O documento discute a natureza interdisciplinar da educação, argumentando que (1) a fragmentação das disciplinas é circunstancial porque a educação sempre visa a totalidade do conhecimento, (2) as disciplinas se desenvolvem através da troca de conceitos entre si, e (3) a interdisciplinaridade é o padrão dos projetos educacionais atuais que requer a integração entre as disciplinas escolares.
1. A natureza da educação
A fragmentação disciplinar é circunstancial, pois educar remete sempre a um sentido de totalidade
25/08/2011
Jayme Paviani
Nomes e conceitos
A questão fundamental da interdisciplinaridade está na compreensão do conceito de disciplinaridade.
O simples uso de prefixos como pluri ou multi, inter, intra e trans não esclarece o problema da fragmentação
do conhecimento e do surgimento de novas disciplinas.
As disciplinas são arranjos pedagógicos e científicos que resultam da sistematização de
conhecimentos, às vezes, fundada em critérios epistemológicos, outras vezes, em critérios político-
administrativos das instituições de ensino e, ainda, em outras ocasiões, em critérios de política econômica.
Portanto, tendo como base a validade desses pressupostos, a interdisciplinaridade não tem o objetivo de
dissolver as disciplinas, ao contrário, quer valorizá-las no exato sentido de que os limites entre elas são
flexíveis e variam com o desenvolvimento do conhecimento e da educação.
Uma disciplina completa a outra, é apenas uma parte de um todo e, por isso, uma requer a integração
na outra, a cooperação entre os professores. Língua portuguesa, por exemplo, é assunto do professor de
português, mas também de todos os outros, pois o fenômeno da linguagem é comum e universal à vida e aos
conhecimentos. O mesmo se pode afirmar da matemática, ou de qualquer outra disciplina. As disciplinas
desenvolvem-se com base na troca de conceitos, de teorias e métodos entre elas.
Para entender o conceito e a ação interdisciplinar, é necessário conhecer a história da formação das
disciplinas, desde o ensino na Academia de Platão e no Liceu de Aristóteles até o fantástico número de
disciplinas existentes numa grande universidade hoje. A fragmentação do conhecimento em disciplinas é, ao
mesmo tempo, uma necessidade natural e também um problema político-administrativo ligado aos interesses
corporativistas. Portanto a autonomia das disciplinas é relativa às necessidades da educação do cidadão e do
profissional.
Sem clareza sobre o estado da ciência hoje, do desenvolvimento tecnológico e das novas
possibilidades pedagógicas decorrentes da situação atual, é difícil perceber que ações interdisciplinares
podem ser praticadas. Em vista disso, o agir e o fazer interdisciplinar exigem o atendimento de requisitos.
Entre eles, podem-se mencionar as transformações nos modos a) de produzir ciência; b) de perceber a
realidade social e histórica; c) de proceder nas relações político-administrativas das instituições escolares e
científicas; d) de entender a clara exigência de se desfazerem a rigidez, a artificialidade e a falsa autonomia
das disciplinas; e) de cooperação e de boa vontade dos professores para trabalhar em conjunto.
Finalmente, é preciso registrar que o agir e o fazer interdisciplinares são múltiplos, pois existem
modalidades diferentes de praticá-los. A prática da interdisciplinaridade no ensino fundamental e no ensino
médio não pode ser a mesma dos cursos de graduação e de pós-graduação, apesar da existência de processos
comuns. Em cada caso, torna-se necessário considerar as variáveis próprias de cada situação. E, igualmente,
o grau de criatividade que ela exige e suporta.
