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1• edi~ao 1989
2• edi~ao 2003
Dados lntcrnacionais .de Cataloga9ao na Publica9a0 (CIP)
(Camara Brasilcira do Livre, SP, flrasil)
Marx, Murillo, 1945-
M355n Nosso Chao: do sagmdo ao profane I Murillo Marx; fotogmfias
Cristiano Mascaro- 2. ed. - Sao Paulo: Editora da Univcrsi-
dade de Sao Paulo, 2003.
Originalmente aprescntada como tcse do autor (livrc-doc~ncia
- Universidadc de Sao Paulo. 1987).
13ibliografia
ISBN 85-3 14-0006-6
I. Cidadcs - Brasil 2. Urbaniza9ao - Brasil - Hist6ria
I. Tftulo.
88-2261 COD-711 .40981
indices para catalogo sistematico:
1. Brasil: Cidadcs: Urbanismo 711.4098 1
2. Brasil: Espa90 urbana: Evolu9a0: Urbanismo 7 11 .4098 1
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l>or.:itos em lingua pmtuguesa rcscrvados a
hlu., p - Editora da Universidade de Sao Paulo
1 v. l'rof. Luciano Gualbcrto, Tmvessa J, 374
It" uudar- Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitaria
m  OK-900 - Sao Paulo- SP - Brasil - Fax (Oxx II) 3091-4 151
l ••l (0xx ll)309 1-4008/3091-4 150
11 ww usp.br/edusp- e-mail: cdusp@edu.usp.br
l'iltrH·d iu rlrazil 2003
l ui ll'lto o deposito legal
./ .
sumarto
INTRODU(:AO ............... ..... ................................. ... 7
SUA RAzAO DE SER............................... ...... ........... 15
1. 0 CONCEITO .......... ....................... .......... ..... ..:.. 17
canones ......... .. ..................... ........ .. ... ............. ..... 20
leis...... ............................................................. ... 41
2. 0 uso................................................................ 59
liturgia ......................... ....... ................................ 6 1
mercancia.. ............... .................. .................. ....... 82
SUA FORMA DE SER ...... .. .... .... ........ .......... ........ .. .. . 105
3. 0 AMBITO ........ ..... ... ............... .......... ............... . 107
locais pios ............ ........ .................... ..... ............. . 110
logradouros publicos ..... ................................... ... . 132
4. 0 TRATO .. ......... ......... .. .. ... .................... ..... ....... 155
imagin:iria .. .. .. ... .. ..... ...... .. ... .. ....... ... ........ ... .. .. ... .. 158
alegoria ... .. ... .. ..... .. ... ...... .. .. ... .. ..... ........... ....... ..... 177
CONCLUSAO. .... .. .......... ........ ... .. ....... ... ............... ... 199
Ap endice 1 .............. ............................... .......... ...... 202
Apendice 2 ........... ........ .......... ..... .. ........ ... .............. 204
Fontes citadas ............... ...... ..... ..... .......... ............... 207
Sobre o Autor.. .... ..... ................ ......... ..... .. .... .. ..... ... 219
-INTRODU~AO
0 espa<;;o urbano publico no Brasil evoluiu lentamente
do sagrado ao profano. Atraves das mudan<;;as em seu con-
ceito, uso, ambito e trato, e possfvel acompanhar a passagem
da predominancia religiosa, em seus prim6rdios, para a se-
cular, nos dias atuais, processo que ocorreu tambem em to-
do o mundo europeu nos tempos modernos e particularmente
no seculo XIX, mas foi de maiores conseqiiencias urbanfsti-
cas aqui do que nos demais paises americanos de coloniza-
<;;ao iberica.
0 conceito inicial predominantemente religioso foi se
transformando, ate tornar-se quase absolutamente mundano,
como ocorre hoje. As normas decorrentes sofreram uma im-
portante transforma<;;ao: as eclesiasticas, bern precisadas de
inicio e por longo tempo, cairam, nao subsistindo qualquer
interferencia mais significativa de sua parte; as civis, muito
difusas e casuisticas ate recentemente, sao agora unicas, po-
rem nero sempre prestigiadas. Dai o usual desrespeito por nos-
sas areas comuns.
