Reportagem alerta sobre a violência nos trotes universitários e discute o tema com especialistas e estudantes.
Observação: texto dividido em três partes.
Poesiamodernismo fase dois. 1930 prosa e poesiapptx
Trote_parte 2
1. DOMINGO, 8 DE FEVEREIRO DE 2015 – capa 5
professor sugere que expres-
sões como “calouro”, “bicho”,
“veterano”, “trote solidário” e
“trote do bem” sejam evitadas
pelas instituições.
O deputado estadual Adria-
no Diogo, que preside a CPI na
Alesp, conta que ficou abalado
com a violência descrita pelos
universitários. “Eu tenho 65
anos, presidi a Comissão Na-
cional da Verdade e já fui preso
político. O que mais me surpre-
endeu foram as atrocidades, as
barbaridades relatadas. A pos-
tura de quem aplica o trote é a
mesma de um torturador.”
A CPI deverá apresentar
um relatório até 15 de março,
quando se encerra a atual legis-
latura. Até lá, Adriano Diogo,
que não foi reeleito, espera ou-
vir também depoimentos de ví-
timas de trotes em outros Esta-
dos. Para ele, a prática deve ser
criminalizada em todo o País.
“O trote tem que ser enquadra-
do como crime de tortura, pois
é uma grave violação dos direi-
tos humanos.”
Depressão e medo
Em relato sigiloso à CPI,
umaalunadaEsalqdissequefoi
agredida com chutes, recebeu
cuspe no rosto e foi xingada de
“bichete escrota” por se recusar
a ficar de joelhos. Segundo ela,
todos os praticantes de trote são
conhecidos por apelidos, o que
dificulta a identificação deles.
A jovem ainda contou que,
em 2008, foi pressionada a be-
ber cerveja durante uma festa e
acredita que recebeu o líquido
adulterado com droga, o que a
deixou dopada. “Eu me vi iso-
lada e hostilizada por muitos.
Foi um período muito difícil, no
qual estive deprimida e consi-
derei até abandonar a universi-
dade”, afirmou.
Já o estudante Felipe Yarid,
também da Esalq, afirmou que
foi atacado repetidas vezes com
umvenenoagrícolalançadoem
gotas sobre sua pele, até mesmo
dentro de sala de aula. Ele teve
de se afastar da universidade
durante um ano. “Meu corpo
estava tão degradado pelo ve-
neno que eu não conseguia fa-
zer mais nada”, explicou.
Alunas da Faculdade de
Medicina da USP relataram
perseguição dentro da institui-
ção e abusos sexuais. Algumas
disseram que foram dopadas
antes de ser estupradas. Segun-
do os depoimentos, as jovens
não tiveram apoio da diretoria
e algumas desenvolveram de-
pressão. Estudantes do curso
de Medicina do campus de So-
rocaba da Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo
(PUC-SP) também falaram
sobre humilhações em trotes
aplicados entre 2013 e 2014.
As práticas incluíam até for-
çar primeiranistas a ingerir
misturas com vômito, pimen-
ta, urina e fezes.
Adriano Diogo alerta que o
fimdaviolênciadependedamo-
bilizaçãodasociedade.“Nóspre-
cisamos falar para o pai e para a
mãe do jovem que está entrando
na faculdade: não deixe seu filho
cortar o cabelo, pintar o ros-
Especialista é
contra qualquer
forma de trote,
até mesmo os
“solidários”
"A GENTE SE SENTE COMO UM BICHO"
Gabriel Fernandes, de 26 anos, entrou
no curso de Educação Física da Unaerp
Ribeirão Preto, no interior de São Paulo,
em 2006. Ele afirma que a primeira aula de
anatomia foi interrompida por estudantes
que promoviam o trote. “Fazer amizades”
foi a justificativa usada para convencer os
novos alunos a participar.
“Eles pediram que a gente colocasse
um dos nossos tênis dentro de um saco,
tivemos de ficar com um pé descalço.
Depois, fizeram a gente andar como
elefantinho, com os braços entrelaçados
embaixo das pernas dos colegas. Eles foram
pintando todo mundo.”
Os jovens foram pressionados a pedir
dinheiro nos semáforos da avenida em
frente à instituição. Quem conseguisse R$
10 poderia recuperar o tênis. “A gente se
sente como um bicho mesmo e obedece
por medo do que vai acontecer.”
O dinheiro coletado foi usado pelos
organizadores do trote para comprar
bebidas. “Alguns colegas foram obrigados
a beber, mas eu consegui escapar. Eles
colocavam farofa na boca da pessoa e
depois pinga.”
Enquanto foi estudante da Unaerp, Gabriel
conta que viu cartazes espalhados pela
instituição com alertas sobre a proibição de
trotes e nunca mais presenciou a prática
no campus. Hoje, ele está formado e cursa
pós-graduação.
A Unaerp informou à reportagem que,
desde 1992, por meio de portaria, o trote é
terminantemente proibido. Para orientar os
novos alunos, a instituição distribui livreto
informativo e realiza um programa de
recepção aos primeiranistas. A universidade
conta com disque denúncia e fiscalização
de seguranças treinados e cinegrafistas
/VPR-RIBEIRÃOPRETO
ARTE:EDIEDSON