Padrão contemporâneo
Entre os problemas educacionais, merece uma atenção especial o da aprendizagem. Basta observar e
analisar a literatura recente sobre o assunto para perceber que as contribuições para descrever e explicar o
fenômeno da aprendizagem partem de diversas áreas do conhecimento. A aprendizagem é, ao mesmo tempo,
um problema filosófico, psicológico, sociológico, biológico e histórico. Todos os pesquisadores podem
contribuir para esclarecer os processos de aprendizagem, pois a produção do conhecimento não se faz de
modos isolados. Tudo está interligado. A especialização exige transversalidade. Não é mais possível que as
decisões e as ações pedagógicas se realizem isoladamente, cada um com seus alunos, em sua hora e local
definidos, sem saber o que acontece com os outros.
2. A interdisciplinaridade é o padrão dos projetos educativos atuais. Isso requer o entrecruzamento, bem
entendido, das disciplinas escolares. Exige, igualmente, significados amplos e relevantes para os conteúdos
disciplinares, pois, só expandindo a validade do “conteúdo” e da informação, é possível produzir o
conhecimento desejado, a competência requerida. Aliás o verdadeiro procedimento interdisciplinar não
separa conhecimentos de habilidades e de competências. Saber, por exemplo, distinguir, definir, classificar
algo, identificar variáveis, analisar situações-problema, sintetizar, julgar e abstrair conceitos, construir
argumentos, solucionar problemas, elaborar propostas etc. requer ao mesmo tempo domínio cognitivo,
habilidades e competências.
Para completar, é possível sublinhar que o conceito de interdisciplinaridade exige um permanente
esforço crítico e de colaboração. Não existem fórmulas nem modelos de interdisciplinaridade que podem ser
repetidos de modo automático. Projetos e definições que exprimem meras intenções e desejos não são
suficientes para um trabalho com resultados. As atividades interdisciplinares não se limitam a estabelecer
arranjos e justaposições externas ao processo de aprendizagem. Ao contrário, exigem procedimentos
detalhados e coerentes, próprios da lógica interna do ensinar e do aprender.
Referências:
• FAZENDA, I. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 2002.
• PAVIANI, J. Interdisciplinaridade: conceitos e distinções. Caxias do Sul: EDUCS, 2008.
• POMBO, O. A interdisciplinaridade: ambições e limites. Lisboa: Relógio D´Água Editores, 2004.
Sobre o autor
Jaime Paviani é professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação, Mestrado, da
Universidade de Caxias do Sul. É autor dos seguintes livros, entre outros, Problemas de Filosofia da
Educação e Interdisciplinaridade: conceitos e distinções
Depoimento
“A interdisciplinaridade sempre esteve muito presente na minha formação, pois cursei o ensino médio
integrado ao curso técnico de edificações, no Cefet Minas Gerais. Então a proposta já era relacionar áreas de
conhecimento. E isso acontecia na sala de aula e também nos eventos extras como a Semana Cultural, que
integrava assuntos de português, história e geografia, por exemplo, e na Semana Nacional da Ciência e
Tecnologia que a escola adotou, integrando disciplinas de exatas. Na própria pesquisa com a qual venci o
Prêmio Jovem Cientista 2007, eu usei essa prática, utilizando conhecimentos da biologia, da microbiologia,
da história, da área de edificações, além de informações da comunidade em que o projeto foi aplicado e
conhecimentos da minha experiência pessoal. O projeto, desenvolvido com uma colega, foi a construção de
um concentrador solar, feito de garrafas pet e outros materiais recicláveis, para a desinfecção da água.
Pesquisamos as condições sanitárias e de escolaridade de uma comunidade próxima de um rio. O produto
final, além do concentrador, foi uma cartilha educativa sobre os riscos de um rio poluído, os cuidados
sanitários e um passo-a-passo para a construção do aparelho. O prêmio, um computador com impressora, é
ótimo porque a interdisciplinaridade tem na Internet uma grande ferramenta que abre todas as portas
para relacionar e integrar conhecimentos.
Júlia Soares Parreiras, 19 anos, estudante de psicologia na UFMG, conquistou o 1º lugar na categoria
Ensino Médio da última edição do Prêmio Jovem Cientista, como aluna do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais