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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ARQUITETURA
MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
HISTÓRICO: um RE-pensar, a partir da
Experiência da cidade de Marechal Deodoro
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ARQUITETURA
MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: CONSERVAÇÃO E RESTAURO
A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO:
Um RE-pensar, a partir da experiência da
Cidade de Marechal Deodoro
Josemary Omena Passos Ferrare
Orientação: Odete Dourado
Co-Orientação: Inaiá M. de Carvalho
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
Da Bahia, em cumprimento às exigências para
Obtenção do Grau de Mestre.
Salvador – Bahia
1996
Ferrare, Josemary Omena Passos
A preservação do Patrimônio Histórico: um Re-pensar, a partir da
experiência da Cidade de Marechal Deodoro / Josemary Omena Passos
Ferrare. Salvador: FAUFBA, 1996.
210 p.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal da Bahia
DEDICATÓRIA
 A meus pais, pelo legado do saber;
 A meus filhos, como um ato de
transmissão deste legado.
RESUMO
Esse estudo trata da construção da ideia de patrimônio histórico-nacional e de sua
preservação. Particulariza a concepção deste ideário no Brasil, como produto do
autoritarismo do Estado-Novo, e da institucionalização, em 1937, do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico nacional, consolidado por um posicionamento jurídico-
conceitual mantido por quase 40 (quarenta) anos, até irromperem críticas aos
cânones elitistas do seu modelo. Demostra como nesta ‘práxis’, o poder de iniciativa
tem se concentrado no Estado; que, enquanto difusor do progresso, recorre a
estratégias discursivas de preservação dos “bens culturais”, como legitimação política.
Aclara as razões determinantes de medidas preservacionistas para o município de
marechal Deodoro, em Alagoas, a paritr da implantação do complexo Salgema/Pólo
Cloro-Químico; e, comenta, calcado na visão dos moradores, os consequentes
fenômenos sociais em curso e a política inócua da preservação do núcleo urbano. O
referencial teórico centrado na concepção benjaminiana sobre história e memória é
argumentador de fundo do contexto conceitual-metodológico institucionalizado, que
respaldou as medidas analisadas, apenas em sua dimensão simbólico- material,
esvaziada de seu significado coletivo e da pluralidade das experiências sociais.
Aponta a instrumentalização da História, retida em uma temporalidade que destitui a
consciência histórica das populações, e não reconhece suas realizações cotidianas
como produção cultural. O trabalho sinaliza para o reencontro de Mnemosyne e Clio
como forma de conceber, Passado e história, libertos do reducionismo de uma
homogeneização estilística. E, portanto, para o reconhecimento da alteridade inerente
à dinâmica do processo histórico.
ABSTRACT
This study deals with the construction of the idea of national-historical heritage and its
preservation. Particularize the design of this ideology in Brazil as the product of
authoritarianism of New State, and institutionalization, in 1937, the Office of National
Historical and Artistic Heritage, consolidated by a legal-conceptual position held for
nearly forty (40) years until erupt critical to the canons of their elitist model.
Demonstrates how this 'praxis', the power of initiative has focused on the state, that
while progress diffuser, uses discursive strategies of preservation of "cultural goods"
as political legitimation. Clarifies the reasons determinants preservationists measures
for the city marshal Diodorus, in Alagoas, the deployment of complex paritr Salgema /
Polo Chloro-Chemical, and he says, based on the view of the residents, the resulting
phenomena ongoing social and political innocuous of preservation of the urban core.
The theoretical design centered on Benjamin on history and memory is arguer's
background conceptual framework and methodological institutionalized, which backed
the measures analyzed, only in its symbolic dimension, material, emptied of its
meaning and the plurality of collective social experiences. Points to the
instrumentalization of history retained in a temporality that deprives the historical
consciousness of the people, and does not recognize his achievements as everyday
cultural production. The work points to the reunion of Mnemosyne and Clio as a way of
conceiving, Past and history, freed from reductionism of a stylistic homogenization.
And so, for the recognition of otherness inherent dynamics of the historical process.
AGRADECIMENTOS
xxx
SUMÁRIO
Lista de Tabelas, vii
Lista de Anexos, vii
APRESENTAÇÃO, 1
À guia de INTRODUÇÃO – História e Historiografia: aprisionamento x libertação, 6
CAPÍTULO I: O “cortejo” da PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, 31
I.1. A gênese político-ideológica da atitude preservacionista, 33
I.2. A atitude da preservação no Brasil: do ideário modernista à meta do
desenvolvimento, 42
CAPÍTULO II: O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA E O PLANEJAMENTO
ESTATAL NO BRASIL, 52
II.1. Contexto nacional, 54
II.2. Contexto Estadual, 57
II.3. Contexto Municipal, 58
CAPÍTULO III: A AÇÃO ESTATAL E O DISCURSO PRESERVACIONISTA DIRIGIDO
À MARECHAL DEODORO, 63
III.1. PLANO INTEGRADO: proposta de compatibilização, 65
1. Gênese/intenções, 67
2. Metodologia/Operacionalidade, 70
3. Concepção/Abrangência, 74
4. Conflitos/Tensões, 79
III.2. TOMBAMENTO ESTADUAL: ação de perfil anacrônico, 81
CAPÍTULO IV: A “autoctoniCIDADE” DA capital de outrora, 91
IV.1. Cidade... lagoa... e quintais, 93
IV.2. Ruas... Casas... e calçadas, 102
IV.3. ... a praia, o marketing turístico de Maceió, 112
IV.4. Rodovia AL-101/SUL: marco histórico ou sonho da história?, 116
CAPÍTULO V: OS ECOS DAS AÇÕES PRESERVACIONISTA EM MARECHAL
DEODORO, 137
IV.1. Ecos do Planotais, 139
IV.2. Ecos do Tombamento, 144
IV.3. Ecos do Ideário SPHAN, 150
IV.4. E agora..., Identidade Nacional ou local?, 167
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 181
BIBLIOGRAFIA, 181
ANEXOS, 210
LISTA DE TABELAS
Tabela I Avaliação do que a cidade “tem de bom”
Tabela II Avaliação das mudanças trazidas pela Rodovia AL-101/Sul
Tabela III Avaliação dos benefícios do Polo para a cidade
Tabela IV Avaliação do que poderia melhorar na cidade
Tabela V Avaliação das mudanças trazidas pelo turismo
Tabela VI Avaliação do conhecimento da elaboração do Plano Integrado
Tabela VII Avaliação do conhecimento do Tombamento Estadual
Tabela VIII Avaliação de como o Tombamento foi entendido
Tabela IX Avaliação sobre o efeito do rótulo de “cidade histórica”
Tabela X Avaliação do maior “patrimônio histórico” da cidade
Tabela XI Avaliação do posicionamento sobre as restrições de modificação das
fachadas em edificações antigas.
Tabela XII Avaliação do posicionamento sobre a modernização das fachadas
LISTA DE ANEXOS
Anexo I Mapa de locação do Pólo Cloro-Químico de Alagoas
Anexo II Texto do Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937
Anexo II-A Lei n° 4448 de 28 de junho de 1983 que dispõe sobre a fusão do
conselho Estadual de Cultural – CEC – e do Conselho de Preservação
do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Alagoas – CONPHAE, e
consolida a legislação estadual de Conservação e Defesa da Memória
Cultural
Anexo III Mapa de delimitação das Z.P.R. – sede urbana de Marechal Deodoro:
PLANO INTEGRADO/1979
Anexo IV Propostas de Preservação para a sede urbana de Marechal Deodoro:
PLANO INTEGRADO/1979
Anexo V Projeto de Intervenção (Casario e Praça Pedro Paulino) setor A. Projeto
3/Z.P.R.: PLANO INTEGRADO.
Anexo VI Projeto de Intervenção de Casario em Z.P.R. – bairros do Centro e
Taperaguá (Trechos dos Projetos – 4-9-11): PLANO INTEGRADO
Anexo VII Panfleto/SERVEAL – texto explicativo sobre o Tombamento. Festa
comemorativa: Cidade de Marechal Deodoro.
Anexo VIII Lei nº 4458 de 15 de setembro de 1983, que autoriza o Tombamento da
Cidade de Marechal Deodoro.
Anexo IX Lei Municipal nº 391 de 30 de maio de 1973, que proíbe a
descaracterização da cidade de Marechal Deodoro.
APRESENTAÇÃO
Buscar um suporte teórico que reavalie as questões postas pela prática da
preservação do Patrimônio Histórico em núcleos urbanos, constitui o motivo
impulsionador dessa dissertação; que ao mesmo tempo, visa estabelecer uma relação de
especularidade que também exercem o mister de lidar com o repasse de procedimentos
institucionalizados.
A opção pelo tema advém do contato profissional mantido com esta área, a partir
do acompanhamento de restaurações em edifícios isolados, juntos a equipe, técnica do
SPHAN – 3ª DR – Recife, nas cidades de Penedo e Marechal Deodoro, e de modo mais
específico durante a participação no Plano de Uso do Solo e Preservação do Patrimônio
Histórico de Marechal Deodoro em 1979; experiência que propiciou, o contato com a
tarefa de designação dos valores a serem preservados, e que se apresentou de forma
desafiadora, mas até então bem objetiva, dada a convicção explícita de salvaguardar os
exemplares ainda autênticos da arquitetura e recompor os residualmente reconhecíveis.
De modo contrário, a oportunidade de participar na elaboração do Dossiê de
Tombamento da referida cidade em 1983, fez emergir um número cumulativo de dúvidas
que passaram a expor a restritividade do referencial instrumentalizado na já recorrente
práxis preservacionista. Tornara-se inquietante pensar: Como, em uma área de
peculiaridades tão marcantes, delimitar perímetros de estratificação potencial a partir
apenas do valor tipológico/estilístico do acervo arquitetônico, se o bem maior pressentia-
se estar na relação espaço/natureza/relações sócio históricas? Seria mesmo possível
definir “fechados” para valores tão fluídos?
Ao longo do processo de elaboração do referido Dossiê, inquietava-nos bastante a
responsabilidade de definir os critérios que referendariam os valores a serem submetidos
1
às normas protecionistas. Sentíamos a falta de um aporte referencial mais amplo que
consubstanciasse as opções de escolha.
Formalizado o processo, delineado todos os perímetros de proteção (rigorosa,
paisagística, ambiental), e após efetivado o Ato, restou-nos uma certa angústia, uma
sensação de que algo havia ficado por fazer e de não haver encontrado a opção mais
agregativa, pois muitos exemplares haviam sido segregados dos conjuntos arquitetônicos
uniformizados, para fins de hierarquização protecional.
Na verdade, a inexistência de frontões com “curvas e contracurvas”, nas igrejas dos
bairros contíguos às áreas mais antigas, bem como a inexistência dos beirais de “beira e bica”
nos telhados das casas de pescadores, e as desfigurações do partido colonial em alguns
exemplares, haviam referendado estas segregações. Atitude institucionalmente correta!
Então, o que faltava?! Ou melhor, o que mais poderia ter sido considerado para se chegar a
uma outra proposição?
Essas indagações não encontravam respostas à época e é ainda, a busca de
respostas para essas e outras indagações que se acumularam em experiências profissionais
subsequentes, o que motivou este exercício acadêmico solitário, todavia, sintonizado com a
perplexidade de outros que, também têm se aventurado nesta trilha da Preservação.
A dissertação tem pois como objeto, a Política de preservação do Patrimônio Histórico
voltada para núcleos urbanos, a partir da construção des ideário pelos agentes que produzem
o discurso preservacionista dos “bens culturais”; e tomará como referencial empírico e
fomentador de uma reflexão crítica, as medidas aplicadas ao município de Marechal Deodoro
– o plano Integrado de Uso do Solo e Preservação do patrimônio Histórico da Cidade de
Marechal Deodoro, e o Tombamento Estadual, em concomitância com uma avaliação sobre a
interferência dessas medidas na comunidade.
Em função disto, realizou-se uma pesquisa junto a 42 integrantes da população da
sede urbana do município, e foi aplicado um Roteiro de Entrevista com perguntas abertas,
referentes a quatro blocos de questões assim distribuídas:
2
Bloco I – Avaliação das mudanças ocorridas na cidade.
Bloco II – Avaliação sobre a identificação com a Cidade Histórica.
Bloco III – Avaliação do conhecimento das medidas de preservação aplicadas à
cidade.
Bloco IV – Avaliação da relação do morador com a cidade.
O desdobramento do conteúdo de cada bloco foi tomado, quantitativa e
qualitativamente, como indicador de fenômenos que serão abordados neste trabalho.
Para a dimensão da amostragem, estabelecemos como critério preliminar, o local de
moradia, priorizando-se o bairro do Centro, pela sua categorização de Centro Histórico (22
entrevistados) e os bairros contíguos a este, respectivamente: Poeira (06 entrevistados),
barro vermelho (05 entrevistados), Conjunto do Carmo (04 entrevistados). Excetuamos desta
condição de contiguidade ao Centro, apenas o bairro de Taperaguá (05 entrevistados), por
possuir um conjunto arquitetônico bastante significativo dentro do contexto analisando.
Primou-se por uma composição bem diversificada, quanto a: idade, sexo, naturalidade,
ocupação, renda, condição de moradia, por reconhecermos que estas variáveis poderiam
interferir na visão dos fenômenos a serem identificados.
Objetivamos nesta reavaliação sobre as metas que têm conduzido a Política de
Preservação do patrimônio Histórico, revisitá-la nos primórdios de sua concepção, ainda na
efervescência do projeto republicano da “nação civilizada”, e encaminhar uma reflexão sobre
como esta práxis “nacionalizou” o quadro simbólico instituído àquele momento, mediante
recorrentes medidas estatais, como as indutoras da escalada industrial progressista dos anos
de 1970. Pretendemos ainda avaliar, de que modo, a partir da escalada da propagação
turística da atualidade, este referencial simbólico vem sendo reincorporado à percepção das
populações dos núcleos urbanos, rotulados pela própria visão institucional como “históricos”.
Admitindo-se estar subjacentes à toda discussão que envolve as questões da
Preservação o conceito de História, e os conceitos de Memória – ao conduzir à ideia de
preservar lugares, obras, situações, e o de Tradição – ao remeter para o campo semântico,
3
as ideias de transmissão e transferência de hábitos, expressões e modos de saber; pretende-
se efetivar uma RE-contextualização dos mesmos, a partir da matriz filosófica benjaminiana,
por esta balizar uma concepção de história referenciada na transmissão das práticas sociais
integrantes da memória coletiva. Aliás, concepção que bem reconhece que o ato de preservar
transcende aos “objetos ou artefatos, obras arquitetônicas ou urbanísticas, (...) algo mais
próximo da gente, uma memória corporal e fisionômica, uma memória da percepção, do jeito
de olhar e de andar, das maneiras de comer, do despertar do sexo(...)”; enfim, concepção que
investe na qualidade de uma memória especializada onde “(...) lugares e objetos são
evocados como sinais topográficos e vasos recipientes da história da sensibilidade e da
formação das emoções” (BOLLE, apud ARANTES, 1984: 14).
Sabe-se porém que esta concepção opõe-se à postura ideológica institucional que tem
insistido em eleger momentos/monumentos notáveis como, continente/conteúdo da herança
cultural de um “certo passado”, e deste modo tem limitação a noção de patrimônio histórico a
uma mera noção de “patrimônio antigo” ou mesmo “patrimônio de estilo”, adotando um
comportamento nostálgico ao fragmentar e congelar tecidos urbanos e cultuá-los como
verdadeiros relicários histórico-culturais. Postura que tem retroagido à própria intenção de
preservar a memória, na medida em que ao omitir outros fatos e manifestações culturais,
impede cada época de absorver a sua própria historicidade e a induz, consequentemente, ao
afastamento da possibilidade de reencontro com o “passado” que em seu discurso, afirma
preservar.
Reconhece-se perfeitamente que o foco desta contradição reside na visão teleológica
de uma história hermética e dissociada das experiências sociais, e que a tem impedido de
entrar em simbiose com o presente ao desconsiderar as mutações e conflitos oriundos da
dinâmica urbana.
Intentamos pois, evidenciar como a postura institucional, desde o seus primórdios, tem
se distanciado da memória social, tornando-se redutora da dinamicidade da existência
humana, e neste sentido, aprisionadora do passado de cada área protegida, ao acatar uma
História que se submete a posturas homogeneizantes, completamente oposta ao perfil da
4
história primordial grega que, “apreendia pelo olhar que se sucedia dinamicamente”, relatando
esta dinamicidade, no ato de rememora-las.
Será defendido portanto, o reconhecimento de que a Política de Preservação do
patrimônio Histórico em núcleos urbanos, NÃO pode repudiar a historicidade própria de cada
núcleo e nem obscurecer, em prol de uma pretensão global, qualquer forma de expressão
histórico-cultural particularizada, devendo SIM, procurar reconhecer os valores simbólico-
culturais que em cada sítio urbano se consolidaram, ou ainda estão sendo cotidianamente
construídos. A partir deste posicionamento, a argumentação sinalizará para a
aceitação/incorporação na conduta institucional, da singularidade e diversidade contidas nas
formações simbólicas-culturais que foram/são apreendidas, afetiva e coletivamente pela
população dos núcleos “protegidos”; o que exigirá, o despojamento do “fardo” que uma
decisão tomada no passado lhe impôs.
Não se pretende, no entanto, ao final da dissertação estabelecer um quadro de
posições fechadas à prática vigente; mas à luz de constatações efetivadas sinalizar para o
“escape” potencializador de sua libertação.
5
À guisa de INTRODUÇÃO
6
“O continum da história é dos opressores (...)”
Benjamin
HISTÓRIA e HISTORIOGRAFIA: aprisionamento x libertação
O vocábulo HISTÓRIA sugere em vários idiomas um sentido ambíguo, e por
mais que vários estudiosos tenham se esforçado, não tem sido frutífero à equivalência
tentada em outros termos. O abandono do termo chegou inclusive a ser preconizado
por Lucien Febvre, bem como alcunhado pelo próprio, como uma “velha palavra
repesada e destituída de significação precisa” (FEBVRE, apud DOSSE, 1992 : 430).
Entretanto, o querelar sobre o vocábulo História tem induzido muitos estudiosos a
concluírem que a ambiguidade de seu conteúdo advêm da dinâmica implícita à
conceituação da própria História, demonstrada na forma como os homens a
conceberam ao longo do tempo. Neste sentido uma colocação de Bloch expõe de
modo muito claro as razões deste conflito:
7
“desde que a pronunciaram pela primeira vez os lábios do homem, há mais de
dois milênios [a palavra história] sofreu muitas alterações de conteúdo. Este é o
destino, na linguagem, de todas as palavras efetivamente vivas”.¹ (BLOCH, apud
DOSSE, 1992 : 1)
É possível constatar, acompanhando o percurso trilhado pelo registro
historiográfico, que a credibilidade na “verdade”, ou realidade histórica, torna-se
relativizada aos olhos daqueles que a tem procurado em todas as etapas do
desenvolvimento humano. A propósito desta contratação, um comentário sobre o
apogeu da Grécia Clássica, feito por E. H. Carr, reforça bem os percalços inerentes à
relativização da “verdade” historiográfica:
“Nossa imagem da Gréciado século V a.C é incompleta, não porque tantas
partes se perderam por acaso, mas porque é, em grande parte o retrato feito por
um pequeno grupo de pessoas de Atenas. Nós bem sabemos como a Grécia no
século V era vista por um cidadão ateniense, mas não sabemos praticamente nada
de como era vista por um espartano, um corintiano ou um tebano – para não
mencionar um persa, ou um escravo, ou outro não cidadão residente em Atenas.
Nossa imagem foi pré-selecionada e predeterminada para nós, não tanto por acaso,
mas por pessoas que estavam consciente ou inconscientemente imbuídas de uma
visão particular e que consideravam os fatos
1 Todo o desenrolar deste capítulo tentará desdobrar o sentido de vitalidade insinuado pelo
autor.
que sustentavam esta visão dignos de serem preservado”. (CARR, E H. 1991 : 16).
Este mesmo autor afirmara que, a História tem sido vista “como um enorme
quebra-cabeça com muitas partes faltando”, ressaltando ainda que o maior problema
não consistia exatamente nas lacunas, mas na subjetividade implícita ao processo
historiográfico, como expõe o relato supra citado.
A origem do termo constituiu-se contudo, num legado dos gregos à tradição
historiográfica do Ocidente, tal como o foi o método e o espírito que lhes foram
peculiares. De HISTOR, aquele que apreende pelo olhar, o termo desdobrou-se em
HIS + OREN, passando a significar “apreender pelo olhar aquilo que se sucede
8
dinamicamente” ou seja, passou a corresponder ao verdadeiro ato de “testemunhar os
acontecimentos – a realidade”.
Deste procedimento, evidencia-se a ocorrência de uma relação de passividade
entre os agentes envolvidos no processo de conhecimento, de modo que: ‘aquele que
compreendia’ (o homem), era o ‘objeto’, e o que estava a ser compreendido (a
realidade), tornava-se o ‘sujeito’, decorrendo assim, que o homem (aquele que
aprenderia pelo “olhar” a realidade), apenas “sofria” a presença dessa realidade e a
aceitava de modo inquestionável, pois a ela estava subordinado.
A reflexão sobre este procedimento cognitivo na Grécia chega a fomentar
algumas indagações, que devem ser dirigidas à Historiografia Ocidental, da qual a
Grécia é tomada como berço, e que se torna pertinente, serem postas nos seguintes
termos:
- de que modo tem se processado a apreensão da realidade “histórica”? E,
- que “a priori(s)” instrumentalizaram o “olhar” dirigido a esta realidade? ²
Buscar compreender o desenrolar deste processo consiste em procurar
ascultar às relações mantidas entre o pensamento das sociedades e a produção
histórica resultante, e ao mesmo tempo procurar não perder de vista a relação
mantida entre História e ideologia dominante.
Como fundamento dessa procura, deve ser tomado a própria historicidade
humana, tornando-se vital inicia-la por uma reflexão sobre a forma como os
2 Vale salientar que estas indagações deverão ser tomadas como trilha condutora da reflexão
inicial deste capítulo.
homens dos grupamentos, ditos primitivos têm tentado sintetizar o conhecimento do
mundo de que o cerca, sempre a partir da contemplação dos fenômenos naturais,
fenômenos cíclicos que os atemorizam e os dominam na labuta da sobrecicência,
circunstância que os fazem estabelecer uma relação de dependência com este meio e
a ele direcionar todos os sentidos (conhecimento sensorial); bem como todos os
pensamentos, no intento de atingir a compreensão dessa realidade que lhe é tão
imediata, estes homens transportam-se do contexto material para o contexto divino
9
e/ou heroico, passando a estabelecer uma explicação transcendental – criando o
Mito.
