1) Uma menina de 1 ano e 5 meses é exemplar na escola, mas chora e faz birra em casa quando os pais saem de vista, indicando que quer atenção;
2) O comportamento das crianças em casa e fora de casa está relacionado à dinâmica familiar e à maneira como aprendem a lidar com frustrações;
3) Falta de limites impostos pelos pais e ausência deles podem levar a crianças mais agressivas que contestam a autoridade familiar.
1. Ele é um em casa e outro na escola
Oscilações de comportamento dentro e fora do ambiente familiar
indicam que seu filho quer atenção. Mas por quê?
Na escola, a pequena Giovanna, de 1 ano e 5 meses, é uma criança doce. Passou pelo
processo de adaptação inicial como todos os coleguinhas e nunca trouxe pra casa nenhum
tipo de reclamação. É um bebê exemplar, faz todas as atividades previstas na hora certa,
sem nenhum tipo de contestação. Mas em casa, se perder o pai ou a mãe de vista, ela
chora, grita e faz a maior bagunça. “A única coisa que a deixa calma é quando eu e meu
marido estamos por perto. Diante disso, temos um sério problema: não podemos ir sequer
até a esquina”, conta a administradora de empresas Daniela Pavan D’Amico. Giovanna
está longe de ser a única criança com comportamentos completamente distintos em casa
e fora dela. Mas o que a faz se comportar de forma tão diferente?
Foto: Guilherme Lara Campos / Fotoarena
Daniela prepara a mochila de Giovanna: exemplar na escola, em casa ela é totalmente diferente e
chora ao menor sinal de afastamento dos pais
Crianças são os seres vivos mais imprevisíveis que existem, principalmente quando
falamos de um período da vida marcado pela formação da personalidade e do
comportamento, processo intrinsecamente relacionado à maneira que a família se
relaciona entre si e com o mundo. Todo comportamento desenvolvido pela criança neste
período é fruto do que ela aprende em casa, no dia-a-dia com a família. Ou do que ela
vivencia em seu primeiro círculo social, a escola.
Quando os padrões de comportamento de uma criança começam a oscilar dentro destas
duas esferas, é sinal de que alguma lacuna não foi preenchida, e aí podem começar a
surgir problemas. Maus comportamentos como birra, muito choro, questionamento
excessivo com o intuito de enfrentamento e agressão, seja em casa ou na escola, são
sinais claros de que seu filho quer chamar sua atenção. Só resta saber o porquê. “Querer
chamar atenção não é a causa de algum problema, mas o sintoma de algo que a criança
2. está sentindo e que ela não sabe ou consegue explicar”, afirma Denise Santolere Franque,
psicopedagoga mestre em criatividade e desenvolvimento escolar.
Seja por comportar-se agressivamente em casa, seja pela falta de disciplina na escola,
que gênero de problema esses sintomas indicam? A resposta pode estar mais perto do
que você imagina.
Inimigo familiar
De acordo com Mariana Tichauer, psicóloga do grupo Equipe de Diagnóstico e
Atendimento Clínico (EDAC), “quando uma criança é pequena, ela não está adaptada à
dinâmica familiar. É preciso ver como esse ambiente receberá esta criança, porque dali
pra frente ela vai responder da maneira que o ambiente ensiná-la a responder”. As
palavras-chave para o sucesso da relação são segurança e proximidade. Esses dois
reforços são tudo o que as crianças precisam.
Se a dinâmica familiar é prejudicada pela ausência dos pais e, consequentemente, pela
ausência de autoridade, a criança acaba criando seus próprios parâmetros – além de força
para contestar as regras da família, traduzida em manha e berreiros. “Pais ausentes, que
dão tudo o que o filho quer e não colocam limites na educação, acabam gerando crianças
mais agressivas, já que nunca ouvir ‘não’ aumenta a incapacidade da criança de lidar com
as frustrações. Com isso, sempre que a criança ouve um ‘não’ e se frustra, ela se torna
ainda mais agressiva dentro da dinâmica familiar”, diz Denise.
Leia mais sobre impor limites
• O que estraga nossas crianças?
