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NOÇÕES BÁSICAS DE CRISTOLOGIA
Pe. Antonio Carlos Portes
Introdução
Quem foi Jesus? Que segredo se esconde nesse Galileu fascinante, nascido a dois mil anos numa aldeia
insignificante do Império romano e executado como um malfeitor perto de uma antiga pedreira, nos arredores
de Jerusalém, quando beirava os 30 anos? Quem foi esse homem que marcou decisivamente a religião, a cultura
e a arte do ocidente, chegando até impor inclusive seu calendário?
Ninguém teve poder tão grande sobre os corações; ninguém expressou como ele as inquietudes e interrogações
do coração humano; ninguém despertou tantas esperanças. Por que seu nome não caiu no esquecimento? Por
que, ainda hoje, quando as ideologias e religiões, passam por uma profunda crise, sua pessoa e sua mensagem
continuam alimentando a fé de tantos milhões de homens e mulheres?
Jesus começou sua missão na Galileia quando o povo judeu vivia uma profunda crise religiosa. Levavam muito
tempo sentindo a distância de Deus. Os céus estavam “fechados”. Uma espécie de muro invisível parecia
impedir a comunicação de Deus com o Seu povo. Ninguém era capaz de escutar a Sua voz. Já não havia
profetas. Ninguém falava impulsionado pelo Seu Espírito.
Desde o tempo dos Macabeus se configurou um tempo de profundo silêncio e crise de Esperança para o povo
de Israel. O mais duro para o povo era essa sensação de que Deus os tinha esquecido. Já não se preocupava os
problemas de Israel. Por que permanecia oculto? Por que estava tão longe? Seguramente muitos recordavam a
ardente oração dos antigos profetas que rezavam assim a Deus: “Oxalá rasgasses o céu e baixasses”.
Nesse contexto os primeiros que escutaram o evangelho de Marcos tiveram que ficar surpreendidos. Segundo o
seu relato, ao sair das águas do Jordão, depois de ser batizado, Jesus “viu rasgar-se o céu” e experimentou que
“o Espírito de Deus baixava sobre ele” (Mc 1, 7-11). Por fim era possível o encontro com Deus. Esse encontro
se deu em um homem que se chamava Jesus e vinha de Nazaré. Sobre a terra caminhava um homem cheio do
Espírito de Deus.
Sem esse Espírito – o Espírito de Jesus – tudo se apaga no cristianismo. A confiança em Deus desaparece. A fé
debilita-se. Jesus fica reduzido a um personagem do passado, o Evangelho converte-se em letra morta. O amor
arrefece e a Igreja não passa de ser mais uma instituição religiosa.
Sem o Espírito de Jesus, a liberdade afoga-se, a alegria apaga-se, a celebração converte-se em rotina, a
comunhão perde a força. Sem o Espírito a missão fica esquecida, a esperança morre, os medos crescem e o
seguir Jesus termina em mediocridade religiosa.
O nosso maior problema é o esquecimento de Jesus e o descuido do Seu Espírito. Por isso creio que temos de
voltar à raiz; voltar às fontes; recuperar o Evangelho em todo seu frescor e verdade, batizar-nos novamente –
enquanto Igreja católica – com o Espírito de Jesus. Para atualizar esse Espírito na vida de nossa comunidade
vamos refletir e aprofundar os passos que a Igreja já deu no encontro com a pessoa de Jesus.
A problemática cristológica
O termo “Cristologia” mostra o objetivo dessa disciplina: um “saber sobre Cristo” ou ainda uma “ciência que
tem por objeto o Cristo”. Portanto, a pergunta que a cristologia busca responder: Quem é Jesus? Essa mesma
pergunta Jesus dirigiu aos seus discípulos em: (Mc 8,27b-ss).
No caminho, ele interrogava seus discípulos: “Quem sou eu, no dizer dos homens?” Eles lhe disseram: “João,
o Batista; para outros, Elias; para outros ainda, um dos profetas”. E ele lhes perguntava: “E vós, quem dizeis
que eu sou?” Tomando a palavra, Pedro lhes responde: “Tu és o Cristo”.
Ainda hoje a pergunta de Jesus continua recebendo inúmeras e contraditórias respostas tais como: “um mito”,
“o meu Senhor”, “o poder de cura divino”, “o médico dos médicos”, “uma alma superior”, “um Mestre
Espiritual vindo de outro planeta!”, “um milagreiro”, “um revolucionário político”, etc. São muitas as
opiniões sobre Jesus tanto ontem como hoje. Não deve nos espantar o fato de que mesmo no NT encontramos
respostas distintas para essa mesma pergunta.
O movimento de volta ao religioso, típico da pós-modernidade, encontra na Nova Era uma típica expressão.
Trata-se de uma fusão aleatória de elementos de diversas tradições religiosas segundo o critério de cada
subjetividade. Nesse cenário não é de se espantar que até mesmo a figura de Cristo seja assimilada da mesma
forma que a de Buda, Francisco de Assis, Chico Xavier, Maomé, etc. Essa diversidade de respostas acaba por
esvaziar a figura de Jesus de todo sentido.
Para responder a pergunta sobre Jesus, de modo mais autêntico possível, é necessário recorrer ao testemunho
das primeiras comunidades de cristãos. É através desse testemunho que nos chegaram praticamente tudo o que
sabemos sobre Jesus. Somos ajudados a penetrar no mistério do “acontecimento Jesus”, isto é, somos afetados –
através da narrativa – pela vida, morte e ressurreição de Jesus e pelo que elas despertaram naqueles que
viveram “com Jesus”.
Por isso os evangelhos, como os demais textos do NT, não são uma biografia ou crônica sobre Jesus. Os textos
evangélicos são um anúncio da fé em Jesus Cristo á luz da totalidade de sua vida. Só assim é possível
compreender que dados históricos e experiência de Fé estão inseparavelmente misturados nos textos do NT.
Mas qual a necessidade da pergunta por Jesus? São Paulo nos responde com muita clareza: “Quanto ao
fundamento, ninguém pode lançar outro que não seja o já posto: Jesus Cristo.” (1Cor 3,11). Embora
aparentemente seja óbvio que Jesus seja o fundamento do cristianismo, a cristologia historicamente se afastou
desse fundamento e se refugiou numa linguagem abstrata e vazia. Daí que atualmente a tarefa mais urgente da
cristologia seja a de resgatar a centralidade de Jesus para a fé cristã.
A perda da referência explicita a Jesus conduziu o cristianismo, sobretudo o católico, a “confundir”
evangelização com doutrinamento, isto é, “seguir Jesus” se tornou o mesmo que “seguir doutrinas” ou “aderir a
normas”. Aos poucos a humanidade de Jesus foi esquecida e em seu lugar acentuou-se as afirmações
dogmáticas que, pela complexidade da linguagem filosófica, pouco ajudaram na formação da fé do povo
simples.
Uma consequência desastrosa desse esquecimento foi um crescente divórcio entre fé e vida. Os absurdos
teológicos que encontramos em muitas expressões da devoção popular encontram sua raiz mais remota nesse
esquecimento dos evangelhos e de sua explicita centralidade em Jesus. A “moralidade cristã” não parte de leis e
obrigações, mas parte de um “fascínio”, de um desejo de configuração com Cristo na medida que adentramos
no seu mistério de salvação.
A fé cristã não consiste também em observar umas leis e prescrições morais procedentes da tradição judaica
(por exemplo: os 10 mandamentos), mas consiste em aceitar a Cristo como modelo de vida no qual podemos
descobrir a grande tarefa que deve realizar a humanidade. O cristão é, portanto, um homem que frente a
diversas atitudes e estilos de viver e comportar-se, recorre a Cristo como critério último de atuação frente ao Pai
e aos irmãos.
O cristão é, portanto, um homem ou uma mulher que em meio aos fracassos e dificuldades da vida e frente a
diferentes promessas de salvação, espera de Cristo ressuscitado a salvação definitiva da humanidade. Por isto,
em qualquer época, os cristãos que desejam viver fielmente sua fé, de vez em quando deveriam se perguntar:
Quem foi Jesus de Nazaré? Quem é hoje Jesus para nós? O que podemos esperar de Jesus?
A experiência de fé dos primeiros seguidores
Jesus de Nazaré apareceu em um povoado judeu como um personagem de traços proféticos que, depois da
morte de João Batista, causou um forte impacto na sociedade judaica. A originalidade de sua mensagem e de
sua atuação despertou um alvoroço político e expectativas religiosas em seu povo. No entanto, rapidamente se
converteu em motivo de discussões apaixonadas, foi rejeitado pelos setores mais influentes da sociedade
judaica e terminou sua vida muito jovem, executado pelas autoridades romanas que ocupavam o país de Jesus
de Nazaré, terminando no fracasso total frente a seu povo, a seus chefes religiosos e frente aos seus seguidores
mais próximos, parecia estar destinado ao rápido esquecimento.
Mas não foi assim... A poucos dias de sua morte, o círculo de seus temerosos seguidores viveu uma experiência
única: aquele Jesus, crucificado pelos homens, foi ressuscitado por este Deus ao que Jesus invocava com toda
confiança chamando-o de PAI.
À luz da ressurreição, estes homens voltaram a recordar a atuação e a mensagem de Jesus, refletindo sobre sua
vida e sua morte, e trataram de aprofundar cada vez mais a personalidade deste homem surpreendentemente
ressuscitado por Deus. Recorreram a sua palavra não como uma recordação de um morto que passou, mas como
uma “boa nova”, como Evangelho, uma mensagem libertadora confirmada pelo mesmo Deus e
pronunciada agora por alguém que viveu no meio dos seus. Refletiram sobre sua atuação, não para escrever
uma biografia destinada a satisfazer a curiosidades dos povos seguintes, mas para descobrir todo o mistério
deste homem libertado da morte por Deus.
Utilizando linguagens diversas e conceitos procedentes de ambientes culturais diferentes, foram expressando
toda sua fé em Jesus de Nazaré. Nas comunidades de origem judaica, foram reconhecendo a Jesus como O
Messias (o Cristo), tão esperado pelo povo.
Reinterpretaram sua vida e sua morte desde as promessas messiânicas que percorriam a história de Israel. E
foram expressando sua fé em Jesus como o Cristo, atribuindo títulos de sabor judaico (Filho de Davi, Filho de
Deus, servo de Javé, Sumo Sacerdote...). Nas comunidades de cultura grega, viram a Jesus como o único senhor
da vida e da morte; reconheceram a ele como o único salvador possível para o homem e lhe atribuíram títulos
de sabor grego (Imagem do Deus Invisível, Primogênito de toda a criação, Cabeça de tudo o que existe...). De
maneiras diferentes, todos proclamavam uma mesma fé neste homem pelo qual Deus se comunica. Não é
apenas um novo profeta, é o próprio Deus que se fez Carne (Jo 1,14). Neste homem, Deus se fez humanidade
para nossa salvação.
O caminho que recorremos nesse texto
A primeira comunidade foi descobrindo o mistério encerrado em Jesus a partir de uma experiência dupla: O
contato com Jesus durante sua vida e sua exaltação depois da execução na cruz. Se quisermos seguir os passos
desta comunidade, devemos evitar dois erros cristológicos:
1 – Partir unicamente de sua ressurreição, esquecendo totalmente quem foi Jesus de Nazaré, como atuou, que
postura adotou frente à vida, etc. Neste caso, podemos chegar a afirmações muito categóricas sobre Jesus,
chamando-o de Senhor, Messias, Salvador, Filho de Deus, etc, mas desconhecermos sua personalidade concreta
e não podemos aprender dele como devemos enfrentar a vida e alcançar um dia a ressurreição.
2 – Partir unicamente de sua história terrestre, esquecendo-se da ressurreição que dá todo o sentido de sua vida
e sua morte. Neste caso, seríamos meros humanistas, isto é, nos informaríamos da vida de um grande homem
chamado Jesus, mas nunca chegaríamos a descobrir sua verdadeira originalidade como libertador definitivo da
humanidade.
1) - Por isto, trataremos de recorrer a aspectos fundamentais de Jesus de Nazaré que nos ajude a reviver de
alguma maneira a imagem daquele homem que tanto impressionou a seus contemporâneos.
2) - Também, trataremos de penetrar na experiência pascal dos primeiros cristãos para compreender
melhor o que é crer em Cristo Ressuscitado.
3) - Por fim, percorreremos um pouco da história e das formulações cristológicas, que se atreveram a
afirmar algo tão original e escandaloso: Em Jesus de Nazaré, Deus se fez humanidade para nossa
salvação.
Quem é Jesus?
Já sabemos que os Evangelhos não são uma biografia sobre Jesus. Neste sentido, os investigadores se esforçam
hoje para conhecer alguns dados históricos sobre sua vida. São poucos os pontos que se chegam a um acordo
majoritário, mas são suficientes para situar a Jesus de Nazaré.
Nenhum investigador sério duvidaria hoje da existência de Jesus de Nazaré. Discute-se, sim, sobre as datas de
seu nascimento e de sua execução. Os autores só coincidem em que Jesus nasceu antes do ano 4 a.C. Sobre
sua morte, são muitos os que aceitam como data aproximada o ano 30.
Jesus é judeu. Sua mãe é Maria. Sua Pátria é a Galileia, uma região semi-pagã desapreciada por muitos judeus.
Sua língua materna é o arameu, ainda que se conhecesse também o hebraico, a língua litúrgica do povo naquela
época.
Depois de uma vida ordinária de trabalhador, Jesus recebe o batismo de João e começa uma atividade de
pregação pela região da Galileia e mais tarde pela Judéia e Jerusalém.
Utiliza uma linguagem simples, concreta, direta, aguda, que se torna inconfundível quando se utiliza de
pequenas parábolas extraídas da observação da vida cotidiana de seu povo.
Traços da identidade de Jesus
A leitura atenta dos Evangelhos nos permite recorrer os traços fundamentais da vida de Jesus de Nazaré e tomar
consciência da imagem que os primeiros crentes tiveram de sua personalidade
a. Jesus, um homem livre.
