood, upon rafts. Richardson, por sua vez, utilizando a forma epistolar para acentuar o cunho de veracidade da narrativa, detalha os sobrescritos das cartas com dia da semana e até a hora do dia. Fielding, em Tom Jones, detalha cronologicamente as viagens entre West Country e Londres das persona- gens, informando até mesmo as fases da Lua, além de relatar acontecimentos históricos do ano em que transcorre a ação. A narrativa no romance também permite uma alternância de relatos entre fatos passados e o tempo presente (da ação no romance), como por exemplo, a técnica de flashback. Portanto, com relação ao enredo, o romance estabelece uma relação entre ações pas- sadas e a presente, em que as experiências passadas se constituem como causa da ação presente, diferentemente das formas literárias anteriores. A fidelidade do romance à experiência cotidiana depende diretamente de seu emprego de uma escala tempo- ral muito mais minuciosa do que aquela utilizada pela narrativa anterior42 . De fato, o romance se detém no detalhamento do cotidiano da vida de suas personagens ao longo do tempo, como pode ser observado na pormenorização do dia-a-dia de Crusoe na ilha. Having now fixed my habitation, I found it absolutely necessary to provide a place to make a fire in, and fewel to burn; and what I did for that, as also how I enlargened my cave, and what conveniences I made, I shall give a full account of my self, and of my thoughts about living, which it may well be supposed were not a few43 . Um exemplo flagrante da representação do cotidiano das personagens é identificado no romance de fluxo de consciência, em que a narrativa pretende corresponder diretamente do fluxo de pensamento da mente da personagem, sem interferência e sem aparente controle externo. Podemos, portanto, afirmar que o principal objetivo do romancista é a elaboração de um relato autêntico das verdadeiras experiências individuais, e resumir os seus principais aspectos como: Pensado deste modo, o rompimento com a narrativa tradicional e a máxima aproximação da realidade resultaram no estabelecimento de alguns aspectos que, conforme Watt, caracterizam o romance realista. Estes aspectos consistem nos seguintes fatos: - o desvio do olhar para o indivíduo isolado até este ficasse tão próximo a ponto de captar- lhe os seus pensamentos; 41 DEFOE, Daniel. Op. cit. p. 87 42 WATT, Ian Op. cit. p. 23 43 DEFOE, Daniel. Op. cit. p.80. st th
  • 36. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR36 - a substituição de personagens-tipo por sujeitos e situações comuns, tornando a persona- gem particular; - a atribuição de nomes às personagens que revelariam algo de significativo sobre sua personalidade; - a apresentação das experiências vividas como uma causa para as experiências do presente; - a definição e descrição minuciosa do espaço e do tempo para que eles fossem caracteriza- dos como um “ambiente físico real”; - a presença da linearidade e na constituição de uma “prosa clara e fácil” para apresentar, ao invés de representar, o real. Watt argumenta que a premissa implícita no gênero romance é ser um relato completo e autêntico da experiência humana, tendo, portanto, a obrigação de fornecer ao leitor detalhes da história como a individualidade dos agentes envolvidos, os particulares das épocas e locais de suas ações _ detalhes que são apresentados através do emprego da linguagem muito mais referencial do que é comum em outras formas literárias44 . De fato, o romance é uma forma híbrida, que engloba os diversos gêneros como o épico, o lírico e até o drama, e comporta outros tipos de relato tais como o diário e cartas, etc. A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE NORTHROP FRYE A psicóloga e crítica literária inglesa, Maud Bodkin, afirma que existe um padrão de arquéti- pos que transparece na poética que trata de temas antigos e sugere que esses padrões seriam, pos- sivelmente, adquiridos através da cultura, ou seja, que tais padrões são ensinados e apreendidos por gerações sucessivas (BODKIN, 1934), divergindo de Carl Jung que afirmava a transmissão de padrões através de uma “impressão” na mente que se repetia nas gerações. Por sua vez, o estudioso e crítico literário, Northrop Frye, vai além e considera que a lite- ratura é um sistema sofisticado de um grupo de fórmulas básicas oriundas de culturas primitivas (LAPIDES, BURROWS & SHAWCROSS, 1973). Frye, a partir de um estudo baseado nos pa- drões míticos, identifica quatro fases correspondentes às quatro estações do ano e que represen- tam os enredos recorrentes na literatura. Padrões Míticos Os padrões míticos estudados por Frye são os mitos das Estações e do Herói (também chamado do mito da Jornada). O mito das Estações representa o ciclo da vida humana, em que as estações correspondem às etapas da existência; desta forma, a Primavera representa o nasci- mento do indivíduo até o desabrochar da juventude; o Verão corresponde ao desenvolvimento, ou a plenitude do indivíduo; o Outono, a maturidade; e, finalmente, o Inverno representa a sua morte, o final da existência. Entretanto, o ciclo se repete ad continuum de forma que o rebrotar das 44 WATT, Ian. Op. cit. p. 31.
