João Manuel Rocha Monteiro Correa moveu ação indenizatória contra Editora Abril S.A. por uso indevido de sua imagem em álbum de figurinhas da Copa União de 1987. A Editora requereu a denunciação da lide ao Sport Club Internacional, com quem tinha contrato de licenciamento de imagens. O juiz julgou procedente o pedido de indenização, uma vez que não houve consentimento do autor para uso comercial de sua imagem, gerando direito à indenização por dano moral.
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Indenização por uso de imagem em álbum de figurinhas
1. Comarca de Porto Alegre – 12ª Vara Cível, 1º Juizado
Processo nº 10700584963
Ação: Indenização
Autor: JOÃO MANUEL ROCHA MONTEIRO CORREA
Ré: EDITORA ABRIL S.A.
Litisdenunciado: SPORT CLUB INTERNACIONAL
Vistos.
I – JOÃO MANUEL ROCHA MONTEIRO CORREA, brasileiro,
comerciante, ajuizou ação indenizatória em face de EDITORA ABRIL S.A.
Disse, no ano de 1987, a ré editou e publicou o álbum As Figurinhas da Copa
União. Afirmou que, naquele ano, era atleta profissional do clube Sport Club
Internacional. Todavia, aduziu, jamais autorizou a ré, tampouco outorgou
poderes ao aludido clube de futebol, a publicar sua imagem em cromos
ilustrados para os álbuns colecionáveis. Assim, sustentou a ilegalidade do uso
e reprodução indevidos e desautorizados de sua imagem e requereu fosse a
parte ré condenada ao pagamento de indenização por danos morais. Pediu
assistência judiciária gratuita, benefício que restou concedido à fl. 31. Juntou
documentos.
Citada, Editora Abril S.A. ofereceu resposta (fls. 35/50). Requereu,
prefacialmente, fosse o Sport Club Internacional denunciado à lide, com base
no “instrumento particular de contrato de licença para uso de imagem, cessão
de direitos autorais e outras avenças” firmado com o referido clube esportivo,
através do qual se declarou titular dos direitos de imagem de seus jogadores,
se responsabilizando pelo repasse dos valores recebidos. No mérito, alegou,
não há direito à indenização postulada, haja vista o autor – que posou
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2. livremente para captação das fotografias – tacitamente autorizou o uso de sua
imagem nas respectivas publicações. Propugnou pela improcedência do
pedido. Acostou documentos.
O autor manifestou-se, em réplica (fls. 84/92), reeditando o pedido
inicial.
Sobreveio decisão de rejeição do pedido de denunciação à lide (fl.
98). Inconformada, a requerida interpôs agravo de instrumento, recurso provido
para o fim de admitir a denunciação feita ao Sport Club Internacional
(fls.125/127).
Citado, contestou o litisdenunciado Sport Club Internacional (fls.
145/153). Alegou concedeu o autor automaticamente ao clube, na qualidade de
atleta profissional, o direito de utilização de sua imagem. Sustentou tal
prerrogativa integrava o contrato de trabalho mantido entre as partes. A
legislação aplicável à época não trazia menção à utilização da imagem dos
jogadores visto que se tratava de questão implícita na contratação. Argumentou
que a utilização da imagem do demandante no álbum confeccionado pela
editora requerida promoveu sua carreira pessoal, não lhe acarretando qualquer
espécie de dano. Asseverou houve anuência do demandante com a veiculação
de sua fotografia. Pugnou pela rejeição do pedido inicial ou, sucessivamente,
pela improcedência da lide secundária. Juntou documentos.
Manifestou-se o autor sobre a defesa da litisdenunciada às fls.
161/168.
Instadas as partes a produzir provas, autor (fls. 220/221) e ré (fls.
223/226) pugnaram pelo julgamento antecipado da lide.
Certificada a decisão de improcedência proferida nos autos da
exceção de incompetência veiculada pela ré (fl. 229), as partes foram
novamente questionadas sobre a produção de provas. O demandante, às fls.
231/234, reeditou o pedido de fls. 220/221. A requerida, igualmente, reiterou, às
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3. fls. 235/239, os termos da petição de fls. 223/226, trazendo documentos às fls.
240/242. O litisdenunciado quedou-se silente.
Sobre os documentos acostados pela ré manifestou-se o autor (fls.
247/251). Trouxe novos documentos às fls. 252/255), sobre os quais falaram o
litisdenunciado (fl. 258) e a ré (fls. 259/263), impugnando-os.
É o relatório.
II – Passo à fundamentação.
Decido, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo
Civil, eis por que os fatos se encontram documentalmente comprovados,
despicienda a produção de outras provas em audiência.
Trata-se de pedido de indenização por danos morais fundado na
utilização ilegal e reprodução indevida e desautorizada da imagem do autor em
fotografias reproduzidas em cromos de álbuns colecionáveis do campeonato de
futebol Copa União de 1987.