A liberdade surpreendente de Jesus é o dado primário e mais afirmado, tanto pela oposição de seus adversários
como pela admiração do povo e da adesão de seus seguidores. Jesus se impõe como um homem livre frente a
tudo e frente a todos os que oferecem obstáculos para sua missão. Jesus é um homem livre frente a seus
familiares que tratam de retira-lo de sua vida peregrinante de anuncio de uma Boa Notícia. (Mc 3,21. 31-35).
Jesus se mantém livre frente ao círculo de seus amigos que querem ditar-lhe como deve ser sua conduta, indo
contra a vontade última do Pai. (Mc 8, 31-33). Jesus, vindo dos ambientes rurais da Galileia, se atreve a
enfrentar e a criticar livremente aos escribas, especialistas da Lei, as classes cultas da sociedade judaica. (Mt
23). Jesus manifesta uma liberdade total frente à pressão social exercida pelas classes dominantes e, de maneira
especial, pelos grupos farisaicos que ab-rogam a única autoridade para interpretar a Lei.
Jesus é livre frente o poder político das autoridades romanas sem entrar em cálculos políticos e jogos
diplomáticos (Lc 13, 31-32; Mt 20, 25-28). Da mesma maneira, se enfrenta com inteira liberdade com os
dirigentes religiosos do Sinédrio judaico (Mc 14, 53-60). Jesus não se deixa arrastar também pelas estratégias
das forças de resistência aos ocupantes romanos (Mc 4, 26-29; Jo 6, 15) defraudando assim as ilusões de muitos
que esperavam um reino judaico messiânico dominador do mundo inteiro Jesus não se deixa escravizar pelas
“tradições dos antigos” que afastavam os judeus da verdadeira vontade de Deus (Mc 7, 1-12). Tão pouco, não
se associa as últimas correntes rabínicas que circulavam na sociedade judaica. (Mt 19, 1-9).
Jesus se manifesta livre frente a ritos, prescrições e leis litúrgicas que ficam vazias de sentido caso se esqueçam
de estar a serviço do homem, e não o contrário. (Mc 3, 1-6; 2, 23-28) e orientadas para um Deus que “quer a
misericórdia e não sacrifícios” (Mt 12, 1-8). Esta liberdade total de Jesus tanto em sua palavra como em sua
atuação, irritou os defensores do sistema legal judaico que desejavam afirmar sua interpretação da Torá.
b. O eixo central da vida de Jesus: a obediência
Obediência = ob-audire = ouvir.
Jesus ouve o Pai na totalidade de sua vida. Portanto, Jesus é referido a um Outro, é descentrado de si,
compreende-se a partir de Outro. O centro da vida de Jesus está no Pai e nos outros. Jo 4,34: “O meu alimento
é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra”. Jo 5,19. 30: Em verdade, em verdade, eu vos
digo, o Filho não pode fazer nada por si mesmo, mas somente o que o Pai mandou fazer; pois o que o Pai faz,
o Filho o faz igualmente. Eu não posso fazer nada por mim mesmo: eu julgo segundo o que ouço, e o meu
julgamento é justo, porque eu não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. Cf Hb 5,7-
10; 10,5-7. É por sua obediência que Cristo é reconhecido pela comunidade como Filho.
c. Um homem para os outros
Jesus é um homem livre para amar. Um homem que dá sempre a última palavra ao amor. Para Jesus já não é a
Lei que deve determinar como devemos nos comportar em cada situação. É o homem necessitado o verdadeiro
critério de atuação. E toda sua vida tem sentido na medida em que serve aos mais necessitados. (Lc 10, 29-37).
Assim viveu Jesus, “não para ser servido, mas para servir” (Mc 10, 45).
Toda sua vida é “entregar-se” pelos outros. Não encontramos nunca a Jesus atuando egoistamente em busca de
seu próprio interesse. Não se preocupa com sua própria fama (Mt 9, 10-13; 11,19). Não busca dinheiro nem
segurança alguma (Mt 8, 20; Lc 16, 13) Não pretende nenhum poder (Jo 6, 15). Não vive para uma esposa sua
nem para uma casa própria. É um homem livre para os demais, um “homem-para-outros”. Sua preocupação é o
homem necessitado. O que impulsiona sua vida é o amor apaixonado por toda a humanidade que considera
irmãos. Um amor amplo, universal (Lc 10, 29-37). Um amor sincero, serviçal (Lc 22,27). Um amor que se
traduz em perdão a seus executores. (Lc 23, 34).
d. Proximidade com os pobres
Jesus não está neutro frente às necessidades e injustiças que encontra junto aos pobres, os marginalizados, aos
desprestigiados, aos enfermos, aos ignorantes, aos abandonados. Sempre está ao lado dos que mais ajuda
necessitam para ser homens livres.
Jesus transita em círculos de má reputação, rodeado de gente suspeitosa, publicanos, ladrões, prostitutas…
pessoas desapreciadas pelas classes mais seletas do mundo judaico. (Lc 7, 36-50). Jesus se aproxima com
simplicidade aos pequenos, as crianças, aos que não seguem a Lei porque simplesmente não a conhecem (Jo 9,
34).
Jesus se aproxima dos enfermos, dos leprosos, dos impuros, homens sem possibilidade na vida, considerados
pecadores aos olhos judaicos (Mc 1, 23-28; 1, 40-45; 5, 25-34). Jesus defende aos samaritanos considerados
como povo estranho e impuro. (Lc 9, 51-55; 10, 29-37). Jesus se preocupa do povo humilde, da massa, das
pessoas desorientadas de Israel (Mc 6, 34; Mt 9, 36), do povo esgotado com as prescrições rabínicas (Mt 23, 4).
e. Serviço Libertador
Jesus não oferece dinheiro, cultura, poder, armas, segurança… mas sua vida é uma Boa Notícia para todo
aquele que busca libertação. Jesus é um homem que cura, que salva, que reconstrói aos homens e os liberta do
poder inexplicável do mal. Jesus traz saúde e vida. (Mt 9, 35). Jesus garante o perdão aos que se encontram
dominados pelo pecado e lhes oferece a possibilidade de reabilitação (Mc 2, 1-12; Lc 7, 36-50; Jo 8, 2-10).
Jesus contagia sua esperança aos pobres, aos perdidos, aos últimos, porque estão chamados a desfrutar na festa
final de Deus (Mt 5, 3-11; Lc 14, 15-24). Jesus descobre no pobre desorientado o rosto humano de Deus. (Mt
11, 25-27) e ajuda aos homens a viver com uma fé total em um futuro que está nas mãos de Deus que nos ama
como Pai. (Mt 6, 25-34). Jesus ajuda aos homens a descobrirem sua própria verdade (Lc 6, 39-45; Mt 18, 2-4),
uma verdade que vai os libertando.
Jesus busca incansavelmente criar uma verdadeira fraternidade entre os homens, abolindo todas as barreiras
culturais, raciais, jurídicas e sociais. (Mt 5, 38-48; Lc 6, 27-38). Se quiséssemos resumir, de alguma maneira, a
atuação de libertadora de Jesus, podemos dizer que desde sua fé total em um Deus que busca a libertação do
homem, Jesus oferece á humanidade a esperança para enfrentar os problemas da vida e até o mistério da morte.
Por que morreu Jesus?
A pergunta nesta altura se torna inevitável: Por que um homem que fez tanto bem em seu tempo foi morto desta
maneira? Jesus não morreu de morte natural. Foi executado como consequência dos conflitos que provocou
com sua atuação.
Por uma parte, colocava em cheque toda instituição legal do povo judeu, privando os dirigentes de sua
autonomia religiosa e social. Por outra parte, o anúncio de um Deus aberto a todos os homens, inclusive aos
estrangeiros e pecadores, coloca em crise o caráter privilegiado do povo judeu e sua aliança com Javé. O Deus
que anunciava não era o Deus da religião oficial judaica.
Jesus também foi acusado de agitador político. Esta acusação era indispensável para obter-se a condenação por
parte do poder romano (cf Lc 23,2-5 e 13-24). E esta foi oficialmente a causa de condenação à morte. A
inscrição colocada no alto da cruz de Jesus dizia claramente: “Este é Jesus, o rei dos judeus” (Mt 27,37).
No entanto, Jesus não pregou uma revolução armada contra a ocupação estrangeira. Certamente, porém, suas
atitudes e suas palavras tinham uma forte conotação política. Jesus não foi, contudo, um agitador político, no
sentido da denúncia apresentada a Pilatos. Mas seus inimigos perceberam bem que a estabilidade daquele
sistema social seria prejudicada pela atuação e pelas palavras daquele Galileu. Conclusão: ele deve morrer!
Será que o sofrimento é mesmo salvador?
Em ambientes cristãos, costuma-se falar frequentemente do valor salvador do sofrimento, com certeza devido
ao significado salvífico atribuído ao sofrimento e à morte de Jesus. Que fomos salvos e remidos pela cruz de
Jesus, pelo sangue derramado, pelo seu sofrimento e morte, é uma afirmação fundamentada na fé do Novo
Testamento, que perpassa toda a história da Igreja. Entretanto, é uma afirmação que exige uma cuidadosa
explicação, pois tem dado margem a interpretações bem distintas do sentido originário.
O sofrimento, considerado em si mesmo, não é salvador. A cruz, sozinha, nada tem de salvadora. A cruz pela
cruz não passa de uma maldição. Salvadora é a vida toda de Jesus. E a razão é simples: a vida de Jesus constitui
a superação do pecado, da situação de não salvação. Pecado, não salvação, consiste na ruptura da relação com
Deus, que implica o desenvolvimento de relações de dominação entre os seres humanos, de um relacionamento
irresponsável face ao meio ambiente de relações mentirosas com o próprio ser interior.
A salvação, entendida como superação do pecado e como saída da situação de não salvação, consiste no
contrário, isto é, na abertura ao dom de Deus, no diálogo entre os seres humanos, na responsabilidade assumida
em relação ao mundo da natureza e na sinceridade no encontro com a própria verdade interior. Assim foi a vida
de Jesus de Nazaré, uma vida radicalmente contraria ao pecado. Em conclusão: a vida vivida por Jesus foi uma
vida salvadora.
Podemos então entender melhor por que a cruz não tem valor salvífico, considerada em si mesma. A cruz
passou a ser salvadora por causa da vida de Jesus. A cruz é salvadora porque constitui o resumo e a
radicalização máxima da entrega de Jesus, vivida durante toda a sua vida. Na adoração da cruz, durante a
Sexta-feira Santa, não é a ela sozinha que devemos adorar (o que seria idolatria). Adoramos o imenso amor de
Deus, manifestado na entrega de Jesus, no amor-serviço, no amor e na obediência vividos até a morte na cruz.
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
OS ACONTECIMENTOS PASCAIS
A ressurreição de Cristo e o mistério cristão do corpo
A ressurreição de Jesus marca o ponto de partida da fé em Cristo. O coração dos primeiros discursos
querigmáticos é a ressurreição (Cf 1Ts 1,9-10; At 2,23-24; 1Cor 15,3-4). É a partir da ressurreição de Jesus que
se desenvolvem importantes temas da cristologia: a “exaltação de Jesus” (cf At 2,33-36; Rm 1,4); a “identidade
divina de Jesus” (cf Rm 9,5; Tt 2,13); a “salvação em Jesus” (cf 1Cor 15,17; 2Cor 5,15; Rm 4,25); a
“pré-existência de Cristo” (cf Rm 8,3).
Mas que Jesus ressuscitou? O corpo e/ou a alma? Conforme Rm 1,3-4 o ressuscitado é a pessoa concreta que
viveu entre nós, com seu corpo e sua alma. Afirmar que apenas a alma de Jesus ressuscita é cair novamente
numa espécie de docetismo. (do verbo dokein = “parecer”) = antiga heresia que afirmava que Jesus havia
tomado apenas a aparência de um corpo humano. Sua encarnação não era, então, real.
Por outro lado, considerar a ressurreição como “reanimação de um cadáver” ou “uma volta à sua vida anterior”
é não compreender o mistério da ressurreição. Há ainda outros que por receio de cair num dos dois extremos
anteriores defende uma teoria que se parece mais com a reencarnação.
Diante deste complexo horizonte, gostaria, apoiando-me sobre numerosos estudos, bastante sérios, de propor
uma interpretação da ressurreição que, sem esvaziar o mistério no que ele tem de indizível, respeita e busca um
meio-termo entre as questões científicas e filosóficas atuais e a afirmação formidável da fé cristã: “Este homem
entregue segundo o desígnio determinado a presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o pela mão dos
ímpios. Mas Deus o ressuscitou, e disto nós somos testemunhas” (Cf At 2,23-24.32). Para falarmos da
ressurreição precisamos tratar do corpo, ou melhor, do que significa a ressurreição do corpo.
O homem e seu corpo
O que é o corpo humano enquanto humano? O corpo é o lugar no qual o ser humano existe. Materialmente
situado no espaço, o corpo é aquilo no que e pelo que o ser humano recebe e vive uma existência pessoal,
exerce e manifesta sua liberdade em sua relação consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus. É
com e através de seu corpo que o ser humano se comunica com os outros, ama, sofre, trabalha, experimenta
alegria e prazer. O corpo é a história do ser humano, de tal modo que, ao final de sua vida, o corpo é
relativamente aquilo que o ser humano fez. Por isso podemos dizer que não temos um corpo, mas que somos
um corpo.
O corpo e a alma no ser humano estão unidos de forma “sacramental”, isto é, um é sinal do outro. Não se pode
falar de uma alma humana ou de um corpo humano como duas realidades separadas. O pensamento de Santo
Agostinho sobre este assunto vem de sua reflexão sobre a encarnação: “... é no e pelo seu corpo, que o Cristo
nos revela seu amor salvador e lhe confere eficácia em nosso mundo”.
Depois da morte do ser humano, seu corpo torna-se cadáver e é o objeto de uma sepultura. Esta mudança de
nome, mas também o respeito que lhe é manifestado traduz o fato de que ele não existe mais e, portanto, de que
não se trata mais de um corpo humano. O cadáver não é mais corpo, pelo simples fato de que não está mais
vivo, de que não é mais um corpo falante e significante.
Permanece de ora em diante inabitado, não é mais o centro das relações de uma pessoa. Mesmo que guarde
provisoriamente a “figura” do corpo ele não tem mais a “forma” real. Permanece, entretanto, um corpo humano
para aqueles que conheceram e amaram o ser falecido: ele é, para eles, o sinal que recorda de toda a sua história
e de todas as experiências que tiveram com ele.