  • 37. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 37 plantas na Primavera representa, metaforicamente, a renovação da vida. O segundo padrão, o do Herói, categoriza os protagonistas dos relatos nas sociedades primitivas através das qualidades a eles atribuídas. As características apontadas por Frye são as seguintes: - os heróis nascem em circunstâncias misteriosas ou extra- ordinárias, como, por exemplo, a concepção de Jesus pela Virgem Maria; - o herói é filho de um grande homem ou deus, como Pro- meteu ou Jesus; - é predestinado; possui uma existência especial distinguida por uma missão; - enquanto jovem, o herói passa por experiência de exílio ou é exposto a um risco de vida como Moisés, Hamlet, ou Branca de Neve; - supera obstáculos a fim de se tornar um herói, como Hércules; - defende a sua nação, ou comunidade, de algum malefício, como Beowulf; - sua morte é, geralmente, misteriosa e/ou ambígua, como a morte do Rei Artur. Esses padrões, ou monomitos, têm em comum o fato de serem cíclicos, e são ferramentas úteis no estudo da linguagem dos símbolos, ou de uma análise simbólica. Modelos Ficcionais A partir desse estudo, Northrop Frye desenvolveu uma classificação dos modelos ficcio- nais. Esses modelos se relacionam às qualidades e à atuação nos enredos dos protagonistas de narrativas. São cinco categorias ou modelos ficcionais denominados de “modo imitativo”, ou mimetic modes: 1. O modo imitativo elevado (superior in kind to other men and environment ) - diz respeito ao herói superior aos outros homens; é considerado uma divindade e sua história se configura como uma mitologia. 2. O modo imitativo alto (superior in degree to to other men and environment)– o herói é superior aos demais homens e é o típico herói dos romances de cavalaria, cujos feitos são extraordinários, entretanto são seres mortais. Movimentam-se numa dimensão em que as leis da natureza se en- contram em suspensão e seu mundo é habitado por animais falantes, bruxas, ogres; são dotados de grande coragem e não raro possuem armas especiais. É o mundo dos contos maravilhosos, e das lendas. 3. O modo imitativo superior (high mimetic mode; superior in degree to other men but not to the envi- ronment)– é o líder; Possui autoridade e liderança; é o herói dos épicos e da tragédia. 4. O modo imitativo baixo (low mimetic mode; he is not superior; he is one of us) – é o homem comum, e geralmente é o herói de comédias e da ficção realista. Rei Arthur
  • 38. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR38 5. O modo irônico (ironic mode) – é o herói inferior com relação ao poder e inteligência, como, por exemplo, o protagonista de “O Homem do Subterrâneo” de Dostoevsky. Segundo Frye, o desenvolvimento das narrativas literárias pode ser estudado de acordo com a sua origem, e postula duas fontes de narrativas. A forma secular consolidada pelos romances de cavalaria, e a narrativa religiosa que engloba as histórias bíblicas e vida dos santos. As três primeiras categorias de heróis mencionadas predominam na literatura até que o surgimento de uma nova classe social na Inglaterra, a classe média, favorecesse o desenvolvimento dessa nova forma literária a partir de Defoe, o romance. A partir do romance, predominará o protagonista que corresponde ao herói low mimetic mode, ou seja, o homem comum. Esse modelo permanecerá até o final do século XIX. DESENVOLVIMENTO DO ROMANCE INGLÊS O Gótico Durante o período romântico surge a ficção gótica, baseada na noção de horror e prazer de Edward Burke em seu ensaio A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful (1757). Segundo Burke, “dor e terror são capazes de propiciar deleite”. A consciência do sublime proporciona a mais forte emoção que a mente seria capaz de sentir, e pode advir da contemplação da natureza selvagem e cenários montanhosos, ou do estudo de arquitetura, nota- damente a apreciação das construções das catedrais medievais e as ruínas dos castelos. De fato, essa noção vai permear o romantismo inglês. Burke cita, entre as narrativas literárias capazes de provocar a sensação de “prazer no horror”, Paradise Lost de John Milton, e as tragédias de Shakes- peare. A ficção gótica se configura como uma reação ao conforto e segurança promovidos pelo progresso comercial e estabilidade política, e, sobretudo, à regra da razão. Os traços do gótico vão permanecer na literatura inglesa e são visíveis desde a literatura das irmãs Brontë até os dias de hoje, inclusive na música e no cinema. O Gótico
