O documento discute a importância de incluir o ensino sobre história e culturas indígenas no currículo escolar brasileiro de acordo com a Lei 11.645/2008. Ele destaca a ignorância e preconceitos que ainda existem sobre os povos indígenas, mesmo entre educadores, e propõe ações como capacitação de professores, produção de materiais didáticos e intercâmbios entre escolas e aldeias para superar esses problemas.
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História e culturas indígenas no currículo
escolar: breves notas para discussões*
Edson Silva**
A ignorância sobre os índios
Ainda que ocorridas em diferentes contextos e separadas por um tempo
bastante longo, duas situações são bastante ilustrativas a respeito do
desconhecimento reinante sobre os índios no Brasil. Na primeira delas, conta-se que
quando Claude Levi-Strauss se preparava para vir onde Brasil colaboraria na
fundação da USP no início da década de 1930, ele teria procurado o embaixador do
Brasil na França. Ao buscar informações sobre os índios, ouviu da autoridade
diplomática brasileira, que não mais existiam, teriam todos sido dizimados com a
colonização. Se Levi-Strauss tivesse acreditado no embaixador, a Antropologia e as
Ciências Humanas e Sociais não herdariam a vastíssima obra sobre os povos
nativos, a significativa contribuição do considerado fundador do estruturalismo, ainda
vivo, e reconhecidíssmo como um dos maiores, ou senão o maior antropólogo
contemporâneo.
A segunda situação ocorreu comigo há poucos dias envolvendo uma colega
de trabalho. Em meio a uma conversa, ela me relatou que estava trazendo “um índio”
para conversar com sua turma de alunos/as em sala de aula. Como expressei a
minha desaprovação pela iniciativa, por achá-la sempre folclórico em razão da forma
que geralmente é feito o convite e como se dá essa presença de “um índio” na
escola, a colega procurou me tranqüilizar afirmando: “Mas ele já é mais civilizado”!
Diante dessas palavras a minha perplexidade foi tamanha que apenas silenciei.
Os povos indígenas conquistaram nas últimas décadas considerável
visibilidade enquanto atores sociais em nosso país. Mas, por outro lado, é facilmente
contestável o desconhecimento, os preconceitos, os equívocos e as desinformações
generalizadas sobre os índios, inclusive entre os educadores. Essas duas situações
aqui relatadas ilustram muito bem como os preconceitos sobre os índios são
expressos cotidianamente pelas pessoas. E o mais grave: independe do lugar social
e político que ocupem! O que dizer então do universo das pessoas pouco letradas,
do senso comum da população em nosso país?
Sem dúvidas é no âmbito da escola/educação formal, em seus vários níveis
hierárquicos, que se pode constatar a ignorância que resulta as distorções a respeito
dos índios. A Lei nº. 11.465/08 de março/2008 que tornou obrigatório o ensino
sobre a história e culturas indígenas, ainda que careça de maiores definições,
objetiva a superação dessa lacuna na formação escolar. Contribuindo para o
reconhecimento e a inclusão das diferenças étnicas dos povos indígenas, para se
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Versão da exposição apresentada na mesa-redonda Lei nº. 11.645/2008 que dispõe sobre a
obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Indígena nas escolas públicas e particulares,
no IV Fórum das Licenciaturas, ocorrido em 17/11/2008 no Auditório do CE/UFPE.
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*Doutor em História Social pela UNICAMP. Mestre em História pela UFPE. Pesquisador do Laboratório
de Estudos em Movimentos Étnicos-LEME/UFCG; do Núcleo de Estudos e Debates sobre a América
Latina-NEDAL/UFPE; e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade-NEPE/UFPE. Leciona
História no Col. de Aplicação/CENTRO DE EDUCAÇÃO-UFPE.
E-mail: edson.edsilva@gmail.com
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repensar em um novo desenho do Brasil em sua diversidade e da pluralidade
culturais.
As responsabilidades e desafios para implementação da Lei nº. 11.465/08
Para a implementação da Lei nº. 11.465/08 é preciso ter claro os diferentes
níveis de responsabilidades, bem como os desafios para sua real efetivação. No
âmbito federal o MEC tem uma tarefa extremamente importante: além de
acompanhar, e quem sabe até onde for de sua alçada, fiscalizar a execução da Lei.