Mesmo diante das ciências modernas e da impossibilidade científica da ressurreição de corpos, a esperança de
uma vida para além da morte é uma constante em todas as culturas humanas ao longo da história. Contudo, a
“vida além da morte” não pode mais ser concebida sob a forma de imortalidade da alma, mas somente como
outro modo de existência do ser humano total (Mt 22, 23-30). Ora, é isto que contém a imagem de uma
ressurreição dos mortos.
O ser humano sabe que vai morrer e vive sua experiência como uma contradição trágica entre seu destino
evidente e seu desejo de viver de maneira absoluta. Nesta situação contraditória o ser humano reclama de
maneira radical e profunda a salvação, isto é: ser salvo é o mesmo que viver para sempre em relação consigo
mesmo, com os outros, com o universo e com Deus. Esse desejo profundo de todo ser humano é a base para a
acolhida da fé na ressurreição, mas não é a fonte desta fé.
O acontecimento da ressurreição de Jesus só é acessível pela fé. O julgamento: “Jesus ressuscitou dos mortos”
não é uma constatação empírica nem o resultado de uma prova científica. É uma expressão de fé que se apoia
em relatos de razoável credibilidade. De fato, os evangelhos mostram que Jesus só se faz reconhecer por
aqueles que tinham fé.
A linguagem da ressurreição
A linguagem da ressurreição usa um termo que é a primeira vista nos parece contraditório, o termo “corpo
espiritual” (Cf 1Cor 15,44). “Corpo espiritual” indica um estado de um corpo perfeito e definitivamente
reconciliado com o espírito. Trata-se assim do mesmo corpo que agora se encontra numa realidade nova. Ele
não é mais corruptível.
Além disso, as narrativas das aparições de Jesus exprimem, no gênero literário da teofania, a condição
transcendente do ressuscitado: entrar num lugar com as portas fechadas, comer, etc. Quando o cristão afirma na
fé a ressurreição de Jesus ele está afirmando duas coisas aparentemente opostas: de um lado, ele compartilha
com as primeiras testemunhas certa compreensão do que significa a ressurreição; por outro lado, não sabe ainda
o que quer dizer “ressuscitar”, uma vez que esta palavra tem um conteúdo escatológico que ele não descobrirá
plenamente até que não esteja ressuscitado.
As aparições do ressuscitado e o túmulo vazio
A origem e o fundamento da fé na ressurreição encontram-se nas aparições. Mas o que será que o Novo
Testamento quer dizer quando afirma que o ressuscitado “apareceu”? O termo grego “osté” (apareceu) é
utilizado por Paulo e por Lucas para designar as aparições (cf 1Cor 15,3-8; Lc 24,34; At 9,17; 13,31). Este
termo tem um significado teológico muito especial. Trata-se de um vocábulo utilizado pela versão dos Setenta
(LXX – tradução da Bíblia hebraica para o grego), precisamente para descrever a revelação de Deus (cf Ex 3,
2.16; 6,3; 16,7-10; Is 40,5). “Osté” significa ação reveladora de Deus.
As aparições do ressuscitado constituem, pois, a revelação de Deus ás testemunhas. Deus revela que aquele
Jesus, morto, está agora plenamente vivo. A fé pascal encontra sua origem nas aparições, isto é, na revelação de
Deus. Este comunica ás testemunhas que Jesus de Nazaré está vivo, plenamente vivo. É fácil, assim, perceber
que as aparições constituem uma experiência de fé. Entretanto, não é a fé que cria o ressuscitado. Ao contrário,
a revelação de Deus a respeito do ressuscitado é que constitui a origem e o fundamento da fé. Neste sentido
teológico, aparições nada têm a ver com “visões” ou “sonhos”.
Qual é, então, o papel do sepulcro vazio na fundamentação da fé na ressurreição de Jesus? A resposta deve ser
dada sem ambiguidades: a fé na ressurreição não se fundamenta no sepulcro vazio. É fácil deduzir que o fato de
alguém encontrar o sepulcro vazio permite várias interpretações: o corpo foi colocado em outro lugar, foi
roubado, etc. (Cf Mt 28,13; Jo 20,13). Os próprios relatos pascais não o apresentam como argumento para
fundamentar a fé na ressurreição. Mas, uma vez aceita a realidade da ressurreição, por causa das aparições, o
sepulcro vazio passa a ser visto como sinal de que Jesus ressuscitou.
A ressurreição de Jesus é “símbolo”, no sentido forte dessa palavra, de nossa salvação. Nossa salvação consiste
na plenitude de uma vida definitiva, na comunhão de vida e de amor com o próprio Deus e com todos os nossos
irmãos. Ao ressuscitar, Jesus inaugura o Reino que ele anunciou por sua mensagem de reconciliação: na cruz,
Jesus dizia o sim absoluto dos homens ao Pai; a ressurreição diz-nos o sim absoluto do Pai a Jesus, a este
homem que deu sua vida por seus irmãos. Jesus entra no mundo do fim, no mundo “escatológico”, ele abre o
caminho que haveremos de trilhar. Sua ressurreição é, assim, a profecia em ato da ressurreição final da carne
(cf 1Cor 5,20; Fl 3,21).
As cristologias do NT
Ao afirmarmos a presença de várias cristologias no NT somos naturalmente levados à seguinte questão: Como
pode haver várias cristologias se Cristo é um apenas? Para respondermos a essa questão temos de nos lembrar
do processo de formação dos Evangelhos bem como dos demais textos do NT. Os textos do NT começaram a
ser formados após a ressurreição de Jesus.
De um lado as comunidades já tinham uma série de tradições, conceitos, concepções, palavras, símbolos que
elas aplicaram a Jesus de Nazaré, agora experienciado como vivo e em companhia de Deus. Jesus era então o
novo Adão, a nova criação, o Filho de Deus, o profeta animado por Deus através do Espírito, o sábio ou mestre
de sabedoria, a encarnação da sabedoria divina, o Verbo de Deus Pai, etc.
As comunidades buscam, portanto, fazer uma interpretação da vida de Jesus a partir dos conceitos disponíveis,
da memória dos gestos e palavras de Jesus e da presença de Cristo ressuscitado no meio deles. A cristologia,
portanto, consiste nesse círculo de interpretação, nesse diálogo ou nesse movimento regressivo e progressivo
entre Jesus e os títulos ou categorias que são utilizados para interpretá-lo. Novos títulos, conceitos ou
caracterizações são concedidos a Jesus para elucidar sua obra e sua pessoa; A cristologia é interpretação de
Jesus ressuscitado. Apresentaremos algumas cristologias do NT a partir dos títulos atribuídos a Jesus:
O novo Adão
Cf 1Cor 15,21-23.45-49
Jesus é comparado a Adão porque ambos determinam o destino de todo o gênero humano. Pelo ato de
desobediência de Adão desencadeia-se uma história de pecado em que todos os seres humanos estão
envolvidos. Pela obediência de Cristo inaugura-se uma nova era de absolvição, justiça e vida (Rm 15,18-19).
Outra interpretação possível é a de que Cristo sendo o novo Adão recupera toda a criação. Jesus situa-se,
portanto, no centro da história: antes dele – uma história de pecado; depois dele – história de salvação.
Quem é Jesus então, nessa cristologia? É o segundo e definitivo Adão. A comparação com Adão torna claro que
Jesus é um ser humano. Não se trata de uma cristologia da preexistência (isto é, da existência de Jesus junto ao
Pai antes de todos os tempos), mas de uma cristologia em dois estágios: 1) aquele que é comparado a Adão é
Jesus de Nazaré, que aceitou a morte por um gesto de obediência; 2) aquele que foi ressuscitado e exaltado e
agora é quem determina a humanidade no fim dos tempos. Jesus Cristo, o ser humano, foi o veículo da ação
amorosa de Deus para com a humanidade (Rm 5,8), e agora Jesus Cristo está ressuscitado e exaltado com Deus.
Nesta cristologia destaca-se, ainda, o estreito vínculo com a soteriologia. (Cf Fl 2,6-11).
Filho de Deus
No evangelho de Marcos: Cf 1,1; 1,11; 9,7; 14,61; 15,39. Mc 1,11, se conclui a cena concisamente descrita do
batismo de Jesus por João no início de seu ministério público. Após seu batismo, Jesus vê o Espírito descer
sobre si e ouve a voz vinda do céu: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”. Essa declaração é
modelada com base no Sl 2,7, em que Deus diz ao recém-entronizado rei de Israel: “Tu és meu filho, eu hoje te
gerei”. Mas o rei é representante da nação, e um uso judaico, a noção mais fundamental de Filho de Deus
descreve a nação de Israel como povo escolhido de Deus. Jesus, portanto, é caracterizado como aquele em
quem a filiação de Israel está sendo realizada. Jesus é um filho bem-amado; desfruta de um status único. Deus
nele se compraz por causa de sua obediência à vontade divina.
O relato da transfiguração (Mc 9,2-8) acrescenta ainda outros elementos ao título de “Filho de Deus”. “Este é o
meu Filho amado; ouvi-o” (9,7). Por fim, Marcos encerra a vida de Jesus (15,39) com a mesma designação que
se encontra no título (1,1) e na inauguração do ministério de Jesus por ocasião de seu batismo (1,11). O título
de Filho de Deus aplicado a Jesus aparece em vários outros textos do NT. Cf 1Ts 1,10; Gl 2,20; Rm 1,3.4.9;
5,10; 8,3.14.19.29.32; Cl 1,13s
Verbo (logos) de Deus
Cf Jo 1,1-18. Apresenta a Cristologia da pré-existência de Cristo junto ao Pai. O Logos (Cristo) não entra na
carne nem dela se reveste, mas torna-se carne. O texto bíblico reforça aqui o realismo da encarnação. Trata-se
ainda de uma cristologia poética e imaginativa. Sua tarefa primeira é a de ser um hino de louvor a Deus e não
um tratado explicativo de teologia acerca da encarnação de Cristo. Quando interpretada de acordo com seu
gênero, essa cristologia poética faz o Espírito humano elevar-se consigo. Dota a cristologia com a força da
sacralidade; retoma a impressionante afirmação da fé cristã de que é Deus que se encontra em Jesus, na carne,
de modo que Deus verdadeiramente nele se revela. (Cf também: Fl 2,6-8)
Cristo
(Cf Mc 8,29-33). O termo Cristo (em grego, “Christos”, em hebraico “Maschiah” = messias) significa
“ungido”. Eram ungidos com óleo os homens encarregados por Iahweh de alguma missão ou tarefa especial em
relação ao povo de Israel. Assim, o termo “Maschiah” era aplicado ao rei (Cf 1Sm 26,9; 9,16; 10,1), ao
sacerdote (Cf Ex 28,41) e até a um pagão, como é o caso do rei Ciro (Cf Is 45,1).
A partir do reinado de Davi (Cf 2Sm 7,12-16) surge a ideia de um Messias-Rei que seria da dinastia de Davi.
As figuras como “Servo de Iahweh” (Cf Is 42,1-7; 49,19), um sacerdote-rei (Cf Zc 4,11-14) ou “Filho do
homem” (Cf Dn 7,13) são associadas ao longo do tempo à figura do messias esperado. É a partir dessa
expectativa messiânica que, no NT, os cristãos atribuirão todos esses títulos a Jesus. Mas é bom lembrar que
somente depois da morte-ressurreição de Jesus que os discípulos compreendem plenamente que tipo de messias
(ou Cristo) era Jesus. Cf também: 1Ts 1,1; 2Ts 1,1.2.12; 1Cor 15,3-4; 2Cor 1,2; Gl 1,1.
Senhor (kyrios)
É, sobretudo, através desse título que a comunidade cristã passa a afirmar a condição divina de Jesus. O nome
de Deus no AT revelado através do tetragrama IHWH nunca era pronunciado. Em seu lugar os judeus diziam
“Adonai” e foi traduzido pra o grego, na Versão dos Setenta, pelo termo “Kyrios” (Senhor). Quer dizer: o termo
Kyrios, antes de Jesus Cristo, já era utilizado para designar o Deus da revelação bíblica. Contudo, os discípulos
aplicaram o título “Senhor” a Jesus após a Páscoa. Cabe notar que a afirmação explícita da condição divina se
encontra apenas em dois textos do NT: Rm 9,5 e Tt 2,13. Além dessas referências merece destaque os textos de
Fl 2,6-11 e aqueles textos que aplicam o nome divino “Eu sou” a Jesus: Cf Jo 5,18; 8, 24.28.58; 13,19.
Outros títulos
Muitos outros títulos são aplicados a Jesus. Destacamos os seguintes:
Títulos de Ocorrência
(juiz): dia de Cristo 1Ts 1,9-10; 4,14-16
Salvador 1Ts 5,9; 1Cor 15,3-8.11-20
Sabedoria de Deus 1Cor 1,17-31; 2,1-16
A imagem de Deus 2 Cor 4,4
Mistério Cl 1,27; 2,2-3
Vitorioso Cl 2,15
Sumo Sacerdote Hb 4,14 – 5,10
CONCÍLIOS CRISTOLÓGICOS
Os 4 grandes Concílios Cristológicos da Igreja Primitiva
Os Concílios são momentos de orientação e reorganização da própria Igreja. Não pretendem substituir a Palavra
de Deus, apenas preservar o que há de específico na experiência cristã de Jesus, partindo das questões
problematizadas em cada contexto. Para as primeiras comunidades e para o Novo Testamento, Jesus de Nazaré
foi tomado como Senhor e Salvador, ressaltando uma perspectiva histórico-salvífica. Porém, na medida em que
foi acontecendo a inculturação (Passagem do judaísmo ao helenismo/judeu-cristianismo), e que a fé cristã foi
obrigada a aprofundar sua experiência (provocado pelas heresias e pelo esforço em atualizar de acordo aos
valores e expressões da cultura), A problemática de fundo dos concílios cristológicos está em responder de
forma essencialista a humanidade divindade de Jesus.
Concílio de Nicéia (325)
Problemática: Filiação Divina de Jesus. Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus?
