Este documento descreve quatro processos de transferência horizontal de genes entre bactérias: transformação, conjugação, transdução e conversão lisogênica. A transformação envolve a incorporação de DNA livre no meio no interior da célula. A conjugação envolve a transferência de DNA entre bactérias através do contato direto mediado por plasmídeos. A transdução envolve a transferência de DNA entre bactérias mediada por vírus. A conversão lisogênica envolve a transferência de genes de bactérias para vírus e vice-versa.
Processos de transferência genética entre bactérias
1. Processos de transferência de genes entre bactérias
Introdução
Sabemos que, embora as mutações sejam responsáveis pela
expressão de várias novas características por uma célula, muitos dos
fenótipos expressos pelos microrganismos procarióticos são
decorrentes da aquisição de novos fragmentos de DNA, por meio de
processos de transferência horizontal de genes. Três processos de
transferência genética entre bactérias são bastante conhecidos:
transformação, conjugação e transdução. Há ainda um quarto
processo, a conversão lisogênica, que envolve a transferência de DNA
de uma partícula viral para uma bactéria, sendo um evento
importante na aquisição de genes muitas vezes associados à
virulência.
Transformação - É definida como um processo de incorporação de
DNA na forma livre, geralmente decorrente da lise celular. A partir de
seu descobrimento, foi demonstrado formalmente que o DNA era a
molécula envolvida na hereditariedade (experimentos iniciados por F.
Griffith, 1928).
Várias bactérias Gram positivas e negativas são naturalmente
transformáveis, entretanto, dentro de um gênero, nem todas as
espécies o são. Na natureza, o processo ocorre quando uma célula
sofre lise, liberando seu DNA. Este, por ser de grande tamanho tende
a sofrer quebras, originando centenas fragmentos de
aproximadamente 15 kb (o equivalente a cerca de 15 genes, em
Bacillus subtilis). Como uma célula absorve poucos fragmentos,
apenas uma pequena proporção de genes podem ser transferidos.
Inicialmente, para que o processo ocorra, é necessário que a cél.
2. encontre-se competente, isto é, deve apresentar sítios de superfície
para a ligação do DNA da célula doadora e apresentar a membrana
em uma condição que permita a passagem deste DNA. Esta
propriedade é, provavelmente, uma característica inerente de certas
linhagens e, ao que parece, envolve o mecanismo de quorum
sensing. O estabelecimento da competência é um fenômeno
controlado, envolvendo a participação de diferentes proteínas
(proteína de ligação ao DNA, presente na membrana, autolisinas,
nucleases), sendo um processo variável entre os microrganismos.
Aparentemente, o número de sítios disponíveis para a ligação do DNA
é limitado. Esta captação parece estar relacionada a uma pequena
sequência, de 10 a 12 pares de bases, presente no DNA exógeno. Em
Haemophilus, foi demostrada a presença de uma proteína que
reconhece e liga-se a uma sequência 5’ - AAGTGGGTCA - 3’, muito
comum no genoma deste microrganismo, garantindo que somente
ocorrerá a captação de DNA de espécies muito similares.
A competência é um processo que depende de várias condições
distintas nos diferentes microrganismos. Sabe-se que a fase de
crescimento e as condições ambientais desempenham um papel de
extrema importância no processo. Além destes, a temperatura e a
concentração de cátions também influenciam a eficiência do processo.
A captação do DNA também é diferente entre Gram positivos (G+)
e Gram negativos (G-): Nas G+ o DNA é captado como dupla hélice e
absorvido como fita simples, sendo uma das fitas degradadas. Nas G-
, o DNA é absorvido como fita dupla, embora apenas uma das fitas
participe do processo de recombinação. Independente do tipo celular,
a ligação do DNA à célula é mais eficiente quando está como fita
dupla.
Ligação do DNA: inicialmente é reversível, tornando-se irreversível
depois. As células competententes ligam o DNA com muito mais
3. eficiência que células não competentes (1000 vezes mais).
Streptococcus pneumoniae é capaz de ligar apenas cerca de 10
moléculas de DNA de dupla fita, de 15 a 20 kb. Quando são
absorvidas, como DNA de fita simples, estas passam para cerca de 8
kb.