0 uso era, ate bern pouco tempo, direta ou indiretamen-
te, de cunho ritual, atento aos eventos liturgicos que se im-
punham perante urn cotidiano pobre que s6 muito vagarosa-
mente foi crescendo em proporr,;oes. As festas cat61icas e as
manifestac;;oes que elas ensejavam constituiam quase que os
iinicos momentos de anima<;;ao maior, momentos excepcio-
nais, num palco de atividades muito mediocres. Estas cres-
ceram e passaram a predominar, mas, ainda agora, pelo por-
te e pela variedade, tornam muito tenue e limitada a utiliza-
<;;ao de nossos espac;;os por todos.
7
0 ambito das areas comuns, por outro lado, era bastan-
te indefinido e referenciado sobretudo por determinados Io-
cais considerados sagrados ou a eles referidos. 0 alinhamen-
to entre o chao de todos e o privado demorou a ser bern es-
tabelecido, e os pontos focais eram quase que somente adros
de igrejas e ruas privilegiadas por onde passavam as procis-
s6es. Assirn, tem-se hoje urn circuito de solo publico tacanho
e sua freqiiente desconsidera~ao com a invasao das superfi-
cies que contem e define. Estreitas as ruas, poucos os largos
e jardins.
0 trato, reduzido asua minima expressao, consistia em
raros elementos da simbologia crista e em sumarias provid~n­
cias que privilegiavam as ocasi6es rituais. Cruzes e nichos com
imagens animavam sozinhos a cena citadina e as ruas e lar-
gos mereciam alguma atenc;;ao de limpeza do mato e rudirnen-
tar conservac;;ao antes das festividades. Demoraram o enri-
quecimento das vias com outros simbolos, o aparecimento
de outras exigencias e a resposta correspondente. Compre-
ende-se a sua atual pobreza e desleixo...
Considerada segundo estes quatro aspectos, eminente-
mente arquitetonicos, essa demorada mas decidida laicizac;ao
ajuda-nos a compreender nossas areas de dominio e uso co-
mum em sua habitual mazela. 0 freqiiente desrespeito que
sofrem por parte do publico e dos responsaveis diretos, o tf-
mido usufruto a que estao habituadas, ainda que em plena
escala metropolitana, sua reduzida superficie geral e as aca-
nhadas proporc;6es da vasta maioria dos logradouros, bern
como o equipamento grosseiro e escasso, merecedor da mais
desatenciosa manutenc;ao se explicam, em boa parte, pores-
sa evolu<;;ao. 0 sacro quase desaparecido, o mundano mal-
nascido.
0 estudo do surgirnento e das transformac;;oes de nossos
logradouros piiblicos, e a interpretac;;ao de suas caracteristi-
cas arquitetonicas - e hi tantas outras dignas de reflexao -
podem auxiliar nao somente no conhecimento maior de nos-
sas formac;oes urbanas como na elaborac;;ao de futuras pro-
postas para sua melhoria. Eles se apresentam aqui por urn pris-
ma particular, numa tentativa de interpretac;;ao que se baseia
no que os registros relativos ao espa<;;o fisico tern a oferecer,
que infelizmente nao sao os de se esperar, ou seja, os icono-
grificos.
Tal analise segue urn roteiro de preocupac;;oes, pesqui-
sas e avaliac;;oes relativas acidade em terras brasileiras, anos-
sa cidade em geral. Para isso, porem, o percorrer das ruas,
8
pra~as e jardins, ora pretendido, abarca toda a existencia de
apenas uma aglomera~ao, desta vez a cidade de Sao Paulo,
porque e das mais antigas entre n6s, porque sua excepciona-
lidade nao a exclui do conjunto das outras nem a retira do
pano defundo comum, porque de todas e hoje a maior, e
porque e a nossa, que conhecemos urn pouco mais e a dese-
jamos muito melhor, a que reline para o pesquisador nao ape-
nas uma consideravel massa de dados e registros de todo ti-
po, como tambem ji pode oferecer urn apreciavel conjunto
de interpreta~6es. Como campo de trabalho, a capital pau-
lista fica bern definida e permanece farto manancial de infor-
ma~oes e de indagac;oes, urn guia auxiliar generoso para seu
pr6prio desnudamento, assim como de suas irmas de todo
o pais. Seu destino, absolutamente excepcional entre as de-
mais, e as propor~6es que alcan<;;ou tornam rnais evidentes
determinados fenomenos, comuns a todas.