Contexto: Aparece a dificuldade de situar Jesus dentro de uma fé monoteísta. Para os gregos, Deus e o mundo
são duas grandezas separadas. Na passagem do Cristianismo da cultura judaica para a helênica, a concepção
cristã de que Jesus é verdadeiro homem e verdadeiro Deus é questionada. “O verbo se fez carne” – ou se nega a
divindade ou a humanidade.
Arianismo: (Ário, padre de Alexandria). Nega que o Filho de Deus fosse de natureza igual ao Pai. O Filho
seria inferior ao Pai, porque foi criado por Deus no tempo e feito seu instrumento. Era um intermediário entre
Deus e o mundo, e não um mediador. Postura intermediária: nem verdadeiro Deus, nem verdadeiro homem.
Resposta de Nicéia: Jesus não é um ser intermediário. Jesus é da mesma natureza (substância) do Pai e
encarnou para salvar a humanidade. Se ele não é Deus, logo também não salva. Jesus é o Deus de Deus, Luz da
Luz. Jesus teve corpo e alma porque assumiu plenamente a humanidade. Nicéia mostrou o vínculo estreito entre
soteriologia e cristologia, entre o que Jesus é para nós e o que ele é em si mesmo.
Concílio de Constantinopla I (381)
Questão central: trata sobre a humanidade de Jesus.
Apolinário: Jesus é perfeito Deus. Porém, duas coisas acabadas e perfeitas não podem consistir numa única
realidade. Logo, a humanidade de Cristo não pode ser perfeita. Em Jesus não há a união entre corpo e alma.
Resposta do Concílio: Se Jesus não tinha a alma como a nossa, não podemos dizer que a nossa alma foi salva.
Pela fé confessamos que ele assumiu a humanidade inteira, corpo e alma. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Isso reforça a fé de Nicéia.
Concílio de Éfeso (431)
Questão central: Filiação Divina de Jesus.
Problemática: Nestório de Antioquia rejeita o realismo da encarnação. O verbo de Deus estaria presente e
atuante no homem Jesus como num templo e agindo nele. (Nestório vai mais além do docetismo, que reduzira
a humanidade de Jesus a simples aparência). O fato de o homem Jesus ter sido gerado, não poderia referir-se ao
Filho de Deus, por isto Maria não poderia ser chamada de theotókos, apenas mãe de Cristo: kristotókos.
Resposta de Éfeso: Explicitou o mistério da encarnação de Jesus segundo a “união hipostática”; há uma
unidade na união da natureza humana e divina em Jesus. Jesus foi homem-Deus desde o seio materno. Maria é
a mãe do verbo encarnado, por isto theotókos. E Círilo de Alexandria complementa que o “que nasceu do Pai e
o que nasceu de Maria são um e o mesmo; o Deus de Deus, Luz da Luz. Não acontece uma transformação do
logos em homem. A divindade segue sendo divindade e a humanidade segue sendo humanidade. Portanto, se
podemos chamar ao logos, homem; podemos dizer que ele nasceu de Maria e que padeceu e morreu”.
Concílio de Calcedônia (451)
Questão Central: O monofisismo – o humano de Jesus é assimilado pelo divino?
Contexto: O Concílio de Calcedônia (451), vem completar a afirmação de Éfeso, já que na “união
hipostática”, não fica clara a distinção entre a divindade e humanidade em Jesus. Sobretudo, a
terminologia hypostasis enfatiza a unidade em nível ontológico, na medida em que a realidade última que
subsiste em Jesus é o Verbo. Por isso, este Concílio formulou de forma mais clara a legítima autenticidade da
humanidade de Jesus.
Além das objeções a Éfeso, no período deste Concílio irrompiam ainda no ambiente cultural 2 heresias. Por um
lado, o monofisismo iniciado pelo monge egípcio Êutiques afirmava que em Jesus, a natureza humana foi
absorvida pela divina, por isso a concepção de 1 só natureza.
Por outro lado, o monge antioqueno Nestório situava-se na outra extremidade da problemática sobre a
encarnação, afirmando que as 2 naturezas uniam-se a Cristo, mas formando 2 pessoas. Neste sentido, Deus
poderia até ter habitado no homem, mas não se constitui homem nem aconteceu autêntica encarnação.
Calcedônia foi uma reação a estes conflitos.
Para Êutiques, a humanidade de Jesus e a divindade formam em Cristo uma única natureza (o que levava
de fato, à conclusão, de que o único que conta é a natureza divina: em Cristo não mais que uma só natureza, a
divina). Em Cristo, a humanidade se dissolve na divindade. Êutiques defendia a seguinte versão: Cristo consta
de “duas naturezas” o que equivalia dizer que antes da encarnação já existia as duas naturezas, que em Cristo se
uniram para formar uma só; e nessa união só se mantém a natureza divina.
Resposta de Calcedônia: a humanidade e a divindade de Jesus estão unidas. Quando fala das duas naturezas
substitui a hipóstase pela pessoa. Dá-se a unidade em Jesus Cristo enquanto pessoa e enquanto natureza. Mas a
dualidade existe e é real. Jesus é totalmente Deus e totalmente homem.
Segundo a explicitação de Calcedônia, Deus se fez homem para que a humanidade se divinizasse. A intuição do
Concilio foi clara: Jesus é Deus para a salvação da humanidade, e é homem também para a salvação da
humanidade. Deus se fez homem para divinizar a humanidade, e tudo o que é plenamente humano é
inegavelmente de Deus. “Em Jesus, a mais alta modalidade de união com Deus convive com a autonomia total
da natureza. Intimidade absoluta com autenticidade completa”. Este é o paradoxo da encarnação: Deus não
deixa de ser Deus por ser verdadeiramente humanidade, nem o homem deixa de ser homem por ser
verdadeiramente Deus.
A dogmática cristológica de Calcedônia quis responder ao problema da unidade e dualidade em Jesus. A
máxima deste Concílio enunciou que Jesus Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Por isso,
os 4 advérbios de Calcedônia (Dz 302), tratam de conciliar logicamente a unidade e a distinção de naturezas
em Cristo. Trata-se de 2 naturezas, sem confusão e sem mudança, respondendo ao problema da dualidade
(Contra Êutiques).
Na união, uma das naturezas não suprime, não altera, não transforma, não se adapta na outra. Por exemplo: é
inconcebível que a natureza divina de Jesus absorva sua natureza humana, ou vice-versa. E também, estas 2
naturezas sem divisão, sem separação, respondendo ao problema da unidade (Contra Nestório). Não é possível
distinguir o que é humano do que é divino em Jesus. Por exemplo: O mesmo Jesus é Senhor, o próprio Deus é o
que chora, que morre em Jesus; e é o próprio homem que realiza ações poderosas em Jesus.
Na realidade, o que Calcedônia fez foi retornar ao querigma primitivo, formulando-o segundo sua
jurisprudência. A problemática abordada por Calcedônia já aparecia nos relatos do Novo Testamento. É
Fundamental aceitar que ninguém nunca viu Deus, a não ser transparecido no homem Jesus. O escândalo do
Cristianismo apareceu na dificuldade em compreender como foi possível que Deus se relacionasse de forma tão
direta com a humanidade através de Jesus. Por isso, os judeus que esperavam um Messias Glorioso, tiveram
muita dificuldade em nomear o simples homem Jesus como este Messias. Isso que o querigma primitivo
explicitava ao apontar que a própria identidade de Jesus é dual. O mesmo Jesus terrestre é o Cristo Glorificado.
Calcedônia nos alerta que não podemos entender a natureza divina por nossas categorias. Só por Jesus
conhecemos a Deus. O problema é que ainda hoje se procura fazer Deus segundo nossa imagem e semelhança.
E ainda hoje, atinamos em separar o humano e o divino em Jesus. Por exemplo: Jesus chora (lado humano);
Jesus cura (lado divino). Isto é um erro. Não se separa em Jesus estes dois lados, estes concorrem, correm
juntos. Jesus é um homem que em sua mesma humanidade está cheio de Deus, e por isto é a plenitude
incontestável do humano. Importante esta formulação para concluirmos que a revelação de Deus em Jesus é
para nós a revelação do que é o homem. A teologia não pode optar pelo mundano e esquecer o escatológico, tão
pouco deixar de buscar a escatologia em outro lugar fora do mundo terrestre.
O “Jesus Histórico”
A distinção entre “Cristo da fé” e “Jesus histórico”, não é própria do NT nem da tradição eclesial posterior. Ela
só aparece e se desenvolve no mundo moderno, com suas exigências de cientificidade, especialmente no campo
da história.
No fundo trata-se em descobrir a história de Jesus e a sua perspectiva cristológica do NT. É uma aproximação
da cristologia do NT sem suprimir toda história anterior. A história de Jesus é significativa para a fé e
determina a mensagem cristológica. O conteúdo da fé nos chega na figura de Jesus. Neste sentido, pode se dizer
que o Jesus histórico é o fundamento e o conteúdo da fé. Essa recuperação histórica de Jesus está persuadida
por alguns fatores ou características:
1. Os impasses da teologia tradicional. Criaram uma imagem de Jesus; maneira concreta de relacionasse
com ele.
2. Uma das características da história moderna é a tomada de consciência que passa de uma filosofia,
para uma consciência histórica, ou seja, a passagem tem dois elementos importantes (antropologia): a
condição de sujeito e a passagem da concepção abstrata para uma consciência de história.
O mais importante da questão histórica sobre Jesus é que ela nos despertou para a teologia. Nesse sentido, o
desafio da Cristologia é reconhecer a figura de Jesus como Deus (Jesus como expressão de Deus). O desafio
consiste não somente exegeticamente, mas a minha fé depende e repousa no acontecimento da pessoa chamada
Jesus de Nazaré. Por isso, a fé cristã está definitivamente vinculada á história de Jesus. Nele aparece a
experiência humana, plena e divina, de uma maneira nova e diferente. Portanto, só se pode ter fé na medida em
que essa maneira de crer nos sustenta e nos dá sentido à vida. No fundo, é o que busca a Cristologia. Pois, essa
fé está depositada na pessoa de Jesus, isto é, em Jesus histórico.
Na fé do NT não existe ruptura entre o Jesus terrestre e o Cristo glorificado. Estão presentes os mesmo sujeitos,
embora apresentado em duas distintas etapas de sua existência. Devemos ter presente também que: aí toda
ciência é interessada; não há ciência neutra. Todo conhecimento é interessado; por exemplo: toda história é
interpretação. Hoje caímos na mesma tentação quando falamos de Cristo da fé e de Jesus histórico. O
Evangelho é historia e fé: não podemos separar essas duas realidades.
COMO PENSAR A CRISTOLOGIA HOJE?
Aqui voltamos ao início do nosso estudo. É fundamental para os seguidores do século XXI conhecerem
profundamente àquele que estão seguindo, aquele que chamam de Cristo. “Quanto ao fundamento, ninguém
pode lançar outro que não seja o já posto: Jesus Cristo.” (1Cor 3,11). Embora aparentemente seja óbvio que
Jesus seja o fundamento do cristianismo, a cristologia historicamente se afastou desse fundamento e se refugiou
numa linguagem abstrata e vazia. Daí que atualmente a tarefa mais urgente da cristologia seja a de resgatar a
centralidade de Jesus. Um cristão que não conheça a Jesus, não pode ser considerado cristão.
Configurar-se com Cristo significa fazer da nossa vida uma imagem e semelhança de Deus, e não fazer de Deus
à nossa Imagem e semelhança. Vimos como o Novo Testamento enseja várias cristologias, unidas entre si em
sua essência. Isto aponta também para algo bem concreto: Já não é mais possível uma cristologia válida para
todos os tempos e lugares. A reflexão cristológica deve ser feita em cada igreja local, determinando seu
contexto cultural, social, político, econômico, etc... A cristologia há de ser, necessariamente, local e histórica,
salvaguardando, é claro, os princípios Neo-Testamentários, as formulações dogmáticas cristológicas e o
percurso já realizado pelas reflexões cristológicas na história do ocidente.
Com o aparecimento dos movimentos neo-pentecostais, o Espírito Santo parece ser um ente absoluto na
economia da salvação cristã. Uma reflexão cristológica atual enfatiza que entre Jesus Cristo e o Espírito Santo
não há duas economias de salvação, mas uma única. São interdependentes e complementares. Jesus Cristo é o
evento da salvação e, como tal, centraliza o desígnio de Deus para a humanidade e sua concretização histórica.
Esse acontecimento, porém, continua contemporâneo em todos os tempos da história, pela força do Espírito
Santo. Portanto, a cristologia só pode ser do Espírito, e o Espírito só pode ser o do Cristo.
Em Jesus Cristo, revela-se um “Deus diferente”. Não no sentido de que ele é outro Deus, mas no sentido de que
o Deus único falou e se comunicou, pessoalmente, “por muitas vezes e de muitos modos” (Hb 1,1), ao longo da
história da salvação. E celebrou com Israel uma aliança permanente; “ao chegar à plenitude dos tempos” (Gl
4,4), profere, pelo verbo feito carne (cf Jo 1,14), sua palavra decisiva para a humanidade, chamando-a a
compartilhar a filiação de seu próprio Filho (cf Gl 4,6; Rm 8,15). O “Deus de Abraão, o Deus de Isaac, de Jacó”
tornou-se para nós o “Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1,3; 2Cor 11,31).
Nele e somente nele descobrimos, verdadeiramente, o que e quem Deus quis ser para nós, o que e quem ele é
em si mesmo. Jesus, é portanto, a “face humana de Deus”. Sua face humana, por outro lado, é o símbolo e a
imagem das relações pessoais de Deus com a humanidade. A imagem de Deus impressa no rosto de Jesus
constitui a imagem de um Deus que, livremente, quis se auto esvaziar em sua própria autodoação.
Em Jesus, como dissemos, Deus-para-os-homens-de-modo-humano. Livre em sua autodoação, o Deus de Jesus
é também um Deus que liberta e resgata: “Jesus, o libertador” transmite-nos, de forma humana, a liberdade com
que Deus nos liberta para sermos filhos seus (Rm 8,21; 2Cor 3,17; Gl 4,31; 5,13). A imagem trinitária de Deus
manifesta em Jesus, constitui o símbolo de efusão amorosa de Deus em benefício da humanidade, no livre e
libertador de si mesmo.
