1) A argumentação se dirige a um auditório específico, usa linguagem natural, tem premissas verossímeis, ordem de argumentos dependente do orador, e conclusões sempre contestáveis.
2) A argumentação difere da demonstração por se dirigir a um auditório, usar linguagem natural, ter premissas verossímeis, ordem de argumentos dependente do orador, e conclusões contestáveis.
3) A argumentação busca convencer auditórios além do presente, considerando objeções futuras.
1. Colégio da Rainha Santa Isabel
Ano letivo 2014/15 FILOSOFIA
Ficha 6. ARGUMENTAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO
No fim dos anos 60, um académico, professor de matemática, fundou um instituto de
pesquisa sobre o ensino, onde se elaborava aquilo que recebeu o nome de matemática nova.
Um dia, diante dos seus colegas fez a seguinte pergunta: será possível demonstrar que a nossa
reforma tornará o ensino mais eficaz? Pergunta honesta mas ingénua. Pois, afinal a eficácia de
um ensino de matemática não se demonstra matematicamente. (…).
O que não significa que a pergunta não tenha resposta. (…) Entre a demonstração científica
ou lógica e a ignorância pura e simples, há todo um domínio da argumentação. Ela constitui
um método de pesquisa e de prova que fica a meio caminho entre a evidência e a ignorância,
entre o necessário e o arbitrário Tanto quanto a dialética – que ela continua de outra forma –
constitui um dos pilares da retórica. (…)
Inspirando-nos livremente em Perelman-Tyteca diremos que a argumentação distingue-se
de demonstração por cinco características essenciais: 1) dirige-se a um auditório; 2) expressa-se
numa língua natural; 3) as suas premissas são verosímeis; 4) a sua progressão depende do
orador; 5) as suas conclusões são sempre contestáveis. (…).
1) Argumenta-se sempre diante de alguém. Esse alguém, que pode ser um indivíduo ou
um grupo, ou uma multidão, chama-se auditório, termo que se aplica até aos leitores. Um
auditório é, por definição particular e diferente de outros auditórios. Primeiro pela
competência, depois pelas crenças e finalmente pelas emoções. (…)Perelman-Tyteca
introduziram a noção de auditório universal. Onde está esse auditório e qual a sua utilidade
para o argumentador?
Será um auditório especializado? (…) Será um auditório não particular sem paixões, sem
preconceitos, a humanidade racional, em suma? Poderia ser apenas uma pretensão, ou
mesmo um truque retórico. Achamos que ele pode ter função mais nobre, a do ideal
argumentativo. O orador sabe bem que está perante um auditório particular, mas faz um
discurso que tenta superá-lo, dirigindo-se a outros auditórios possíveis que estão para além
dele, considerando implicitamente todas as suas expectativas e todas as suas objeções. Então
o auditório universal não é um engodo, mas um princípio de superação, e por ele pode julgar-se
da qualidade de uma argumentação.
2) Na demonstração é grande o interesse de se utilizar uma língua artificial, por exemplo,
a da álgebra ou da química. A argumentação desenrola-se sempre em língua natural (exemplo,
português), o que significa utilizar com grande frequência termos polissémicos e com fortes
conotações, como «democracia» que está longe de ter o mesmo sentido e o mesmo valor para
todos os oradores. Além disso, a própria sintaxe pode ser fonte de ambiguidade. (…).
Do facto do auditório ser sempre particular, parece decorrer a terceira característica, o
carácter simplesmente verosímil das premissas, que não são evidentes em si, mas que
«parecem verdadeiras» (…) Quando se trata de questões jurídicas, económicas, políticas,
pedagógicas, talvez também éticas e filosóficas, não se lida com o verdadeiro e o falso, mas
com o mais ou menos verosímil. (…) A argumentação não deve resignar-se ao verosímil (…)
mas deve respeitá-lo como inerente ao seu objeto e não ter pretensões a um cientificismo que
não passaria de engodo. (…) O que é então o verosímil? Tudo aquilo em que a confiança é
presumida. (…).
3) Cumpre deixar claro que a argumentação, mesmo apoiando-se no verosímil, pode
comportar elementos demonstrativos, no sentido de necessários e, portanto, indubitáveis (…).
2. Colégio da Rainha Santa Isabel
Ano letivo 2014/15 FILOSOFIA
Pode-se demonstrar que um projeto de lei não é incompatível com a constituição, mas não
que será benéfico com certeza. E se há uma ética na argumentação, é a de respeitar esses
elementos demonstrativos sempre que existirem.
4) Se pudermos comparar a demonstração a uma cadeia de argumentos, (…) em que
cada um é comprovado por aqueles que o precedem, e cuja ordem é, portanto, lógica, a
argumentação será mais semelhante a um fuso de argumentos, independentes uns dos outros
e convergentes para a mesma conclusão. (…) A ordem dos argumentos é, pois, relativamente
livre, e depende do orador (…) Por outro lado, depende do auditório, no sentido em que o
orador dispõe os seus argumentos segundo as reações, verificadas ou imaginadas, dos seus
ouvintes. Em suma, a ordem não é lógica, é psicológica. (…)
5) Numa argumentação, a conclusão não é, ou não é só, um enunciado sobre o mundo;
ela expressa acima de tudo o acordo entre interlocutores. (…) A conclusão é reivindicada pelo
orador como algo que deve impor-se, encerrar o debate. Mas no que se refere ao auditório,
este não é obrigado a aceitá-lo; continuar ativo e responsável tanto pelo sim quanto pelo não.
É principalmente neste sentido que a conclusão é controversa: ela compromete tanto quem
aceita quanto quem recusa.
Olivier Reboul, Introdução à Retórica
Tarefas
1. Quais são as cinco características da argumentação apresentadas pelo autor?
2. Qual é a diferença entre argumentação e demonstração?
3. O que entende por dialética e por retórica?
4. Qual a diferença entre verdadeiro e verosímil?