O mito passa então a responder aos “porquê(s)” primordiais da existência
humana, sendo por isto ritualizado e transmitido em linguagem inteligível a todos os
integrantes do grupo, dada a finalidade de repassar o conhecimento, coletiva e
ciclicamente à todas as gerações, como discorre a própria vida e a reprodução da
mesma. Em suma, esta forma mítica de apreensão/explicação da realidade,
corresponde à visão de uma sociedade que, na busca de uma tomada de consciência
de si mesma e de seu mundo, portanto de sua historicidade, estabelece práticas que
intentam reatualizar as origens e celebrar a recriação desse Mundo; ou seja, a
natureza que a cerca. Neste sentido, pode-se dizer que os mitos equivalem a um
“grito primal” sobre a explicação do mundo, produto direto de uma apreensão
sensorial e de um exercício imaginário, ocorrente em comunidades, ditas primitivas,
que vivem em regime de propriedade comunal, não hierarquizadas em classes sociais
e ainda não conhecedoras da escrita.
É exatamente por isto, que para a cultura do mundo ocidental, a mitologia
grega equivale ao primeiro capítulo da história da explicação do mundo e constitui-se
numa História embrionária, alheia a qualquer esforço de apreensão racional ditado
pelo “logos”. Os temas mitológicos gregos sempre narravam fatos notáveis alusivos a
deuses e a semideuses, os quais, na fala do poeta rememoravam e reverenciavam o
passado. O poeta cumpria na verdade, a função de mantenedor da explicação “viva”
de todos os acontecimentos, quer reais e/ou fantasmagóricos narrados nos versos da
poesia épica ³.
3
Em VERNANT, encontra-se uma referência à função do poeta na Grécia e às benesses que lhe eram
dispensadas no desempenho de sua função: “As filhas de Mnemosyne ao lhe oferecerem o bastão da sabedoria, o
‘sképtron’, trabalho em loureiro, ensinavam-lhe a “verdade”. Elas lhe ensinavam o belo canto com o qual elas
próprias encantavam os ouvidos de Zeus, e que fala do começo de tudo. As musas cantam, com efeito,
começando pelo início (...) o aparecimento do mundo, a gênese dos deuses, o nascimento da humanidade (...) O
passado contado pelos poetas é portanto um passado primordial, tomado como uma dimensão do além.” (1990 :
112)
Assim, o processo de transmissão oral do conhecimento do mundo
permaneceu retido no processo histórico das comunidades primitivas, até estas
atingirem um grau de aprimoramento técnico que permitisse o surgimento de um
excedente econômico crescente e derivasse em um processo de diversificação das
10
tarefas de trabalho. O excedente econômico passou a exigir um controle
administrativo específico e designou esta tarefa a um grupo minoritário que se
adestrou na prática de abstração da realidade e em previsões, ou seja, na apreensão
racionalizar. Pode-se mesmo afirmar que este processo de racionalização redundou
em um exercício de um poder sobre o restante do grupo social, pois, o tipo de
linguagem criada para instrumentalizar o controle do ascendente resultou em um
reduto do conhecimento de uma elite constituída entre os demais4.
A ruptura na forma de transmissão oral das explicações referente a
compreensão do mundo, constitui-se numa mudança radical, pois derivou do
processo de apreensão sensório-afetiva, para um processo de apreensão racional.5
Rompeu-se com o saber de domínio coletivo (transmitindo ritualisticamente pelo
poeta), introduziu-se, o saber “oficializado” assumindo por alguns elementos do grupo
que detinham o domínio da escrita e processavam o conhecimento da realidade,
obviamente segundo um “olhar” dirigido por este saber. Instaurou-se a partir de então,
o desprezo pela explicação cosmológica mítica-sobrenatural, e consumou-se assim, a
recusa da aceitação do “passado” como derivação do cosmo.
A Antologia então cedeu lugar a História, conforme bem sintetizou ELIADE em
sua reflexão sobre a abrangência desse processo: “... Sobre tudo na Grécia e na Índia
e também no Egito, uma elite começa a desinteressar-se desta história divina e acaba
(como na Grécia) por deixar de acreditar nos mitos, embora
4
Tornou-se evidente neste estágio de desenvolvimento sociocultural, o prenúncio de “privatização” em toda a
estrutura das sociedades primitivas, ocorrendo da propriedade coletiva passar a ceder lugar à propriedade privada,
favorecendo assim o aparecimento de classes sociais, culminando posteriormente com o aparecimento do Estado,
instância que emergiu como poder legitimador deste sistema de propriedade e como agente manipulador da
produção cultural, pode medida de reforço à manutenção deste poder, nos termos em que esta dissertação
evidenciará.
5
Nos atos rotineiros de transmissão de conhecimento, os poetas invocavam as musas no momento de abertura de
seus cantos e estes eram formalizados por extensos elencos de nomes de povos e/ou regiões, denominados
catálogos – que se tornaram fundamentais a estas poesias, pois, conforme ainda VERNAT, “É através deles que
se fixa e se transmite o repertório dos conhecimentos que permitem ao grupo social decifrar o seu “passado”.
Constituem-se os arquivos de uma sociedade sem escrita, arquivos puramente lendários que não correspondem
nem às exigências administrativas, nem a um desejo de glorificação real, nem a uma preocupação histórica”.
(1990:111).
pretendendo acreditar ainda nos deuses”. (1972 : 100). Entretanto, o pensamento
mítico não foi exterminado da cultura grega. Segundo ELIADE, “O gênio grego teria
11
sido provavelmente incapaz de exorcizar pelos seus próprios meios, o pensamento
mítico (...) Porque por um lado, o gênio filosófico grego aceitava o essencial do
pensamento mítico, o eterno retorno das coisas, a visão cíclica da vida cósmica e
humana, mas por outro lado, o espírito grego não considerava que a História pudesse
torna-se objeto de conhecimento(...). E pode-se até assegurar que o mesmo
remanesce em toda a cultura ocidental sobrevivendo também na Historiografia”. (1972
: 101-102)
Decorreu, porém, como já foi precedentemente comentado, qua a busca do
conhecimento – (a episteme) da realidade transformou-se em ofício privatizado,
passando a equivaler a um saber histórico vinculado a uma percepção
intelectualizada, podendo-se mesmo considerar esta mudança como o “rito de
passagem” do estágio do Mito à razão na historiografia grega.
Firmou-se, com emergência do pensamento racional, as bases de uma
Historiografia que reprocessou, a hierarquia relacional do pensamento grego
primordial, onde o indivíduo que compreendia a realidade, dava-se como o sujeito
da relação. Assim a realidade tida como o agente ativo da relação, expunha-se ao
indivíduo que a “apreendia” sem interpretá-la, chegando apenas a esboçar alguns
conceitos, em forma categorial. Nestes moldes, a aceitação da realidade ocorria de
forma tão absoluta que, a experimentação ou ato de remeter-se à realidade, após a
fixação de conceitos, passou a ser exercida apenas em caráter comprobatório, e
destinava-se a provar o que já era conhecido e, consequentemente tido como aceito6.
O procedimento de provar o que já era conhecido esteve arraigado ao
pensamento grego e paulatinamente demarcou um momento de inversão do comando
do conhecimento, que, segundo GLENISSON, passou “o sobrenatural para o segundo
plano, deixando o primeiro para o humano”, (1991 : 16) instaurando deste modo um
espírito novo na História, decorrente do fato de que o “homem venceu os deuses,
começando a ser o senhor de próprio destino”, conforme ainda os termos do autor
citado.
6
Esta forma de compreender feita por antecipação, ou melhor, por preconcepções, correspondente à
“visão geral do que se apresentava”, foi buscada de forma corriqueira neste estágio de Historiografia grega e
facilmente tendeu a se comportar como dogma em vários momentos, de modo a firmar no percurso da História, a
unilateralidade na percepção/registro dos fatos e a omissão da subjetividade coletiva.
12
A historiografia grega passou a enfrentar um segundo rito de passagem,
quando adentrou numa preocupação efetiva com a busca da “verdade histórica”,
introduzida por Heródoto através de um método de pesquisa, que passou a agregar
relatos de testemunhos colhidos em viagens e na observação direta do costume dos
povos, à consulta habitual de documentos. Neste sentido, pode-se reconhecer que
Heródoto definiu seu papel de historiador, como um debatedor contra o esquecimento
e debitou à História, o sentido de descrição ou relatório do real, isento, porém da
pretensão de explica-lo. Mas, apesar desta inovação metodológica, Heródoto
continuou absorto na preocupação máxima de glorificar o Homem e de transformá-lo
em heróis, sempre priorizando os feitos grandiosos. Alguns de seus trabalhos
receberam o titulo de Histórias7. Resultaram, porém, impregnados pelo enaltecimento
do homem, ocorrência que o distanciou da prerrogativa de fidedignidade aos fatos
reais levantados, o que reduziu o teor de “verdade”, aparentemente, pretendida por
sua História, declarada por ele próprio como uma exaltação ao “grandes e admiráveis
empreendimentos” dos homens:
“... pretendo escrever a presente História a fim de que as ações dos homens
não se deixem apagar pelo tempo e que os grandes e admiráveis
empreendimentos dos gregos quanto os bárbaros não fiquem sem a
admiração e os elogios merecidos” (GLENISSON, 1991 : 17).
Ocorreu a partir de então, que o acontecimento tornou-se o advento da
História, e o “a priori” de exaltação ao homem, tão enraizado na cultura grega, chegou
a ultrapassar a casta dos historiadores, atingindo os filósofos, mesmo os sofistas,
enfatizadores da observância do mundo material e das transformações da realidade,
e que tomavam o homem como ser ativo no processo de conhecimento. No entanto,
passaram a atentar mais para seu lado idealista e espiritual, susceptível à fixação de
regras e condicionamentos8. Veio assim, a confirmar-se uma atitude elitista no ato de
conhecer a “verdade”, posta na
7
Heródoto deu o título de ‘Histórias’ ao resultado de suas pesquisas acerca das Guerras Greco-Pérsicas.
Foi a partir de Heródoto, segundo GLENISSON, que “O termo adquiriu então o sentido de busca do
conhecimento das coisas humanas, o sentido efetivo histórico”. (1991 : 17). E foi a partir deste sentido, que
o filósofo alemão, Walter Benjamim, em um de seus ensaios, intitulado o Narrador, classifica Heródoto como
o autor por excelência deste sentido primeiro da História”-“historiai”-“historia naturalis”.
13
8
Entre os sofistas que afirmavam ser “o Homem a medida de todas as coisas”, destacam-se Sócrates,
Platão e Aristóteles, mas me PLATÃO, “o Homem aparece como um elemento ativo no conhecer, mas como
se estivesse preso em uma caverna de onde podia ver apenas as sombras do real refletidas no fundo. O
filósofo seria aquele que, conseguindo sair da caverna, poderia conhecer a verdade que existe lá fora como
uma presença”. (apud GLENISSON, 1991 : 27)
“presença” dada pela realidade; atitude sintetizada essencialmente na lógica aristotélica
concernente, à compreensão/explicação do mundo, sempre estruturada de modo
hierarquizado, e polarizada sob conceitos categoriais, como o bem e o mal, a verdade e o
erro, o sentimento e a razão9.
A assertiva de que, o conteúdo da história sempre oscilou a depender do “olhar”
aplicado a sua concepção, explica porque os romanos, em sua filiação “cultural” à Grécia,
apropriaram-se do seu método de fazer História, acentuando lhe o caráter utilitário e às
intenções morais, impingindo-a de intenções patrióticas enaltecedoras do Estado, mais
precisamente de Roma10. A mesma assertiva explica também porque o Medievo, o
referencial teórico montado pelos sofistas gregos chegou a ser retomado pela casta dos
sacerdotes complicadores, com o intuito de reforçar os fundamentos da religião católica
como verdades irrefutáveis, e de instituir um novo sistema cronológico de valor universal
na Historiografia, com o qual se tentou alinha todas as histórias numa “representação
inteligível e completa e cujo começo e fim podiam ser conhecidos pelos homens”.
(GLENISSON, 1991 : 18). Explica outrossim, a barbarização da historiografia medieval,
em prol dos interesses da religião, ao forjar autenticidade a relíquias veneráveis, fabricar
‘benesse’ exaltando santos,e falsificar documentos. E ainda, o fato de os Estados
Nacionais derivados da monarquia feudal, no inicio da era moderna, na luta pela
ampliação do comércio e pela colonização da América, África e Ásia, ter contribuído em
muito para alterar a estrutura do pensamento ocidental, extasiado ante a última façanha
do homem: poder conquistar o mundo.
A euforia da ideia intelectual humanista, tratou de suplantar a concepção medieval,
asseveradora da ação divina e transcendente ao homem, pela concepção oposta que a
tomava como interior e imanente ao homem. E assim todo o processo de recolocação do
homem frente à natureza, impulsionado pelo movimento do Renascimento, passou a
alterar a relação consolidada anteriormente, quanto ao processo de conhecimento, pois,
de agente passivo- (objeto), frente a uma realidade apreendida (sujeito), o homem tornou-
se agente
14
9
Vale ressaltar, que a concepção do mundo através da lógica aristotélica, sempre suscitou o interesse das classes
dominantes por sintetizar-se nela, um bom repertório de reforço as suas estratégias de poder, tendo dela se
apropriado em vários momentos, para fundamentar os seus interesses, como o fez a Igreja Católica, durante a
Idade média, ao dirigir os sacerdotes “tutores” da História (assim rotulados por se constituir a única classe letrada
deste período) na divulgação dos fatos que lhe convinhesse.
10
Pode-se mesmo reconhecer nesta atitude enaltecedora de Roma, o nascedouro da evocação nacionalista
retomada pelo Estado ocidental moderno, evocação que em muito interferiu na conduta adotada por este, no
“Cortejo” da Preservação do Patrimônio Histórico.
interveniente, portanto (sujeito), capaz de transformá-la ao apossar-se do “real” pela
representação que dela fizesse.
A mudança a partir desta forma de encarar a realidade, foi determinante para a
formulação de conceitos teóricos que passaram a ser submetidos, no século XVIII, a um
processo de experimentação/verificação de hipóteses, não mais submetido, sob caráter
comprobatório como dantes, mas sob caráter especulativo a ser balizado pela Razão.
Delineou-se a partir desta lógica, os requisitos de estruturação de uma doutrina da crítica
erudita, dirigida a um julgamento de veracidade, a partir do qual desdobraram-se
correntes que primaram pela meticulosidade da observação dos fatos, embora tenham se
revelado redutivas na pretensão de esgotar “toda a realidade” sob uma ordem puramente
intelectual.
O pensamento científico vivenciou no século XVIII, alguns impactos promovidos
pelas ideias iluministas em contestação ao Antigo Regime, as quais incitaram o confronto
da burguesia contra as frentes conservadoras, pois o homem pressentia a escalada
ascendente do progresso e do desenvolvimento. Todavia, as representações da realidade
continuavam a levar em consideração a dinâmica da realidade humana reiterando sempre
a tendência de glorificação do indivíduo e de seus feitos notáveis.
Com o advento do século XIX, a Historiografia foi alçada pelas novas contribuições
na forma de pensar dos homens. Ocorreu porém, que a História aprimorou-se em ser
uma atividade de especialistas no intuito de priorizar o trabalho preparatório em
detrimento da exposição. Sabe-ses porém que, neste século, a ciência interveio
fortemente sobre as reminiscências das concepções cosmológicas e religiosas, fazendo
brotar diversas doutrinas que visavam ordenar a natureza em sistemas de ideias lógicas,
intentando submeter/subordinar a realidade humana à realidade física. Dentre outras, a
doutrina do positivismo firmou-se com grande afinco, reproduzindo a ideia de que a
15
His´toria, não possuía objetivo específico algum e que, o valor de ciência só lhe seria
conferido, mediante a capacidade de ser fidedigna ao documento – ao fato propriamente
dito por assim dizer, sem interveniência de qualquer visão ideológica do historiador. A
assimilação desta postura resumiu a História a uma mera catalogação/classificação de
vestígios: inventários da “representação” dos fatos passados. Mera fetichização do
documento.
Retomou-se desse modo, a relação de passividade anteriormente vigente no
processo do conhecimento histórico e porque não dizer, no processo de
compreensão do passado, na medida em que a dinamicidade inerente ao processo
histórico, havia se tornado hirta, pela estaticidade dos fundamentos postos pelo
cientificismo positivista. A Historiografia inserida neste contexto de cientificidade,
exacerbou a preocupação com a reconstituição histórica; e, consequentemente, com
as fontes históricas. A crítica histórica passou então a ser fundamentada nas
pretensiosa distinção entre o verdadeiro e o falso – algo puramente especulativo.
Por fim, a História assumiu-se como Ciência, e o então chamado Século da
História transcorre impregnado por uma concepção positivista, que o impeliu à
formulação de enunciados explicativos destinados ao esclarecimento dos fenômenos
sociais, cabendo ao século XIX, ser cognominado “o Século da História Erudita”, ou
mesmo, de o “Século da História Política”, pois a história política constituiu-se o
campo favorito dessa erudição11.
O cientificismo tornou-se cada vez mais triunfante, estabelecendo-se como
tutor de uma História das Nações, dado o reducionismo da sua interpretação dos
fatos, o que a tornou possível de ser manipulada por interesses político-econômicos
dos dirigentes dos Estados. Pode-se afirmar que, ocorreu uma “nacionalização” da
História e, decorrentemente, uma “nacionalização” da produção cultural, imposta pela
conveniência administrativa dos Estados insurgentes, cuja lógica defendida, segundo
HADDOCK, era a de que “os cidadãos se deviam transformar em rodas dentadas de
uma máquina ingente que destruía a diversidade das suas vidas. As tradições locais
eram sacrificadas em nome da eficiência burocrática”. (1989 : 140)
Consolidada como História das Nações, esta “ciência” passou a estar ao dispor
das forças dominantes do processo em curso, colocando-se facilmente à disposição
16
do Nacionalismo, do Imperialismo e do Colonialismo, tendo para manter-se fiel a cada
um desses interesses, que optar apenas por “lembrar” recorrentemente, “um passado”
estruturado na eleição de alguns fatos tidos como
11
A erudição segundo GLENISSON, “... este saber aprofundado dos documentos que forneciam material
para a historia é um broto novo da árvore milenar de CLIO, mas um broto tão robusto que acabou por
modificar totalmente o aspecto de nossa disciplina (...) O erudito pretendia reduzir-se a ‘história
experimental’, a ‘história a posteriori’. Repelia vigorosamente ‘a história sistemática’, a historia ‘a priori’.”
(1991:79/80). Apesar de recorrerem a uma variedade de testemunhos, os eruditos davam prevalência aos
escritos (documentos), tendo sido eles, portanto, os responsáveis pela primazia dada à palavra, ao texto.
Esta frase de Ranke, o pai da história objetiva, reflete bem a concepção do eruditismo: “A história somente
começa quando os documentos tornam-se inteligíveis e quando existem documentos dignos de fé.”
marcos de afirmação de cada momento e de alguns indivíduos “notáveis”, dentro da
ótica priorizada. 12
Adotando a parcialidade dos juízos históricos da linha erudita, revelou-se
alienada da dinâmica da realidade, por restringir-se às presunções positivistas,
mitificadoras da veracidade de uma História que, a partir de um “certo” conteúdo,
chegou a ser tomada como a “formula definitiva da história”13. Na busca da
mitificação “dessa” veracidade, passou a recorrer aos princípios científicos como
endosso ao discurso progressista do Estado Moderno, no contexto de legitimação de
processos, passíveis de se tornarem conduzidos sob forma hegemônica. Partindo
desse pressuposto, o discurso científico, bem se apropriava à função política de
instituidor de “verdade”, e neste sentido, facilmente tornou-se convertido num
formulador de disciplina matrizes, onde se fundiriam o campo de domínio do saber-
poder.14
Entretanto, o colapso que atingiu a cultura ocidental nos primórdios do século
XX, contribuiu para que historiadores e filósofos renegassem os dogmas consagrados
por esta tradição historiográfica, substancialmente reafirmadora da exaltação
nacionalista do passado. A vontade de se contrapor ao comportamento nacionalista
do passado. A vontade de se contrapor ao comportamento nacionalista incorporado
pela historiografia dominante, ratificado pelo reducionismo positivista, chegou mesmo
a desencadear em alguns países, como na França, uma postura acadêmica que
referendava uma revolução de métodos de trabalho e de interpretações da “ciência”
17
da História – a École des Annales, que se postou em oposição ferrenha contra a
fetichização do
12
Na vigência desse contexto foi que o Estado moderno francês (em fins do século XVIII, no bojo da discussão
pós revolucionária acerca dos direitos do homem e extensivo aos direitos herdados pelas comunidades,
discursivamente em prol do interesse público, gestou a proteção de “alguns” bens, apropriando-se deles para
simbolizá-lo enquanto Nação, gestando, consequentemente o conceito de patrimônio histórico (nacional) muito
distanciado da herança comunitária pré-divulgada. Alguns aspectos subjacentes a esta ocorrência serão aludidos
no Capítulo I.
13
conteúdo aqui querendo sintetizar o que sempre foi montado e oficializado no registro historiográfico por
explicação do passado – produto direto do reconhecimento unilateral dos “fatos” que passaram a afirmar “uma”
história da sociedade ocidental – a da sociedade burguesa. Admitimos nesta dissertação que reside, no exercício
de dominação do nacionalismo sobre a História, o ponto nodal do “aprimoramento do passado” e,
consequentemente, do “aprimoramento” do conceito de Patrimônio Histórico que se rebateu na conduta
institucionalizada na práxis de preservação do mesmo.
14
Esta situação ocorreu de fato no Brasil, ainda no advento do Estado novo, no âmbito da preservação do
patrimônio histórico, onde, a prevalecência ao documento e aos critérios cientificizantes impostos pela conduta
positivista, vieram a ser plenamente absorvidos pela Instituição – SPHAN, que assumiria esta área de domínio, e
respaldaria toda a formalização de seu aparato conceitual e a implementação de sua práxis.
documento escrito, tomando na história “historicizante”, por explicação histórica, com a
pretensão, segundo DOSSE, de “substituir a história geral tradicional por uma história
experimental, que [tivesse] por objeto o conhecimento imediato, mas o conhecimento
mediado por muitos estudos de caso”. (1992 : 35/36) mas, foi na Alemanha, país
vulnerabilizado pelo pós-guerra e pela vivência do nazismo e do fascismo, que o
ambiente sócio-político se revelou propício a um revisionismo radical em vários pontos
nevrálgicos da historiografia vigente.
Entre as posturas insurgidas neste clímax, a do filósofo Walter Benjamim
apresentou-se como a mais contundente, inclusive por extremar-se na proposição da
escritura de uma outra hist´roia – uma ANTI-História, ou ainda colocando noutros termos
– uma história a ser escrita a “contrapelo”15.
Na verdade, Walter Benjamim proporcionou-se contrário à postura historicizante (e
triunfante!) da História, por reconhecer que nela, a “verdade” revelada do passado
resultava de uma aproximação do “provável”, tomado remissivamente do passado para o
presente, uma postura imediatista, e portanto, redutora, que as transformou num relato
discursivo pontuado por períodos áureos e decadentes e por obras epigonais que figuram
“embalsamadas” no tempo que as encadeiam, um tempo vazio e linear.