Das provas existentes nos autos extrai-se a procedência do pleito
indenizatório.
A imagem é atributo ínsito da pessoa, desdobramento do direito da
personalidade, intimamente ligado ao princípio constitucional basilar de nosso
ordenamento jurídico que é a dignidade da pessoa humana (art. 3º, inciso III),
igualmente resguardada no artigo 5º, incisos V e X, ambos da Constituição
Federal.
O vigente Código Civil, no plano infraconstitucional, em seu art. 20,
preconiza, verbis:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça
ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a
transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem
prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama
ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
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4. Considerada a proteção legal conferida ao uso da imagem,
conclui-se não prospera a tese defensiva no sentido de que houve tácita
permissão do autor à reprodução de fotografia. O consentimento tácito
demonstra-se, imprescindivelmente, com veementes circunstâncias e indícios
de que houve anuência à divulgação da imagem. Tais elementos, todavia, não
residem nos autos (art. 333, II, CPC).
E, mais. O uso comercial da imagem da pessoa, ao contrário do
mero uso informativo ou publicitário, é vedado inexistindo o expresso
consentimento do titular do direito personalíssimo. Novamente, não se fala em
aquiescência tácita, na hipótese.
Em aresto do colendo Superior Tribunal de Justiça, acórdão
relatado pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Resp nº 46.420-SP),
colhe-se o seguinte entendimento:
[...] Apesar de serem notórias as figuras dos jogadores, a reprodução de
suas imagens não aconteceu em razão de propósito de informar,
esclarecer ou atender a algum interesse de ordem pública. Houve a
utilização da imagem simplesmente para satisfazer interesse
predominantemente comercial [...]. Tratava-se, portanto, de situação sobre
a qual incide a regra geral: a reprodução, uso da imagem dependia de
consentimento dos titulares, pois 'o uso comercial da imagem de pessoa
célebre é totalmente vedado sem o sem consentimento' (Álvaro Antonio
do Cabo e Notaroberto Barbosa, Direito à própria imagem, Saraiva, pág.
82).
[...] o prejuízo está na própria violação, na utilização do bem que integra o
patrimônio jurídico personalíssimo do titular. Só aí já está o dano moral.
Além disso, também poderia ocorrer o dano patrimonial, pela perda dos
lucros que tal utilização poderia acarretar, seja pela utilização feita pelas
demandadas, seja por inviabilizar ou dificultar a participação em outras
atividades do gênero. A exigência de demonstração do prejuízo afeiçoa-se
aos sistemas em que o direito à imagem está ligado a outros direitos ,
quando então se torna indispensável o reconhecimento de que o ato de
reprodução da figura trouxe prejuízos à honra, à privacidade, etc. Quando,
no entanto, se entende o direito à imagem como um direito que 'por sua
própria natureza, opõem-se 'erga omnes', implicando o dever geral de
abstenção' (Orlando Gomes, Introdução do Dir. Civ. Pág. 132), o prejuízo
está na própria violação.
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5. Dessarte, cabível o ressarcimento por danos morais, na hipótese,
uma vez que verificado o seu padecimento pelo autor. É o que se colhe do
escólio de René Demogue (in Traité des obligations em général, vol. IV, nº 417.
Paris: Liv. A.-Rousseau, 1924, p. 59): “le fait d'exposer le portrait d'une
personne contre sa volonté peut donner lieu à indemnité”. Do que se conclui: o
uso não-consentido expressamente de imagem de pessoa para compor álbum
colecionável gera a obrigação indenizatória por dano extrapatrimonial ao
responsável pela indevida reprodução da imagem.
Inclusive, recolhe-se da orientação traçada pelo Pretório Excelso,
o uso indevido da imagem da pessoa, com ou sem fim econômico, causa
desconforto, aborrecimento ou constrangimento, o que, por si só, gera direito à
reparação por dano moral.
CONSTITUCIONAL. DANO MORAL: FOTOGRAFIA: PUBLICAÇÃO NÃO
CONSENTIDA: INDENIZAÇÃO: CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL:
POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X.
I. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à
reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da
fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto,
aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse
desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que
ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição,
art. 5º, X.
II. - R.E. conhecido e provido. (RE nº 215.984-RJ, 2ª T, STF, Rel. Min. Carlos
Velloso, j. em 04-06-02)
No corpo do julgado, lê-se:
[..] É dizer, a Constituição não exige a ocorrência de ofensa à reputação na
reparação do dano moral. Na verdade, o Tribunal a quo emprestou ao dano
moral caráter restritivo, o que não se coaduna com a forma como a
Constituição o trata, no inc. X do art. 5º. O que precisa ser dito é que, de
regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não,
causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografado,
não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou
desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve
ser reparado, manda a Constituição (art. 5°, X).