• Pais têm atitudes equivocadas na educação de filhos
• Seu filho não obedece? 9 dicas para mudar isto
Junte a ausência dos pais à agenda lotada de atividades da criança, todas longe da
família, e você terá um cenário em que ela se sente criadora de suas próprias regras, o
que reforça a convicção de que ela tem o direito de agir da maneira que quiser,
enfrentando a autoridade dos pais sempre que for preciso.
Na casa onde vive a contadora Cláudia Azevedo Soares e sua filha Clara, de 3 anos, a
dinâmica familiar é natural e tranquila: ainda que seja uma criança questionadora, Clara
aprendeu a respeitar os limites impostos pela mãe. Na escola ela é ainda mais exemplar e
recebe sempre muitos elogios. No entanto, nos finais de semana na casa do pai e da avó
paterna, onde Clara tem tudo o que quer, ela pinta e borda sob os olhos dos mais velhos.
“Em casa, ela sempre pergunta o porquê de ter que fazer determinada coisa, mas respeita
e acaba fazendo. Já na casa do pai, ela não tem muita noção de regras. E, com isso, ela
sente liberdade para fazer cenas de birra e de agredir a avó, até conseguir aquilo que
quer”, conta Cláudia.
Dentro do grupo
3. A criança sem parâmetros de autoridade pode chegar à escola de duas maneiras: ela
pode encontrar um professor convicto de sua posição de quem coloca as regras, tornando-
se assim um aluno obediente. Ou pode encontrar um professor mais vulnerável à
agressividade, cristalizando a figura da criança indisciplinada e arredia. As possibilidades
são extremas.
Segundo Denise Santolere, a maioria dos pais resiste em perceber que a falta de disciplina
de seu filho na sala de aula é reflexo de um modelo desregrado de interação gerado
dentro de sua própria casa, onde a criança age de acordo com suas próprias vontades e
sob suas próprias regras, terminando por prejudicar, ao ingressar na escola, não só seu
próprio processo de aprendizagem em aula como o de toda a turma.
“Antes, a mãe gerenciava a educação do filho, hoje ela trabalha fora. Por isso ela demora
mais para perceber que ele está se comportando de maneira atípica. Como a escola vai
lidar com a falta de limites? A professora não está lá para disciplinar a criança, este é um
papel da família. A escola só dá o suporte”, afirma.
A regra é clara
A reaproximação entre pais e filhos afastados pelas rotinas diárias é um dos principais
fatores na luta pelo restabelecimento da posição de cada integrante da família dentro da
dinâmica do lar. É necessário que a criança sinta que está sob a orientação do adulto para
que ela baixe a guarda diante dos pais. Isso só acontece quando a criança confia em seus
pais, e para confiar, ela precisa passar mais tempo perto deles.
A psicóloga Mariana Tichauer conta que, em casos extremos, a busca por ajuda
especializada pode ajudar a reforçar os laços entre os pais e a criança, a fim de que a
imagem que ela faz de si mesma como quem dita as regras abra espaço para a posição
de autoridade exercida pelos pais. Nestes casos, a terapia com a criança nem sempre é a
solução mais indicada: quem deve receber orientações sobre como se comportar diante da
família são os próprios pais. “As crianças sentem quando os pais estão inseguros, e tudo o
que elas precisam nesta fase da vida é segurança. Por isso, quando os casos são muito
graves, é preciso procurar orientação sistemática para promover uma readaptação familiar
segura e satisfatória”, revela.
Daniela tenta passar segurança e dar muita atenção para Giovanna, passando o máximo
de tempo que pode interagindo com a filha, para que ela não precise chorar por atenção
quando a mãe vai daqui até ali. Já Cláudia, para orientar sua filha Clara sobre como se
comportar tanto na sua casa como na de seu pai, conversa sempre mostrando como é
importante agir com respeito com os mais velhos, e quanto amor isso pode lhe render.
Ainda que sejam métodos básicos para o estabelecimento do diálogo entre pais e filhos,
as soluções para os problemas de casa estão quase sempre escondidas na relação
familiar: basta saber se posicionar.