Afirma-se em Benjamin, o conceito de interrupção da História ou, da
(paralisação) historiográfica, o qual é instrumentalizado contra o Historicismo e a
historiografia dominante, e se transformou no pano de fundo temático de suas teses
18
sobre História. É importante salientar que este conceito não remete literalmente à ação de
para a História, mas de
“(...) fotografar, como a cabeça da Medusa, as forças polarizadas, em máxima
tensão, num decisivo momento histórico, no qual está contida a sua história
anterior e a posterior: contida num explosivo estado de contenção.” (KOTHE, 1978 :
14)
Benjamin reconhece também que esta História não aceita investigar por detrás do
triunfalismos dos vencedores, nem especular sobre a tentativa de outras(s) história(s) que
fracassaram, caracterizando-se assim pela falta de reflexão crítica que é, oportunamente
camuflada pelos critérios positivistas que
15
A mudança de sentido desta escritura aponta/sinaliza para o conceito de interrupção cujo
desdobramento, será gradativamente efetivado ao longo da dissertação, mas faz-se pertinente
antecipar que o mesmo, revelou-se um conceito polarizante no confronto estabelecido entre Benjamin
e o historicismo e a historiografia iluminista, posteriormente socializante do progresso.
lhe subsidiam a análise dos fatos. A crítica que estabelece contra este “modelo” de
História, adverte que, a “verdade” contida num fato do passado, nunca será alcançada
enquanto não for reconhecida a fragilidade de sua sistemática e categorias
hierarquizantes16.
Benjamin objetivava suplantar esta distorção positivista, mediante uma
concepção idealista do fato histórico, e para tanto considerava de vital importância,
política e epistemológica, a necessidade de revisão do processo de transmissão do
fato do passado, a fim de desvencinhá-lo da pseudo-imagem que lhe deformava e lhe
impedia de revelar-se em toda a sua potencialidade. A intenção benjaminiana não se
limita à crítica da ideologia do progresso da social-democracia e à erudição do
cientificismo historicista. Trata antes de impor uma revolução metodológica e
expositiva à construção da história, de modo a fazê-la exercer a função imperativa de
uma práxis política do presente: a de dar um salto livre da dominação – “o salto
dialético da Revolução”, (BENJAMIM, 1993 : 230) tal como está proposto na tese XV,
no relato do episódio da destruição dos relógios em Paris no dia da Revolução de
Julho, ocorrido sob o provável intuito de para o tempo, ou seja de “fazer explodir o
19
continum da história” (ib.ibdem:231), de modo a possibilitar ao passado recalcado, ou
mesmo esquecido, RESSURGIR.
Configura-se de modo claro, uma denúncia de dominação feita por Benjamin,
ao contexto enganador da tradição historicista que tem ofuscado o processo de
transmissão dos produtos culturais, sempre em prevalência da história da classe
hegemônica. Aclara-se também o objetivo do método materialista proposto por
Benjamin, visado pela possibilidade de separação entre o verdadeiro e o camuflado,
através do rompimento dessa totalidade fechada e embasado na proposição de fazer
emergir a imagem soterrada pelo manto da concepção teológica e “triunfalista” da
História Oficial17.
16 O “fato”, dito histórico, era tomado na concepção positivista como único e automaticamente assimilado ao
acontecimento. Segundo GLENISSON, o fato histórico correspondia ao fim do século passado, “à matéria-prima
da história, seja qual for a natureza dos fenômenos estudados e independentemente de seu grau de generalidade
(...) Excluído de qualquer repetição, revela-se como o elemento motor da história, como o fator de transformação”.
(1991 : 125/126)
17 O método materialista, segundo BENJAMIN, conduz a uma procura “em que a obra, o conjunto da obra, no
conjunto da obra a época e na época a totalidade do processo histórico são preservados e transcendidos’, (1993 :
231). A “historiografia materialista não escolhe superficialmente os seus temas. Ela não só os sublinha, mas o
destaca, como que para fora do transcurso histórico (...), pois o momento destrutivo da historiografia materialista
precisa ser entendido como reação a uma constelação de perigos que ameaçam tanto aquilo que é transmitido
quanto ao que recebe essa tradição” (BENJAMIN, 1993:224)
Benjamim compreendia que uma História, teleológica e triunfalista está sempre
perseguindo uma meta pré-estabelecida, tornando-se passível de ser constatada
cientificamente. Compreendia também que, contestar a visão finalista desta História,
requer contestar consequentemente a concepção de tempo que lhe está implícita – a
de um tempo linear, homogêneo e vazio – e, compreendia ainda que, RE-pensar o
tempo na História consiste em não mais encará-lo como condutor de um “continum”
fatalista, transcursor de um desenvolvimento previsível, e sim, RE-pensá-lo, Aberto
aos “possíveis” que a História possa revelar, (o possível do passado e o possível do
presente) ou, expressando de outra forma: encará-lo como um tempo capaz de
revelar os “possíveis” esquecidos que comportavam “outros futuros” que não
chegaram a ser concretizados18.
Em suma, RE-pensar o tempo na História remete a uma questão desafiadora:
como retomar o fio desta história inacabada para então continua-la?
20
A possibilidade de resposta imediata a esta questão, advêm de um outro
conceito básico à filosofia da história benjaminiana – o conceito de salvação.
Retomado da doutrina judaica, este conceito é acionado como dinamizador do
presente na tarefa de resgatar o passado, pois, “O passado traz consigo um índice
secreto que aponta para a redenção”. (ib.ibdem: 223). A atribuição do presente faz-se
então explícita: resgatar o passado que lhe é sincrônico pois, “Assim como as flores
dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um misterioso heliotropismo, tenta
dirigir-se para o sol que se levanta no céu da história”. (ib.ibdem : 224)
Deste conceito advêm ainda a noção de que cada instante do transcurso
histórico poderá efetivar uma mudança substancial à História, equivalente à vinda do
Messias. É importante porém deixar claro que a vinda do messias, não é tomada por
Benjamim no sentido literal e encaminhado a uma ideia progressista e secularizada
da Redenção. Ele encaminha antes, para o sentido de paralisação/interrupção que
está contido na síntese do método do materialismo histórico – o sentido monádico,
onde:
18
Repensar o tempo, sinaliza para a compreensão da História como ruína alegórica,
metáfora benjaminiana, descortinadora dos “possíveis” esquecidos ao longo de uma História
inconclusa.
“Quando o pensamento para, bruscamente, numa configuração saturada de
tensões, ele lhes comunica um choque, através do qual essa configuração se
cristaliza enquanto mônada. O materialismo histórico só se aproxima de um
objeto histórico quando o confronta enquanto mônada. Nessa estrutura, ele
reconhece o sinal de uma imobilização messiânica dos acontecimentos, ou
dito de outro modo, de uma oportunidade revolucionária de lutar por um
passado oprimido”. (ib.ibdem: 231).
Cônscio de uma possível linearidade interpretativa desta proposta de
Revolução, benjamim chegou a ser taxativo ao frisar: “(...) o Reino de Deus não é o
‘telos da dinâmica histórica; ele não pode ser posto como alvo” (ib.ibdem : 203). Para
Benjamim, o compromisso do presente de ser portador de uma “tênue força
messiânica” era imperioso pois,
21
“(...) em cada época recoloca-se a tarefa de tentar arrancar a transmissão da
tradição ao conformismo que está sempre na iminência de subjuga-la. O
messias não vem somente como redentor, ele vem como vencedor do
Anti-Cristo. O dom de atear no passado a faísca da esperança só habita o
historiador penetrado pela certeza de que também os mostos não estão
seguros diante do inimigo se ele for vitorioso. E este inimigo nunca deixou
de vencer”. (ib.ibdem: 224)
Nesta enfática colocação, percebe-se como a chegada do Messias implica em
enfretamento e vitória contra o perigo implicando mesmo em revestimento de uma
situação de domínio hegemônico. O conceito de Salvação vem completar, portanto, o
elo da corrente estabelecida por Benjamim a partir do marxismo e da teologia,
intentado, não em termos de uma mera transposição de doutrina religiosa dirigida aos
temas marxizantes levantados, nem tão pouco como uma espécie de secularização
da doutrina religiosa.
Ao que se evidencia, a concepção benjaminiana de fazer História, extrai certos
elementos da reflexão teológica e os agrega à visão teórica e prática marxista,
objetivando transformá-los em agentes efetivos na luta contra o inimigo que “nunca
deixou de vencer”. E, por esse inimigo, pode ser tomado: o conformismo e o
positivismo intrínseco à historiografia ocidental, latente na teoria científica do
progresso, introduzida pela socialdemocracia, cujo fundamento esfacelou a História.
Mas em Benjamim, como já foi comentado, a História é possível de ser colada
em suas fraturas e RE-construída em seusfragmentos, de onde, aliás, deverá brotar a
sua imagem íntegra já que até então vem sendo expressa apenas como “ruínas” de
sua potencialidade. Chega a ser possível, então RE-abrir o passado e se RE-
ingressar nos dados esparsos para poder RE-construí-la e concretizar a Redenção.
Partindo da compreensão de que o presente não corresponde apenas ao
“continum” abstrato do tempo referenciado em (passado – presente – futuro),
equivalente apenas, a uma ponde de ligação para o futuro, o presente deve estar
cônscio da urgência de transformar-se em um tempo imobilizado; em ser um Agora;
em ser um DEVIR-ATIVO onde ele próprio deva ser retomado nesta REDENÇÃO em
prol da humanidade, pois “(...) somente para a humanidade redimida o passado é
22
citável em cada um dos seus momentos:19. (ib.ibdem: 223) Mas a citação desses
momentos do passado não pode ocorrer sob um movimento contínuo e linear, e sim
como ocorria entre os adivinhos (na concepção mítica judaica) quando estes
interrogavam o futuro e,
“não o experimentavam nem como vazio nem como homogêneo. (...) Para os
discípulos a rememoração desencantava o futuro, ao qual sucumbiam os que
interrogavam os adivinhos. Mas por isso o futuro se converteu para os judeus num
tempo homogêneo e vazio. Pois nele, cada segundo era a porta estreita pela qual
podia penetrar o Messias”. (ib.ibdem: 232).
Cada segundo poderia vir a ser o instante do despertar. Benjamim admite que
o passado não pode ser recomposto de forma linear, até porque ele chega ao
“presente” – a este DEVIR – sob a forma de identificação recorrente ou de repetição.
19
Neste sentido encontra-se uma correspondência entre o pensamento de Benjamim e o de
Proust já que ambos entendiam que o passado contém elementos “inacabados” e que
aguardava um momento para completarem o seu “acontecer”, e que está em nós enquanto
presente, a responsabilidade de efetivar este “acontecer”, de há muito contido. A
correspondência de pensamentos se bifurca porém num ponto desviante pois, para Proust, as
“ressurreições da memória” atêm-se ao passado individual, estando à mercê de um acaso
eventual, ao passo em que, para Benjamim, as “ressurreições da memória” atêm-se ao
passado coletivo da humanidade, não podendo ficar a mercê de acasos, e urde serem
construídas pela ação do historiador. A ação do historiador e por extensão a do restaurador;
deve ser eficaz na reapropriação dos fragmentos “esquecidos” pela Historiografia dominante.
Na visão benjaminiana, é o presente quem ilumina o passado ao entender que
acontecimentos e fatos do passado, só se tornam plenamente compreensíveis quando
inseridos neste DEVIR-Ativo, neste tempo de construir a história e não necessariamente, no
momento em que aconteceram, o que se contrapões à ideia pressuposta pelo Historicismo de
que, o passado ilumina o presente e que culminou na história universal.
Partindo desta concepção, torna-se incoerente acatar uma ciência da História que
exerça o controle do tempo e da previsibilidade do desfecho dos acontecimentos dos
acontecimentos, como se eles estivessem dados antes, redundando numa História que,
aprioristicamente, pretende a ele recorrer, apenas para retomá-lo como um dos elos do seu
23
continum linear. 20
Benjamim contrapunha-se a este conceito, por entender a História, não
apenas com ciência, contudo como rememoração.
Considerando ainda o fato de a História ser produto da ação dos homens e dispor da
possibilidade de surpreender, Benjamim chegou a compará-la a um labirinto. O labirinto para
ele representava o avesso da cultura, e o fio de Ariadne, era o fio da História, da história
lembrada ou da história esquecida. Desdobrando-se a assertiva de que o labirinto representa
o avesso da cultura e o fio de Ariadne esconde surpresas, descobertas e até o eventual
reencontro com o ponto de partida – a origem; apreende-se que a História está sempre diante
de acasos, o que referenda o contestamento à racionalidade da previsão/dedução dos
acontecimentos em detrimento da necessidade de se atentar para o acaso e o inesperado
que interceptam o transcurso histórico. A noção de origem deveria assim embasar uma
historiografia guiada por outra concepção de temporalidade, que não a da causalidade linear,
exterior ao acontecimento histórico.
O conceito de linearidade histórica é portanto, contestado na concepção benjaminiana
pelo reconhecimento e aceitação da dinamicidade subjacente à própria História e pelo
consequente reconhecimento da possibilidade de RE-construção e RE-interpretação da
mesma, virtual em cada presente. Em suma, pelo reconhecimento da História como uma
ruína alegórica, “ruína enquanto resto das possibilidades possíveis (e, talvez desejáveis), das
quais ela só concretizou uma; nesta concretização, porém, se encontra o índice das
outras Histórias possíveis”. (ib.ibdem: 47).
20
O conceito de linearidade histórica é instrumentalizado pela historiografia historicista
aportado em recursos narrativos e princípios de causalidade, tomados como escala
cronológica, “como se sucessão cronológica fosse sinônimo de uma relação substancial de
realidade histórica” (GAGNEBIN, 1994 : 3)
21
Grifo nosso.
Reconhecer porém, a História como ruína alegórica, é procurar entende-la,
como fez Benjamim, na análise do poema – “A um passante” de Baudelaire, ao
visualizar, no momento concomitante em que traz a multidão e retira o melhor daquele
fluxo; ou seja, na “(...) torrente em que a mulher perpassa carregada pela multidão”
(BENJAMIM, 1991 : 131), o instante da possibilidade. É portanto, entende-la no
momento em que acarreta um choque e uma perda, cujo registro poético relataria
apenas como a visão alegórica de mais uma ruína acumulada, mas que, a
24
interpretação benjaminiana faz reconhecer a força do “acontecer” no “momento dado
pela multidão” – momento indicador de uma potencialidade absoluta.
A partir do entendimento de que a recepção de um choque é determinante para
a concretização de um ato, é que se definiu para Benjamim, a missão salvadora do
presente; pois, a salvação só acontece póstuma à ocorrências de choques/rupturas
que provoquem perdas efetivas, pois ele entende salvação, como restauração da
unidade primeira – da criação original, entendendo consequentemente que, só a partir
da reunificação das partes esfaceladas, torna-se possível surgir um outro vaso,
restaurado pela unção de seus cacos e portanto, redimido do esfacelamento que o
aniquilara. 22
Para Walter Benjamim, o mundo moderno está igualmente multi fraturado, em
sua unidade primeira e a História equivale a um amontoado de ruínas ascendentes,
pulverizadas pelo vento do progresso, conforme alude a visão alegórica concebida
por ele, transcrita a seguir:
22
A palavra “vaso” foi aqui usada numa alusão à provável influência que a tradição mística –
judaica exerceu no pensamento de Walter Benjamin e por certo na sua concepção de história,
notadamente no eixo específico: exílio-redenção. A tradição luriana relaciona-se a expulsão
dos judeus do território espanhol em 1942 e baseia-se em três momentos aceitos como
primordiais para história da criação e salvação do mundo: o ZIM ZUM – equivalente a um
momento de desvio – “uma ausência” de Deus que, possibilitou o surgimento de um vácuo
despossuído da plenitude de Deus e, por conseguinte, propicio ao surgimento do mundo, mas
também do mal. (A partir do Zim Zum, os seres se enraizaram da tensão decorrente da
emanação de um vigoroso feche de luz e da contração divina, ocorrendo que os seres, tal
qual “vasos”, ao seres atingidos pelo vigor desse feche que o dirigia, esfacelaram-se em “mil
pedaços”). Segue-se então o momento da SCHEBIRA, espécie de rutura ontológica, a partir
da qual, até a própria presença de Deus se ausentara e permanecera em um exílio, ansiando
por uma reunificação dos “cacos” dos “frágeis” vasos. O exílio apenas finda quando se
completa o TIKKUN – o momento da chegada do messias: quando então, a presença de
Deus retorna do exílio e retorna as “ruínas dos vasos”. (sintetizando do prefácio do livro:
Drama do Barroco Alemão – Walter Benjamin). Benjamin parece mesmo se apropriado deste
sentido místico e transposto para o historiador, o oficio de restaurador de vaso – de untor de
fragmentos.
“Existe um quadro de klee intitulado Angelus novus. Representa um anjo que parece
estar na iminência de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão
arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estendidas. O anjo da história
deve ter essa aparência. Ele tem o rosto voltado para o passado. Onde, diante de
25
nós aparece uma cadeia de acontecimentos, ele enxerga uma única catástrofe que
incessantemente amontoa ruínas sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele gostaria de
demorar-se um pouco, acordar os mortos e juntar novamente os cacos. Mas do
paraíso sopra uma tempestade que se prende em suas asas e é tão forte, que o anjo
não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro,
ao qual ele volta as costas, enquanto o amontoado de ruínas à sua frente cresce até
o céu. O que chamamos de progresso é essa tempestade”. (BENJAMIN, 1993 : 226).
A alusão evidencia o fato de como a Historiografia “triunfalista” vigente poderia ter sido
outra, caso houvesse recolhido todas “ as outras” historias, que até hoje insisti em amontoar
no esquecimento imposto pela a dominação burguesa. Na figuração alegórica, o amontoado
crescente de ruínas corresponde a memoria dos oprimidos, não divulgada nos compêndios
oficiais, e o fato do “anjo da história”23
não se ter detido para “recolher os cacos e apanhar
os mortos” explica-se pela consciência de não dever reproduzir o equívoco de colecionar
fatos e apenas relatá-los numa espécie de história paralela – a dos oprimidos, e pelo
reconhecimento de que, ao invés, deve prosseguir na marcha célebre do presente e, a partir
dela efetivar a libertação deste passado para que le conclua a história, que há muito ficou
omissa.
Contestar por seu turno “o esquecimento” da historiografia oficial, requer também estabelecer
uma reflexão crítica sobre as questões da memória e da tradição, a partir do reconhecimento
de que cada presente efetua uma auto apropriação dos “bens culturais” que integram o
empório das gerações pretéritas. Pois, da forma como presente procede a apropriação deste
empório, demanda uma questão complexa, cujo desdobramento estará sempre
circunstanciado ao processo de transmissão da tradição.
23
As expressões doravante em negrito e as aspas, correspondem a pequenas citações de
textos benjaminianos, recorridas pelo sentido enfático que podem transmitir o texto
dissertado.
Sobre este processo de transmissão, evidencia-se na crítica benjaminiana,
uma preocupação de se primar para que os “bens culturais” legados a cada geração,
26
não corram o perigo de se perder, ou de serem conduzidos, pelos que estão a cada
época detendo o poder. Dentro desta ótica, Benjamin chegou mesmo a afirmar que,
para a atualidade24, toda a herança cultural não passa de uma espécie de “fardo
morto”, reduzido a uma “angustiante riqueza de ideias”, dado grau de esvaziamento
simbólico atingido. Toda esta vulnerabilidade, é igualmente reconhecida por MURICY,
quando afirma:
“desvinculado da tradição, entendida como experiência comunicável entre os
homens, o patrimônio cultural não passa de uma pantomina do mesmo, condenada à
repetição mítica, a celebração da história dos vencedores”, (1986 : 70)
Para Benjamin, o esfacelamento do processo de transmissão/captação de
heranças intensificou-se pela perda de experiências comunicáveis, sobretudo após a
desolação da guerra e o sobressalto do advento tecnológico que abafou as vozes,
que narravam e transmitiam os saberes de “boca em boca” e uniam valores
individuais aos da vida coletiva, decretando o fim da experiência. 25
A destituição de sabedoria dos tempos modernos sempre o intrigou, instigando-o
bradar certa feita nos seguintes termos:
“Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do
patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu
valor para receber em troca a moeda miúda do ‘atual’” (BENJAMIN, 1993 : 119).
A constatação de que, sob o ônus do progresso técnico – o arcanjo da
modernidade – o presente resultou empobrecido, espargido por esta pobreza, o
mobilizou a tomar uma atitude e conclamar: “É preferível confessar que a pobreza da
experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade, surge assim uma
24
Atualidade aqui considerada como processo decorrente desde o surgimento da burguesia,
até o da sociedade industrial.
25
A desvinculação da experiência da vida coletiva e por conseguinte da tradição – equivale
na linguagem benjaminiana à perda da “aura” na obra de arte, passando a corresponder
apenas a uma vivência – despossuída; portanto “esterilizada para a experiência poética”.
Entretanto para Benjamin, a experiência está ligada a traços mnemônicos, residindo aí um
foco latente de permanências, frente as atrofias que os “choques” do mundo moderno
causam. Neste sentido, o conceito de experiência, se afirma, fundamental para a retomada
do fio dessa História inacabada.
27
nova barbárie.” (ib.ibdem: 115). O anúncio desta “nova barbárie” insurgia-se contra
a continuidade da barbárie burguesa, na cultura ocidental moderna, que tem liquidado
a tradição, e apontava para a “verdade” que, o ato de escovar a História a contrapelo,
poderia vir a revelar. Segundo Benjamin, esta verdade deveria ser acionada contra o
cortejo cultural vigente, de modo a postar-se em oposição ao que tem sido nomeado
como os “bens culturais”26. A nova barbárie postulava, pois, a saída para uma
modernidade depauperada pela perda/quebra de transmissão das experiências
comunicadas, tanto no âmbito individual como coletivo.
Sempre consternado com a perda da experiência, em sua opinião, aceleradora
deste empobrecimento, Benjamin lamentava o extermínio provocado por esta
barbarização a ponto de bradar: “(...) eles ‘devoraram’ tudo, a ‘cultura’ e os ‘homens’ e
ficaram saciados e exausto” (BENJAMIN, 1991 : 118). Para ele, a exaustão resultava
da imensidão do extermínio, contudo, ponderava ainda ser possível a superação de
tamanha perda, quiçá, pela ação de um sonho...!, como chegou mesmo a insinuar:
“Ao cansaço segue-se o sonho, e não é raro que o sonho compense a tristeza
e o desânimo do dia, realizando a existência inteiramente simples e
absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante o dia, por falta
de forças”. (BENJAMIN, 1993 : 118)
ou quiçá, por uma adaptação à realidade...!, conforme ponderou doutra feita,
referindo-se à possibilidade de reconstrução após o anulamento cultural trazido pelo
modernismo:
“Porém os outros precisam instalar-se, de novo e com poucos meios. São
solidários dos homens que fizeram do novo uma coisa essencialmente sua,
com lucidez e capacidade de renúncia em seus edifícios, quadros e
narrativas, a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à
cultura. E o que é mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui
e ali um som bárbaro. Perfeito. No meio tempo, possa o indivíduo dar um
pouco de
26 “Para Benjamin, a barbárie já residia no próprio conceito de cultura enquanto um tesouro
de valores considerados independentes não só do processo de produção em que surgiram,
28
como também daquele em que subsistiram, servindo à apoteose deste, por mais bárbaro que
fosse tivesse sido.” (KOTHE, 1985:16)
humanidade àquela massa, que um dia talvez retribua com juros e com os
juros dos juros.” (ib.ibdem : 119).