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6. Tem-se verificada, na espécie, a reparação pela utilização
econômica da imagem, conforme decidiu o ilustrado Ministro Rafael Mayer, do
Supremo Tribunal Federal, in RE nº 95.872: “O dever de indenizar decorre da
simples utilização de um direito personalíssimo, o da imagem”.
Assentada a presença dos elementos verificadores da
responsabilidade civil por dano moral, que se verifica, na hipótese, in re ipsa,
identificados no art. 186 do Código Civil, a saber, a conduta culposa do agente,
o nexo causal e o dano, porquanto se trata de responsabilidade subjetiva,
impende a quantificação da reparação.
O quantum reparatório do dano causado deve ser calculado
através de uma compensação ou reparação satisfativa pela dor e sofrimento
psicológico que teve a vítima e, simultaneamente, possuir caráter de
repreensão ao causador da lesão, de modo que seja esta gravosa ao ponto de
inibi-lo a incorrer novamente na ação danosa.
Nesse sentido, o nosso Tribunal de Justiça já pacificou a
jurisprudência:
Na quantificação do dano moral se há, na falta de critério objetivo no
sistema jurídico-legal do País, de observar a atividade, a condição social e
econômica do ofendido, seu conceito público e privado, além da
capacidade do ofensor em suportar o encargo. Assim como se há de
considerar seu poder de inibição, ou seja, seu caráter preventivo e
punitivo, a desencorajar reincidências do ofensor no violar bem e direito
de outrem. Em assim sendo, necessário se faz impor-se ao ofensor
suportável, mas pesado gravame, a ponto de refletir-se sobre seu
patrimônio.1
O autor é comerciante, o que, na falta de outros parâmetros,
suponho se enquadre no padrão sócio-econômico de nível médio. Acresce-se a
circunstância que a lesão moral configurada se verifica pela utilização
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Revista de Jurisprudência do TJRS, 180/394.
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7. econômica e desautorizada da imagem do autor em publicação destinada ao
comércio de cromos colecionáveis.
No que tange ao dever do ofensor a suportar o encargo, o ônus
recai sobre o Sport Club Internacional, à vista da ação secundária condenatória
admitida – fundada no art. 70, inciso III, do CPC, consubstanciada no direito de
regresso estipulado contratualmente na cláusula 8ª do contrato de licença para
uso de imagem, cessão de direitos autorais e outras avenças, fls. 75/81. Deve,
pois, arcar o clube esportivo, à vista do dano causado, de modo a reprimir o
ilícito e restringir a sua repetição.
Desse modo, analisada a situação de fato ocorrida nas suas
circunstâncias, é o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) suficiente para
alcançar os já referidos efeitos da reparação ao dano moral padecido. Influi,
outrossim, na quantificação do montante ressarcitório, o lapso temporal entre a
o ano da publicação (1987) e a data do ingresso da ação – abril de 2007.
Não se pode condenar o causador do dano ao pagamento da
indenização – ainda que devida – em montante igual ao que deveria arcar à
época do evento danoso. Transcorridos quase vinte anos entre a data do fato e
do ajuizamento da ação, há flagrante diminuição no valor da restituição,
conforme reiterada jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:
Resp nº 284.266, Resp nº 399.028, Resp nº 228.537, dentre inúmeros outros
julgado daquela Corte.
Assim, reconhecido o dever de indenizar na hipótese vertente,
impositivo o acolhimento do pleito formulado na exordial. Ademais, evidenciada
a responsabilidade assumida pelo litisdenunciado pelos direitos concedidos
contratualmente, mister a procedência da lide secundária.
III – Ante o exposto, julgo procedente o pedido deduzido por
JOÃO MANUEL ROCHA MONTEIRO CORREA em face de EDITORA ABRIL
S.A., para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais
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colecionáveis, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia corrigida pelo
IGP-M a contar desta data, além de juros de mora à razão de 1% ao mês a
contar da citação (arts. 405 e 406, CC/02).
Outrossim, julgo procedente a denunciação da lide promovida
por EDITORA ABRIL S.A. em face do litisdenunciado SPORT CLUB
INTERNACIONAL, para, à vista do reconhecido direito de regresso (art. 70, III,
CPC), condenar o litisdenunciado ao reembolso dos valores pagos pela
litisdenunciante relativos aos danos morais, nos termos referidos acima.
Em face da sucumbência, arcará a ré com o pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios devidos ao patrono da parte
autora, os quais vão fixados em 15% do valor da condenação, atendidos aos
vetores do art. 20, § 3º, do CPC.
Arcará o litisdenunciado com o pagamento das custas processuais
relativas à lide regressiva, e verba honorária devida ao patrono da
litisdenunciante, que vai fixada, também, em 15% da condenação, atendido o
critério da moderação, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
Intimem-se.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2008.
Maria Thereza Barbieri,
Juíza de Direito.
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