Em Haemophilus influenzae, é necessário que o DNA tenha uma
sequência específica de 11 pb, para que haja a ligação irreversível e o
DNA seja captado.
Integração do DNA: O DNA liga-se a proteínas na superfície celular,
sendo em seguida absorvido ou tendo uma de suas fitas degradadas
por nucleases antes da absorção. À medida que o DNA é absorvido no
interior da célula, este se associa a proteínas de ligação ao DNA de
fita simples, protegendo-o de degradação. A proteína RecA também
participa deste processo, associando-se à fita e promovendo a
recombinação. Há então a degradação do que resta da fita simples e
formação de um DNA híbrido, que na replicação originará uma
molécula parental e outra recombinante.
4. Esquema dos eventos envolvidos na transformação em Streptococcus, um
organismo Gram positivo. O autoindutor (1) ao encontrar o receptor (2) interage
com este, promovendo a ativação de vários genes (3, 4 e 5) dentre eles as
autolisinas, nucleases e proteína de ligação ao DNA. Uma das fitas do DNA passa a
ser captada pela célula, enquanto a outra é degradada (6). Ao penetrar na célula a
fita simples é protegida por proteínas. Caso este DNa encontre uma região
complementar, a proteína RecA auxiliará sua recombinação com o DNA endógeno
(7).
Conjugação - Processo de transferência de DNA de uma bactéria
para outra, envolvendo o contato entre as duas células (descoberta
por Tatum & Lederberg, 1946). A conjugação está associada à
presença de plasmídeos de natureza F. Estes plasmídeos contêm
genes que permitem a transferência do DNA plasmidial de uma célula
para outra ou, em outras palavras, a capacidade conjugativa. Quando
5. a célula porta um plasmídeo de natureza F é denominada F+,
doadora, ou macho, enquanto células desprovidas de tais plasmídeos
são denominadas F-, receptoras, ou fêmeas.
A capacidade conjugativa está associada à presença de determinados
genes localizados em um operon denominado tra. Estes genes
conferem uma série de características envolvidas na conjugação tais
como a síntese do pilus F, responsável pelo reconhecimento e contato
entre as células, assim como a transferência do DNA plasmidial.
Eventualmente, os plasmídeos podem ser integrados no cromossomo,
sendo este processo mediado por pequenas seqüências de DNA
denominadas IS (insertion sequences). As células apresentados tais
plasmídeos integrados são denominadas Hfr (do inglês High
Frequency of Recombination). Quando integrados, esses plasmídeos
podem mobilizar a transferência de genes cromossomais também.
Exemplo de um plasmídeo do tipo F
Em gram negativos, a conjugação pode ser de dois tipos: entre
células F+ e F-, resultando em duas células F+ e entre células Hfr e
F-, resultando em uma célula Hfr e outra F-. Nos dois processos,
acredita-se que o mecanismo provável de transferência do DNA seja
pelo círculo rolante, onde apenas uma das fitas é transferida, sendo a
6. fita complementar sintetizada pela célula receptora. Provavelmente, o
estímulo para o disparo do processo seja o contato das células.
Assim, a conjugação envolve a passagem de DNA de uma célula F+
para outra F-
, que torna-se então F+
também.
Quando o plasmídeo encontra-se incorporado ao cromosso, a
conjugação passa a envolver a transferência de genes cromossomais,
sendo que nestes casos, a célula receptora permanece F-
, porque a
região tra é a última a ser transferida, o que raramente ocorre na
natureza. Nestes casos, passam grandes blocos de DNA da célula Hfr
para a receptora, promovendo extensas recombinações.
(a)
(b)
(c)
(d)
Esquema dos eventos associados à conjugação entre células F+ e F-.
7. Eventos associados à
conjugação entre uma célula
Hfr e outra F-. Observe que a
célula F- permanece como
receptora, uma vez que a
região tra normalmente não é
transferida.
Transdução: (Lederberg & Zinder, 1952) transferência mediada por
vírus, podendo ser generalizada (qualquer fragmento de DNA) ou
especializada (determinados genes, passados por fagos temperados).