Para sempre e pessoalmente Deus se uniu com a humanidade, por vínculo indissolúvel, e permanece hoje
comprometido com ela, de modo irrevogável, em toda a Graça de um deus que amou primeiro a sua Criação.
Bibliografia
DUPUIS, Jacques. Introdução à Cristologia. São Paulo: Loyola, 1999.
MESTERS, Carlos. Com Jesus na contramão. São Paulo: Paulinas, 1995.
PAGOLA, José Antonio. Jesus: uma aproximação histórica. São Paulo: vozes, 2011.
QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a ressurreição. São Paulo: Paulinas, 2004.
SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador: a história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes, 1994.

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  • 1. NOÇÕES BÁSICAS DE CRISTOLOGIA Pe. Antonio Carlos Portes Introdução Quem foi Jesus? Que segredo se esconde nesse Galileu fascinante, nascido a dois mil anos numa aldeia insignificante do Império romano e executado como um malfeitor perto de uma antiga pedreira, nos arredores de Jerusalém, quando beirava os 30 anos? Quem foi esse homem que marcou decisivamente a religião, a cultura e a arte do ocidente, chegando até impor inclusive seu calendário? Ninguém teve poder tão grande sobre os corações; ninguém expressou como ele as inquietudes e interrogações do coração humano; ninguém despertou tantas esperanças. Por que seu nome não caiu no esquecimento? Por que, ainda hoje, quando as ideologias e religiões, passam por uma profunda crise, sua pessoa e sua mensagem continuam alimentando a fé de tantos milhões de homens e mulheres? Jesus começou sua missão na Galileia quando o povo judeu vivia uma profunda crise religiosa. Levavam muito tempo sentindo a distância de Deus. Os céus estavam “fechados”. Uma espécie de muro invisível parecia impedir a comunicação de Deus com o Seu povo. Ninguém era capaz de escutar a Sua voz. Já não havia profetas. Ninguém falava impulsionado pelo Seu Espírito. Desde o tempo dos Macabeus se configurou um tempo de profundo silêncio e crise de Esperança para o povo de Israel. O mais duro para o povo era essa sensação de que Deus os tinha esquecido. Já não se preocupava os problemas de Israel. Por que permanecia oculto? Por que estava tão longe? Seguramente muitos recordavam a ardente oração dos antigos profetas que rezavam assim a Deus: “Oxalá rasgasses o céu e baixasses”. Nesse contexto os primeiros que escutaram o evangelho de Marcos tiveram que ficar surpreendidos. Segundo o seu relato, ao sair das águas do Jordão, depois de ser batizado, Jesus “viu rasgar-se o céu” e experimentou que “o Espírito de Deus baixava sobre ele” (Mc 1, 7-11). Por fim era possível o encontro com Deus. Esse encontro se deu em um homem que se chamava Jesus e vinha de Nazaré. Sobre a terra caminhava um homem cheio do Espírito de Deus. Sem esse Espírito – o Espírito de Jesus – tudo se apaga no cristianismo. A confiança em Deus desaparece. A fé debilita-se. Jesus fica reduzido a um personagem do passado, o Evangelho converte-se em letra morta. O amor arrefece e a Igreja não passa de ser mais uma instituição religiosa. Sem o Espírito de Jesus, a liberdade afoga-se, a alegria apaga-se, a celebração converte-se em rotina, a comunhão perde a força. Sem o Espírito a missão fica esquecida, a esperança morre, os medos crescem e o seguir Jesus termina em mediocridade religiosa. O nosso maior problema é o esquecimento de Jesus e o descuido do Seu Espírito. Por isso creio que temos de voltar à raiz; voltar às fontes; recuperar o Evangelho em todo seu frescor e verdade, batizar-nos novamente – enquanto Igreja católica – com o Espírito de Jesus. Para atualizar esse Espírito na vida de nossa comunidade vamos refletir e aprofundar os passos que a Igreja já deu no encontro com a pessoa de Jesus.
  • 2. A problemática cristológica O termo “Cristologia” mostra o objetivo dessa disciplina: um “saber sobre Cristo” ou ainda uma “ciência que tem por objeto o Cristo”. Portanto, a pergunta que a cristologia busca responder: Quem é Jesus? Essa mesma pergunta Jesus dirigiu aos seus discípulos em: (Mc 8,27b-ss). No caminho, ele interrogava seus discípulos: “Quem sou eu, no dizer dos homens?” Eles lhe disseram: “João, o Batista; para outros, Elias; para outros ainda, um dos profetas”. E ele lhes perguntava: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Tomando a palavra, Pedro lhes responde: “Tu és o Cristo”. Ainda hoje a pergunta de Jesus continua recebendo inúmeras e contraditórias respostas tais como: “um mito”, “o meu Senhor”, “o poder de cura divino”, “o médico dos médicos”, “uma alma superior”, “um Mestre Espiritual vindo de outro planeta!”, “um milagreiro”, “um revolucionário político”, etc. São muitas as opiniões sobre Jesus tanto ontem como hoje. Não deve nos espantar o fato de que mesmo no NT encontramos respostas distintas para essa mesma pergunta. O movimento de volta ao religioso, típico da pós-modernidade, encontra na Nova Era uma típica expressão. Trata-se de uma fusão aleatória de elementos de diversas tradições religiosas segundo o critério de cada subjetividade. Nesse cenário não é de se espantar que até mesmo a figura de Cristo seja assimilada da mesma forma que a de Buda, Francisco de Assis, Chico Xavier, Maomé, etc. Essa diversidade de respostas acaba por esvaziar a figura de Jesus de todo sentido. Para responder a pergunta sobre Jesus, de modo mais autêntico possível, é necessário recorrer ao testemunho das primeiras comunidades de cristãos. É através desse testemunho que nos chegaram praticamente tudo o que sabemos sobre Jesus. Somos ajudados a penetrar no mistério do “acontecimento Jesus”, isto é, somos afetados – através da narrativa – pela vida, morte e ressurreição de Jesus e pelo que elas despertaram naqueles que viveram “com Jesus”. Por isso os evangelhos, como os demais textos do NT, não são uma biografia ou crônica sobre Jesus. Os textos evangélicos são um anúncio da fé em Jesus Cristo á luz da totalidade de sua vida. Só assim é possível compreender que dados históricos e experiência de Fé estão inseparavelmente misturados nos textos do NT. Mas qual a necessidade da pergunta por Jesus? São Paulo nos responde com muita clareza: “Quanto ao fundamento, ninguém pode lançar outro que não seja o já posto: Jesus Cristo.” (1Cor 3,11). Embora aparentemente seja óbvio que Jesus seja o fundamento do cristianismo, a cristologia historicamente se afastou desse fundamento e se refugiou numa linguagem abstrata e vazia. Daí que atualmente a tarefa mais urgente da cristologia seja a de resgatar a centralidade de Jesus para a fé cristã. A perda da referência explicita a Jesus conduziu o cristianismo, sobretudo o católico, a “confundir” evangelização com doutrinamento, isto é, “seguir Jesus” se tornou o mesmo que “seguir doutrinas” ou “aderir a normas”. Aos poucos a humanidade de Jesus foi esquecida e em seu lugar acentuou-se as afirmações dogmáticas que, pela complexidade da linguagem filosófica, pouco ajudaram na formação da fé do povo simples. Uma consequência desastrosa desse esquecimento foi um crescente divórcio entre fé e vida. Os absurdos teológicos que encontramos em muitas expressões da devoção popular encontram sua raiz mais remota nesse esquecimento dos evangelhos e de sua explicita centralidade em Jesus. A “moralidade cristã” não parte de leis e obrigações, mas parte de um “fascínio”, de um desejo de configuração com Cristo na medida que adentramos no seu mistério de salvação. A fé cristã não consiste também em observar umas leis e prescrições morais procedentes da tradição judaica (por exemplo: os 10 mandamentos), mas consiste em aceitar a Cristo como modelo de vida no qual podemos descobrir a grande tarefa que deve realizar a humanidade. O cristão é, portanto, um homem que frente a diversas atitudes e estilos de viver e comportar-se, recorre a Cristo como critério último de atuação frente ao Pai e aos irmãos.
  • 3. O cristão é, portanto, um homem ou uma mulher que em meio aos fracassos e dificuldades da vida e frente a diferentes promessas de salvação, espera de Cristo ressuscitado a salvação definitiva da humanidade. Por isto, em qualquer época, os cristãos que desejam viver fielmente sua fé, de vez em quando deveriam se perguntar: Quem foi Jesus de Nazaré? Quem é hoje Jesus para nós? O que podemos esperar de Jesus? A experiência de fé dos primeiros seguidores Jesus de Nazaré apareceu em um povoado judeu como um personagem de traços proféticos que, depois da morte de João Batista, causou um forte impacto na sociedade judaica. A originalidade de sua mensagem e de sua atuação despertou um alvoroço político e expectativas religiosas em seu povo. No entanto, rapidamente se converteu em motivo de discussões apaixonadas, foi rejeitado pelos setores mais influentes da sociedade judaica e terminou sua vida muito jovem, executado pelas autoridades romanas que ocupavam o país de Jesus de Nazaré, terminando no fracasso total frente a seu povo, a seus chefes religiosos e frente aos seus seguidores mais próximos, parecia estar destinado ao rápido esquecimento. Mas não foi assim... A poucos dias de sua morte, o círculo de seus temerosos seguidores viveu uma experiência única: aquele Jesus, crucificado pelos homens, foi ressuscitado por este Deus ao que Jesus invocava com toda confiança chamando-o de PAI. À luz da ressurreição, estes homens voltaram a recordar a atuação e a mensagem de Jesus, refletindo sobre sua vida e sua morte, e trataram de aprofundar cada vez mais a personalidade deste homem surpreendentemente ressuscitado por Deus. Recorreram a sua palavra não como uma recordação de um morto que passou, mas como uma “boa nova”, como Evangelho, uma mensagem libertadora confirmada pelo mesmo Deus e pronunciada agora por alguém que viveu no meio dos seus. Refletiram sobre sua atuação, não para escrever uma biografia destinada a satisfazer a curiosidades dos povos seguintes, mas para descobrir todo o mistério deste homem libertado da morte por Deus. Utilizando linguagens diversas e conceitos procedentes de ambientes culturais diferentes, foram expressando toda sua fé em Jesus de Nazaré. Nas comunidades de origem judaica, foram reconhecendo a Jesus como O Messias (o Cristo), tão esperado pelo povo. Reinterpretaram sua vida e sua morte desde as promessas messiânicas que percorriam a história de Israel. E foram expressando sua fé em Jesus como o Cristo, atribuindo títulos de sabor judaico (Filho de Davi, Filho de Deus, servo de Javé, Sumo Sacerdote...). Nas comunidades de cultura grega, viram a Jesus como o único senhor da vida e da morte; reconheceram a ele como o único salvador possível para o homem e lhe atribuíram títulos de sabor grego (Imagem do Deus Invisível, Primogênito de toda a criação, Cabeça de tudo o que existe...). De maneiras diferentes, todos proclamavam uma mesma fé neste homem pelo qual Deus se comunica. Não é apenas um novo profeta, é o próprio Deus que se fez Carne (Jo 1,14). Neste homem, Deus se fez humanidade para nossa salvação. O caminho que recorremos nesse texto A primeira comunidade foi descobrindo o mistério encerrado em Jesus a partir de uma experiência dupla: O contato com Jesus durante sua vida e sua exaltação depois da execução na cruz. Se quisermos seguir os passos desta comunidade, devemos evitar dois erros cristológicos: 1 – Partir unicamente de sua ressurreição, esquecendo totalmente quem foi Jesus de Nazaré, como atuou, que postura adotou frente à vida, etc. Neste caso, podemos chegar a afirmações muito categóricas sobre Jesus, chamando-o de Senhor, Messias, Salvador, Filho de Deus, etc, mas desconhecermos sua personalidade concreta e não podemos aprender dele como devemos enfrentar a vida e alcançar um dia a ressurreição. 2 – Partir unicamente de sua história terrestre, esquecendo-se da ressurreição que dá todo o sentido de sua vida e sua morte. Neste caso, seríamos meros humanistas, isto é, nos informaríamos da vida de um grande homem chamado Jesus, mas nunca chegaríamos a descobrir sua verdadeira originalidade como libertador definitivo da humanidade.
  • 4. 1) - Por isto, trataremos de recorrer a aspectos fundamentais de Jesus de Nazaré que nos ajude a reviver de alguma maneira a imagem daquele homem que tanto impressionou a seus contemporâneos. 2) - Também, trataremos de penetrar na experiência pascal dos primeiros cristãos para compreender melhor o que é crer em Cristo Ressuscitado. 3) - Por fim, percorreremos um pouco da história e das formulações cristológicas, que se atreveram a afirmar algo tão original e escandaloso: Em Jesus de Nazaré, Deus se fez humanidade para nossa salvação. Quem é Jesus? Já sabemos que os Evangelhos não são uma biografia sobre Jesus. Neste sentido, os investigadores se esforçam hoje para conhecer alguns dados históricos sobre sua vida. São poucos os pontos que se chegam a um acordo majoritário, mas são suficientes para situar a Jesus de Nazaré. Nenhum investigador sério duvidaria hoje da existência de Jesus de Nazaré. Discute-se, sim, sobre as datas de seu nascimento e de sua execução. Os autores só coincidem em que Jesus nasceu antes do ano 4 a.C. Sobre sua morte, são muitos os que aceitam como data aproximada o ano 30. Jesus é judeu. Sua mãe é Maria. Sua Pátria é a Galileia, uma região semi-pagã desapreciada por muitos judeus. Sua língua materna é o arameu, ainda que se conhecesse também o hebraico, a língua litúrgica do povo naquela época. Depois de uma vida ordinária de trabalhador, Jesus recebe o batismo de João e começa uma atividade de pregação pela região da Galileia e mais tarde pela Judéia e Jerusalém. Utiliza uma linguagem simples, concreta, direta, aguda, que se torna inconfundível quando se utiliza de pequenas parábolas extraídas da observação da vida cotidiana de seu povo. Traços da identidade de Jesus A leitura atenta dos Evangelhos nos permite recorrer os traços fundamentais da vida de Jesus de Nazaré e tomar consciência da imagem que os primeiros crentes tiveram de sua personalidade a. Jesus, um homem livre. A liberdade surpreendente de Jesus é o dado primário e mais afirmado, tanto pela oposição de seus adversários como pela admiração do povo e da adesão de seus seguidores. Jesus se impõe como um homem livre frente a tudo e frente a todos os que oferecem obstáculos para sua missão. Jesus é um homem livre frente a seus familiares que tratam de retira-lo de sua vida peregrinante de anuncio de uma Boa Notícia. (Mc 3,21. 31-35). Jesus se mantém livre frente ao círculo de seus amigos que querem ditar-lhe como deve ser sua conduta, indo contra a vontade última do Pai. (Mc 8, 31-33). Jesus, vindo dos ambientes rurais da Galileia, se atreve a enfrentar e a criticar livremente aos escribas, especialistas da Lei, as classes cultas da sociedade judaica. (Mt 23). Jesus manifesta uma liberdade total frente à pressão social exercida pelas classes dominantes e, de maneira especial, pelos grupos farisaicos que ab-rogam a única autoridade para interpretar a Lei. Jesus é livre frente o poder político das autoridades romanas sem entrar em cálculos políticos e jogos diplomáticos (Lc 13, 31-32; Mt 20, 25-28). Da mesma maneira, se enfrenta com inteira liberdade com os dirigentes religiosos do Sinédrio judaico (Mc 14, 53-60). Jesus não se deixa arrastar também pelas estratégias das forças de resistência aos ocupantes romanos (Mc 4, 26-29; Jo 6, 15) defraudando assim as ilusões de muitos que esperavam um reino judaico messiânico dominador do mundo inteiro Jesus não se deixa escravizar pelas “tradições dos antigos” que afastavam os judeus da verdadeira vontade de Deus (Mc 7, 1-12). Tão pouco, não se associa as últimas correntes rabínicas que circulavam na sociedade judaica. (Mt 19, 1-9).