  • 39. Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 39 Jane Austen Jane Austen (1775-1817) foi a primeira romancista (mulher) importante e sua produção literária dispensa classificação. Seus romances representam o cotidiano feminino da sua época. Sua literatura sugere pouco ou nenhum engajamento político nem qualquer envolvimento em eventos políticos nacionais ou internacionais, a despeito de ter vivido uma época de efetivo risco de uma invasão militar por parte da França, já que se tratava do período das Campanhas Napo- leônicas. Conforme Anthony Burgess45 , sua intenção sempre esteve voltada para as “pessoas” e não para as “idéias”. Por isso em sua literatura as personagens são descritas da forma mais real possível, com todas as suas falhas e qualidades. Além disso, salientamos a apresentação de traços que retratam a sociedade em seu tempo, sem que, contudo, a sua narrativa seja datada. Seus textos apresentam um retrato da classe média alta britânica e de uma sociedade que se define em termos de posse de terra, dinheiro e posição social. Sua mensagem moral insiste na boa conduta, boas maneiras, razão e a admiração pela insti- tuição do matrimônio. Apesar de não desdenhar o amor, seus romances demonstram o equilíbrio entre a maturidade e impulsividade. Dentre os seus livros, destacam-se Emma, Razão e Sensibilida- de, Orgulho e Preconceito, todos já transpostos para a linguagem cinematográfica. As irmãs Brontë As irmãs Brontë, Charlotte (1816-55), Emily (1818-48) e Anne (1820-49) viveram no pe- ríodo conhecido como “Alta Literatura Victoriana”. Reclusas em uma pequena paróquia em Yorkshire, norte da Inglaterra, mantiveram-se distantes porém bem informadas a respeito do que ocorria no mundo. Influenciadas pela literatura gótica, escreveram romances e poemas. Charlotte Brontë escreveu Jane Eyre e Shirley; Emily Brontë publicou O Morro dos Ventos Uivantes; e Anne Brontë é autora de Agnes Grey. Curiosamente, as irmãs Brontë têm uma obra bastante reduzida, e, de fato, Emily Brontë publicou unicamente O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights). O cenário de seus romances denota uma acentuada influência gótica, facilmente identificada na sombria casa nos morros uivantes, do romance Wuthering Heights. No que pese a configuração das suas personagens, as heroínas das irmãs Brontë enfatizam a importância da independência financeira e intelectual da mulher. No tocante a Wuthering Heights, um romance escrito com um espírito romântico, o seu en- redo consiste na história da paixão avassaladora e trágica de Heathcliff e Catherine. Heathcliff foi encontrado pelo pai de Catherine e se tornou um criado da família. O afeto precocemente sentido por ela desencadeou um amor que mescla a veneração à paixão carnal. Em virtude de convenções sociais, Catherine decide casar-se com Edgar Linton, o que desaponta Heathcliff profundamente, levando-o a deixar a casa de sua amada e voltar anos depois para se vingar. Em meio ao seu plano de vingança, Catherine morre, voltando ocasionalmente em espírito para rever o seu Heathcliff. Quanto ao título do romance, o fato de o vento “uivar” devido à geografia do lugar já anuncia um cenário sobrenatural de mistério e apreensão. Wuthering Heights exemplifica a revi- talização do romance gótico na literatura vitoriana. 45 BURGESS, Anthony. A chegada da época moderna. In: ______. A literatura inglesa. Tradução Duda Machado. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 209.
  • 40. FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR40 A passagem a seguir pertence ao capítulo 9 e é uma das cenas mais marcantes do romance de Emily Brontë. O amor de Catherine por Heathcliff, expressado nessa passagem, transcende as convenções sociais, alcançando um status quase religioso. No entanto, Catherine escolhe seguir o papel social esperado dela e se casa com Edgar Linton, traindo Heathcliff e, conseqüentemente, o seu amor por ele. I cannot express it; but surely you and everybody have a notion that there is or should be an existence of yours beyond you. What were the use of my creation, if I were entirely contained here? My great miseries in this world have been Heathcliff’s miseries, and I watched and felt each from the beginning: my great thought in living is himself. If all else perished, and he remained, I should still continue to be; and if all else remained, and he were annihilated, the universe would turn to a might stranger: I should not seem a part of it. My love for Linton is like a foliage in the woods: time will change it, I’m well aware, as winter changes the trees. My love for Heathcliff resembles the eternal rocks beneath: a source of little visible delight, but necessary. Nelly, I am Heathcliff! He’s always, always in my mind: not as a pleasure, any more than I am always a pleasure to myself, but as my own being. Ressaltamos que o tema do amor de Catherine e Heathcliff inspirou produções fílmicas, músicas e, mais recentemente, uma releitura feita por uma autora caribenha, Maryse Condé, sob o título de Corações migrantes (1995). Charles Dickens Charles Dickens (1812-1870) é considerado um dos autores mais lidos da era vitoriana. Ele ficou conhecido pela configuração de personagens cômicos, caricaturados e grotescos, traços que encontraram algumas aclamações da crítica, mas que também levaram escritores e críticos, a exemplo de Virginia Woolf, a considerarem a sua produção literária “menor”. Alguns de seus livros mais conhecidos são Oliver Twist, através do qual postula que a socie- dade pode causar sofrimento às crianças; David Copperfield, considerado um romance autobiográ- fico; e Great Expectations, que conta a história do órfão Pip, desde a sua infância até a maturidade, num estilo autobiográfico, por meio do qual o próprio Charles Dickens traz relatos que remetem à sua própria vida. O Morro dos Ventos Uivantes