Transdução generalizada: Descoberta em Salmonella typhimurium
com o fago P22, embora este processo também ocorra em outras
bactérias, tais como E. coli. Este tipo de processo requer a ocorrência
de um ciclo lítico, onde eventualmente pode haver o empacotamento
de fragmentos de DNA da célula hospedeira, gerando partículas
denominadas partículas transdutoras, que correspondem ao capsídeo
8. viral contendo em seu interior DNA bacteriano. Embora não possam
ser descritas como vírus, as partículas transdutoras exibem a
capacidade de adsorção à superfície de outras células bacterianas. A
frequência com que um determinado gene é transferido é baixa uma
vez que cada partícula transdutora leva apenas um determinado
fragmento de DNA (1 em 106
ou 108
cél. recebem um determinado
gene).
Transdução generalizada: durante um ciclo lítico, pode haver a incorporação de
DNA bacteriano no capsídeo viral. Este DNA poderá ser transferido para outra
bactéria, pois os processos de adsorção e injeção de DNA dependem da estrutura
do vírus, independente do tipo de DNA contido em seu interior.
Transdução especializada: Evento raro, embora bastante eficiente. O
exemplo melhor conhecido e primeiramente descoberto foi a
transferência de um genes que codificam produtos envolvidos na
degradação de galactose pelo fago λ de E. coli.
A etapa inicial no processo corresponde à infecção e lisogenização do
9. fago, que ocorre em sítios específicos do genoma. Neste caso, a
integração do fago ocorre adjacente ao conjunto de genes envolvidos
na utilização de galactose. Pela ação de algum indutor (ex: UV) há a
separação do fago do genoma (integração reversa), que
normalmente ocorre perfeitamente. Entretanto, em alguns casos,
essa separação é defeituosa, promovendo a remoção de genes
bacterianos e deixando parte do genoma viral na célula. Essas
partículas podem ser de dois tipos: aquelas que carregam genes gal e
outras que carregam genes bio. Aquelas partículas levando genes gal
são denominadas λdgal (defectivas, contendo o gene gal), porque são
incapazes de formar partículas virais maduras (porque deixam no
hospedeiro o gene que codifica a proteína integrase). Quando estas
partículas infectam novas células, juntamente com fagos normais
(helper), pode haver a transferência de genes gal, a partir da
infecção e lisogenização dos dois fagos.
10. Transdução especializada: este processo é dependente da ocorrência de um ciclo
lisogênico. O fago integra seu DNA ao DNA bacteriano e após um determinado
período de tempo e de acordo com certos estímulos, este fago pode iniciar um ciclo
lítico. Caso a excisão do DNA viral ocorra de maneira defeituosa, poderá haver a
transferência de um pequeno fragmento de DNA bacteriano (porque parte do DNA
viral ficará incorporado ao genoma bacteriano). Este vírus "defeituoso" poderá
transferir o DNA bacteriano para outras células.
Conversão lisogênica: Transferência de genes de fagos para
bactérias. A própria lisogenização torna a bactéria imune a outras
infecções por este fago, mas além disso, outros fenótipos podem ser
adquiridos. O exemplo mais clássico consiste na conversão de células
atoxigênicas de Corynebacterium diphtheriae em toxigênicas, pelo
fago ß. Assim, a bactéria recebe um gene que codifica uma toxina,
sendo este gene de origem viral.
11. BIBLIOGRAFIA
1. Microbioloia – Uma introdução, 6a edition. Gerard J. Tortora
Addison Wesley Longman, Inc. 1997. ISBN : 0-8053-8535-5 (book and cd)
2. Biology of microrganisms. Brock, T. J. , 1994
3. Microbiologia. Pelczar, Michael Joseph McGraw-Hill. V.1. 1990.
4. Tratado de Microbiologia. Isaac Roitman Editora Manole LTDA. 1988.
5. Atoms and moleculas and Reactions. An Introduction to Chemistry. Ronald J.
Gillespie Prentice Hall. 1994 ISBN: 0-13-088790-0
6. General Chemistry. 2a edition. Atkins, P.W. Scientific American Books. 1996.
ISBN : 0-7167-2265-8