  • 5. Jesus se manifesta livre frente a ritos, prescrições e leis litúrgicas que ficam vazias de sentido caso se esqueçam de estar a serviço do homem, e não o contrário. (Mc 3, 1-6; 2, 23-28) e orientadas para um Deus que “quer a misericórdia e não sacrifícios” (Mt 12, 1-8). Esta liberdade total de Jesus tanto em sua palavra como em sua atuação, irritou os defensores do sistema legal judaico que desejavam afirmar sua interpretação da Torá. b. O eixo central da vida de Jesus: a obediência Obediência = ob-audire = ouvir. Jesus ouve o Pai na totalidade de sua vida. Portanto, Jesus é referido a um Outro, é descentrado de si, compreende-se a partir de Outro. O centro da vida de Jesus está no Pai e nos outros. Jo 4,34: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra”. Jo 5,19. 30: Em verdade, em verdade, eu vos digo, o Filho não pode fazer nada por si mesmo, mas somente o que o Pai mandou fazer; pois o que o Pai faz, o Filho o faz igualmente. Eu não posso fazer nada por mim mesmo: eu julgo segundo o que ouço, e o meu julgamento é justo, porque eu não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. Cf Hb 5,7- 10; 10,5-7. É por sua obediência que Cristo é reconhecido pela comunidade como Filho. c. Um homem para os outros Jesus é um homem livre para amar. Um homem que dá sempre a última palavra ao amor. Para Jesus já não é a Lei que deve determinar como devemos nos comportar em cada situação. É o homem necessitado o verdadeiro critério de atuação. E toda sua vida tem sentido na medida em que serve aos mais necessitados. (Lc 10, 29-37). Assim viveu Jesus, “não para ser servido, mas para servir” (Mc 10, 45). Toda sua vida é “entregar-se” pelos outros. Não encontramos nunca a Jesus atuando egoistamente em busca de seu próprio interesse. Não se preocupa com sua própria fama (Mt 9, 10-13; 11,19). Não busca dinheiro nem segurança alguma (Mt 8, 20; Lc 16, 13) Não pretende nenhum poder (Jo 6, 15). Não vive para uma esposa sua nem para uma casa própria. É um homem livre para os demais, um “homem-para-outros”. Sua preocupação é o homem necessitado. O que impulsiona sua vida é o amor apaixonado por toda a humanidade que considera irmãos. Um amor amplo, universal (Lc 10, 29-37). Um amor sincero, serviçal (Lc 22,27). Um amor que se traduz em perdão a seus executores. (Lc 23, 34). d. Proximidade com os pobres Jesus não está neutro frente às necessidades e injustiças que encontra junto aos pobres, os marginalizados, aos desprestigiados, aos enfermos, aos ignorantes, aos abandonados. Sempre está ao lado dos que mais ajuda necessitam para ser homens livres. Jesus transita em círculos de má reputação, rodeado de gente suspeitosa, publicanos, ladrões, prostitutas… pessoas desapreciadas pelas classes mais seletas do mundo judaico. (Lc 7, 36-50). Jesus se aproxima com simplicidade aos pequenos, as crianças, aos que não seguem a Lei porque simplesmente não a conhecem (Jo 9, 34). Jesus se aproxima dos enfermos, dos leprosos, dos impuros, homens sem possibilidade na vida, considerados pecadores aos olhos judaicos (Mc 1, 23-28; 1, 40-45; 5, 25-34). Jesus defende aos samaritanos considerados como povo estranho e impuro. (Lc 9, 51-55; 10, 29-37). Jesus se preocupa do povo humilde, da massa, das pessoas desorientadas de Israel (Mc 6, 34; Mt 9, 36), do povo esgotado com as prescrições rabínicas (Mt 23, 4). e. Serviço Libertador Jesus não oferece dinheiro, cultura, poder, armas, segurança… mas sua vida é uma Boa Notícia para todo aquele que busca libertação. Jesus é um homem que cura, que salva, que reconstrói aos homens e os liberta do poder inexplicável do mal. Jesus traz saúde e vida. (Mt 9, 35). Jesus garante o perdão aos que se encontram dominados pelo pecado e lhes oferece a possibilidade de reabilitação (Mc 2, 1-12; Lc 7, 36-50; Jo 8, 2-10). Jesus contagia sua esperança aos pobres, aos perdidos, aos últimos, porque estão chamados a desfrutar na festa final de Deus (Mt 5, 3-11; Lc 14, 15-24). Jesus descobre no pobre desorientado o rosto humano de Deus. (Mt
  • 6. 11, 25-27) e ajuda aos homens a viver com uma fé total em um futuro que está nas mãos de Deus que nos ama como Pai. (Mt 6, 25-34). Jesus ajuda aos homens a descobrirem sua própria verdade (Lc 6, 39-45; Mt 18, 2-4), uma verdade que vai os libertando. Jesus busca incansavelmente criar uma verdadeira fraternidade entre os homens, abolindo todas as barreiras culturais, raciais, jurídicas e sociais. (Mt 5, 38-48; Lc 6, 27-38). Se quiséssemos resumir, de alguma maneira, a atuação de libertadora de Jesus, podemos dizer que desde sua fé total em um Deus que busca a libertação do homem, Jesus oferece á humanidade a esperança para enfrentar os problemas da vida e até o mistério da morte. Por que morreu Jesus? A pergunta nesta altura se torna inevitável: Por que um homem que fez tanto bem em seu tempo foi morto desta maneira? Jesus não morreu de morte natural. Foi executado como consequência dos conflitos que provocou com sua atuação. Por uma parte, colocava em cheque toda instituição legal do povo judeu, privando os dirigentes de sua autonomia religiosa e social. Por outra parte, o anúncio de um Deus aberto a todos os homens, inclusive aos estrangeiros e pecadores, coloca em crise o caráter privilegiado do povo judeu e sua aliança com Javé. O Deus que anunciava não era o Deus da religião oficial judaica. Jesus também foi acusado de agitador político. Esta acusação era indispensável para obter-se a condenação por parte do poder romano (cf Lc 23,2-5 e 13-24). E esta foi oficialmente a causa de condenação à morte. A inscrição colocada no alto da cruz de Jesus dizia claramente: “Este é Jesus, o rei dos judeus” (Mt 27,37). No entanto, Jesus não pregou uma revolução armada contra a ocupação estrangeira. Certamente, porém, suas atitudes e suas palavras tinham uma forte conotação política. Jesus não foi, contudo, um agitador político, no sentido da denúncia apresentada a Pilatos. Mas seus inimigos perceberam bem que a estabilidade daquele sistema social seria prejudicada pela atuação e pelas palavras daquele Galileu. Conclusão: ele deve morrer! Será que o sofrimento é mesmo salvador? Em ambientes cristãos, costuma-se falar frequentemente do valor salvador do sofrimento, com certeza devido ao significado salvífico atribuído ao sofrimento e à morte de Jesus. Que fomos salvos e remidos pela cruz de Jesus, pelo sangue derramado, pelo seu sofrimento e morte, é uma afirmação fundamentada na fé do Novo Testamento, que perpassa toda a história da Igreja. Entretanto, é uma afirmação que exige uma cuidadosa explicação, pois tem dado margem a interpretações bem distintas do sentido originário. O sofrimento, considerado em si mesmo, não é salvador. A cruz, sozinha, nada tem de salvadora. A cruz pela cruz não passa de uma maldição. Salvadora é a vida toda de Jesus. E a razão é simples: a vida de Jesus constitui a superação do pecado, da situação de não salvação. Pecado, não salvação, consiste na ruptura da relação com Deus, que implica o desenvolvimento de relações de dominação entre os seres humanos, de um relacionamento irresponsável face ao meio ambiente de relações mentirosas com o próprio ser interior. A salvação, entendida como superação do pecado e como saída da situação de não salvação, consiste no contrário, isto é, na abertura ao dom de Deus, no diálogo entre os seres humanos, na responsabilidade assumida em relação ao mundo da natureza e na sinceridade no encontro com a própria verdade interior. Assim foi a vida de Jesus de Nazaré, uma vida radicalmente contraria ao pecado. Em conclusão: a vida vivida por Jesus foi uma vida salvadora. Podemos então entender melhor por que a cruz não tem valor salvífico, considerada em si mesma. A cruz passou a ser salvadora por causa da vida de Jesus. A cruz é salvadora porque constitui o resumo e a radicalização máxima da entrega de Jesus, vivida durante toda a sua vida. Na adoração da cruz, durante a Sexta-feira Santa, não é a ela sozinha que devemos adorar (o que seria idolatria). Adoramos o imenso amor de Deus, manifestado na entrega de Jesus, no amor-serviço, no amor e na obediência vividos até a morte na cruz. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
  • 7. OS ACONTECIMENTOS PASCAIS A ressurreição de Cristo e o mistério cristão do corpo A ressurreição de Jesus marca o ponto de partida da fé em Cristo. O coração dos primeiros discursos querigmáticos é a ressurreição (Cf 1Ts 1,9-10; At 2,23-24; 1Cor 15,3-4). É a partir da ressurreição de Jesus que se desenvolvem importantes temas da cristologia: a “exaltação de Jesus” (cf At 2,33-36; Rm 1,4); a “identidade divina de Jesus” (cf Rm 9,5; Tt 2,13); a “salvação em Jesus” (cf 1Cor 15,17; 2Cor 5,15; Rm 4,25); a “pré-existência de Cristo” (cf Rm 8,3). Mas que Jesus ressuscitou? O corpo e/ou a alma? Conforme Rm 1,3-4 o ressuscitado é a pessoa concreta que viveu entre nós, com seu corpo e sua alma. Afirmar que apenas a alma de Jesus ressuscita é cair novamente numa espécie de docetismo. (do verbo dokein = “parecer”) = antiga heresia que afirmava que Jesus havia tomado apenas a aparência de um corpo humano. Sua encarnação não era, então, real. Por outro lado, considerar a ressurreição como “reanimação de um cadáver” ou “uma volta à sua vida anterior” é não compreender o mistério da ressurreição. Há ainda outros que por receio de cair num dos dois extremos anteriores defende uma teoria que se parece mais com a reencarnação. Diante deste complexo horizonte, gostaria, apoiando-me sobre numerosos estudos, bastante sérios, de propor uma interpretação da ressurreição que, sem esvaziar o mistério no que ele tem de indizível, respeita e busca um meio-termo entre as questões científicas e filosóficas atuais e a afirmação formidável da fé cristã: “Este homem entregue segundo o desígnio determinado a presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o pela mão dos ímpios. Mas Deus o ressuscitou, e disto nós somos testemunhas” (Cf At 2,23-24.32). Para falarmos da ressurreição precisamos tratar do corpo, ou melhor, do que significa a ressurreição do corpo. O homem e seu corpo O que é o corpo humano enquanto humano? O corpo é o lugar no qual o ser humano existe. Materialmente situado no espaço, o corpo é aquilo no que e pelo que o ser humano recebe e vive uma existência pessoal, exerce e manifesta sua liberdade em sua relação consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus. É com e através de seu corpo que o ser humano se comunica com os outros, ama, sofre, trabalha, experimenta alegria e prazer. O corpo é a história do ser humano, de tal modo que, ao final de sua vida, o corpo é relativamente aquilo que o ser humano fez. Por isso podemos dizer que não temos um corpo, mas que somos um corpo. O corpo e a alma no ser humano estão unidos de forma “sacramental”, isto é, um é sinal do outro. Não se pode falar de uma alma humana ou de um corpo humano como duas realidades separadas. O pensamento de Santo Agostinho sobre este assunto vem de sua reflexão sobre a encarnação: “... é no e pelo seu corpo, que o Cristo nos revela seu amor salvador e lhe confere eficácia em nosso mundo”. Depois da morte do ser humano, seu corpo torna-se cadáver e é o objeto de uma sepultura. Esta mudança de nome, mas também o respeito que lhe é manifestado traduz o fato de que ele não existe mais e, portanto, de que não se trata mais de um corpo humano. O cadáver não é mais corpo, pelo simples fato de que não está mais vivo, de que não é mais um corpo falante e significante. Permanece de ora em diante inabitado, não é mais o centro das relações de uma pessoa. Mesmo que guarde provisoriamente a “figura” do corpo ele não tem mais a “forma” real. Permanece, entretanto, um corpo humano para aqueles que conheceram e amaram o ser falecido: ele é, para eles, o sinal que recorda de toda a sua história e de todas as experiências que tiveram com ele. Mesmo diante das ciências modernas e da impossibilidade científica da ressurreição de corpos, a esperança de uma vida para além da morte é uma constante em todas as culturas humanas ao longo da história. Contudo, a “vida além da morte” não pode mais ser concebida sob a forma de imortalidade da alma, mas somente como
  • 8. outro modo de existência do ser humano total (Mt 22, 23-30). Ora, é isto que contém a imagem de uma ressurreição dos mortos. O ser humano sabe que vai morrer e vive sua experiência como uma contradição trágica entre seu destino evidente e seu desejo de viver de maneira absoluta. Nesta situação contraditória o ser humano reclama de maneira radical e profunda a salvação, isto é: ser salvo é o mesmo que viver para sempre em relação consigo mesmo, com os outros, com o universo e com Deus. Esse desejo profundo de todo ser humano é a base para a acolhida da fé na ressurreição, mas não é a fonte desta fé. O acontecimento da ressurreição de Jesus só é acessível pela fé. O julgamento: “Jesus ressuscitou dos mortos” não é uma constatação empírica nem o resultado de uma prova científica. É uma expressão de fé que se apoia em relatos de razoável credibilidade. De fato, os evangelhos mostram que Jesus só se faz reconhecer por aqueles que tinham fé. A linguagem da ressurreição A linguagem da ressurreição usa um termo que é a primeira vista nos parece contraditório, o termo “corpo espiritual” (Cf 1Cor 15,44). “Corpo espiritual” indica um estado de um corpo perfeito e definitivamente reconciliado com o espírito. Trata-se assim do mesmo corpo que agora se encontra numa realidade nova. Ele não é mais corruptível. Além disso, as narrativas das aparições de Jesus exprimem, no gênero literário da teofania, a condição transcendente do ressuscitado: entrar num lugar com as portas fechadas, comer, etc. Quando o cristão afirma na fé a ressurreição de Jesus ele está afirmando duas coisas aparentemente opostas: de um lado, ele compartilha com as primeiras testemunhas certa compreensão do que significa a ressurreição; por outro lado, não sabe ainda o que quer dizer “ressuscitar”, uma vez que esta palavra tem um conteúdo escatológico que ele não descobrirá plenamente até que não esteja ressuscitado. As aparições do ressuscitado e o túmulo vazio A origem e o fundamento da fé na ressurreição encontram-se nas aparições. Mas o que será que o Novo Testamento quer dizer quando afirma que o ressuscitado “apareceu”? O termo grego “osté” (apareceu) é utilizado por Paulo e por Lucas para designar as aparições (cf 1Cor 15,3-8; Lc 24,34; At 9,17; 13,31). Este termo tem um significado teológico muito especial. Trata-se de um vocábulo utilizado pela versão dos Setenta (LXX – tradução da Bíblia hebraica para o grego), precisamente para descrever a revelação de Deus (cf Ex 3, 2.16; 6,3; 16,7-10; Is 40,5). “Osté” significa ação reveladora de Deus. As aparições do ressuscitado constituem, pois, a revelação de Deus ás testemunhas. Deus revela que aquele Jesus, morto, está agora plenamente vivo. A fé pascal encontra sua origem nas aparições, isto é, na revelação de Deus. Este comunica ás testemunhas que Jesus de Nazaré está vivo, plenamente vivo. É fácil, assim, perceber que as aparições constituem uma experiência de fé. Entretanto, não é a fé que cria o ressuscitado. Ao contrário, a revelação de Deus a respeito do ressuscitado é que constitui a origem e o fundamento da fé. Neste sentido teológico, aparições nada têm a ver com “visões” ou “sonhos”. Qual é, então, o papel do sepulcro vazio na fundamentação da fé na ressurreição de Jesus? A resposta deve ser dada sem ambiguidades: a fé na ressurreição não se fundamenta no sepulcro vazio. É fácil deduzir que o fato de alguém encontrar o sepulcro vazio permite várias interpretações: o corpo foi colocado em outro lugar, foi roubado, etc. (Cf Mt 28,13; Jo 20,13). Os próprios relatos pascais não o apresentam como argumento para fundamentar a fé na ressurreição. Mas, uma vez aceita a realidade da ressurreição, por causa das aparições, o sepulcro vazio passa a ser visto como sinal de que Jesus ressuscitou. A ressurreição de Jesus é “símbolo”, no sentido forte dessa palavra, de nossa salvação. Nossa salvação consiste na plenitude de uma vida definitiva, na comunhão de vida e de amor com o próprio Deus e com todos os nossos irmãos. Ao ressuscitar, Jesus inaugura o Reino que ele anunciou por sua mensagem de reconciliação: na cruz, Jesus dizia o sim absoluto dos homens ao Pai; a ressurreição diz-nos o sim absoluto do Pai a Jesus, a este homem que deu sua vida por seus irmãos. Jesus entra no mundo do fim, no mundo “escatológico”, ele abre o
  • 9. caminho que haveremos de trilhar. Sua ressurreição é, assim, a profecia em ato da ressurreição final da carne (cf 1Cor 5,20; Fl 3,21). As cristologias do NT Ao afirmarmos a presença de várias cristologias no NT somos naturalmente levados à seguinte questão: Como pode haver várias cristologias se Cristo é um apenas? Para respondermos a essa questão temos de nos lembrar do processo de formação dos Evangelhos bem como dos demais textos do NT. Os textos do NT começaram a ser formados após a ressurreição de Jesus. De um lado as comunidades já tinham uma série de tradições, conceitos, concepções, palavras, símbolos que elas aplicaram a Jesus de Nazaré, agora experienciado como vivo e em companhia de Deus. Jesus era então o novo Adão, a nova criação, o Filho de Deus, o profeta animado por Deus através do Espírito, o sábio ou mestre de sabedoria, a encarnação da sabedoria divina, o Verbo de Deus Pai, etc. As comunidades buscam, portanto, fazer uma interpretação da vida de Jesus a partir dos conceitos disponíveis, da memória dos gestos e palavras de Jesus e da presença de Cristo ressuscitado no meio deles. A cristologia, portanto, consiste nesse círculo de interpretação, nesse diálogo ou nesse movimento regressivo e progressivo entre Jesus e os títulos ou categorias que são utilizados para interpretá-lo. Novos títulos, conceitos ou caracterizações são concedidos a Jesus para elucidar sua obra e sua pessoa; A cristologia é interpretação de Jesus ressuscitado. Apresentaremos algumas cristologias do NT a partir dos títulos atribuídos a Jesus: O novo Adão Cf 1Cor 15,21-23.45-49 Jesus é comparado a Adão porque ambos determinam o destino de todo o gênero humano. Pelo ato de desobediência de Adão desencadeia-se uma história de pecado em que todos os seres humanos estão envolvidos. Pela obediência de Cristo inaugura-se uma nova era de absolvição, justiça e vida (Rm 15,18-19). Outra interpretação possível é a de que Cristo sendo o novo Adão recupera toda a criação. Jesus situa-se, portanto, no centro da história: antes dele – uma história de pecado; depois dele – história de salvação. Quem é Jesus então, nessa cristologia? É o segundo e definitivo Adão. A comparação com Adão torna claro que Jesus é um ser humano. Não se trata de uma cristologia da preexistência (isto é, da existência de Jesus junto ao Pai antes de todos os tempos), mas de uma cristologia em dois estágios: 1) aquele que é comparado a Adão é Jesus de Nazaré, que aceitou a morte por um gesto de obediência; 2) aquele que foi ressuscitado e exaltado e agora é quem determina a humanidade no fim dos tempos. Jesus Cristo, o ser humano, foi o veículo da ação amorosa de Deus para com a humanidade (Rm 5,8), e agora Jesus Cristo está ressuscitado e exaltado com Deus. Nesta cristologia destaca-se, ainda, o estreito vínculo com a soteriologia. (Cf Fl 2,6-11). Filho de Deus No evangelho de Marcos: Cf 1,1; 1,11; 9,7; 14,61; 15,39. Mc 1,11, se conclui a cena concisamente descrita do batismo de Jesus por João no início de seu ministério público. Após seu batismo, Jesus vê o Espírito descer sobre si e ouve a voz vinda do céu: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”. Essa declaração é modelada com base no Sl 2,7, em que Deus diz ao recém-entronizado rei de Israel: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”. Mas o rei é representante da nação, e um uso judaico, a noção mais fundamental de Filho de Deus descreve a nação de Israel como povo escolhido de Deus. Jesus, portanto, é caracterizado como aquele em quem a filiação de Israel está sendo realizada. Jesus é um filho bem-amado; desfruta de um status único. Deus nele se compraz por causa de sua obediência à vontade divina. O relato da transfiguração (Mc 9,2-8) acrescenta ainda outros elementos ao título de “Filho de Deus”. “Este é o meu Filho amado; ouvi-o” (9,7). Por fim, Marcos encerra a vida de Jesus (15,39) com a mesma designação que se encontra no título (1,1) e na inauguração do ministério de Jesus por ocasião de seu batismo (1,11). O título de Filho de Deus aplicado a Jesus aparece em vários outros textos do NT. Cf 1Ts 1,10; Gl 2,20; Rm 1,3.4.9; 5,10; 8,3.14.19.29.32; Cl 1,13s
  • 10. Verbo (logos) de Deus Cf Jo 1,1-18. Apresenta a Cristologia da pré-existência de Cristo junto ao Pai. O Logos (Cristo) não entra na carne nem dela se reveste, mas torna-se carne. O texto bíblico reforça aqui o realismo da encarnação. Trata-se ainda de uma cristologia poética e imaginativa. Sua tarefa primeira é a de ser um hino de louvor a Deus e não um tratado explicativo de teologia acerca da encarnação de Cristo. Quando interpretada de acordo com seu gênero, essa cristologia poética faz o Espírito humano elevar-se consigo. Dota a cristologia com a força da sacralidade; retoma a impressionante afirmação da fé cristã de que é Deus que se encontra em Jesus, na carne, de modo que Deus verdadeiramente nele se revela. (Cf também: Fl 2,6-8) Cristo (Cf Mc 8,29-33). O termo Cristo (em grego, “Christos”, em hebraico “Maschiah” = messias) significa “ungido”. Eram ungidos com óleo os homens encarregados por Iahweh de alguma missão ou tarefa especial em relação ao povo de Israel. Assim, o termo “Maschiah” era aplicado ao rei (Cf 1Sm 26,9; 9,16; 10,1), ao sacerdote (Cf Ex 28,41) e até a um pagão, como é o caso do rei Ciro (Cf Is 45,1). A partir do reinado de Davi (Cf 2Sm 7,12-16) surge a ideia de um Messias-Rei que seria da dinastia de Davi. As figuras como “Servo de Iahweh” (Cf Is 42,1-7; 49,19), um sacerdote-rei (Cf Zc 4,11-14) ou “Filho do homem” (Cf Dn 7,13) são associadas ao longo do tempo à figura do messias esperado. É a partir dessa expectativa messiânica que, no NT, os cristãos atribuirão todos esses títulos a Jesus. Mas é bom lembrar que somente depois da morte-ressurreição de Jesus que os discípulos compreendem plenamente que tipo de messias (ou Cristo) era Jesus. Cf também: 1Ts 1,1; 2Ts 1,1.2.12; 1Cor 15,3-4; 2Cor 1,2; Gl 1,1. Senhor (kyrios) É, sobretudo, através desse título que a comunidade cristã passa a afirmar a condição divina de Jesus. O nome de Deus no AT revelado através do tetragrama IHWH nunca era pronunciado. Em seu lugar os judeus diziam “Adonai” e foi traduzido pra o grego, na Versão dos Setenta, pelo termo “Kyrios” (Senhor). Quer dizer: o termo Kyrios, antes de Jesus Cristo, já era utilizado para designar o Deus da revelação bíblica. Contudo, os discípulos aplicaram o título “Senhor” a Jesus após a Páscoa. Cabe notar que a afirmação explícita da condição divina se encontra apenas em dois textos do NT: Rm 9,5 e Tt 2,13. Além dessas referências merece destaque os textos de Fl 2,6-11 e aqueles textos que aplicam o nome divino “Eu sou” a Jesus: Cf Jo 5,18; 8, 24.28.58; 13,19. Outros títulos Muitos outros títulos são aplicados a Jesus. Destacamos os seguintes: Títulos de Ocorrência (juiz): dia de Cristo 1Ts 1,9-10; 4,14-16 Salvador 1Ts 5,9; 1Cor 15,3-8.11-20 Sabedoria de Deus 1Cor 1,17-31; 2,1-16 A imagem de Deus 2 Cor 4,4 Mistério Cl 1,27; 2,2-3 Vitorioso Cl 2,15 Sumo Sacerdote Hb 4,14 – 5,10 CONCÍLIOS CRISTOLÓGICOS Os 4 grandes Concílios Cristológicos da Igreja Primitiva Os Concílios são momentos de orientação e reorganização da própria Igreja. Não pretendem substituir a Palavra de Deus, apenas preservar o que há de específico na experiência cristã de Jesus, partindo das questões problematizadas em cada contexto. Para as primeiras comunidades e para o Novo Testamento, Jesus de Nazaré
  • 11. foi tomado como Senhor e Salvador, ressaltando uma perspectiva histórico-salvífica. Porém, na medida em que foi acontecendo a inculturação (Passagem do judaísmo ao helenismo/judeu-cristianismo), e que a fé cristã foi obrigada a aprofundar sua experiência (provocado pelas heresias e pelo esforço em atualizar de acordo aos valores e expressões da cultura), A problemática de fundo dos concílios cristológicos está em responder de forma essencialista a humanidade divindade de Jesus. Concílio de Nicéia (325) Problemática: Filiação Divina de Jesus. Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus? Contexto: Aparece a dificuldade de situar Jesus dentro de uma fé monoteísta. Para os gregos, Deus e o mundo são duas grandezas separadas. Na passagem do Cristianismo da cultura judaica para a helênica, a concepção cristã de que Jesus é verdadeiro homem e verdadeiro Deus é questionada. “O verbo se fez carne” – ou se nega a divindade ou a humanidade. Arianismo: (Ário, padre de Alexandria). Nega que o Filho de Deus fosse de natureza igual ao Pai. O Filho seria inferior ao Pai, porque foi criado por Deus no tempo e feito seu instrumento. Era um intermediário entre Deus e o mundo, e não um mediador. Postura intermediária: nem verdadeiro Deus, nem verdadeiro homem. Resposta de Nicéia: Jesus não é um ser intermediário. Jesus é da mesma natureza (substância) do Pai e encarnou para salvar a humanidade. Se ele não é Deus, logo também não salva. Jesus é o Deus de Deus, Luz da Luz. Jesus teve corpo e alma porque assumiu plenamente a humanidade. Nicéia mostrou o vínculo estreito entre soteriologia e cristologia, entre o que Jesus é para nós e o que ele é em si mesmo. Concílio de Constantinopla I (381) Questão central: trata sobre a humanidade de Jesus. Apolinário: Jesus é perfeito Deus. Porém, duas coisas acabadas e perfeitas não podem consistir numa única realidade. Logo, a humanidade de Cristo não pode ser perfeita. Em Jesus não há a união entre corpo e alma. Resposta do Concílio: Se Jesus não tinha a alma como a nossa, não podemos dizer que a nossa alma foi salva. Pela fé confessamos que ele assumiu a humanidade inteira, corpo e alma. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Isso reforça a fé de Nicéia. Concílio de Éfeso (431) Questão central: Filiação Divina de Jesus. Problemática: Nestório de Antioquia rejeita o realismo da encarnação. O verbo de Deus estaria presente e atuante no homem Jesus como num templo e agindo nele. (Nestório vai mais além do docetismo, que reduzira a humanidade de Jesus a simples aparência). O fato de o homem Jesus ter sido gerado, não poderia referir-se ao Filho de Deus, por isto Maria não poderia ser chamada de theotókos, apenas mãe de Cristo: kristotókos. Resposta de Éfeso: Explicitou o mistério da encarnação de Jesus segundo a “união hipostática”; há uma unidade na união da natureza humana e divina em Jesus. Jesus foi homem-Deus desde o seio materno. Maria é a mãe do verbo encarnado, por isto theotókos. E Círilo de Alexandria complementa que o “que nasceu do Pai e o que nasceu de Maria são um e o mesmo; o Deus de Deus, Luz da Luz. Não acontece uma transformação do logos em homem. A divindade segue sendo divindade e a humanidade segue sendo humanidade. Portanto, se podemos chamar ao logos, homem; podemos dizer que ele nasceu de Maria e que padeceu e morreu”. Concílio de Calcedônia (451) Questão Central: O monofisismo – o humano de Jesus é assimilado pelo divino? Contexto: O Concílio de Calcedônia (451), vem completar a afirmação de Éfeso, já que na “união hipostática”, não fica clara a distinção entre a divindade e humanidade em Jesus. Sobretudo, a terminologia hypostasis enfatiza a unidade em nível ontológico, na medida em que a realidade última que subsiste em Jesus é o Verbo. Por isso, este Concílio formulou de forma mais clara a legítima autenticidade da humanidade de Jesus.