Mas, sobretudo também, produzir subsídios didáticos destinados aos vários níveis do
ensino para colocá-los a disposição principalmente de educadores/as nas escolas
públicas.
No nível das universidades públicas e privadas se faz necessário à inclusão
de cadeiras sobre a temática indígenas no âmbito das Ciências Humanas e Sociais,
bem como nos demais campos do conhecimento acadêmico incluir a discussão dos
saberes indígenas. A exemplo da área da Matemática, onde podem ser discutidos os
saberes matemáticas de povos culturalmente distintos do pensamento hegemônico
ocidental.
Caberão as secretarias estaduais e municipais de educação disponibilizar,
favorecer o acesso aos subsídios produzidos pelo MEC, e ainda também produzirem
materiais didáticos enfocando as realidades locais dos povos indígenas. É de
fundamental importância ainda capacitar os quadros técnicos dessas instâncias
governamentais, no âmbito do combate aos racismos institucionais.
Ainda nas esferas governamentais locais se faz necessário a promoção de
seminários, encontros de estudos, etc. sobre a temática indígena para
professores/as e demais trabalhadores/as na educação.
Algumas propostas e sugestões
A UFPE em suas instâncias competentes deve acompanhar e fiscalizar a
implementação da Lei nº. 11.465/08 no âmbito dos currículos dos cursos de
licenciatura oferecidos em seus campi. O que significará a inclusão de cadeiras
obrigatórias que tratem especificamente da temática indígena, em cursos das áreas
das Ciências Humanas e Sociais.
A UFPE deve estimular, apoiar e ainda viabilizar os meios necessários para a
participação efetiva do professorado, alunos/as e técnicos em eventos acadêmicos
que tratem da temática indígena.
Por meio de convênios com o MEC e as secretarias estaduais e municipais, a
UFPE pode produzir materiais didáticos que tratem da temática indígena a serem
disponibilizados para o ensino público.
As secretarias estaduais e municipais devem incluir a temática indígena nos
estudos capacitações periódicas e formação continuada, a ser abordada na
perspectiva da pluralidade cultural historicamente existente no Brasil e na sociedade
em que vivemos: por meio de cursos, seminários, encontros de estudos específicos e
interdisciplinares destinados ao professorado e demais trabalhadores/as em
educação, com a participação de indígenas e assessoria de especialistas
reconhecidos.
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Essas secretarias podem favorecer o estimulo às pesquisas, bem como
estimular interessados/as em cursos de aprofundamento em nível de pós-graduação.
No nível das citadas secretarias ainda, devem ser promovidos estudos
específicos para que o professorado na área das Ciências Humanas e Suas
Tecnologias possam conhecer os povos indígenas no Brasil, possibilitando uma
melhor abordagem ao tratar da temática indígena em sala de aula, particularmente
nos municípios onde atualmente habitam povos indígenas.
Intensificar a produção, com assessoria de pesquisadores/as especialistas, de
vídeos, cartilhas, subsídios didáticos sobre os povos indígenas para serem utilizados
em sala de aula. Proporcionar o acesso a publicações: livros, periódicos, etc., como
fonte de informação e pesquisa sobre os povos indígenas.
Promover momentos de intercâmbios entre os povos indígenas e os
estudantes durante o calendário letivo, através de visitas previamente preparadas do
alunado às aldeias, bem como de indígenas às escolas. IMPORTANTE: ação a ser
desenvolvida principalmente nos municípios onde atualmente moram os povos
indígenas, como forma de buscar a superação dos preconceitos e as discriminações.
Discutir e propor o apoio aos povos indígenas, através do estímulo ao
alunado, com a realização de abaixo-assinados, cartas às autoridades com
denúncias e exigências de providências para as violências contra os povos
indígenas, assassinatos de suas lideranças, etc. Estimulando assim através de
manifestações coletivas na sala de aula, o apoio às campanhas de demarcação das
terras e garantia dos direitos dos povos indígenas.
Enfim, promover seja nos espaços da UFPE, seja nos demais espaços
institucionais, ações pautadas na perspectiva da diversidade cultural e dos direitos
dos povos indígenas, bem como do reconhecimento de que o Brasil é um país
pluricultural e pluriétnico.