1. GUARANI, O
Análise do livro de José de Alencar
Oscar D'Ambrosio*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Há obras literárias que estão fortemente vinculadas ao
momento em que foram criadas. É o caso do romance "O
Guarani" (1857), do cearense José de Alencar (1829-1977),
ligado à fase inicial do romantismo brasileiro, conhecido
como indianismo. A proposta era seguir o modelo europeu,
que buscava encontrar as fontes da identidade nacional.
Enquanto os ingleses e portugueses tinham, por exemplo, a
Idade Média como fonte inspiradora, o Brasil, no sentido de
recuperar um glorioso passado do qual podia se orgulhar,
tinha como única referência os índios, primeiros habitantes
do solo brasileiro.
Como eles não tinham o glamour que os guerreiros
medievais apresentavam em suas jornadas aventureiras, a
solução literária encontrada foi recuperar o índio, como
acontece com Peri (o personagem central do livro),
protagonista do romance, com características morais e
comportamentos dignos de um soldado da Idade Média
europeia.
Nacionalização literária
Nesse sentido, a obra de José de Alencar contribuiu para a
nacionalização da literatura no Brasil e a consolidação do
romance nacional, do qual foi pioneiro e, por isso, chamado
de "patriarca da literatura brasileira". Os seus heróis
indígenas, rodeados de uma natureza exótica e fascinante,
são repletos de bondade, nobreza, valentia e pureza,
características que os aproximam dos cavaleiros e donzelas
medievais.
Narrado em terceira pessoa, o livro se passa no Brasil do
início do século 17. A história gira em torno de Dom
Antonio de Mariz, fidalgo português que, com a
construção de uma fortaleza, desafia o poder espanhol. O
plano do antagonista, o aventureiro Loredano, queimado
como traidor ao final do livro, incluía raptar Cecília, a Ceci,
filha de D. Antônio, vigiada pelo forte e valente índio Peri.
2. Ele salva a vida da moça, ameaçada de morte pelos índios
aimorés, que queriam vingar a morte acidental de uma
índia de sua tribo causada por Diogo, filho de D. Antônio.
No combate entre aimorés e portugueses, os primeiros,
mais numerosos levam vantagem.
Heroísmo e bravura
Peri, num ato heróico, bem ao gosto do romantismo,
oferece-se ao sacrifício. Toma veneno para que, após ser
derrotado na luta e devorado pelos adversários
antropófagos, eles falecessem contaminados pela sua
carne. Álvaro, capataz de Dom Antônio, apaixonado por
Isabel, criada e irmã bastarda de Ceci, salva o índio,
convencido pela donzela lusa a tomar o antídoto. Em
seguida, Álvaro falece na guerra, e Isabel, inconformada,
comete suicídio.
A derrota dos portugueses, no entanto, é inevitável. D.
Antônio, num gesto extremo, também romântico, faz a
fortaleza explodir, matando a todos ali dentro, inclusive a si
mesmo. Pede também a Peri que se converta ao
cristianismo para que fuja com a filha.
Adormecida com vinho, Ceci enfrenta com o índio uma
tempestade tropical. Quando acorda, Peri conta o que
ocorreu. Ela, decepcionada com a civilização branca, decide
morar com o "bom selvagem" na selva.
Enquanto isso, as águas continuam subindo. O índio, como
se fosse um Hércules do mito grego, arranca uma palmeira
do chão e improvisa uma canoa. Na última cena, o casal se
perde na linha do horizonte, havendo a sugestão, bem
dentro do universo nacionalista de Alencar, de que os dois
seriam os fundadores da nação brasileira, com suas
matrizes portuguesa e indígena.
Oscar D'Ambrosio, jornalista, mestre em artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), é crítico de arte e integra a Associação Internacional de Críticos de Artes (Aica - Seção Brasil).
Acesso em 18/03/2012 às 22:23h.