Diante da forte evid~ncia de profundos reflexos devidos
a secularizac;;ao ocorrida no seculo passado, formulou-se a
proposic;;ao inicial e induziram-se as conseqiiencias para ca-
da urn dos quatro aspectos arquitetonicos. Estes foram orde-
nados segundo seu papel relativo a urn fato de arquitetura
como e urn espac;;o urbano - a ideia que dele se faz, o pro-
grama funcional a que responde, a abrangencia fisica dispo-
nivel, seus componentes de todo tipo.
A marcha da mundanizac;ao foi imaginada para cada urn
destes aspectos e pareceu, a priori, corresponder a sua evo-
luc;;ao particular e poder constituir urn instrumento para sua
melhor compreensao: a progressiva mudanc;;a da concepc;;ao
das ruas e prac;as, atraves do revelado pela legislac;;ao perti-
nente; o despontar Iento mas seguro de novos usos, mais fre-
qiientes e condizentes com uma vida urbana do que os tradi-
cionais eventos litiirgicos ou votivos; a tardia definic;;ao do
circuito dos logradouros de diferente qualidade eo desapa-
recimento de certas prerrogativas dos adros de igreja, alem
do surgimento de algo novo como os jardins; o crescente cui-
dado com os revestirnentos e com os elementos funcionais
que arrematam ou decoram os espac;os de todos, para nao
falar do aparecimento de novos simbolos e monumentos.
Esse evoluir esta apresentado apenas por meio de alguns
dos informes que pareceram mais significativos tanto do de-
cair da influencia eclesiastica quanto do prosperar da impo-
sic;ao civil. Assim, cada uma das quatro faces eleitas do pro-
blema se mostra segundo dois compassos. Primeiro, aquele
que se atem ao esmorecer das caractedsticas pr6prias dum
9
mundo dominado pelo sagrado, pelo ritual, pela festa. De-
pois, o que busca acompanhar o despontar ou o adensamen-
to das peculiaridades de nossos tempos mais atentos ao mun-
dano, ao negocio, ao cotidiano. Isto implica urn certo movi-
mento de vaivem que, com o risco de se tornar confuso e
redundante, aspira a acompanhar com mais detalhe a forc;a
inicial dos canones em nossos estabelecimentos coloniais e
sua persistencia ate bern pouco tempo, e o predominio atual
quase absoluto das leis e costumes civis em nossas mais anti-
gas e mais recentes formac;oes urbanas.
Seguiu-se a comparac;ao, sempre segundo os quatro as-
pectos eleitos, entre o que se passou por aqui e em outras
colonias portuguesas e no proprio Portugal, entre nossa ex-
periencia de urbanizac;ao e a tao proxima - e tao flagrante-
mente distinta em suas diretrizes - dos espanh6is em seu vas-
to imperio. Essas analogias permitiram perceber algumas se-
melhanc;as e constrastes inesperados e, em geral, mais bern
delinear outros previsiveis, corrigindo e reforc;ando os mo-
delos parciais concebidos. 0 proprio caso tornado como o
principal da pesquisa, o de Sao Paulo, quando comparado
com tantas outras fundac;oes brasileiras, lanc;ou sobre elas mais
clareza, especialmente sobre dados de outra forma incom-
preensiveis ou de dificil entendimento. Dai a pouca impor-
tancia que atribuimos ao mais especifico e eventual do exem-
plo paulistano e a preferencia decidida por seus pontos co-
muns, com uma feic;ao urbana generalizada e que nao tinha
nada de aleat6ria em sua informalidade habitual e tantas ve-
zes denunciada pelos estudiosos. Nao era a antiga Piratinin-
ga o alvo de nosso trabalho, mas a cidade brasileira, perscru-
tada atraves daquela.
0 levantamento exaustivo de determinadas fontes de in-
formac;ao e a deduc;ao do que revelam foram os instrumen-
tos para a correc;ao do modelo geral e dos parciais, das hip6-
teses que carregavam. Foram, finalmente, as armas para afe-
ric;ao das teses levantadas: a principal, que da titulo ao estu-
do, e as secundarias, que correspondem a seus capitulos. A
selec;ao dos dados obtidos, seu ordenamento segundo o as-
pecto que podiam melhor esclarecer - aspecto urbanistico -,
sua anilise paulatina foram precisando as proposic;oes inicial-
mente feitas, os modelos entao sugeridos, e apontando para
a forma final de apresentac;ao.