Faz-se imperativo percerber que na polêmica afirmativa da urgência de uma
“nova barbárie”, está posto o escape de fuga do grau de empobrecimento desta
atualidade, possível de ser efetivo pela arregimentação de forças na luta contra a
barbárie hegemônica da cultura burguesa que, de há muito tem comandado o
empório hegemônica da cultura burguesa que, de há muito tem comandado o empório
cultural do passado, como está posto em outra de suas Teses:
“(...) ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os
que venceram antes (...) Todos os que até hoje venceram participam do
cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espeziam os corpos dos que
estão protestados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de
praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais (...) nunca houve
um monumento da cultura que não fosse também um monumento de
barbárie” (ib.ibdem: 225).
É exatamente nos termos descritos por Benjamin, que a barbárie elitista tem
comandado o cortejo ao transformar a “cultura” em espetáculo próprio e monumental.
Exercida de forma avassaladora, esta barbárie tem minado todo o registro do
processo histórico a uma coletânea de obras célebres arquivadas na prateleira da
História Oficial, disponíveis para serem sacadas, quando ao presente interessar
lembrar suas feições, e, a depender da predisposição do momento, até repetí-las
Ademais, a exaltação triunfalista que tem impelido esta que, mesmo os seus melhores
expoentes culturais, “Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes
gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus contemporâneos”
(BENJAMIN, 1991 : 225).
Afunila-se aqui o entendimento do anseio, de Benjamin por este “novo e
positivo conceito de barbárie”, não na tentativa de aclamá-la como um rompimento
direto com a cultura ou os “bens culturais” em si, mas com uma tradição
29
empobrecida por perdas significativas, que a avassalaram e que a tem transformado
em um pesado “fardo de tesouros”, atado a um passado que combalido, se tornou
impossibilitado de ser atingido, ou mesmode se conseguir “apanhá-lo com as
mãos”.
A postulação iconoclasta de Benjamin vem debitar ao historiador, a tarefa de
livrar-se deste “fardo de tesouros”, nos moldes em que vem sendo posto, para que
seja possível uma apropriação dos “despojos” ou “bens culturais”, pelo presente.
Enfim, a nova barbárie benjaminiana propõe estabelecer uma nova relação com este
passado oprimido – uma relação libertadora do finalismo em que a História
progressista o acorrentou.
A libertação clamada pelo passado deverá, portanto, ser anunciada na voz do
“anjo da história” – o historiador – que, para encontrar ressonância no “vácuo” da
memória do presente, precisa retomar os princípios da narração antiga que, por ser
cultivada na rememoração dos relatos dos narradores, e não se fechar em uma única
versão, mantinha a força aurática dos acontecimentos e fomentava realmente, a
formação de uma memória coletiva. 27
Cabe ao historiador, retomar a trilha da história pela via da recordação
(caminho para trás), e se impulsionar da rememoração, que após tornar viva a
distâncias deste caminho, personifica-se na própria poesia da memória, cujos versos
não deverão tratar, da representação fidedigna do passado perdido, e sim remeter à
busca do passado aludido, pois: “Para o autor que recorda o principal não é o que ele
viveu, mas o tecer de sua recordação. O trabalho de Penélope da rememoração”28
(BOLLE, 1994 : 332). O princípio da emotividade inerente à rememoração deve
nortear todo o processo de busca ao passado aludido, e supervaloriza-lo inclusive.
“A memória é o meio daquilo que vivemos assim como a Terra é o meio dentro
do qual jazem soterradas as cidades mortas. Quem pretende se aproximar do
próprio passado soterrado tem de proceder como um homem que cava. E, sem
dúvida, para ter sucesso nas escavações, é preciso um plano. (...) igualmente
indispensável, porém, é a enxada cautelosa e experimental na Terra escura, e priva-
30
se do melhor, quem só registra o inventário de seus achados, e não a obscura
felicidade do local do achado.
27 Sobre o fim da narração BENJAMIN identifica na obra de Kafka “uma tradição que ficou
doente”, e na obra de Proust reconhece “as medidas necessárias à restauração da figura do
narrador para a atualidade”. Partindo deste entendimento, reconhece que “onde há
experiência no sentido estrito do termo, entram em conjugação, na memória, certos
conteúdos do passado individual com outros do passado coletivo” (1995 : 107).
28 O trabalho de Penélope corresponde a tessitura de um véu, ou melhor de uma mortalha
designada a envolver um futuro morto.
A busca, mesmo em vão, é tão importante quanto o achado feliz.” (ib.ibdem:
318).
Nesta argumentação pode-se constatar o quanto o trabalho de escavação
empreendido entre o “eu” que recorda e o que é recordado, cristaliza-se na própria
ação da busca, ou seja, no trabalho mnemônico.
Compreende-se por todas estas considerações, que o historiador bem poderá
retomar o fio da História inacabada do passado e então continua-la numa nova
tessitura. Só que, para esta tessitura, o fio a ser utilizado deverá ser o fio da
“abertura”, o fio que aceita a história da humanidade como uma história ABERTA –
virtualmente impedida de ser interpretada de forma conclusa, vulnerável de ser
apropriada por grupos hegemônicos29.
Neste sentido, admite-se junto com Benjamin, que a libertação do passado, ou
seja, a História liberta, precisa ser efetivamente RE-escrita e RE-contada pelo
“cronista que narra acontecimentos sem distinguir entre os grandes e pequenos” (...) e
que ainda “(...) leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode
ser considerado perdido, para a História.” (BENJAMIN, 1993 : 223). Esta conduta é
similar a da história genealógica dos tempos primordiais gregos, que tal qual a
concepção de história em Benjamin, “faz emergir a diferença” mediante o
rompimento do tempo homogêneo e a aceitação dos descontínuos do processo
histórico, devendo portanto, ser tomada como paradigma de uma outra historiografia
reconciliada com a realidade.
31
29 A dimensão da abertura é basilar ao pensamento benjaminiana por opor-se à estrutura
hermética da narrativa tradicional e revela-se múltipla, ao abrir a história a interpretações
diversas que, cada presente, portanto (cada futuro) renovará. Só esta “abertura” permitirá a
História absorver o sentido plural dos fatos e reter a memória social, postura que defendemos
nesta dissertação.
32
I. O “cortejo” da PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
HISTÓRICO
33
“(...) o passado de toda a colônia
é opaco a si mesmo, pois está sob
o controle do colonizador.”
Carlos Zílio
I.1. A gênese político-ideológica da atitude preservacionista
A definição de ações visando a preservação de monumentos pelo Estado
institui-se na França, no final do século XVIII, mais precisamente em 1787, a partir da
Revolução, quando o Estado Francês se propôs a conservar os “bens”
potencialmente capazes de afirma-lo enquanto instância suprema, podendo-se
mesmo afirmar que esta ideia de preservação veio a confundir-se com a própria ideia
de constituição de Nação.
Após a queda da Igreja e da aristocracia, segmentos sociais hegemônicos
precedentes à insurgência do novo governo revolucionário, o Estado Novo francês,
viu-se em impasse econômico, e, sobretudo político, quanto ao gerenciamento dos
bens confiscados àqueles segmentos. A ideia de preservação surge, então,
emaranhada em um “conflito existencial”, tomando-se emprestado aqui, este termo
psicanalítico, por ele bem referir o conflito interno instaurado no aparato estatal. Este
conflito surgiu na verdade, mediado pela efervescência das ideias de liberdade que
impulsionaram ataques de vandalismo ao acervo simbólico dos dominadores recém-
destronados.
Visando conter a reação contrária à permanência do acervo confiscado, o
governo revolucionário, estrategicamente, difundiu seu interesse em regulamentar a
proteção a este patrimônio, apregoando-o como uma necessidade de sistematização
34
dos mesmos, para fins de instrução pública1. Para efetivar este intento, o governo
francês chegou a criar as Comissões de Monumentos em 1770, e de Artes em 1773,
que passaram a registrá-los como bens de interesse cultural e os valorarem como
documentos da nação. Parece ter ficado impresso nesta ação estratégica estatal, a
marca da vinculação entre ideal preservacionista versus saber racionalizado, e
interesses imediatos de cada sociedade; a exemplo do que se comprova na
reavaliação de condutas similares, em outros países e em momentos políticos
diversos, como no caso da experiência brasileira. Subjacente, a estação na França,
esteve a tônica ideológica do interesse público, tomada como “mote” do interesse
político. Aliás, o interesse cultural (chave mestra de abertura dos discursos oficiais)
tem se revelado peça dirigida no jogo dos interesses políticos do Estado, redundando
paradoxal e conflitantemente a ele próprio.
1 Foi a partir do apossamento pela Nação francesa dos “bens” repudiados a princípio pela
população, mas discursivamente “destinado” por Ela a todos a cidadãos, que o termo
patrimônio se afirmou, remissivo às ideias de herança e apropriação coletiva.
Deste modo, a legitimação da ideia de nação correspondeu à premissa máxima
na montagem do conceito de “patrimônio” pelo Estado moderno ocidental, o qual para
subsidiá-lo, recorreu aos conceitos de História e de Arte, balisados nas dimensões
tempo e espaço; categorias introduzidas pela própria modernidade, como ratifica
GIDDENS: “O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo
fomentando relações entre outros ‘ausentes’, localmente distantes de qualquer
situação dad ou interação face a face” diferentemente do que ocorria com as
sociedades pré-modernas onde, “(...) espaço e tempo coincidem amplamente na
medida em que as dimensões espaciais da vida social são para a maioria da
população, e para quase todos os efeitos, dominadas pela ‘presença’ – por atividades
localizadas”. (1991 : 27).
A noção de monumento chegou mesmo a transformar-se numa espécie de
síntese desta categorização, ao ponto de o termo isolado monumento redundar
praticamente (des) significado, precisando da alcunha “histórico-artístico” para se
expressar2. Esta constatação de tão evidente, chegou a ser colocada por CHOAY nos
seguintes termos: “a invenção do monumento histórico é solidária dos conceitos de
arte e de história” (RIEGL, 1984 : 11 – Introdução). Considerando-se a partir desses
35
termos, de fato, esta “invenção” consubstanciou o conceito de patrimônio à noção de
herdade cultural, mediante a insinuação discursiva que o referia como extensivo a
todos os cidadãos.
A experiência francesa definiu, assim, um modelo de política preservacionista
que se espargiu sobre vários países europeus e atingindo os latinos, particularmente
o Brasil, onde a interveniência política do Estado a nível de proteção preservacionista
somente veio a efetivar-se, no início do século XX tendo sido encaminhada por
intelectuais modernistas que reelaboraram o conceito de “patrimônio” frente ao
princípio de criação da identidade nacional; o que delineou o perfil do órgão
institucional criado para regulamentar esta prática em 1937, o então SPHAN –
SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÌSTICO NACIONAL3.
2
O significado do vocábulo ‘monumento’ contém em si próprio o poder simbólico que lhe foi conferido
neste campo temático, conforme nos informa LE GOFF: “A palavra latina Monumentum remete para a
raiz indo-européia Men, que exprime uma das funções essenciais do espírito mens, a memória memini.
O verbo movere significa ‘fazer recordar de onde’, ‘avisar’, iluminar’, ‘instruir’. O monumento é sinal do
passado. Atendendo às origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado,
perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos” (1990 : 535).
3 Não se pretende neste trabalho historicizar a criação e consolidação do SPHAN, e sim apenas
abordá-la nos aspectos mais congruentes a abordagem específica da dissertação.
Torna-se, porém fundamental reconhecer que a institucionalização da política de
Preservação no Brasil aconteceu entre um governo imperativo – o Estado Novo e o
ideário de um movimento cultural “renovador” – o Movimento Modernista. Neste contexto,
a autoridade consignada ao Estado Novo, o permitia auto-legitimar-se como defensor dos
interesses da Nação, por considera-la como “individuo coletivo”, em oposição ao
entendimento da ideologia liberal, que a considerava como “coletânea de indivíduos”,
sendo esta portanto, a razão que levou o Estado Novo a querer compor uma cultura
nacional homogeneizada, que sintonizasse os cidadãos, coma imagem construída da
nação.
Reconhece-se que se localiza nesta concepção homogeneizadora, ou melhor, na
pretensão totalizadora dirigida a um contingente cultural diversificado como é o brasil, a
chave redutora de eficácia do aparato jurídico-administrativo, criado para regulamentar
todo o acervo patrimonial e sistematiza-lo num domínio de atuação política.
Constata-se, ainda, que o processo de estruturação deste aparato foi priorizado
em detrimento da formalização de uma conjuntura conceitual subsidiária a ele próprio, o
36
que permitiu a recorrência ao uso do indicativo simbólico que sublinhava a ideia de
coesão nacional sempre referendado em parâmetros europeus. Sabe-se bem que a
legitimação de poder intentada cultivava-se no mito da reconstituição da “origem da
nação” e rebatia-se no discurso da identidade nacional. Pode-se mesmo dizer, que o
discurso simbólico formalizado pela ideia da construção do patrimônio nacional, utilizou
como “púlpito” de persuasão – o SPHAN, transdormado num “púlpito” de poder,
configurando-se um processo, exatamente como nos termos postos por BOURDIER: “O
poder simbólico como poder de construir dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer,
de confirmar ou transformar a visão de mundo” (1989 : 14); e po PÉCAULT, ao considerar
assim, a polarização de poderes do estado novista: “No Estado Novo, a alta centralização
do poder político é evidentemente acompanhada pela centralização do poder simbólico”
(1990:72).
Na verdade, a legitimação intentada pelo Estado-Novo amparava-se na
apropriação e no redimensionamento do passado, não exatamente como um retorno
literal, mas mediante uma sublimação deste no presente, de forma a querer torna-lo
“presente”, ou melhor, querer torna-los coexistentes. Esta intenção acionou de imediato o
pensamento conservador na articulação ideológica, ao adotar a hierarquia da categoria
espacial sobre a temporal, e ao recorrer, a uma visão de continuidade histórica, guiada
por “leis”, encaminhadora e finalizadora dos mesmo, portanto, teológica.
Nesta perspectiva, o passado foi tomado como a fonte natural, ou seja, o
“bebedouro” da origem, e o futuro como o que viria a acontecer, na sequencia inevitável
do que já aconteceu. Centrado nesta perspectiva, o Estado Novista investiu numa
campanha de formação da “memória” do Brasil, voltada ao ato de recolocar fatos e
personagens notáveis no contexto da história política nacional, na tentativa de reter os
nexos de continuidade patrótica4.
Verifica-se que se afirmou na própria gênese do processo, a supremacia da práxis
político-ideológica sobre a valorização cultural, lógica que passou a nutrir a nomeação de
critérios tipológicos/estilísticos como referencial seletivo de exemplares artísticos e
arquitetônicos como reforço à “história” que lhe interessava sacar da “prateleira” do
passado, e que disseminou o sentido de sacralização de “uma” das históricas contidas
neste passado, parcial à memória coletiva, mas discursivamente remissiva a ideia de
conservação de valores morais a serem apropriados pelo “indivíduo coletivo”, tutelado
37
pelo Estado, o qual desejava provê-lo de um passado vitorioso, que não o envergonhasse
frente a “grandes” nações, de “grandes” passados.
Para tanto, o Estado passou a instrumentalizar o passado, como mediador da
emancipação cultural buscada na escalada da civilização, e LIPPI DE OLIVEIRA chega
inclusive a ponderar que: “Esta proposição se integra às teorias conservadoras de
democracia, ao relacioná-la aos valores, à cultura, a um projeto coletivo(...)” (1982:39).
Até porque segundo ainda os termos da autora citada: “A legitimidade de um governo
estaria fundada no reino do consenso de valores(..)” (ib.ibdem: 39). O que resultou
permeando no conjunto de bens tomados como patrimônio, um valor que transcendia ao
artístico, histórico e/ou etnográfico – o valor nacional, pretensamente fundado num
sentimento de pertencimento à Nação, entidade idealizada que objetivava através deles,
legitimar-se.
O conceito referencial de cultura tomado pelo Estado, e a ser repassado pelo
Serviço do Patrimônio, ancorou-se, conforme será sinalizado nesta dissertação, na
historicização de fatos memoráveis e referências a grandes vultos da história, numa
tentativa de recuperar e absorver a essência do que havia sido notável “naquele
passado”, num apelo de exaltação nacionalista, e até psicológico, de sensibilização à
retenção de símbolos e valores cultuados na
4 Como meta dessa estratégica de reafirmação dos símbolos e vultos nacionalistas, o então município
de Alagoas, anterior Vila de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, em 1939 passou a ser
denominada Marechal Deodoro, em homenagem ao Proclamador da República do brasil, por ser a sua
terra natural. Sob a mesma intenção, foi aplicado o recurso do Tombamento Federal aos
remanescentes da sua casa natal, à época restritos à fachada.
conservação, conforme se pressente no discurso estruturador de Almir de Andrade
(apud LIPPI DE OLIVEIRA):
“A continuidade do patrimônio está na permanência dos valores, está na ‘alma’,
‘no reconhecimento do destino’, o homem novo, fruto da ‘nova ordem’ é ‘total’
porque pode viver, sem conflitos, a sua dupla realidade: a de indivíduo (transitório,
voltado para a transformação) e a de pessoa (eterno, voltado para a
conservação): A pessoa é o que há de eterno em nós, o que quer permanecer, que
durar, conservar. A transformação pode ser individual, mas a conservação é
pessoal(...)”5 (1982 : 37).
38
Na verdade, a fim de resumir esta questão, pode-se estabelecer, junto com
LIPPI OLIVEIRA, a seguir síntese: “O estado Nacional propõe-se a articular um
autêntico ‘consenso moral’ e espiritual da nacionalidade, e não um impossível
consenso utilitário” (ib.ibdem : 45).
Mas, existe ainda um aspecto dentre as especifidades da retórica política do
Estado nacional que interessa em muito, a questão de fundo desta dissertação, que
se concentra na reflexão sobre o compromisso social do repassador de posturas
institucionalizadas, através de um saber técnico específico, que na construção do
ideário da Preservação do Patrimônio Histórico no Brasil, foi entregue aos intelectuais
modernistas com a atribuição expressa de relacionar as ações do Estado às tradições
culturais – ás raízes que precisariam ser nomeadas, para em seguida passarem a
formalizar um quadro de manifestações culturais e simbólicas de modoa compor a
tradição brasileira. Esta meta modernizadora, trazia em seu cerne, a visão
racionalizada do saber técnico, e passou a referendar a pesquisa histórico-
documental e a categorização estilística, centrada na historiografia da arte brasileira
(com ascendência à portuguesa)6, como postuladoras dos critérios eletivos e de
intervenção restaurativa para sua conduta.
O ufanismo filial, evidenciado consideravelmente entre os intelectuais mineiros,
fez prevalecer no âmbito protecional, da Instituição, “uma” Minas colonial-barroca, e a
escolha do século XVIII, como paradigma estético-cultural, por bem satisfazer a
obsessão de “inventar” uma tradição, acobertada pelo rótulo
5 É válido ressaltar que Almir de Andrade foi por muito tempo diretor da Revista Cultura e Política,
organizada em 1927 tornando-se deste modo, “mentor” dessa noção de cultura.
6 Compreende-se de modo claro que a declaração de “filiação cultural” à etnia portuguesa, aproximaria
o Brasil da tradição europeia.
da “herança mais brasileira das legadas no Brasil-Colônia”. Este ufanismo ofuscou a
capacidade de percepção do legado de outros séculos referenciamente tão “histórico”
e “estilístico”, como por exemplo, o século XVI em Pernambuco, embora não
“excepcional”.
Todo o procedimento de afirmação da “identidade cultural” passou a primar
pela seletividade dessa ascendência do caráter da arquitetura portuguesa, derivando
daí a ênfase conferida ao original, ao primeiro, o que se rebateu no nível de
39
importância dada aos trabalhos de documentação e de investigação documental,
precedente às ações restaurativas, propostas de restauro, consolidação de ruínas e
instrumentos protecionais, como o Tombamento.
A obsessão pelo documento passou a ser justificada pela premência de
procedimentos metódicos da intervenção restaurativa, pois, a sacralização do alcance
da originalidade, exigia estudos analíticos dos monumentos, o que contribuiu para o
processo de fetichização do documento, ratificado pela visão de história positivista,
instrumentalizada pela Instituição.
Esta inversão de enfoque dado ao teor do documento, tem sido alvo de crítica
de vários historiadores e de vários filósofos que têm contundentemente tentado
mostrar, a exemplo de FOUCAULT, o nível de desvirtuamento que ele encerra:
“(...) o documento, não é o feliz instrumento de uma história que seja, em si
própria e com pleno direito, memória: a história é uma certa maneira de uma
sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não
separa” (1972 : 14).
Entretanto, a ideia de patrimônio passou a ser encarada como testemunho de
um processo onde era ressaltada a ideia de especificidade de um tempo histórico,
tomado como indicador de critérios de proteção, referendado pelo saber técnico do
Serviço do Patrimônio Histórico. A análise da ocorrência deste procedimento, na
Instituição, resultou bem sintetizada por Michel PARENT, quando analisa os motivos
geradores da aplicação protecional do Tombamento:
“Para o técnico, o que frutifica o tombamento é o fato de o sítio urbano ser a
criação notável e representativa da vida e da
Organização social de um povo, em determinada fase de sua evolução”7
(RPHAN, 1984 : 19)
Denota-se porém, que foi a partir da consolidação deste procedimento que a
postura ideológica/institucional se firmou anacrônica e manteve-se irredutível, mesmo
40
após a queda do regime militar, durante as incessantes reinvidicações de grupos
sociais considerados minoritários nos decênios de 1970/1980, de ampliação dos
valores “culturais” da instituição8. Esta contudo, permaneceu resistente em rever seus
princípios fundamentais, e o preservacionismo desta postura, tem contribuído para
reduzir, até hoje, a noção de patrimônio “histórico” a uma mera noção de patrimônio
“colonial” ou “antigo”, e se rebatido na atitude nostálgica de segregar tecidos urbanos
para cultuá-los como relíquias coloniais.