  • 12. Além das objeções a Éfeso, no período deste Concílio irrompiam ainda no ambiente cultural 2 heresias. Por um lado, o monofisismo iniciado pelo monge egípcio Êutiques afirmava que em Jesus, a natureza humana foi absorvida pela divina, por isso a concepção de 1 só natureza. Por outro lado, o monge antioqueno Nestório situava-se na outra extremidade da problemática sobre a encarnação, afirmando que as 2 naturezas uniam-se a Cristo, mas formando 2 pessoas. Neste sentido, Deus poderia até ter habitado no homem, mas não se constitui homem nem aconteceu autêntica encarnação. Calcedônia foi uma reação a estes conflitos. Para Êutiques, a humanidade de Jesus e a divindade formam em Cristo uma única natureza (o que levava de fato, à conclusão, de que o único que conta é a natureza divina: em Cristo não mais que uma só natureza, a divina). Em Cristo, a humanidade se dissolve na divindade. Êutiques defendia a seguinte versão: Cristo consta de “duas naturezas” o que equivalia dizer que antes da encarnação já existia as duas naturezas, que em Cristo se uniram para formar uma só; e nessa união só se mantém a natureza divina. Resposta de Calcedônia: a humanidade e a divindade de Jesus estão unidas. Quando fala das duas naturezas substitui a hipóstase pela pessoa. Dá-se a unidade em Jesus Cristo enquanto pessoa e enquanto natureza. Mas a dualidade existe e é real. Jesus é totalmente Deus e totalmente homem. Segundo a explicitação de Calcedônia, Deus se fez homem para que a humanidade se divinizasse. A intuição do Concilio foi clara: Jesus é Deus para a salvação da humanidade, e é homem também para a salvação da humanidade. Deus se fez homem para divinizar a humanidade, e tudo o que é plenamente humano é inegavelmente de Deus. “Em Jesus, a mais alta modalidade de união com Deus convive com a autonomia total da natureza. Intimidade absoluta com autenticidade completa”. Este é o paradoxo da encarnação: Deus não deixa de ser Deus por ser verdadeiramente humanidade, nem o homem deixa de ser homem por ser verdadeiramente Deus. A dogmática cristológica de Calcedônia quis responder ao problema da unidade e dualidade em Jesus. A máxima deste Concílio enunciou que Jesus Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Por isso, os 4 advérbios de Calcedônia (Dz 302), tratam de conciliar logicamente a unidade e a distinção de naturezas em Cristo. Trata-se de 2 naturezas, sem confusão e sem mudança, respondendo ao problema da dualidade (Contra Êutiques). Na união, uma das naturezas não suprime, não altera, não transforma, não se adapta na outra. Por exemplo: é inconcebível que a natureza divina de Jesus absorva sua natureza humana, ou vice-versa. E também, estas 2 naturezas sem divisão, sem separação, respondendo ao problema da unidade (Contra Nestório). Não é possível distinguir o que é humano do que é divino em Jesus. Por exemplo: O mesmo Jesus é Senhor, o próprio Deus é o que chora, que morre em Jesus; e é o próprio homem que realiza ações poderosas em Jesus. Na realidade, o que Calcedônia fez foi retornar ao querigma primitivo, formulando-o segundo sua jurisprudência. A problemática abordada por Calcedônia já aparecia nos relatos do Novo Testamento. É Fundamental aceitar que ninguém nunca viu Deus, a não ser transparecido no homem Jesus. O escândalo do Cristianismo apareceu na dificuldade em compreender como foi possível que Deus se relacionasse de forma tão direta com a humanidade através de Jesus. Por isso, os judeus que esperavam um Messias Glorioso, tiveram muita dificuldade em nomear o simples homem Jesus como este Messias. Isso que o querigma primitivo explicitava ao apontar que a própria identidade de Jesus é dual. O mesmo Jesus terrestre é o Cristo Glorificado. Calcedônia nos alerta que não podemos entender a natureza divina por nossas categorias. Só por Jesus conhecemos a Deus. O problema é que ainda hoje se procura fazer Deus segundo nossa imagem e semelhança. E ainda hoje, atinamos em separar o humano e o divino em Jesus. Por exemplo: Jesus chora (lado humano); Jesus cura (lado divino). Isto é um erro. Não se separa em Jesus estes dois lados, estes concorrem, correm juntos. Jesus é um homem que em sua mesma humanidade está cheio de Deus, e por isto é a plenitude incontestável do humano. Importante esta formulação para concluirmos que a revelação de Deus em Jesus é para nós a revelação do que é o homem. A teologia não pode optar pelo mundano e esquecer o escatológico, tão pouco deixar de buscar a escatologia em outro lugar fora do mundo terrestre.
  • 13. O “Jesus Histórico” A distinção entre “Cristo da fé” e “Jesus histórico”, não é própria do NT nem da tradição eclesial posterior. Ela só aparece e se desenvolve no mundo moderno, com suas exigências de cientificidade, especialmente no campo da história. No fundo trata-se em descobrir a história de Jesus e a sua perspectiva cristológica do NT. É uma aproximação da cristologia do NT sem suprimir toda história anterior. A história de Jesus é significativa para a fé e determina a mensagem cristológica. O conteúdo da fé nos chega na figura de Jesus. Neste sentido, pode se dizer que o Jesus histórico é o fundamento e o conteúdo da fé. Essa recuperação histórica de Jesus está persuadida por alguns fatores ou características: 1. Os impasses da teologia tradicional. Criaram uma imagem de Jesus; maneira concreta de relacionasse com ele. 2. Uma das características da história moderna é a tomada de consciência que passa de uma filosofia, para uma consciência histórica, ou seja, a passagem tem dois elementos importantes (antropologia): a condição de sujeito e a passagem da concepção abstrata para uma consciência de história. O mais importante da questão histórica sobre Jesus é que ela nos despertou para a teologia. Nesse sentido, o desafio da Cristologia é reconhecer a figura de Jesus como Deus (Jesus como expressão de Deus). O desafio consiste não somente exegeticamente, mas a minha fé depende e repousa no acontecimento da pessoa chamada Jesus de Nazaré. Por isso, a fé cristã está definitivamente vinculada á história de Jesus. Nele aparece a experiência humana, plena e divina, de uma maneira nova e diferente. Portanto, só se pode ter fé na medida em que essa maneira de crer nos sustenta e nos dá sentido à vida. No fundo, é o que busca a Cristologia. Pois, essa fé está depositada na pessoa de Jesus, isto é, em Jesus histórico. Na fé do NT não existe ruptura entre o Jesus terrestre e o Cristo glorificado. Estão presentes os mesmo sujeitos, embora apresentado em duas distintas etapas de sua existência. Devemos ter presente também que: aí toda ciência é interessada; não há ciência neutra. Todo conhecimento é interessado; por exemplo: toda história é interpretação. Hoje caímos na mesma tentação quando falamos de Cristo da fé e de Jesus histórico. O Evangelho é historia e fé: não podemos separar essas duas realidades. COMO PENSAR A CRISTOLOGIA HOJE? Aqui voltamos ao início do nosso estudo. É fundamental para os seguidores do século XXI conhecerem profundamente àquele que estão seguindo, aquele que chamam de Cristo. “Quanto ao fundamento, ninguém pode lançar outro que não seja o já posto: Jesus Cristo.” (1Cor 3,11). Embora aparentemente seja óbvio que Jesus seja o fundamento do cristianismo, a cristologia historicamente se afastou desse fundamento e se refugiou numa linguagem abstrata e vazia. Daí que atualmente a tarefa mais urgente da cristologia seja a de resgatar a centralidade de Jesus. Um cristão que não conheça a Jesus, não pode ser considerado cristão. Configurar-se com Cristo significa fazer da nossa vida uma imagem e semelhança de Deus, e não fazer de Deus à nossa Imagem e semelhança. Vimos como o Novo Testamento enseja várias cristologias, unidas entre si em sua essência. Isto aponta também para algo bem concreto: Já não é mais possível uma cristologia válida para todos os tempos e lugares. A reflexão cristológica deve ser feita em cada igreja local, determinando seu contexto cultural, social, político, econômico, etc... A cristologia há de ser, necessariamente, local e histórica, salvaguardando, é claro, os princípios Neo-Testamentários, as formulações dogmáticas cristológicas e o percurso já realizado pelas reflexões cristológicas na história do ocidente. Com o aparecimento dos movimentos neo-pentecostais, o Espírito Santo parece ser um ente absoluto na economia da salvação cristã. Uma reflexão cristológica atual enfatiza que entre Jesus Cristo e o Espírito Santo não há duas economias de salvação, mas uma única. São interdependentes e complementares. Jesus Cristo é o evento da salvação e, como tal, centraliza o desígnio de Deus para a humanidade e sua concretização histórica. Esse acontecimento, porém, continua contemporâneo em todos os tempos da história, pela força do Espírito Santo. Portanto, a cristologia só pode ser do Espírito, e o Espírito só pode ser o do Cristo.
  • 14. Em Jesus Cristo, revela-se um “Deus diferente”. Não no sentido de que ele é outro Deus, mas no sentido de que o Deus único falou e se comunicou, pessoalmente, “por muitas vezes e de muitos modos” (Hb 1,1), ao longo da história da salvação. E celebrou com Israel uma aliança permanente; “ao chegar à plenitude dos tempos” (Gl 4,4), profere, pelo verbo feito carne (cf Jo 1,14), sua palavra decisiva para a humanidade, chamando-a a compartilhar a filiação de seu próprio Filho (cf Gl 4,6; Rm 8,15). O “Deus de Abraão, o Deus de Isaac, de Jacó” tornou-se para nós o “Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1,3; 2Cor 11,31). Nele e somente nele descobrimos, verdadeiramente, o que e quem Deus quis ser para nós, o que e quem ele é em si mesmo. Jesus, é portanto, a “face humana de Deus”. Sua face humana, por outro lado, é o símbolo e a imagem das relações pessoais de Deus com a humanidade. A imagem de Deus impressa no rosto de Jesus constitui a imagem de um Deus que, livremente, quis se auto esvaziar em sua própria autodoação. Em Jesus, como dissemos, Deus-para-os-homens-de-modo-humano. Livre em sua autodoação, o Deus de Jesus é também um Deus que liberta e resgata: “Jesus, o libertador” transmite-nos, de forma humana, a liberdade com que Deus nos liberta para sermos filhos seus (Rm 8,21; 2Cor 3,17; Gl 4,31; 5,13). A imagem trinitária de Deus manifesta em Jesus, constitui o símbolo de efusão amorosa de Deus em benefício da humanidade, no livre e libertador de si mesmo. Para sempre e pessoalmente Deus se uniu com a humanidade, por vínculo indissolúvel, e permanece hoje comprometido com ela, de modo irrevogável, em toda a Graça de um deus que amou primeiro a sua Criação. Bibliografia DUPUIS, Jacques. Introdução à Cristologia. São Paulo: Loyola, 1999. MESTERS, Carlos. Com Jesus na contramão. São Paulo: Paulinas, 1995. PAGOLA, José Antonio. Jesus: uma aproximação histórica. São Paulo: vozes, 2011. QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a ressurreição. São Paulo: Paulinas, 2004. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador: a história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes, 1994.