A pesquisa orientou-se para suprir uma grande deficH~n­
cia documental e grave para a area da evoluc;ao urbana ou
da hist6ria das cidades. Deficiencia especialmente sentida no
10
caso paulistano por sua propria evolw;ao peculiar, de gran-
de pobreza a sensivel riqueza: a quase absoluta falta de fon-
tes iconogrificas ate o advento da independencia e mesmo
ate o surgimento da prosperidade economica meio seculo de-
pois. Apartir de entao passam a ser numerosas ou ate expres-
sivas as vistas, as plantas cartograficas, as fotos de todo o ti-
po, que ilustram bern, se nao fartamente, a cidade contem-
poranea que surgiu de e sobre a tradicional, num outro im-
pulso e noutra escala, porem nao permitem a analise compa-
rativa, tao necessaria e rica de sugestoes para quem tenta com-
preender melhor as transformac;oes do ambiente.
Sendo assim, procuraram-se aqueles registros escritos
que, ou suprissem a falta da imagem preciosa, ou ao menos
esboc;assem uma ideia do panorama que uma vez existiu e foi
sendo substituido. Basicamente tais registros foram de tres
tipos. Os textos legais que, por certo nao inteiramente cum-
prides ou muito tardos em fazer face a realidade, indicam sem
contestac;ao o tipo de mentalidade dominante e de institui-
c;oes decorrentes. Os assentamentos oficiais que correspon-
dem as varias esferas de administrac;ao civil - tanto as atas
da municipalidade quanto os atos do governo da capitania,
provincia e depois estado, assim como os do governo-geral,
metropolitano e do pais independente. Por fim, as utilissi-
mas cronicas dos viajantes que, nos mais distintos periodos
de nosso percurso hist6rico, revelam diferentes interesses,
tipos de observac;ao e de preconceito, sempre fornecendo
uma ideia da vida social e, as vezes, uma imagem de seu qua-
dro fisico, das cidades e suas ruas, largos e jardins.
Alem destas tres ordens de documentos, tornados como
fontes primarias, outras foram utilizadas quando existiam e
podiam complementar a visao sobre uma determinada epo-
ca ou a informac;ao para certo problema: diferentes papeis
da Curia Metropolitana, em que, a par da riqueza do acervo
de seu arquivo, fica o desalento por sua incipiente classifica-
c;ao e conseqiiente dificuldade de acesso; mem6rias e alguns
trechos de ficc;ao; documentos analogos relativos a outras ur-
bes brasileiras; algumas contribuic;oes basilares de juristas e
historiadores do direito civil e eclesiistico.
Nao foram poucas as dificuldades para se obter o leque
dos registros oficiais julgados de utilidade. A primeira, men-
cionada acima, e tantas outras atinentes as entradas para as-
sunto tao pouco vasculhado. Preferimos, por isso, apenas de-
clarar que se optou por fontes que pareciam fornecer , e o fi-
zeram em insuspeitada profusao, elementos necessarios e su-
11
ficientes para o que nos interessava. Dentre eles destacam-se
as atas da edilidade, tao parcas de indices - o que faz valer
uma justa menc;;ao ao elaborado por Sergio Milliet, muito util
para urn varrer inicial; os assentos diversos da dimara, so-
bretudo os de avisos e posturas, quase sempre manuscritos
e Ade~isivos para os aspectos legais; as ordens e correspon-
dencta dos governantes, algum relatorio, pouca mas precio-
sa jurisprudencia, onde se mostra capital a contribuic;;ao de
Candido Mendes de Almeida.
Contribuic;;ao que atinge tambem, a despeito de sua pos-
tur~ fr~ncamente conservadora, a legislac;;ao eclesiastica, que
mutto tmporta aqui, sendo mesmo central para o prisma es-
colhido. Neste sentido, foram primaciais as notaveis Consti-
tui~oens primeyras do arcebispado da Bahia, outras cons-
tituic;oes sinodais do mundo portugues, anteriores ou coeta-
neas, alem de pastorais coletivas mais recentes. Esses diferen-
tes instrumentos do direito canonico, na verdade, sao os do-
.cume_ntos centrais pela importancia, pretendemos ressaltar,
que ttveram para a caracterizac;;ao de nosso desenho urbano
tradicional e para sua evoluc,;ao posterior, a qual nao deixa-
~am d~ condicionar de forma indireta. Importancia que cresce
a medtda que se faz o cotejo com a legislac;;ao civil, tao me-
nos precisa e menos codificada, em seu trajeto lento e inse-
guro, mormente no que diz respeito as questoes municipais
e a definic;;ao dos trac,;os fisionomicos citadinos.