Não sendo pertinente prolongar mais estas considerações, deseja-se frisar
apenas que o processo formativo da “escola” de preservação estabelecida desde
1937, a partir da institucionalização do SPHAN, repetiu o pecado capital do
anacronismo, que tem acompanhado a história, segundo os termos desta
argumentação de ALENCASTRO, que se toma a seguir como argumento final:
“Ao mover-se do presente para outras épocas e vice-versa, ao lidar com as
continuidades, as passagens, as rupturas, as derivações, o historiador deve
constantemente premunir-se contra o pecado capital de sua disciplina: o
anacronismo. Vestir uma determinada sociedade com as roupas talhadas
em outras épocas, eis em que consiste o anacronismo” (1991 : 63)
7
Grifo nosso.
8
Estas décadas marcaram mudanças substanciais que começaram a ocorrer no campo
político, e culminaram na batalha pela conquista dos direitos humanos, insurgindo novas
identidades coletivas de grupos sociais minoritários, que passaram inclusive, a contestar a
legitimidade dos patrimônios oficializados como históricos e artísticos nacionais. Vale
ressaltar que neste período, acirraram-se os embates entre o movimento negro e a
Instituição, na tentativa de reconhecimento do movimento do Quilombo dos Palmares e o seu
referencial simbólico – a Serra da Barriga em Alagoas, acontecendo várias situações de
enfrentamento similar, em outros Estados. A crítica contrapunha-se também ao irredutismo do
órgão em não acatar as expressões arquitetônicas posteriostes ao século XIX, como o
ecletismo e outras.
9
Grifo nosso.
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Ferrare Josemary A preservação do patrimônio histórico um re pensar Marechal Deodoro
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Ferrare Josemary A preservação do patrimônio histórico um re pensar Marechal Deodoro

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO: um RE-pensar, a partir da Experiência da cidade de Marechal Deodoro
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: CONSERVAÇÃO E RESTAURO A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO: Um RE-pensar, a partir da experiência da Cidade de Marechal Deodoro Josemary Omena Passos Ferrare Orientação: Odete Dourado Co-Orientação: Inaiá M. de Carvalho Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Da Bahia, em cumprimento às exigências para Obtenção do Grau de Mestre. Salvador – Bahia 1996
  • 3. Ferrare, Josemary Omena Passos A preservação do Patrimônio Histórico: um Re-pensar, a partir da experiência da Cidade de Marechal Deodoro / Josemary Omena Passos Ferrare. Salvador: FAUFBA, 1996. 210 p. Dissertação (mestrado) Universidade Federal da Bahia
  • 4. DEDICATÓRIA  A meus pais, pelo legado do saber;  A meus filhos, como um ato de transmissão deste legado.
  • 5. RESUMO Esse estudo trata da construção da ideia de patrimônio histórico-nacional e de sua preservação. Particulariza a concepção deste ideário no Brasil, como produto do autoritarismo do Estado-Novo, e da institucionalização, em 1937, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico nacional, consolidado por um posicionamento jurídico- conceitual mantido por quase 40 (quarenta) anos, até irromperem críticas aos cânones elitistas do seu modelo. Demostra como nesta ‘práxis’, o poder de iniciativa tem se concentrado no Estado; que, enquanto difusor do progresso, recorre a estratégias discursivas de preservação dos “bens culturais”, como legitimação política. Aclara as razões determinantes de medidas preservacionistas para o município de marechal Deodoro, em Alagoas, a paritr da implantação do complexo Salgema/Pólo Cloro-Químico; e, comenta, calcado na visão dos moradores, os consequentes fenômenos sociais em curso e a política inócua da preservação do núcleo urbano. O referencial teórico centrado na concepção benjaminiana sobre história e memória é argumentador de fundo do contexto conceitual-metodológico institucionalizado, que respaldou as medidas analisadas, apenas em sua dimensão simbólico- material, esvaziada de seu significado coletivo e da pluralidade das experiências sociais. Aponta a instrumentalização da História, retida em uma temporalidade que destitui a consciência histórica das populações, e não reconhece suas realizações cotidianas como produção cultural. O trabalho sinaliza para o reencontro de Mnemosyne e Clio como forma de conceber, Passado e história, libertos do reducionismo de uma homogeneização estilística. E, portanto, para o reconhecimento da alteridade inerente à dinâmica do processo histórico.
  • 6. ABSTRACT This study deals with the construction of the idea of national-historical heritage and its preservation. Particularize the design of this ideology in Brazil as the product of authoritarianism of New State, and institutionalization, in 1937, the Office of National Historical and Artistic Heritage, consolidated by a legal-conceptual position held for nearly forty (40) years until erupt critical to the canons of their elitist model. Demonstrates how this 'praxis', the power of initiative has focused on the state, that while progress diffuser, uses discursive strategies of preservation of "cultural goods" as political legitimation. Clarifies the reasons determinants preservationists measures for the city marshal Diodorus, in Alagoas, the deployment of complex paritr Salgema / Polo Chloro-Chemical, and he says, based on the view of the residents, the resulting phenomena ongoing social and political innocuous of preservation of the urban core. The theoretical design centered on Benjamin on history and memory is arguer's background conceptual framework and methodological institutionalized, which backed the measures analyzed, only in its symbolic dimension, material, emptied of its meaning and the plurality of collective social experiences. Points to the instrumentalization of history retained in a temporality that deprives the historical consciousness of the people, and does not recognize his achievements as everyday cultural production. The work points to the reunion of Mnemosyne and Clio as a way of conceiving, Past and history, freed from reductionism of a stylistic homogenization. And so, for the recognition of otherness inherent dynamics of the historical process.
  • 8.
  • 9. SUMÁRIO Lista de Tabelas, vii Lista de Anexos, vii APRESENTAÇÃO, 1 À guia de INTRODUÇÃO – História e Historiografia: aprisionamento x libertação, 6 CAPÍTULO I: O “cortejo” da PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, 31 I.1. A gênese político-ideológica da atitude preservacionista, 33 I.2. A atitude da preservação no Brasil: do ideário modernista à meta do desenvolvimento, 42 CAPÍTULO II: O DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA E O PLANEJAMENTO ESTATAL NO BRASIL, 52 II.1. Contexto nacional, 54 II.2. Contexto Estadual, 57 II.3. Contexto Municipal, 58 CAPÍTULO III: A AÇÃO ESTATAL E O DISCURSO PRESERVACIONISTA DIRIGIDO À MARECHAL DEODORO, 63 III.1. PLANO INTEGRADO: proposta de compatibilização, 65 1. Gênese/intenções, 67 2. Metodologia/Operacionalidade, 70 3. Concepção/Abrangência, 74 4. Conflitos/Tensões, 79 III.2. TOMBAMENTO ESTADUAL: ação de perfil anacrônico, 81 CAPÍTULO IV: A “autoctoniCIDADE” DA capital de outrora, 91 IV.1. Cidade... lagoa... e quintais, 93 IV.2. Ruas... Casas... e calçadas, 102 IV.3. ... a praia, o marketing turístico de Maceió, 112 IV.4. Rodovia AL-101/SUL: marco histórico ou sonho da história?, 116 CAPÍTULO V: OS ECOS DAS AÇÕES PRESERVACIONISTA EM MARECHAL DEODORO, 137 IV.1. Ecos do Planotais, 139 IV.2. Ecos do Tombamento, 144 IV.3. Ecos do Ideário SPHAN, 150 IV.4. E agora..., Identidade Nacional ou local?, 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 181
  • 10. BIBLIOGRAFIA, 181 ANEXOS, 210 LISTA DE TABELAS Tabela I Avaliação do que a cidade “tem de bom” Tabela II Avaliação das mudanças trazidas pela Rodovia AL-101/Sul Tabela III Avaliação dos benefícios do Polo para a cidade Tabela IV Avaliação do que poderia melhorar na cidade Tabela V Avaliação das mudanças trazidas pelo turismo Tabela VI Avaliação do conhecimento da elaboração do Plano Integrado Tabela VII Avaliação do conhecimento do Tombamento Estadual Tabela VIII Avaliação de como o Tombamento foi entendido Tabela IX Avaliação sobre o efeito do rótulo de “cidade histórica” Tabela X Avaliação do maior “patrimônio histórico” da cidade Tabela XI Avaliação do posicionamento sobre as restrições de modificação das fachadas em edificações antigas. Tabela XII Avaliação do posicionamento sobre a modernização das fachadas
  • 11. LISTA DE ANEXOS Anexo I Mapa de locação do Pólo Cloro-Químico de Alagoas Anexo II Texto do Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937 Anexo II-A Lei n° 4448 de 28 de junho de 1983 que dispõe sobre a fusão do conselho Estadual de Cultural – CEC – e do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Alagoas – CONPHAE, e consolida a legislação estadual de Conservação e Defesa da Memória Cultural Anexo III Mapa de delimitação das Z.P.R. – sede urbana de Marechal Deodoro: PLANO INTEGRADO/1979 Anexo IV Propostas de Preservação para a sede urbana de Marechal Deodoro: PLANO INTEGRADO/1979 Anexo V Projeto de Intervenção (Casario e Praça Pedro Paulino) setor A. Projeto 3/Z.P.R.: PLANO INTEGRADO. Anexo VI Projeto de Intervenção de Casario em Z.P.R. – bairros do Centro e Taperaguá (Trechos dos Projetos – 4-9-11): PLANO INTEGRADO Anexo VII Panfleto/SERVEAL – texto explicativo sobre o Tombamento. Festa comemorativa: Cidade de Marechal Deodoro. Anexo VIII Lei nº 4458 de 15 de setembro de 1983, que autoriza o Tombamento da Cidade de Marechal Deodoro. Anexo IX Lei Municipal nº 391 de 30 de maio de 1973, que proíbe a descaracterização da cidade de Marechal Deodoro.
  • 12. APRESENTAÇÃO Buscar um suporte teórico que reavalie as questões postas pela prática da preservação do Patrimônio Histórico em núcleos urbanos, constitui o motivo impulsionador dessa dissertação; que ao mesmo tempo, visa estabelecer uma relação de especularidade que também exercem o mister de lidar com o repasse de procedimentos institucionalizados. A opção pelo tema advém do contato profissional mantido com esta área, a partir do acompanhamento de restaurações em edifícios isolados, juntos a equipe, técnica do SPHAN – 3ª DR – Recife, nas cidades de Penedo e Marechal Deodoro, e de modo mais específico durante a participação no Plano de Uso do Solo e Preservação do Patrimônio Histórico de Marechal Deodoro em 1979; experiência que propiciou, o contato com a tarefa de designação dos valores a serem preservados, e que se apresentou de forma desafiadora, mas até então bem objetiva, dada a convicção explícita de salvaguardar os exemplares ainda autênticos da arquitetura e recompor os residualmente reconhecíveis. De modo contrário, a oportunidade de participar na elaboração do Dossiê de Tombamento da referida cidade em 1983, fez emergir um número cumulativo de dúvidas que passaram a expor a restritividade do referencial instrumentalizado na já recorrente práxis preservacionista. Tornara-se inquietante pensar: Como, em uma área de peculiaridades tão marcantes, delimitar perímetros de estratificação potencial a partir apenas do valor tipológico/estilístico do acervo arquitetônico, se o bem maior pressentia- se estar na relação espaço/natureza/relações sócio históricas? Seria mesmo possível definir “fechados” para valores tão fluídos? Ao longo do processo de elaboração do referido Dossiê, inquietava-nos bastante a responsabilidade de definir os critérios que referendariam os valores a serem submetidos 1
  • 13. às normas protecionistas. Sentíamos a falta de um aporte referencial mais amplo que consubstanciasse as opções de escolha. Formalizado o processo, delineado todos os perímetros de proteção (rigorosa, paisagística, ambiental), e após efetivado o Ato, restou-nos uma certa angústia, uma sensação de que algo havia ficado por fazer e de não haver encontrado a opção mais agregativa, pois muitos exemplares haviam sido segregados dos conjuntos arquitetônicos uniformizados, para fins de hierarquização protecional. Na verdade, a inexistência de frontões com “curvas e contracurvas”, nas igrejas dos bairros contíguos às áreas mais antigas, bem como a inexistência dos beirais de “beira e bica” nos telhados das casas de pescadores, e as desfigurações do partido colonial em alguns exemplares, haviam referendado estas segregações. Atitude institucionalmente correta! Então, o que faltava?! Ou melhor, o que mais poderia ter sido considerado para se chegar a uma outra proposição? Essas indagações não encontravam respostas à época e é ainda, a busca de respostas para essas e outras indagações que se acumularam em experiências profissionais subsequentes, o que motivou este exercício acadêmico solitário, todavia, sintonizado com a perplexidade de outros que, também têm se aventurado nesta trilha da Preservação. A dissertação tem pois como objeto, a Política de preservação do Patrimônio Histórico voltada para núcleos urbanos, a partir da construção des ideário pelos agentes que produzem o discurso preservacionista dos “bens culturais”; e tomará como referencial empírico e fomentador de uma reflexão crítica, as medidas aplicadas ao município de Marechal Deodoro – o plano Integrado de Uso do Solo e Preservação do patrimônio Histórico da Cidade de Marechal Deodoro, e o Tombamento Estadual, em concomitância com uma avaliação sobre a interferência dessas medidas na comunidade. Em função disto, realizou-se uma pesquisa junto a 42 integrantes da população da sede urbana do município, e foi aplicado um Roteiro de Entrevista com perguntas abertas, referentes a quatro blocos de questões assim distribuídas: 2
  • 14. Bloco I – Avaliação das mudanças ocorridas na cidade. Bloco II – Avaliação sobre a identificação com a Cidade Histórica. Bloco III – Avaliação do conhecimento das medidas de preservação aplicadas à cidade. Bloco IV – Avaliação da relação do morador com a cidade. O desdobramento do conteúdo de cada bloco foi tomado, quantitativa e qualitativamente, como indicador de fenômenos que serão abordados neste trabalho. Para a dimensão da amostragem, estabelecemos como critério preliminar, o local de moradia, priorizando-se o bairro do Centro, pela sua categorização de Centro Histórico (22 entrevistados) e os bairros contíguos a este, respectivamente: Poeira (06 entrevistados), barro vermelho (05 entrevistados), Conjunto do Carmo (04 entrevistados). Excetuamos desta condição de contiguidade ao Centro, apenas o bairro de Taperaguá (05 entrevistados), por possuir um conjunto arquitetônico bastante significativo dentro do contexto analisando. Primou-se por uma composição bem diversificada, quanto a: idade, sexo, naturalidade, ocupação, renda, condição de moradia, por reconhecermos que estas variáveis poderiam interferir na visão dos fenômenos a serem identificados. Objetivamos nesta reavaliação sobre as metas que têm conduzido a Política de Preservação do patrimônio Histórico, revisitá-la nos primórdios de sua concepção, ainda na efervescência do projeto republicano da “nação civilizada”, e encaminhar uma reflexão sobre como esta práxis “nacionalizou” o quadro simbólico instituído àquele momento, mediante recorrentes medidas estatais, como as indutoras da escalada industrial progressista dos anos de 1970. Pretendemos ainda avaliar, de que modo, a partir da escalada da propagação turística da atualidade, este referencial simbólico vem sendo reincorporado à percepção das populações dos núcleos urbanos, rotulados pela própria visão institucional como “históricos”. Admitindo-se estar subjacentes à toda discussão que envolve as questões da Preservação o conceito de História, e os conceitos de Memória – ao conduzir à ideia de preservar lugares, obras, situações, e o de Tradição – ao remeter para o campo semântico, 3
  • 15. as ideias de transmissão e transferência de hábitos, expressões e modos de saber; pretende- se efetivar uma RE-contextualização dos mesmos, a partir da matriz filosófica benjaminiana, por esta balizar uma concepção de história referenciada na transmissão das práticas sociais integrantes da memória coletiva. Aliás, concepção que bem reconhece que o ato de preservar transcende aos “objetos ou artefatos, obras arquitetônicas ou urbanísticas, (...) algo mais próximo da gente, uma memória corporal e fisionômica, uma memória da percepção, do jeito de olhar e de andar, das maneiras de comer, do despertar do sexo(...)”; enfim, concepção que investe na qualidade de uma memória especializada onde “(...) lugares e objetos são evocados como sinais topográficos e vasos recipientes da história da sensibilidade e da formação das emoções” (BOLLE, apud ARANTES, 1984: 14). Sabe-se porém que esta concepção opõe-se à postura ideológica institucional que tem insistido em eleger momentos/monumentos notáveis como, continente/conteúdo da herança cultural de um “certo passado”, e deste modo tem limitação a noção de patrimônio histórico a uma mera noção de “patrimônio antigo” ou mesmo “patrimônio de estilo”, adotando um comportamento nostálgico ao fragmentar e congelar tecidos urbanos e cultuá-los como verdadeiros relicários histórico-culturais. Postura que tem retroagido à própria intenção de preservar a memória, na medida em que ao omitir outros fatos e manifestações culturais, impede cada época de absorver a sua própria historicidade e a induz, consequentemente, ao afastamento da possibilidade de reencontro com o “passado” que em seu discurso, afirma preservar. Reconhece-se perfeitamente que o foco desta contradição reside na visão teleológica de uma história hermética e dissociada das experiências sociais, e que a tem impedido de entrar em simbiose com o presente ao desconsiderar as mutações e conflitos oriundos da dinâmica urbana. Intentamos pois, evidenciar como a postura institucional, desde o seus primórdios, tem se distanciado da memória social, tornando-se redutora da dinamicidade da existência humana, e neste sentido, aprisionadora do passado de cada área protegida, ao acatar uma História que se submete a posturas homogeneizantes, completamente oposta ao perfil da 4
  • 16. história primordial grega que, “apreendia pelo olhar que se sucedia dinamicamente”, relatando esta dinamicidade, no ato de rememora-las. Será defendido portanto, o reconhecimento de que a Política de Preservação do patrimônio Histórico em núcleos urbanos, NÃO pode repudiar a historicidade própria de cada núcleo e nem obscurecer, em prol de uma pretensão global, qualquer forma de expressão histórico-cultural particularizada, devendo SIM, procurar reconhecer os valores simbólico- culturais que em cada sítio urbano se consolidaram, ou ainda estão sendo cotidianamente construídos. A partir deste posicionamento, a argumentação sinalizará para a aceitação/incorporação na conduta institucional, da singularidade e diversidade contidas nas formações simbólicas-culturais que foram/são apreendidas, afetiva e coletivamente pela população dos núcleos “protegidos”; o que exigirá, o despojamento do “fardo” que uma decisão tomada no passado lhe impôs. Não se pretende, no entanto, ao final da dissertação estabelecer um quadro de posições fechadas à prática vigente; mas à luz de constatações efetivadas sinalizar para o “escape” potencializador de sua libertação. 5
  • 17. À guisa de INTRODUÇÃO 6
  • 18. “O continum da história é dos opressores (...)” Benjamin HISTÓRIA e HISTORIOGRAFIA: aprisionamento x libertação O vocábulo HISTÓRIA sugere em vários idiomas um sentido ambíguo, e por mais que vários estudiosos tenham se esforçado, não tem sido frutífero à equivalência tentada em outros termos. O abandono do termo chegou inclusive a ser preconizado por Lucien Febvre, bem como alcunhado pelo próprio, como uma “velha palavra repesada e destituída de significação precisa” (FEBVRE, apud DOSSE, 1992 : 430). Entretanto, o querelar sobre o vocábulo História tem induzido muitos estudiosos a concluírem que a ambiguidade de seu conteúdo advêm da dinâmica implícita à conceituação da própria História, demonstrada na forma como os homens a conceberam ao longo do tempo. Neste sentido uma colocação de Bloch expõe de modo muito claro as razões deste conflito: 7
  • 19. “desde que a pronunciaram pela primeira vez os lábios do homem, há mais de dois milênios [a palavra história] sofreu muitas alterações de conteúdo. Este é o destino, na linguagem, de todas as palavras efetivamente vivas”.¹ (BLOCH, apud DOSSE, 1992 : 1) É possível constatar, acompanhando o percurso trilhado pelo registro historiográfico, que a credibilidade na “verdade”, ou realidade histórica, torna-se relativizada aos olhos daqueles que a tem procurado em todas as etapas do desenvolvimento humano. A propósito desta contratação, um comentário sobre o apogeu da Grécia Clássica, feito por E. H. Carr, reforça bem os percalços inerentes à relativização da “verdade” historiográfica: “Nossa imagem da Gréciado século V a.C é incompleta, não porque tantas partes se perderam por acaso, mas porque é, em grande parte o retrato feito por um pequeno grupo de pessoas de Atenas. Nós bem sabemos como a Grécia no século V era vista por um cidadão ateniense, mas não sabemos praticamente nada de como era vista por um espartano, um corintiano ou um tebano – para não mencionar um persa, ou um escravo, ou outro não cidadão residente em Atenas. Nossa imagem foi pré-selecionada e predeterminada para nós, não tanto por acaso, mas por pessoas que estavam consciente ou inconscientemente imbuídas de uma visão particular e que consideravam os fatos 1 Todo o desenrolar deste capítulo tentará desdobrar o sentido de vitalidade insinuado pelo autor. que sustentavam esta visão dignos de serem preservado”. (CARR, E H. 1991 : 16). Este mesmo autor afirmara que, a História tem sido vista “como um enorme quebra-cabeça com muitas partes faltando”, ressaltando ainda que o maior problema não consistia exatamente nas lacunas, mas na subjetividade implícita ao processo historiográfico, como expõe o relato supra citado. A origem do termo constituiu-se contudo, num legado dos gregos à tradição historiográfica do Ocidente, tal como o foi o método e o espírito que lhes foram peculiares. De HISTOR, aquele que apreende pelo olhar, o termo desdobrou-se em HIS + OREN, passando a significar “apreender pelo olhar aquilo que se sucede 8
  • 20. dinamicamente” ou seja, passou a corresponder ao verdadeiro ato de “testemunhar os acontecimentos – a realidade”. Deste procedimento, evidencia-se a ocorrência de uma relação de passividade entre os agentes envolvidos no processo de conhecimento, de modo que: ‘aquele que compreendia’ (o homem), era o ‘objeto’, e o que estava a ser compreendido (a realidade), tornava-se o ‘sujeito’, decorrendo assim, que o homem (aquele que aprenderia pelo “olhar” a realidade), apenas “sofria” a presença dessa realidade e a aceitava de modo inquestionável, pois a ela estava subordinado. A reflexão sobre este procedimento cognitivo na Grécia chega a fomentar algumas indagações, que devem ser dirigidas à Historiografia Ocidental, da qual a Grécia é tomada como berço, e que se torna pertinente, serem postas nos seguintes termos: - de que modo tem se processado a apreensão da realidade “histórica”? E, - que “a priori(s)” instrumentalizaram o “olhar” dirigido a esta realidade? ² Buscar compreender o desenrolar deste processo consiste em procurar ascultar às relações mantidas entre o pensamento das sociedades e a produção histórica resultante, e ao mesmo tempo procurar não perder de vista a relação mantida entre História e ideologia dominante. Como fundamento dessa procura, deve ser tomado a própria historicidade humana, tornando-se vital inicia-la por uma reflexão sobre a forma como os 2 Vale salientar que estas indagações deverão ser tomadas como trilha condutora da reflexão inicial deste capítulo. homens dos grupamentos, ditos primitivos têm tentado sintetizar o conhecimento do mundo de que o cerca, sempre a partir da contemplação dos fenômenos naturais, fenômenos cíclicos que os atemorizam e os dominam na labuta da sobrecicência, circunstância que os fazem estabelecer uma relação de dependência com este meio e a ele direcionar todos os sentidos (conhecimento sensorial); bem como todos os pensamentos, no intento de atingir a compreensão dessa realidade que lhe é tão imediata, estes homens transportam-se do contexto material para o contexto divino 9
