O documento relata vários casos de violência e abuso durante trotes em universidades brasileiras nos últimos 10 anos, incluindo humilhações, agressões físicas e até estupro e assassinato. Um especialista é citado defendendo que o trote deve ser banido, já que não promove integração e pode ser considerado violência por alguns estudantes. Apesar disso, o trote continua fazendo parte da cultura de algumas universidades.
Abusos e violência em trotes universitários são investigados por CPI
1. 4 DOMINGO, 8 DE FEVEREIRO DE 2015
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Rê Campbell redacao@universal.org.br
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C
hicotadas, humilha-
ções, tapas, xingamen-
tos, cuspe no rosto,
ameaças, abuso sexu-
al, estupro e até envenenamen-
to. Esses atos foram praticados
por estudantes de grandes uni-
versidades públicas e privadas
do Brasil, nos últimos 10 anos,
como parte da recepção de
candidatos aprovados no vesti-
bular. O ritual é popularmente
conhecido como “trote”.
Desde dezembro de 2014,
relatos de práticas como essas
vêm sendo colhidos por inte-
grantes de uma Comissão Par-
lamentar de Inquérito (CPI) na
Assembleia Legislativa de São
Paulo (Alesp), que apura a vio-
lação dos direitos humanos em
universidades paulistas.
Os depoimentos na CPI
comprovam que pouca coisa
mudou desde a morte do estu-
dante Edison Hsueh, em 1999.
Edison tinha acabado de ingres-
sar na Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
(USP) e morreu afogado duran-
te trote organizado por alunos
do mesmo curso. Ele foi jogado
na piscina da associação atlética
da faculdade, mesmo sem saber
nadar. Em 2013, o Supremo
Tribunal Federal (STF) absol-
veu os quatro acusados
do crime definitiva-
mente, por falta
de provas.
Há limite
para o trote? Quando
entramna
universidade,
muitos
jovenssão
pressionados
aparticiparde
atividadesque
vãodepintura
derostoa
agressões
físicas
Neste ano, o trote ainda
pode ser uma ameaça para
muitos jovens que estão ingres-
sando no ensino superior. A
pergunta que fica é: até quando
as agressões ocorridas dentro e
ao redor de universidades fica-
rão impunes no Brasil?
Brincadeira ou violência?
Pinturasnorostoenocorpo,
gincanas e corte de cabelo são
os trotes mais noticiados pela
mídia. As atividades costumam
acontecer no momento da ma-
trícula, nos primeiros dias de
aula e nas festas de “recepção
de calouros”, dentro e fora das
dependências das universida-
des. A justificativa é dar as boas-
vindas aos novos alunos. Para
muitos, o trote é apenas uma
brincadeira, enquanto outros
se sentem forçados a participar.
Afinal, há limite para o trote?
O doutor em Sociologia
Antônio Ribeiro de Almeida
Júnior, que estuda trotes desde
2001, é contra qualquer forma
de trote, até mesmo os “solidá-
rios”. Ele defende que a práti-
ca deve ser banida das univer-
sidades. “O trote não é uma
forma de integração, ele divide
os alunos. Não existe limite,
aquilo que é brincadeira para
um pode ser violência para ou-
tro”, afirma o especialista, que
escreveu livros sobre o assunto
e é professor do Departamento
de Economia, Administração e
Sociologia da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Quei-
roz, da Universidade de São
Paulo (Esalq-USP), unidade
localizada em Piracicaba, no
interior de São Paulo.
Almeida Júnior explica que
em algumas universidades o
trote é institucional, ou seja, faz
parte da cultura da instituição
e recebe apoio de alunos, pro-
fessores, funcionários do alto es-
calão e até de ex-alunos. Nesses
casos, os abusos acabam sendo
escondidos. “O trote é um pro-
cesso de seleção de pessoas para
grupos que disputam o poder
dentro dessas universidades.
Para fazer parte do grupo, a
pessoa deve obedecer e perma-
necer em silêncio mesmo após
ser humilhada e agredida.” O
NOVO ALUNO toma
banho de lama na Escola
Politécnica da USP, durante
trote em 2010. No mesmo
dia, outros ingressantes
tiveram cuecas rasgadas e
ovos quebrados na cabeça
Aluna foi agredida,
xingada e recebeu
cuspe no rosto por
se recusar a ficar
de joelhos
FOLHAPRESS
DANILOVERPA/FOLHAPRESS
Trote “elefantinho”:
novos alunos andam
em fila, com as mãos
entrelaçadas debaixo
das pernas dos colegas