Uns conjuntos de fontes se encontram manuscritos ou-
tros, publicados, quando facilitaram enormemente a pe~qui­
sa. Particularmente as edic;;oes contemporaneas das atas da
c~ar~ paulistana e dos Documentos interessantes para a
h~st6rza e costumes de Sao Paulo, bern como as antigas edi-
c;;oes dos textos eclesiasticos mencionados, algumas primo-
rosas, foram de molde a entusiasmar na consulta e a suavizar
a empresa. Destaque-se, ai, a quarta e ultima edic;;ao das Cons-
titui~oes da Bahia, de 1853, cuja atualizac;ao relativa as leis
do imperio e cuja introduc;ao admiravel por Ildefonso Xavier
Ferreira constituiram em si uma ajuda sempre esclarecedora
e a~aliz:da~ N~o foram, no entanto, suficientes essas publi-
cac,;oes tao utets, tendo sido vasculhado material manuscrito
em arquivos diferentes, numa busca por fundos variados e
urn tanto as cegas em vista das entradas usuais utilizadas p~la
historiografia, que tern desprezado essa participac;;ao tao mar-
c:~ me e ainda tao recente da norma e da organizac;;ao ecle-
siastica entre nos, principalmente para materia tao espedfi-
ca c aparcntemente delas tao distante quanto o urbanismo...
12
A estas fontes primarias que, contra nossa vontade, mas
segundo nossa certeira previsao, foram as mais vasculhadas,
juntaram-se as grificas em fatal modesta contribuic,;ao para
o assunto: as plantas do seculo xrx, editadas no IV centena-
rio de Sao Paulo; uma ou outra dos novecentos como o ex-
celente levantamento SARA de 1930; os desenhos e gravuras
da cidade dos fins dos tempos coloniais; as fotografias que
fixaram o ocaso do imperio eo comec,;o da republica. Por suas
insuficH~ncias localizadas, por haver grande divulgac,;ao da-
quelas mais expressivas, por logicamente particularizarem a
cidade que retratam, decidiu-se utilizar tais elementos icono-
gr:ificos, ou qualquer outro, como ilustrac,;ao, ensejando a as-
sociac;;ao dos topicos considerados com a realidade pregres-
sa ou nao de outras concentrac;;oes urbanas do pais. E con-
centrar a atenc;;ao sobre os aspectos, as mudanc,;as e os meca-
nismos que se ensaia analisar e interpretar. Enfim, foote pri-
mariaprimordial revelou-se o transfigurado centro da mega-
lopole em si - centro historico e geogrifico que, percorri-
do, levantou questoes, sugeriu as hipoteses e forneceu algu-
mas respostas.
Ainda e pouco o que existe sobre a historia da cidade no
Brasil e, mais ainda, sobre a evoluc;;ao de seus logradouros.
Mais restrito fica o rol dos estudos existentes, se o prisma al-
mejado for o da interpretac;;ao eminentemente arquitetonica
de sua configurac,;ao geral, de suas massas construidas e de
seus espac,;os vazios. Os trabalhos mais abalizados com esta
especie de analise mais passam do que se detem no assunto.
E, quando tal acontece, sua contribuic,;ao redunda menos no
esclarecimento, ainda que inicial, do que na sugestao, pre-
ciosa, duma direc;;ao para aprofundamento ulterior.
As obras referidas a seguir constituiram as principais fon-
tes secundarias atinentes a area central deste trabalho e espe-
lham como vemos o estudo atento ao espac;;o urbano, a con-
figurac,;ao citadina e a suas articulac;;oes fisicas internas. Re-
fletem ainda o estado da questao entre nos e o auxilio que
tais abordagens estrangeiras podem oferecer para o conheci-
mento mais fundamentado de nossa cidade a partir de ou-
tros pontos de observac;;ao e objetos de pesquisa.
Nosso prisma atenta para a correlac;;ao entre as institui-
c;;oes e as diretrizes para o despontar e o transformar-se dos
estabelecimentos urbanos no Brasil. Voltou-se para uma pre-
senc;;a poderosa e prolongada, a da Igreja, ate bern pouco tem-
po unida ao Estado. Perquiriu qual o efeito dessa uniao em
diferentes momentos e sob diferentes maneiras sobre o con-
13
trole de nossos aglomerados humanos e, finalmente, sobre
sua configurac;ao.