  • 21. e/ou heroico, passando a estabelecer uma explicação transcendental – criando o Mito. O mito passa então a responder aos “porquê(s)” primordiais da existência humana, sendo por isto ritualizado e transmitido em linguagem inteligível a todos os integrantes do grupo, dada a finalidade de repassar o conhecimento, coletiva e ciclicamente à todas as gerações, como discorre a própria vida e a reprodução da mesma. Em suma, esta forma mítica de apreensão/explicação da realidade, corresponde à visão de uma sociedade que, na busca de uma tomada de consciência de si mesma e de seu mundo, portanto de sua historicidade, estabelece práticas que intentam reatualizar as origens e celebrar a recriação desse Mundo; ou seja, a natureza que a cerca. Neste sentido, pode-se dizer que os mitos equivalem a um “grito primal” sobre a explicação do mundo, produto direto de uma apreensão sensorial e de um exercício imaginário, ocorrente em comunidades, ditas primitivas, que vivem em regime de propriedade comunal, não hierarquizadas em classes sociais e ainda não conhecedoras da escrita. É exatamente por isto, que para a cultura do mundo ocidental, a mitologia grega equivale ao primeiro capítulo da história da explicação do mundo e constitui-se numa História embrionária, alheia a qualquer esforço de apreensão racional ditado pelo “logos”. Os temas mitológicos gregos sempre narravam fatos notáveis alusivos a deuses e a semideuses, os quais, na fala do poeta rememoravam e reverenciavam o passado. O poeta cumpria na verdade, a função de mantenedor da explicação “viva” de todos os acontecimentos, quer reais e/ou fantasmagóricos narrados nos versos da poesia épica ³. 3 Em VERNANT, encontra-se uma referência à função do poeta na Grécia e às benesses que lhe eram dispensadas no desempenho de sua função: “As filhas de Mnemosyne ao lhe oferecerem o bastão da sabedoria, o ‘sképtron’, trabalho em loureiro, ensinavam-lhe a “verdade”. Elas lhe ensinavam o belo canto com o qual elas próprias encantavam os ouvidos de Zeus, e que fala do começo de tudo. As musas cantam, com efeito, começando pelo início (...) o aparecimento do mundo, a gênese dos deuses, o nascimento da humanidade (...) O passado contado pelos poetas é portanto um passado primordial, tomado como uma dimensão do além.” (1990 : 112) Assim, o processo de transmissão oral do conhecimento do mundo permaneceu retido no processo histórico das comunidades primitivas, até estas atingirem um grau de aprimoramento técnico que permitisse o surgimento de um excedente econômico crescente e derivasse em um processo de diversificação das 10
  • 22. tarefas de trabalho. O excedente econômico passou a exigir um controle administrativo específico e designou esta tarefa a um grupo minoritário que se adestrou na prática de abstração da realidade e em previsões, ou seja, na apreensão racionalizar. Pode-se mesmo afirmar que este processo de racionalização redundou em um exercício de um poder sobre o restante do grupo social, pois, o tipo de linguagem criada para instrumentalizar o controle do ascendente resultou em um reduto do conhecimento de uma elite constituída entre os demais4. A ruptura na forma de transmissão oral das explicações referente a compreensão do mundo, constitui-se numa mudança radical, pois derivou do processo de apreensão sensório-afetiva, para um processo de apreensão racional.5 Rompeu-se com o saber de domínio coletivo (transmitindo ritualisticamente pelo poeta), introduziu-se, o saber “oficializado” assumindo por alguns elementos do grupo que detinham o domínio da escrita e processavam o conhecimento da realidade, obviamente segundo um “olhar” dirigido por este saber. Instaurou-se a partir de então, o desprezo pela explicação cosmológica mítica-sobrenatural, e consumou-se assim, a recusa da aceitação do “passado” como derivação do cosmo. A Antologia então cedeu lugar a História, conforme bem sintetizou ELIADE em sua reflexão sobre a abrangência desse processo: “... Sobre tudo na Grécia e na Índia e também no Egito, uma elite começa a desinteressar-se desta história divina e acaba (como na Grécia) por deixar de acreditar nos mitos, embora 4 Tornou-se evidente neste estágio de desenvolvimento sociocultural, o prenúncio de “privatização” em toda a estrutura das sociedades primitivas, ocorrendo da propriedade coletiva passar a ceder lugar à propriedade privada, favorecendo assim o aparecimento de classes sociais, culminando posteriormente com o aparecimento do Estado, instância que emergiu como poder legitimador deste sistema de propriedade e como agente manipulador da produção cultural, pode medida de reforço à manutenção deste poder, nos termos em que esta dissertação evidenciará. 5 Nos atos rotineiros de transmissão de conhecimento, os poetas invocavam as musas no momento de abertura de seus cantos e estes eram formalizados por extensos elencos de nomes de povos e/ou regiões, denominados catálogos – que se tornaram fundamentais a estas poesias, pois, conforme ainda VERNAT, “É através deles que se fixa e se transmite o repertório dos conhecimentos que permitem ao grupo social decifrar o seu “passado”. Constituem-se os arquivos de uma sociedade sem escrita, arquivos puramente lendários que não correspondem nem às exigências administrativas, nem a um desejo de glorificação real, nem a uma preocupação histórica”. (1990:111). pretendendo acreditar ainda nos deuses”. (1972 : 100). Entretanto, o pensamento mítico não foi exterminado da cultura grega. Segundo ELIADE, “O gênio grego teria 11
  • 23. sido provavelmente incapaz de exorcizar pelos seus próprios meios, o pensamento mítico (...) Porque por um lado, o gênio filosófico grego aceitava o essencial do pensamento mítico, o eterno retorno das coisas, a visão cíclica da vida cósmica e humana, mas por outro lado, o espírito grego não considerava que a História pudesse torna-se objeto de conhecimento(...). E pode-se até assegurar que o mesmo remanesce em toda a cultura ocidental sobrevivendo também na Historiografia”. (1972 : 101-102) Decorreu, porém, como já foi precedentemente comentado, qua a busca do conhecimento – (a episteme) da realidade transformou-se em ofício privatizado, passando a equivaler a um saber histórico vinculado a uma percepção intelectualizada, podendo-se mesmo considerar esta mudança como o “rito de passagem” do estágio do Mito à razão na historiografia grega. Firmou-se, com emergência do pensamento racional, as bases de uma Historiografia que reprocessou, a hierarquia relacional do pensamento grego primordial, onde o indivíduo que compreendia a realidade, dava-se como o sujeito da relação. Assim a realidade tida como o agente ativo da relação, expunha-se ao indivíduo que a “apreendia” sem interpretá-la, chegando apenas a esboçar alguns conceitos, em forma categorial. Nestes moldes, a aceitação da realidade ocorria de forma tão absoluta que, a experimentação ou ato de remeter-se à realidade, após a fixação de conceitos, passou a ser exercida apenas em caráter comprobatório, e destinava-se a provar o que já era conhecido e, consequentemente tido como aceito6. O procedimento de provar o que já era conhecido esteve arraigado ao pensamento grego e paulatinamente demarcou um momento de inversão do comando do conhecimento, que, segundo GLENISSON, passou “o sobrenatural para o segundo plano, deixando o primeiro para o humano”, (1991 : 16) instaurando deste modo um espírito novo na História, decorrente do fato de que o “homem venceu os deuses, começando a ser o senhor de próprio destino”, conforme ainda os termos do autor citado. 6 Esta forma de compreender feita por antecipação, ou melhor, por preconcepções, correspondente à “visão geral do que se apresentava”, foi buscada de forma corriqueira neste estágio de Historiografia grega e facilmente tendeu a se comportar como dogma em vários momentos, de modo a firmar no percurso da História, a unilateralidade na percepção/registro dos fatos e a omissão da subjetividade coletiva. 12
  • 24. A historiografia grega passou a enfrentar um segundo rito de passagem, quando adentrou numa preocupação efetiva com a busca da “verdade histórica”, introduzida por Heródoto através de um método de pesquisa, que passou a agregar relatos de testemunhos colhidos em viagens e na observação direta do costume dos povos, à consulta habitual de documentos. Neste sentido, pode-se reconhecer que Heródoto definiu seu papel de historiador, como um debatedor contra o esquecimento e debitou à História, o sentido de descrição ou relatório do real, isento, porém da pretensão de explica-lo. Mas, apesar desta inovação metodológica, Heródoto continuou absorto na preocupação máxima de glorificar o Homem e de transformá-lo em heróis, sempre priorizando os feitos grandiosos. Alguns de seus trabalhos receberam o titulo de Histórias7. Resultaram, porém, impregnados pelo enaltecimento do homem, ocorrência que o distanciou da prerrogativa de fidedignidade aos fatos reais levantados, o que reduziu o teor de “verdade”, aparentemente, pretendida por sua História, declarada por ele próprio como uma exaltação ao “grandes e admiráveis empreendimentos” dos homens: “... pretendo escrever a presente História a fim de que as ações dos homens não se deixem apagar pelo tempo e que os grandes e admiráveis empreendimentos dos gregos quanto os bárbaros não fiquem sem a admiração e os elogios merecidos” (GLENISSON, 1991 : 17). Ocorreu a partir de então, que o acontecimento tornou-se o advento da História, e o “a priori” de exaltação ao homem, tão enraizado na cultura grega, chegou a ultrapassar a casta dos historiadores, atingindo os filósofos, mesmo os sofistas, enfatizadores da observância do mundo material e das transformações da realidade, e que tomavam o homem como ser ativo no processo de conhecimento. No entanto, passaram a atentar mais para seu lado idealista e espiritual, susceptível à fixação de regras e condicionamentos8. Veio assim, a confirmar-se uma atitude elitista no ato de conhecer a “verdade”, posta na 7 Heródoto deu o título de ‘Histórias’ ao resultado de suas pesquisas acerca das Guerras Greco-Pérsicas. Foi a partir de Heródoto, segundo GLENISSON, que “O termo adquiriu então o sentido de busca do conhecimento das coisas humanas, o sentido efetivo histórico”. (1991 : 17). E foi a partir deste sentido, que o filósofo alemão, Walter Benjamim, em um de seus ensaios, intitulado o Narrador, classifica Heródoto como o autor por excelência deste sentido primeiro da História”-“historiai”-“historia naturalis”. 13
  • 25. 8 Entre os sofistas que afirmavam ser “o Homem a medida de todas as coisas”, destacam-se Sócrates, Platão e Aristóteles, mas me PLATÃO, “o Homem aparece como um elemento ativo no conhecer, mas como se estivesse preso em uma caverna de onde podia ver apenas as sombras do real refletidas no fundo. O filósofo seria aquele que, conseguindo sair da caverna, poderia conhecer a verdade que existe lá fora como uma presença”. (apud GLENISSON, 1991 : 27) “presença” dada pela realidade; atitude sintetizada essencialmente na lógica aristotélica concernente, à compreensão/explicação do mundo, sempre estruturada de modo hierarquizado, e polarizada sob conceitos categoriais, como o bem e o mal, a verdade e o erro, o sentimento e a razão9. A assertiva de que, o conteúdo da história sempre oscilou a depender do “olhar” aplicado a sua concepção, explica porque os romanos, em sua filiação “cultural” à Grécia, apropriaram-se do seu método de fazer História, acentuando lhe o caráter utilitário e às intenções morais, impingindo-a de intenções patrióticas enaltecedoras do Estado, mais precisamente de Roma10. A mesma assertiva explica também porque o Medievo, o referencial teórico montado pelos sofistas gregos chegou a ser retomado pela casta dos sacerdotes complicadores, com o intuito de reforçar os fundamentos da religião católica como verdades irrefutáveis, e de instituir um novo sistema cronológico de valor universal na Historiografia, com o qual se tentou alinha todas as histórias numa “representação inteligível e completa e cujo começo e fim podiam ser conhecidos pelos homens”. (GLENISSON, 1991 : 18). Explica outrossim, a barbarização da historiografia medieval, em prol dos interesses da religião, ao forjar autenticidade a relíquias veneráveis, fabricar ‘benesse’ exaltando santos,e falsificar documentos. E ainda, o fato de os Estados Nacionais derivados da monarquia feudal, no inicio da era moderna, na luta pela ampliação do comércio e pela colonização da América, África e Ásia, ter contribuído em muito para alterar a estrutura do pensamento ocidental, extasiado ante a última façanha do homem: poder conquistar o mundo. A euforia da ideia intelectual humanista, tratou de suplantar a concepção medieval, asseveradora da ação divina e transcendente ao homem, pela concepção oposta que a tomava como interior e imanente ao homem. E assim todo o processo de recolocação do homem frente à natureza, impulsionado pelo movimento do Renascimento, passou a alterar a relação consolidada anteriormente, quanto ao processo de conhecimento, pois, de agente passivo- (objeto), frente a uma realidade apreendida (sujeito), o homem tornou- se agente 14
  • 26. 9 Vale ressaltar, que a concepção do mundo através da lógica aristotélica, sempre suscitou o interesse das classes dominantes por sintetizar-se nela, um bom repertório de reforço as suas estratégias de poder, tendo dela se apropriado em vários momentos, para fundamentar os seus interesses, como o fez a Igreja Católica, durante a Idade média, ao dirigir os sacerdotes “tutores” da História (assim rotulados por se constituir a única classe letrada deste período) na divulgação dos fatos que lhe convinhesse. 10 Pode-se mesmo reconhecer nesta atitude enaltecedora de Roma, o nascedouro da evocação nacionalista retomada pelo Estado ocidental moderno, evocação que em muito interferiu na conduta adotada por este, no “Cortejo” da Preservação do Patrimônio Histórico. interveniente, portanto (sujeito), capaz de transformá-la ao apossar-se do “real” pela representação que dela fizesse. A mudança a partir desta forma de encarar a realidade, foi determinante para a formulação de conceitos teóricos que passaram a ser submetidos, no século XVIII, a um processo de experimentação/verificação de hipóteses, não mais submetido, sob caráter comprobatório como dantes, mas sob caráter especulativo a ser balizado pela Razão. Delineou-se a partir desta lógica, os requisitos de estruturação de uma doutrina da crítica erudita, dirigida a um julgamento de veracidade, a partir do qual desdobraram-se correntes que primaram pela meticulosidade da observação dos fatos, embora tenham se revelado redutivas na pretensão de esgotar “toda a realidade” sob uma ordem puramente intelectual. O pensamento científico vivenciou no século XVIII, alguns impactos promovidos pelas ideias iluministas em contestação ao Antigo Regime, as quais incitaram o confronto da burguesia contra as frentes conservadoras, pois o homem pressentia a escalada ascendente do progresso e do desenvolvimento. Todavia, as representações da realidade continuavam a levar em consideração a dinâmica da realidade humana reiterando sempre a tendência de glorificação do indivíduo e de seus feitos notáveis. Com o advento do século XIX, a Historiografia foi alçada pelas novas contribuições na forma de pensar dos homens. Ocorreu porém, que a História aprimorou-se em ser uma atividade de especialistas no intuito de priorizar o trabalho preparatório em detrimento da exposição. Sabe-ses porém que, neste século, a ciência interveio fortemente sobre as reminiscências das concepções cosmológicas e religiosas, fazendo brotar diversas doutrinas que visavam ordenar a natureza em sistemas de ideias lógicas, intentando submeter/subordinar a realidade humana à realidade física. Dentre outras, a doutrina do positivismo firmou-se com grande afinco, reproduzindo a ideia de que a 15
  • 27. His´toria, não possuía objetivo específico algum e que, o valor de ciência só lhe seria conferido, mediante a capacidade de ser fidedigna ao documento – ao fato propriamente dito por assim dizer, sem interveniência de qualquer visão ideológica do historiador. A assimilação desta postura resumiu a História a uma mera catalogação/classificação de vestígios: inventários da “representação” dos fatos passados. Mera fetichização do documento. Retomou-se desse modo, a relação de passividade anteriormente vigente no processo do conhecimento histórico e porque não dizer, no processo de compreensão do passado, na medida em que a dinamicidade inerente ao processo histórico, havia se tornado hirta, pela estaticidade dos fundamentos postos pelo cientificismo positivista. A Historiografia inserida neste contexto de cientificidade, exacerbou a preocupação com a reconstituição histórica; e, consequentemente, com as fontes históricas. A crítica histórica passou então a ser fundamentada nas pretensiosa distinção entre o verdadeiro e o falso – algo puramente especulativo. Por fim, a História assumiu-se como Ciência, e o então chamado Século da História transcorre impregnado por uma concepção positivista, que o impeliu à formulação de enunciados explicativos destinados ao esclarecimento dos fenômenos sociais, cabendo ao século XIX, ser cognominado “o Século da História Erudita”, ou mesmo, de o “Século da História Política”, pois a história política constituiu-se o campo favorito dessa erudição11. O cientificismo tornou-se cada vez mais triunfante, estabelecendo-se como tutor de uma História das Nações, dado o reducionismo da sua interpretação dos fatos, o que a tornou possível de ser manipulada por interesses político-econômicos dos dirigentes dos Estados. Pode-se afirmar que, ocorreu uma “nacionalização” da História e, decorrentemente, uma “nacionalização” da produção cultural, imposta pela conveniência administrativa dos Estados insurgentes, cuja lógica defendida, segundo HADDOCK, era a de que “os cidadãos se deviam transformar em rodas dentadas de uma máquina ingente que destruía a diversidade das suas vidas. As tradições locais eram sacrificadas em nome da eficiência burocrática”. (1989 : 140) Consolidada como História das Nações, esta “ciência” passou a estar ao dispor das forças dominantes do processo em curso, colocando-se facilmente à disposição 16
  • 28. do Nacionalismo, do Imperialismo e do Colonialismo, tendo para manter-se fiel a cada um desses interesses, que optar apenas por “lembrar” recorrentemente, “um passado” estruturado na eleição de alguns fatos tidos como 11 A erudição segundo GLENISSON, “... este saber aprofundado dos documentos que forneciam material para a historia é um broto novo da árvore milenar de CLIO, mas um broto tão robusto que acabou por modificar totalmente o aspecto de nossa disciplina (...) O erudito pretendia reduzir-se a ‘história experimental’, a ‘história a posteriori’. Repelia vigorosamente ‘a história sistemática’, a historia ‘a priori’.” (1991:79/80). Apesar de recorrerem a uma variedade de testemunhos, os eruditos davam prevalência aos escritos (documentos), tendo sido eles, portanto, os responsáveis pela primazia dada à palavra, ao texto. Esta frase de Ranke, o pai da história objetiva, reflete bem a concepção do eruditismo: “A história somente começa quando os documentos tornam-se inteligíveis e quando existem documentos dignos de fé.” marcos de afirmação de cada momento e de alguns indivíduos “notáveis”, dentro da ótica priorizada. 12 Adotando a parcialidade dos juízos históricos da linha erudita, revelou-se alienada da dinâmica da realidade, por restringir-se às presunções positivistas, mitificadoras da veracidade de uma História que, a partir de um “certo” conteúdo, chegou a ser tomada como a “formula definitiva da história”13. Na busca da mitificação “dessa” veracidade, passou a recorrer aos princípios científicos como endosso ao discurso progressista do Estado Moderno, no contexto de legitimação de processos, passíveis de se tornarem conduzidos sob forma hegemônica. Partindo desse pressuposto, o discurso científico, bem se apropriava à função política de instituidor de “verdade”, e neste sentido, facilmente tornou-se convertido num formulador de disciplina matrizes, onde se fundiriam o campo de domínio do saber- poder.14 Entretanto, o colapso que atingiu a cultura ocidental nos primórdios do século XX, contribuiu para que historiadores e filósofos renegassem os dogmas consagrados por esta tradição historiográfica, substancialmente reafirmadora da exaltação nacionalista do passado. A vontade de se contrapor ao comportamento nacionalista do passado. A vontade de se contrapor ao comportamento nacionalista incorporado pela historiografia dominante, ratificado pelo reducionismo positivista, chegou mesmo a desencadear em alguns países, como na França, uma postura acadêmica que referendava uma revolução de métodos de trabalho e de interpretações da “ciência” 17
  • 29. da História – a École des Annales, que se postou em oposição ferrenha contra a fetichização do 12 Na vigência desse contexto foi que o Estado moderno francês (em fins do século XVIII, no bojo da discussão pós revolucionária acerca dos direitos do homem e extensivo aos direitos herdados pelas comunidades, discursivamente em prol do interesse público, gestou a proteção de “alguns” bens, apropriando-se deles para simbolizá-lo enquanto Nação, gestando, consequentemente o conceito de patrimônio histórico (nacional) muito distanciado da herança comunitária pré-divulgada. Alguns aspectos subjacentes a esta ocorrência serão aludidos no Capítulo I. 13 conteúdo aqui querendo sintetizar o que sempre foi montado e oficializado no registro historiográfico por explicação do passado – produto direto do reconhecimento unilateral dos “fatos” que passaram a afirmar “uma” história da sociedade ocidental – a da sociedade burguesa. Admitimos nesta dissertação que reside, no exercício de dominação do nacionalismo sobre a História, o ponto nodal do “aprimoramento do passado” e, consequentemente, do “aprimoramento” do conceito de Patrimônio Histórico que se rebateu na conduta institucionalizada na práxis de preservação do mesmo. 14 Esta situação ocorreu de fato no Brasil, ainda no advento do Estado novo, no âmbito da preservação do patrimônio histórico, onde, a prevalecência ao documento e aos critérios cientificizantes impostos pela conduta positivista, vieram a ser plenamente absorvidos pela Instituição – SPHAN, que assumiria esta área de domínio, e respaldaria toda a formalização de seu aparato conceitual e a implementação de sua práxis. documento escrito, tomando na história “historicizante”, por explicação histórica, com a pretensão, segundo DOSSE, de “substituir a história geral tradicional por uma história experimental, que [tivesse] por objeto o conhecimento imediato, mas o conhecimento mediado por muitos estudos de caso”. (1992 : 35/36) mas, foi na Alemanha, país vulnerabilizado pelo pós-guerra e pela vivência do nazismo e do fascismo, que o ambiente sócio-político se revelou propício a um revisionismo radical em vários pontos nevrálgicos da historiografia vigente. Entre as posturas insurgidas neste clímax, a do filósofo Walter Benjamim apresentou-se como a mais contundente, inclusive por extremar-se na proposição da escritura de uma outra hist´roia – uma ANTI-História, ou ainda colocando noutros termos – uma história a ser escrita a “contrapelo”15. Na verdade, Walter Benjamim proporcionou-se contrário à postura historicizante (e triunfante!) da História, por reconhecer que nela, a “verdade” revelada do passado resultava de uma aproximação do “provável”, tomado remissivamente do passado para o presente, uma postura imediatista, e portanto, redutora, que as transformou num relato discursivo pontuado por períodos áureos e decadentes e por obras epigonais que figuram “embalsamadas” no tempo que as encadeiam, um tempo vazio e linear. Afirma-se em Benjamin, o conceito de interrupção da História ou, da (paralisação) historiográfica, o qual é instrumentalizado contra o Historicismo e a historiografia dominante, e se transformou no pano de fundo temático de suas teses 18
  • 30. sobre História. É importante salientar que este conceito não remete literalmente à ação de para a História, mas de “(...) fotografar, como a cabeça da Medusa, as forças polarizadas, em máxima tensão, num decisivo momento histórico, no qual está contida a sua história anterior e a posterior: contida num explosivo estado de contenção.” (KOTHE, 1978 : 14) Benjamin reconhece também que esta História não aceita investigar por detrás do triunfalismos dos vencedores, nem especular sobre a tentativa de outras(s) história(s) que fracassaram, caracterizando-se assim pela falta de reflexão crítica que é, oportunamente camuflada pelos critérios positivistas que 15 A mudança de sentido desta escritura aponta/sinaliza para o conceito de interrupção cujo desdobramento, será gradativamente efetivado ao longo da dissertação, mas faz-se pertinente antecipar que o mesmo, revelou-se um conceito polarizante no confronto estabelecido entre Benjamin e o historicismo e a historiografia iluminista, posteriormente socializante do progresso. lhe subsidiam a análise dos fatos. A crítica que estabelece contra este “modelo” de História, adverte que, a “verdade” contida num fato do passado, nunca será alcançada enquanto não for reconhecida a fragilidade de sua sistemática e categorias hierarquizantes16. Benjamin objetivava suplantar esta distorção positivista, mediante uma concepção idealista do fato histórico, e para tanto considerava de vital importância, política e epistemológica, a necessidade de revisão do processo de transmissão do fato do passado, a fim de desvencinhá-lo da pseudo-imagem que lhe deformava e lhe impedia de revelar-se em toda a sua potencialidade. A intenção benjaminiana não se limita à crítica da ideologia do progresso da social-democracia e à erudição do cientificismo historicista. Trata antes de impor uma revolução metodológica e expositiva à construção da história, de modo a fazê-la exercer a função imperativa de uma práxis política do presente: a de dar um salto livre da dominação – “o salto dialético da Revolução”, (BENJAMIM, 1993 : 230) tal como está proposto na tese XV, no relato do episódio da destruição dos relógios em Paris no dia da Revolução de Julho, ocorrido sob o provável intuito de para o tempo, ou seja de “fazer explodir o 19
  • 31. continum da história” (ib.ibdem:231), de modo a possibilitar ao passado recalcado, ou mesmo esquecido, RESSURGIR. Configura-se de modo claro, uma denúncia de dominação feita por Benjamin, ao contexto enganador da tradição historicista que tem ofuscado o processo de transmissão dos produtos culturais, sempre em prevalência da história da classe hegemônica. Aclara-se também o objetivo do método materialista proposto por Benjamin, visado pela possibilidade de separação entre o verdadeiro e o camuflado, através do rompimento dessa totalidade fechada e embasado na proposição de fazer emergir a imagem soterrada pelo manto da concepção teológica e “triunfalista” da História Oficial17. 16 O “fato”, dito histórico, era tomado na concepção positivista como único e automaticamente assimilado ao acontecimento. Segundo GLENISSON, o fato histórico correspondia ao fim do século passado, “à matéria-prima da história, seja qual for a natureza dos fenômenos estudados e independentemente de seu grau de generalidade (...) Excluído de qualquer repetição, revela-se como o elemento motor da história, como o fator de transformação”. (1991 : 125/126) 17 O método materialista, segundo BENJAMIN, conduz a uma procura “em que a obra, o conjunto da obra, no conjunto da obra a época e na época a totalidade do processo histórico são preservados e transcendidos’, (1993 : 231). A “historiografia materialista não escolhe superficialmente os seus temas. Ela não só os sublinha, mas o destaca, como que para fora do transcurso histórico (...), pois o momento destrutivo da historiografia materialista precisa ser entendido como reação a uma constelação de perigos que ameaçam tanto aquilo que é transmitido quanto ao que recebe essa tradição” (BENJAMIN, 1993:224) Benjamim compreendia que uma História, teleológica e triunfalista está sempre perseguindo uma meta pré-estabelecida, tornando-se passível de ser constatada cientificamente. Compreendia também que, contestar a visão finalista desta História, requer contestar consequentemente a concepção de tempo que lhe está implícita – a de um tempo linear, homogêneo e vazio – e, compreendia ainda que, RE-pensar o tempo na História consiste em não mais encará-lo como condutor de um “continum” fatalista, transcursor de um desenvolvimento previsível, e sim, RE-pensá-lo, Aberto aos “possíveis” que a História possa revelar, (o possível do passado e o possível do presente) ou, expressando de outra forma: encará-lo como um tempo capaz de revelar os “possíveis” esquecidos que comportavam “outros futuros” que não chegaram a ser concretizados18. Em suma, RE-pensar o tempo na História remete a uma questão desafiadora: como retomar o fio desta história inacabada para então continua-la? 20
  • 32. A possibilidade de resposta imediata a esta questão, advêm de um outro conceito básico à filosofia da história benjaminiana – o conceito de salvação. Retomado da doutrina judaica, este conceito é acionado como dinamizador do presente na tarefa de resgatar o passado, pois, “O passado traz consigo um índice secreto que aponta para a redenção”. (ib.ibdem: 223). A atribuição do presente faz-se então explícita: resgatar o passado que lhe é sincrônico pois, “Assim como as flores dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um misterioso heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta no céu da história”. (ib.ibdem : 224) Deste conceito advêm ainda a noção de que cada instante do transcurso histórico poderá efetivar uma mudança substancial à História, equivalente à vinda do Messias. É importante porém deixar claro que a vinda do messias, não é tomada por Benjamim no sentido literal e encaminhado a uma ideia progressista e secularizada da Redenção. Ele encaminha antes, para o sentido de paralisação/interrupção que está contido na síntese do método do materialismo histórico – o sentido monádico, onde: 18 Repensar o tempo, sinaliza para a compreensão da História como ruína alegórica, metáfora benjaminiana, descortinadora dos “possíveis” esquecidos ao longo de uma História inconclusa. “Quando o pensamento para, bruscamente, numa configuração saturada de tensões, ele lhes comunica um choque, através do qual essa configuração se cristaliza enquanto mônada. O materialismo histórico só se aproxima de um objeto histórico quando o confronta enquanto mônada. Nessa estrutura, ele reconhece o sinal de uma imobilização messiânica dos acontecimentos, ou dito de outro modo, de uma oportunidade revolucionária de lutar por um passado oprimido”. (ib.ibdem: 231). Cônscio de uma possível linearidade interpretativa desta proposta de Revolução, benjamim chegou a ser taxativo ao frisar: “(...) o Reino de Deus não é o ‘telos da dinâmica histórica; ele não pode ser posto como alvo” (ib.ibdem : 203). Para Benjamim, o compromisso do presente de ser portador de uma “tênue força messiânica” era imperioso pois, 21
  • 33. “(...) em cada época recoloca-se a tarefa de tentar arrancar a transmissão da tradição ao conformismo que está sempre na iminência de subjuga-la. O messias não vem somente como redentor, ele vem como vencedor do Anti-Cristo. O dom de atear no passado a faísca da esperança só habita o historiador penetrado pela certeza de que também os mostos não estão seguros diante do inimigo se ele for vitorioso. E este inimigo nunca deixou de vencer”. (ib.ibdem: 224) Nesta enfática colocação, percebe-se como a chegada do Messias implica em enfretamento e vitória contra o perigo implicando mesmo em revestimento de uma situação de domínio hegemônico. O conceito de Salvação vem completar, portanto, o elo da corrente estabelecida por Benjamim a partir do marxismo e da teologia, intentado, não em termos de uma mera transposição de doutrina religiosa dirigida aos temas marxizantes levantados, nem tão pouco como uma espécie de secularização da doutrina religiosa. Ao que se evidencia, a concepção benjaminiana de fazer História, extrai certos elementos da reflexão teológica e os agrega à visão teórica e prática marxista, objetivando transformá-los em agentes efetivos na luta contra o inimigo que “nunca deixou de vencer”. E, por esse inimigo, pode ser tomado: o conformismo e o positivismo intrínseco à historiografia ocidental, latente na teoria científica do progresso, introduzida pela socialdemocracia, cujo fundamento esfacelou a História. Mas em Benjamim, como já foi comentado, a História é possível de ser colada em suas fraturas e RE-construída em seusfragmentos, de onde, aliás, deverá brotar a sua imagem íntegra já que até então vem sendo expressa apenas como “ruínas” de sua potencialidade. Chega a ser possível, então RE-abrir o passado e se RE- ingressar nos dados esparsos para poder RE-construí-la e concretizar a Redenção. Partindo da compreensão de que o presente não corresponde apenas ao “continum” abstrato do tempo referenciado em (passado – presente – futuro), equivalente apenas, a uma ponde de ligação para o futuro, o presente deve estar cônscio da urgência de transformar-se em um tempo imobilizado; em ser um Agora; em ser um DEVIR-ATIVO onde ele próprio deva ser retomado nesta REDENÇÃO em prol da humanidade, pois “(...) somente para a humanidade redimida o passado é 22
  • 34. citável em cada um dos seus momentos:19. (ib.ibdem: 223) Mas a citação desses momentos do passado não pode ocorrer sob um movimento contínuo e linear, e sim como ocorria entre os adivinhos (na concepção mítica judaica) quando estes interrogavam o futuro e, “não o experimentavam nem como vazio nem como homogêneo. (...) Para os discípulos a rememoração desencantava o futuro, ao qual sucumbiam os que interrogavam os adivinhos. Mas por isso o futuro se converteu para os judeus num tempo homogêneo e vazio. Pois nele, cada segundo era a porta estreita pela qual podia penetrar o Messias”. (ib.ibdem: 232). Cada segundo poderia vir a ser o instante do despertar. Benjamim admite que o passado não pode ser recomposto de forma linear, até porque ele chega ao “presente” – a este DEVIR – sob a forma de identificação recorrente ou de repetição. 19 Neste sentido encontra-se uma correspondência entre o pensamento de Benjamim e o de Proust já que ambos entendiam que o passado contém elementos “inacabados” e que aguardava um momento para completarem o seu “acontecer”, e que está em nós enquanto presente, a responsabilidade de efetivar este “acontecer”, de há muito contido. A correspondência de pensamentos se bifurca porém num ponto desviante pois, para Proust, as “ressurreições da memória” atêm-se ao passado individual, estando à mercê de um acaso eventual, ao passo em que, para Benjamim, as “ressurreições da memória” atêm-se ao passado coletivo da humanidade, não podendo ficar a mercê de acasos, e urde serem construídas pela ação do historiador. A ação do historiador e por extensão a do restaurador; deve ser eficaz na reapropriação dos fragmentos “esquecidos” pela Historiografia dominante. Na visão benjaminiana, é o presente quem ilumina o passado ao entender que acontecimentos e fatos do passado, só se tornam plenamente compreensíveis quando inseridos neste DEVIR-Ativo, neste tempo de construir a história e não necessariamente, no momento em que aconteceram, o que se contrapões à ideia pressuposta pelo Historicismo de que, o passado ilumina o presente e que culminou na história universal. Partindo desta concepção, torna-se incoerente acatar uma ciência da História que exerça o controle do tempo e da previsibilidade do desfecho dos acontecimentos dos acontecimentos, como se eles estivessem dados antes, redundando numa História que, aprioristicamente, pretende a ele recorrer, apenas para retomá-lo como um dos elos do seu 23
  • 35. continum linear. 20 Benjamim contrapunha-se a este conceito, por entender a História, não apenas com ciência, contudo como rememoração. Considerando ainda o fato de a História ser produto da ação dos homens e dispor da possibilidade de surpreender, Benjamim chegou a compará-la a um labirinto. O labirinto para ele representava o avesso da cultura, e o fio de Ariadne, era o fio da História, da história lembrada ou da história esquecida. Desdobrando-se a assertiva de que o labirinto representa o avesso da cultura e o fio de Ariadne esconde surpresas, descobertas e até o eventual reencontro com o ponto de partida – a origem; apreende-se que a História está sempre diante de acasos, o que referenda o contestamento à racionalidade da previsão/dedução dos acontecimentos em detrimento da necessidade de se atentar para o acaso e o inesperado que interceptam o transcurso histórico. A noção de origem deveria assim embasar uma historiografia guiada por outra concepção de temporalidade, que não a da causalidade linear, exterior ao acontecimento histórico. O conceito de linearidade histórica é portanto, contestado na concepção benjaminiana pelo reconhecimento e aceitação da dinamicidade subjacente à própria História e pelo consequente reconhecimento da possibilidade de RE-construção e RE-interpretação da mesma, virtual em cada presente. Em suma, pelo reconhecimento da História como uma ruína alegórica, “ruína enquanto resto das possibilidades possíveis (e, talvez desejáveis), das quais ela só concretizou uma; nesta concretização, porém, se encontra o índice das outras Histórias possíveis”. (ib.ibdem: 47). 20 O conceito de linearidade histórica é instrumentalizado pela historiografia historicista aportado em recursos narrativos e princípios de causalidade, tomados como escala cronológica, “como se sucessão cronológica fosse sinônimo de uma relação substancial de realidade histórica” (GAGNEBIN, 1994 : 3) 21 Grifo nosso. Reconhecer porém, a História como ruína alegórica, é procurar entende-la, como fez Benjamim, na análise do poema – “A um passante” de Baudelaire, ao visualizar, no momento concomitante em que traz a multidão e retira o melhor daquele fluxo; ou seja, na “(...) torrente em que a mulher perpassa carregada pela multidão” (BENJAMIM, 1991 : 131), o instante da possibilidade. É portanto, entende-la no momento em que acarreta um choque e uma perda, cujo registro poético relataria apenas como a visão alegórica de mais uma ruína acumulada, mas que, a 24
  • 36. interpretação benjaminiana faz reconhecer a força do “acontecer” no “momento dado pela multidão” – momento indicador de uma potencialidade absoluta. A partir do entendimento de que a recepção de um choque é determinante para a concretização de um ato, é que se definiu para Benjamim, a missão salvadora do presente; pois, a salvação só acontece póstuma à ocorrências de choques/rupturas que provoquem perdas efetivas, pois ele entende salvação, como restauração da unidade primeira – da criação original, entendendo consequentemente que, só a partir da reunificação das partes esfaceladas, torna-se possível surgir um outro vaso, restaurado pela unção de seus cacos e portanto, redimido do esfacelamento que o aniquilara. 22 Para Walter Benjamim, o mundo moderno está igualmente multi fraturado, em sua unidade primeira e a História equivale a um amontoado de ruínas ascendentes, pulverizadas pelo vento do progresso, conforme alude a visão alegórica concebida por ele, transcrita a seguir: 22 A palavra “vaso” foi aqui usada numa alusão à provável influência que a tradição mística – judaica exerceu no pensamento de Walter Benjamin e por certo na sua concepção de história, notadamente no eixo específico: exílio-redenção. A tradição luriana relaciona-se a expulsão dos judeus do território espanhol em 1942 e baseia-se em três momentos aceitos como primordiais para história da criação e salvação do mundo: o ZIM ZUM – equivalente a um momento de desvio – “uma ausência” de Deus que, possibilitou o surgimento de um vácuo despossuído da plenitude de Deus e, por conseguinte, propicio ao surgimento do mundo, mas também do mal. (A partir do Zim Zum, os seres se enraizaram da tensão decorrente da emanação de um vigoroso feche de luz e da contração divina, ocorrendo que os seres, tal qual “vasos”, ao seres atingidos pelo vigor desse feche que o dirigia, esfacelaram-se em “mil pedaços”). Segue-se então o momento da SCHEBIRA, espécie de rutura ontológica, a partir da qual, até a própria presença de Deus se ausentara e permanecera em um exílio, ansiando por uma reunificação dos “cacos” dos “frágeis” vasos. O exílio apenas finda quando se completa o TIKKUN – o momento da chegada do messias: quando então, a presença de Deus retorna do exílio e retorna as “ruínas dos vasos”. (sintetizando do prefácio do livro: Drama do Barroco Alemão – Walter Benjamin). Benjamin parece mesmo se apropriado deste sentido místico e transposto para o historiador, o oficio de restaurador de vaso – de untor de fragmentos. “Existe um quadro de klee intitulado Angelus novus. Representa um anjo que parece estar na iminência de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estendidas. O anjo da história deve ter essa aparência. Ele tem o rosto voltado para o passado. Onde, diante de 25
  • 37. nós aparece uma cadeia de acontecimentos, ele enxerga uma única catástrofe que incessantemente amontoa ruínas sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele gostaria de demorar-se um pouco, acordar os mortos e juntar novamente os cacos. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se prende em suas asas e é tão forte, que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as costas, enquanto o amontoado de ruínas à sua frente cresce até o céu. O que chamamos de progresso é essa tempestade”. (BENJAMIN, 1993 : 226). A alusão evidencia o fato de como a Historiografia “triunfalista” vigente poderia ter sido outra, caso houvesse recolhido todas “ as outras” historias, que até hoje insisti em amontoar no esquecimento imposto pela a dominação burguesa. Na figuração alegórica, o amontoado crescente de ruínas corresponde a memoria dos oprimidos, não divulgada nos compêndios oficiais, e o fato do “anjo da história”23 não se ter detido para “recolher os cacos e apanhar os mortos” explica-se pela consciência de não dever reproduzir o equívoco de colecionar fatos e apenas relatá-los numa espécie de história paralela – a dos oprimidos, e pelo reconhecimento de que, ao invés, deve prosseguir na marcha célebre do presente e, a partir dela efetivar a libertação deste passado para que le conclua a história, que há muito ficou omissa. Contestar por seu turno “o esquecimento” da historiografia oficial, requer também estabelecer uma reflexão crítica sobre as questões da memória e da tradição, a partir do reconhecimento de que cada presente efetua uma auto apropriação dos “bens culturais” que integram o empório das gerações pretéritas. Pois, da forma como presente procede a apropriação deste empório, demanda uma questão complexa, cujo desdobramento estará sempre circunstanciado ao processo de transmissão da tradição. 23 As expressões doravante em negrito e as aspas, correspondem a pequenas citações de textos benjaminianos, recorridas pelo sentido enfático que podem transmitir o texto dissertado. Sobre este processo de transmissão, evidencia-se na crítica benjaminiana, uma preocupação de se primar para que os “bens culturais” legados a cada geração, 26
  • 38. não corram o perigo de se perder, ou de serem conduzidos, pelos que estão a cada época detendo o poder. Dentro desta ótica, Benjamin chegou mesmo a afirmar que, para a atualidade24, toda a herança cultural não passa de uma espécie de “fardo morto”, reduzido a uma “angustiante riqueza de ideias”, dado grau de esvaziamento simbólico atingido. Toda esta vulnerabilidade, é igualmente reconhecida por MURICY, quando afirma: “desvinculado da tradição, entendida como experiência comunicável entre os homens, o patrimônio cultural não passa de uma pantomina do mesmo, condenada à repetição mítica, a celebração da história dos vencedores”, (1986 : 70) Para Benjamin, o esfacelamento do processo de transmissão/captação de heranças intensificou-se pela perda de experiências comunicáveis, sobretudo após a desolação da guerra e o sobressalto do advento tecnológico que abafou as vozes, que narravam e transmitiam os saberes de “boca em boca” e uniam valores individuais aos da vida coletiva, decretando o fim da experiência. 25 A destituição de sabedoria dos tempos modernos sempre o intrigou, instigando-o bradar certa feita nos seguintes termos: “Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para receber em troca a moeda miúda do ‘atual’” (BENJAMIN, 1993 : 119). A constatação de que, sob o ônus do progresso técnico – o arcanjo da modernidade – o presente resultou empobrecido, espargido por esta pobreza, o mobilizou a tomar uma atitude e conclamar: “É preferível confessar que a pobreza da experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade, surge assim uma 24 Atualidade aqui considerada como processo decorrente desde o surgimento da burguesia, até o da sociedade industrial. 25 A desvinculação da experiência da vida coletiva e por conseguinte da tradição – equivale na linguagem benjaminiana à perda da “aura” na obra de arte, passando a corresponder apenas a uma vivência – despossuída; portanto “esterilizada para a experiência poética”. Entretanto para Benjamin, a experiência está ligada a traços mnemônicos, residindo aí um foco latente de permanências, frente as atrofias que os “choques” do mundo moderno causam. Neste sentido, o conceito de experiência, se afirma, fundamental para a retomada do fio dessa História inacabada. 27
  • 39. nova barbárie.” (ib.ibdem: 115). O anúncio desta “nova barbárie” insurgia-se contra a continuidade da barbárie burguesa, na cultura ocidental moderna, que tem liquidado a tradição, e apontava para a “verdade” que, o ato de escovar a História a contrapelo, poderia vir a revelar. Segundo Benjamin, esta verdade deveria ser acionada contra o cortejo cultural vigente, de modo a postar-se em oposição ao que tem sido nomeado como os “bens culturais”26. A nova barbárie postulava, pois, a saída para uma modernidade depauperada pela perda/quebra de transmissão das experiências comunicadas, tanto no âmbito individual como coletivo. Sempre consternado com a perda da experiência, em sua opinião, aceleradora deste empobrecimento, Benjamin lamentava o extermínio provocado por esta barbarização a ponto de bradar: “(...) eles ‘devoraram’ tudo, a ‘cultura’ e os ‘homens’ e ficaram saciados e exausto” (BENJAMIN, 1991 : 118). Para ele, a exaustão resultava da imensidão do extermínio, contudo, ponderava ainda ser possível a superação de tamanha perda, quiçá, pela ação de um sonho...!, como chegou mesmo a insinuar: “Ao cansaço segue-se o sonho, e não é raro que o sonho compense a tristeza e o desânimo do dia, realizando a existência inteiramente simples e absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante o dia, por falta de forças”. (BENJAMIN, 1993 : 118) ou quiçá, por uma adaptação à realidade...!, conforme ponderou doutra feita, referindo-se à possibilidade de reconstrução após o anulamento cultural trazido pelo modernismo: “Porém os outros precisam instalar-se, de novo e com poucos meios. São solidários dos homens que fizeram do novo uma coisa essencialmente sua, com lucidez e capacidade de renúncia em seus edifícios, quadros e narrativas, a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som bárbaro. Perfeito. No meio tempo, possa o indivíduo dar um pouco de 26 “Para Benjamin, a barbárie já residia no próprio conceito de cultura enquanto um tesouro de valores considerados independentes não só do processo de produção em que surgiram, 28
  • 40. como também daquele em que subsistiram, servindo à apoteose deste, por mais bárbaro que fosse tivesse sido.” (KOTHE, 1985:16) humanidade àquela massa, que um dia talvez retribua com juros e com os juros dos juros.” (ib.ibdem : 119). Faz-se imperativo percerber que na polêmica afirmativa da urgência de uma “nova barbárie”, está posto o escape de fuga do grau de empobrecimento desta atualidade, possível de ser efetivo pela arregimentação de forças na luta contra a barbárie hegemônica da cultura burguesa que, de há muito tem comandado o empório hegemônica da cultura burguesa que, de há muito tem comandado o empório cultural do passado, como está posto em outra de suas Teses: “(...) ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes (...) Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espeziam os corpos dos que estão protestados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais (...) nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento de barbárie” (ib.ibdem: 225). É exatamente nos termos descritos por Benjamin, que a barbárie elitista tem comandado o cortejo ao transformar a “cultura” em espetáculo próprio e monumental. Exercida de forma avassaladora, esta barbárie tem minado todo o registro do processo histórico a uma coletânea de obras célebres arquivadas na prateleira da História Oficial, disponíveis para serem sacadas, quando ao presente interessar lembrar suas feições, e, a depender da predisposição do momento, até repetí-las Ademais, a exaltação triunfalista que tem impelido esta que, mesmo os seus melhores expoentes culturais, “Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus contemporâneos” (BENJAMIN, 1991 : 225). Afunila-se aqui o entendimento do anseio, de Benjamin por este “novo e positivo conceito de barbárie”, não na tentativa de aclamá-la como um rompimento direto com a cultura ou os “bens culturais” em si, mas com uma tradição 29
  • 41. empobrecida por perdas significativas, que a avassalaram e que a tem transformado em um pesado “fardo de tesouros”, atado a um passado que combalido, se tornou impossibilitado de ser atingido, ou mesmode se conseguir “apanhá-lo com as mãos”. A postulação iconoclasta de Benjamin vem debitar ao historiador, a tarefa de livrar-se deste “fardo de tesouros”, nos moldes em que vem sendo posto, para que seja possível uma apropriação dos “despojos” ou “bens culturais”, pelo presente. Enfim, a nova barbárie benjaminiana propõe estabelecer uma nova relação com este passado oprimido – uma relação libertadora do finalismo em que a História progressista o acorrentou. A libertação clamada pelo passado deverá, portanto, ser anunciada na voz do “anjo da história” – o historiador – que, para encontrar ressonância no “vácuo” da memória do presente, precisa retomar os princípios da narração antiga que, por ser cultivada na rememoração dos relatos dos narradores, e não se fechar em uma única versão, mantinha a força aurática dos acontecimentos e fomentava realmente, a formação de uma memória coletiva. 27 Cabe ao historiador, retomar a trilha da história pela via da recordação (caminho para trás), e se impulsionar da rememoração, que após tornar viva a distâncias deste caminho, personifica-se na própria poesia da memória, cujos versos não deverão tratar, da representação fidedigna do passado perdido, e sim remeter à busca do passado aludido, pois: “Para o autor que recorda o principal não é o que ele viveu, mas o tecer de sua recordação. O trabalho de Penélope da rememoração”28 (BOLLE, 1994 : 332). O princípio da emotividade inerente à rememoração deve nortear todo o processo de busca ao passado aludido, e supervaloriza-lo inclusive. “A memória é o meio daquilo que vivemos assim como a Terra é o meio dentro do qual jazem soterradas as cidades mortas. Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado tem de proceder como um homem que cava. E, sem dúvida, para ter sucesso nas escavações, é preciso um plano. (...) igualmente indispensável, porém, é a enxada cautelosa e experimental na Terra escura, e priva- 30
  • 42. se do melhor, quem só registra o inventário de seus achados, e não a obscura felicidade do local do achado. 27 Sobre o fim da narração BENJAMIN identifica na obra de Kafka “uma tradição que ficou doente”, e na obra de Proust reconhece “as medidas necessárias à restauração da figura do narrador para a atualidade”. Partindo deste entendimento, reconhece que “onde há experiência no sentido estrito do termo, entram em conjugação, na memória, certos conteúdos do passado individual com outros do passado coletivo” (1995 : 107). 28 O trabalho de Penélope corresponde a tessitura de um véu, ou melhor de uma mortalha designada a envolver um futuro morto. A busca, mesmo em vão, é tão importante quanto o achado feliz.” (ib.ibdem: 318). Nesta argumentação pode-se constatar o quanto o trabalho de escavação empreendido entre o “eu” que recorda e o que é recordado, cristaliza-se na própria ação da busca, ou seja, no trabalho mnemônico. Compreende-se por todas estas considerações, que o historiador bem poderá retomar o fio da História inacabada do passado e então continua-la numa nova tessitura. Só que, para esta tessitura, o fio a ser utilizado deverá ser o fio da “abertura”, o fio que aceita a história da humanidade como uma história ABERTA – virtualmente impedida de ser interpretada de forma conclusa, vulnerável de ser apropriada por grupos hegemônicos29. Neste sentido, admite-se junto com Benjamin, que a libertação do passado, ou seja, a História liberta, precisa ser efetivamente RE-escrita e RE-contada pelo “cronista que narra acontecimentos sem distinguir entre os grandes e pequenos” (...) e que ainda “(...) leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido, para a História.” (BENJAMIN, 1993 : 223). Esta conduta é similar a da história genealógica dos tempos primordiais gregos, que tal qual a concepção de história em Benjamin, “faz emergir a diferença” mediante o rompimento do tempo homogêneo e a aceitação dos descontínuos do processo histórico, devendo portanto, ser tomada como paradigma de uma outra historiografia reconciliada com a realidade. 31
  • 43. 29 A dimensão da abertura é basilar ao pensamento benjaminiana por opor-se à estrutura hermética da narrativa tradicional e revela-se múltipla, ao abrir a história a interpretações diversas que, cada presente, portanto (cada futuro) renovará. Só esta “abertura” permitirá a História absorver o sentido plural dos fatos e reter a memória social, postura que defendemos nesta dissertação. 32
  • 44. I. O “cortejo” da PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO 33
  • 45. “(...) o passado de toda a colônia é opaco a si mesmo, pois está sob o controle do colonizador.” Carlos Zílio I.1. A gênese político-ideológica da atitude preservacionista A definição de ações visando a preservação de monumentos pelo Estado institui-se na França, no final do século XVIII, mais precisamente em 1787, a partir da Revolução, quando o Estado Francês se propôs a conservar os “bens” potencialmente capazes de afirma-lo enquanto instância suprema, podendo-se mesmo afirmar que esta ideia de preservação veio a confundir-se com a própria ideia de constituição de Nação. Após a queda da Igreja e da aristocracia, segmentos sociais hegemônicos precedentes à insurgência do novo governo revolucionário, o Estado Novo francês, viu-se em impasse econômico, e, sobretudo político, quanto ao gerenciamento dos bens confiscados àqueles segmentos. A ideia de preservação surge, então, emaranhada em um “conflito existencial”, tomando-se emprestado aqui, este termo psicanalítico, por ele bem referir o conflito interno instaurado no aparato estatal. Este conflito surgiu na verdade, mediado pela efervescência das ideias de liberdade que impulsionaram ataques de vandalismo ao acervo simbólico dos dominadores recém- destronados. Visando conter a reação contrária à permanência do acervo confiscado, o governo revolucionário, estrategicamente, difundiu seu interesse em regulamentar a proteção a este patrimônio, apregoando-o como uma necessidade de sistematização 34
  • 46. dos mesmos, para fins de instrução pública1. Para efetivar este intento, o governo francês chegou a criar as Comissões de Monumentos em 1770, e de Artes em 1773, que passaram a registrá-los como bens de interesse cultural e os valorarem como documentos da nação. Parece ter ficado impresso nesta ação estratégica estatal, a marca da vinculação entre ideal preservacionista versus saber racionalizado, e interesses imediatos de cada sociedade; a exemplo do que se comprova na reavaliação de condutas similares, em outros países e em momentos políticos diversos, como no caso da experiência brasileira. Subjacente, a estação na França, esteve a tônica ideológica do interesse público, tomada como “mote” do interesse político. Aliás, o interesse cultural (chave mestra de abertura dos discursos oficiais) tem se revelado peça dirigida no jogo dos interesses políticos do Estado, redundando paradoxal e conflitantemente a ele próprio. 1 Foi a partir do apossamento pela Nação francesa dos “bens” repudiados a princípio pela população, mas discursivamente “destinado” por Ela a todos a cidadãos, que o termo patrimônio se afirmou, remissivo às ideias de herança e apropriação coletiva. Deste modo, a legitimação da ideia de nação correspondeu à premissa máxima na montagem do conceito de “patrimônio” pelo Estado moderno ocidental, o qual para subsidiá-lo, recorreu aos conceitos de História e de Arte, balisados nas dimensões tempo e espaço; categorias introduzidas pela própria modernidade, como ratifica GIDDENS: “O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros ‘ausentes’, localmente distantes de qualquer situação dad ou interação face a face” diferentemente do que ocorria com as sociedades pré-modernas onde, “(...) espaço e tempo coincidem amplamente na medida em que as dimensões espaciais da vida social são para a maioria da população, e para quase todos os efeitos, dominadas pela ‘presença’ – por atividades localizadas”. (1991 : 27). A noção de monumento chegou mesmo a transformar-se numa espécie de síntese desta categorização, ao ponto de o termo isolado monumento redundar praticamente (des) significado, precisando da alcunha “histórico-artístico” para se expressar2. Esta constatação de tão evidente, chegou a ser colocada por CHOAY nos seguintes termos: “a invenção do monumento histórico é solidária dos conceitos de arte e de história” (RIEGL, 1984 : 11 – Introdução). Considerando-se a partir desses 35
  • 47. termos, de fato, esta “invenção” consubstanciou o conceito de patrimônio à noção de herdade cultural, mediante a insinuação discursiva que o referia como extensivo a todos os cidadãos. A experiência francesa definiu, assim, um modelo de política preservacionista que se espargiu sobre vários países europeus e atingindo os latinos, particularmente o Brasil, onde a interveniência política do Estado a nível de proteção preservacionista somente veio a efetivar-se, no início do século XX tendo sido encaminhada por intelectuais modernistas que reelaboraram o conceito de “patrimônio” frente ao princípio de criação da identidade nacional; o que delineou o perfil do órgão institucional criado para regulamentar esta prática em 1937, o então SPHAN – SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÌSTICO NACIONAL3. 2 O significado do vocábulo ‘monumento’ contém em si próprio o poder simbólico que lhe foi conferido neste campo temático, conforme nos informa LE GOFF: “A palavra latina Monumentum remete para a raiz indo-européia Men, que exprime uma das funções essenciais do espírito mens, a memória memini. O verbo movere significa ‘fazer recordar de onde’, ‘avisar’, iluminar’, ‘instruir’. O monumento é sinal do passado. Atendendo às origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos” (1990 : 535). 3 Não se pretende neste trabalho historicizar a criação e consolidação do SPHAN, e sim apenas abordá-la nos aspectos mais congruentes a abordagem específica da dissertação. Torna-se, porém fundamental reconhecer que a institucionalização da política de Preservação no Brasil aconteceu entre um governo imperativo – o Estado Novo e o ideário de um movimento cultural “renovador” – o Movimento Modernista. Neste contexto, a autoridade consignada ao Estado Novo, o permitia auto-legitimar-se como defensor dos interesses da Nação, por considera-la como “individuo coletivo”, em oposição ao entendimento da ideologia liberal, que a considerava como “coletânea de indivíduos”, sendo esta portanto, a razão que levou o Estado Novo a querer compor uma cultura nacional homogeneizada, que sintonizasse os cidadãos, coma imagem construída da nação. Reconhece-se que se localiza nesta concepção homogeneizadora, ou melhor, na pretensão totalizadora dirigida a um contingente cultural diversificado como é o brasil, a chave redutora de eficácia do aparato jurídico-administrativo, criado para regulamentar todo o acervo patrimonial e sistematiza-lo num domínio de atuação política. Constata-se, ainda, que o processo de estruturação deste aparato foi priorizado em detrimento da formalização de uma conjuntura conceitual subsidiária a ele próprio, o 36
  • 48. que permitiu a recorrência ao uso do indicativo simbólico que sublinhava a ideia de coesão nacional sempre referendado em parâmetros europeus. Sabe-se bem que a legitimação de poder intentada cultivava-se no mito da reconstituição da “origem da nação” e rebatia-se no discurso da identidade nacional. Pode-se mesmo dizer, que o discurso simbólico formalizado pela ideia da construção do patrimônio nacional, utilizou como “púlpito” de persuasão – o SPHAN, transdormado num “púlpito” de poder, configurando-se um processo, exatamente como nos termos postos por BOURDIER: “O poder simbólico como poder de construir dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a visão de mundo” (1989 : 14); e po PÉCAULT, ao considerar assim, a polarização de poderes do estado novista: “No Estado Novo, a alta centralização do poder político é evidentemente acompanhada pela centralização do poder simbólico” (1990:72). Na verdade, a legitimação intentada pelo Estado-Novo amparava-se na apropriação e no redimensionamento do passado, não exatamente como um retorno literal, mas mediante uma sublimação deste no presente, de forma a querer torna-lo “presente”, ou melhor, querer torna-los coexistentes. Esta intenção acionou de imediato o pensamento conservador na articulação ideológica, ao adotar a hierarquia da categoria espacial sobre a temporal, e ao recorrer, a uma visão de continuidade histórica, guiada por “leis”, encaminhadora e finalizadora dos mesmo, portanto, teológica. Nesta perspectiva, o passado foi tomado como a fonte natural, ou seja, o “bebedouro” da origem, e o futuro como o que viria a acontecer, na sequencia inevitável do que já aconteceu. Centrado nesta perspectiva, o Estado Novista investiu numa campanha de formação da “memória” do Brasil, voltada ao ato de recolocar fatos e personagens notáveis no contexto da história política nacional, na tentativa de reter os nexos de continuidade patrótica4. Verifica-se que se afirmou na própria gênese do processo, a supremacia da práxis político-ideológica sobre a valorização cultural, lógica que passou a nutrir a nomeação de critérios tipológicos/estilísticos como referencial seletivo de exemplares artísticos e arquitetônicos como reforço à “história” que lhe interessava sacar da “prateleira” do passado, e que disseminou o sentido de sacralização de “uma” das históricas contidas neste passado, parcial à memória coletiva, mas discursivamente remissiva a ideia de conservação de valores morais a serem apropriados pelo “indivíduo coletivo”, tutelado 37
  • 49. pelo Estado, o qual desejava provê-lo de um passado vitorioso, que não o envergonhasse frente a “grandes” nações, de “grandes” passados. Para tanto, o Estado passou a instrumentalizar o passado, como mediador da emancipação cultural buscada na escalada da civilização, e LIPPI DE OLIVEIRA chega inclusive a ponderar que: “Esta proposição se integra às teorias conservadoras de democracia, ao relacioná-la aos valores, à cultura, a um projeto coletivo(...)” (1982:39). Até porque segundo ainda os termos da autora citada: “A legitimidade de um governo estaria fundada no reino do consenso de valores(..)” (ib.ibdem: 39). O que resultou permeando no conjunto de bens tomados como patrimônio, um valor que transcendia ao artístico, histórico e/ou etnográfico – o valor nacional, pretensamente fundado num sentimento de pertencimento à Nação, entidade idealizada que objetivava através deles, legitimar-se. O conceito referencial de cultura tomado pelo Estado, e a ser repassado pelo Serviço do Patrimônio, ancorou-se, conforme será sinalizado nesta dissertação, na historicização de fatos memoráveis e referências a grandes vultos da história, numa tentativa de recuperar e absorver a essência do que havia sido notável “naquele passado”, num apelo de exaltação nacionalista, e até psicológico, de sensibilização à retenção de símbolos e valores cultuados na 4 Como meta dessa estratégica de reafirmação dos símbolos e vultos nacionalistas, o então município de Alagoas, anterior Vila de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, em 1939 passou a ser denominada Marechal Deodoro, em homenagem ao Proclamador da República do brasil, por ser a sua terra natural. Sob a mesma intenção, foi aplicado o recurso do Tombamento Federal aos remanescentes da sua casa natal, à época restritos à fachada. conservação, conforme se pressente no discurso estruturador de Almir de Andrade (apud LIPPI DE OLIVEIRA): “A continuidade do patrimônio está na permanência dos valores, está na ‘alma’, ‘no reconhecimento do destino’, o homem novo, fruto da ‘nova ordem’ é ‘total’ porque pode viver, sem conflitos, a sua dupla realidade: a de indivíduo (transitório, voltado para a transformação) e a de pessoa (eterno, voltado para a conservação): A pessoa é o que há de eterno em nós, o que quer permanecer, que durar, conservar. A transformação pode ser individual, mas a conservação é pessoal(...)”5 (1982 : 37). 38
  • 50. Na verdade, a fim de resumir esta questão, pode-se estabelecer, junto com LIPPI OLIVEIRA, a seguir síntese: “O estado Nacional propõe-se a articular um autêntico ‘consenso moral’ e espiritual da nacionalidade, e não um impossível consenso utilitário” (ib.ibdem : 45). Mas, existe ainda um aspecto dentre as especifidades da retórica política do Estado nacional que interessa em muito, a questão de fundo desta dissertação, que se concentra na reflexão sobre o compromisso social do repassador de posturas institucionalizadas, através de um saber técnico específico, que na construção do ideário da Preservação do Patrimônio Histórico no Brasil, foi entregue aos intelectuais modernistas com a atribuição expressa de relacionar as ações do Estado às tradições culturais – ás raízes que precisariam ser nomeadas, para em seguida passarem a formalizar um quadro de manifestações culturais e simbólicas de modoa compor a tradição brasileira. Esta meta modernizadora, trazia em seu cerne, a visão racionalizada do saber técnico, e passou a referendar a pesquisa histórico- documental e a categorização estilística, centrada na historiografia da arte brasileira (com ascendência à portuguesa)6, como postuladoras dos critérios eletivos e de intervenção restaurativa para sua conduta. O ufanismo filial, evidenciado consideravelmente entre os intelectuais mineiros, fez prevalecer no âmbito protecional, da Instituição, “uma” Minas colonial-barroca, e a escolha do século XVIII, como paradigma estético-cultural, por bem satisfazer a obsessão de “inventar” uma tradição, acobertada pelo rótulo 5 É válido ressaltar que Almir de Andrade foi por muito tempo diretor da Revista Cultura e Política, organizada em 1927 tornando-se deste modo, “mentor” dessa noção de cultura. 6 Compreende-se de modo claro que a declaração de “filiação cultural” à etnia portuguesa, aproximaria o Brasil da tradição europeia. da “herança mais brasileira das legadas no Brasil-Colônia”. Este ufanismo ofuscou a capacidade de percepção do legado de outros séculos referenciamente tão “histórico” e “estilístico”, como por exemplo, o século XVI em Pernambuco, embora não “excepcional”. Todo o procedimento de afirmação da “identidade cultural” passou a primar pela seletividade dessa ascendência do caráter da arquitetura portuguesa, derivando daí a ênfase conferida ao original, ao primeiro, o que se rebateu no nível de 39
  • 51. importância dada aos trabalhos de documentação e de investigação documental, precedente às ações restaurativas, propostas de restauro, consolidação de ruínas e instrumentos protecionais, como o Tombamento. A obsessão pelo documento passou a ser justificada pela premência de procedimentos metódicos da intervenção restaurativa, pois, a sacralização do alcance da originalidade, exigia estudos analíticos dos monumentos, o que contribuiu para o processo de fetichização do documento, ratificado pela visão de história positivista, instrumentalizada pela Instituição. Esta inversão de enfoque dado ao teor do documento, tem sido alvo de crítica de vários historiadores e de vários filósofos que têm contundentemente tentado mostrar, a exemplo de FOUCAULT, o nível de desvirtuamento que ele encerra: “(...) o documento, não é o feliz instrumento de uma história que seja, em si própria e com pleno direito, memória: a história é uma certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não separa” (1972 : 14). Entretanto, a ideia de patrimônio passou a ser encarada como testemunho de um processo onde era ressaltada a ideia de especificidade de um tempo histórico, tomado como indicador de critérios de proteção, referendado pelo saber técnico do Serviço do Patrimônio Histórico. A análise da ocorrência deste procedimento, na Instituição, resultou bem sintetizada por Michel PARENT, quando analisa os motivos geradores da aplicação protecional do Tombamento: “Para o técnico, o que frutifica o tombamento é o fato de o sítio urbano ser a criação notável e representativa da vida e da Organização social de um povo, em determinada fase de sua evolução”7 (RPHAN, 1984 : 19) Denota-se porém, que foi a partir da consolidação deste procedimento que a postura ideológica/institucional se firmou anacrônica e manteve-se irredutível, mesmo 40
  • 52. após a queda do regime militar, durante as incessantes reinvidicações de grupos sociais considerados minoritários nos decênios de 1970/1980, de ampliação dos valores “culturais” da instituição8. Esta contudo, permaneceu resistente em rever seus princípios fundamentais, e o preservacionismo desta postura, tem contribuído para reduzir, até hoje, a noção de patrimônio “histórico” a uma mera noção de patrimônio “colonial” ou “antigo”, e se rebatido na atitude nostálgica de segregar tecidos urbanos para cultuá-los como relíquias coloniais. Não sendo pertinente prolongar mais estas considerações, deseja-se frisar apenas que o processo formativo da “escola” de preservação estabelecida desde 1937, a partir da institucionalização do SPHAN, repetiu o pecado capital do anacronismo, que tem acompanhado a história, segundo os termos desta argumentação de ALENCASTRO, que se toma a seguir como argumento final: “Ao mover-se do presente para outras épocas e vice-versa, ao lidar com as continuidades, as passagens, as rupturas, as derivações, o historiador deve constantemente premunir-se contra o pecado capital de sua disciplina: o anacronismo. Vestir uma determinada sociedade com as roupas talhadas em outras épocas, eis em que consiste o anacronismo” (1991 : 63) 7 Grifo nosso. 8 Estas décadas marcaram mudanças substanciais que começaram a ocorrer no campo político, e culminaram na batalha pela conquista dos direitos humanos, insurgindo novas identidades coletivas de grupos sociais minoritários, que passaram inclusive, a contestar a legitimidade dos patrimônios oficializados como históricos e artísticos nacionais. Vale ressaltar que neste período, acirraram-se os embates entre o movimento negro e a Instituição, na tentativa de reconhecimento do movimento do Quilombo dos Palmares e o seu referencial simbólico – a Serra da Barriga em Alagoas, acontecendo várias situações de enfrentamento similar, em outros Estados. A crítica contrapunha-se também ao irredutismo do órgão em não acatar as expressões arquitetônicas posteriostes ao século XIX, como o ecletismo e outras. 9 Grifo nosso. 41
  • 53. 42