Se fatal tern sido a comparac;ao entre nossa experiencia colo-
nial, no que tange a conformac;ao de seus estabelecimentos, com
a dos espanh6is em suas colonias, buscamos aferir tambem
o relacionamento Igreja-Estado em Portugal como que seve-
rificava em Castela, aferic;ao que se ateve e deteve nas ques-
toes normativas que diziam respeito, de alguma forma, ao go-
verna das cidades. A atenc;ao maior ao quadro institucional,
portanto, se restringe as normas e procedimentos, aos cano-
nes e leis, ao ritualliturgico e oficial. Enfoque restrito, sem
duvida, porem que promete lanc;ar uma outra luz sobre a ideia
que se fazia de nossas povoac;oes, sobre a utilizac;ao de seus
espac;os comuns, quanto ao circuito dos mesmos e o trata-
mento decorrente. Nao se trata, contudo, duma interpreta-
c;ao da legislac;ao que incidiu sobre nossa cidade, considerando
OS dois brac;;os do poder, temporal e espiritual. Ambos sao
considerados em func;ao de determinados trac;os de nossa pai-
sagem urbana, atinentes a seus vazios de interesse de todos
- trac;os arquitetonicos ou espaciais que solicitam atenc;ao,
em primeiro lugar, do arquiteto e do estudioso da cidade.
0 acompanhamento da evoluc;ao de nossas ruas, prac;as
e jardins, orientado pela trajet6ria hist6rica da cidade de Sao
Paulo, nao pode se valer, como seria desejavel e como era
previsto, da interpretac;ao dum material iconogrifico eluci-
dador. Conquanto existente e relativamente rico, o e para de-
terminado perfodo, a partir de tempos mais recentes. A pes-
quisa se voltou, por isso, para o acervo da documentac;ao ofi-
cial e eclesiastica, esta sim profusa e em grande parte acessf-
vel no caso paulistano. Tal prejuizo, parece-nos, foi compen-
sado pela possibilidade que tais registros ofereciam de apro-
fundar elos e articulac;oes entre o institucional e o urbanfsti-
co, que nao se restringiam e nao se restringem a capital pau-
lista. Pelo contririo, parecia de inkio e se confirmou plena-
mente, tais influxos institucionais, tao marcados pela Igreja,
revelam seus reflexos concretes em nosso quadro intra-
urbana por todo o pais. E isto inclui tambem sua superac;ao,
bastante recente, o que nos levou a percorrer todo o proces-
so, a perseguir aquela marcha lenta, tardia e firme da laiciza-
c;ao de nossos logradouros. Levou-nos a procurar na secula-
rizac;ao dos espac;os de todos os cidadaos as razoes do atual
e renitentc estado de pouca valorizac;;ao, pobre proveito, des-
respeito e descuido de nossas areas citadinas de dominio e
uso comum do povo.
14
SUA_,
RAZAO
DE
SER
UFAL
BlBL!OTECA CE ~,!TRAL
1. 0 CONCEITO
A ideia sobre o chao comum em nossas cidades evoluiu
no sentido duma crescente seculariza~ao. Esta evolu~ao po-
de ser acompanhada pelo progresso das normas legais que
incidiram sobre as diferentes areas coletivas. Tal acompanha-
mento, por certo, nao e 0 unico possivel e talvez nao seja
o mais completo ou aprofundado. Alem de constituir urn as-
pecto parcial, de superestrutura, a legislac;ao tende a nao ser
rigorosamente cumprida, bern como costuma auscultar no-
vos reclamos com muito atraso. Apesar disso, ou por isso rues-
roo, o arcabouc;o legal ret1ete muito bern a mentalidade que
domina ou que ainda nao foi extirpada ou superada plena-
mente por outra. Eo faz incidindo sobre questoes de ordem
pritica se nao candentes. Alei, cumprida ou burlada, arcaica
ou reajustada, incide sobre o convivio dos cidadaos, sobre-
tudo em seu meio mais denso e significativo - a cidade. Re-
gula, de diversas maneiras e para diferentes conflitos, os es-
pa~os comuns urbanos.
A progressiva laiciza~ao dos regulamentos incidentes so-
bre as areas de dominio e uso comum do povo interfere di-
retamente sobre os demais aspectos e, por isso, o legale o
primeiro aqui tratado. E, tambem, aquele em que, de manei-
ra mais nitida, se di a transforma~ao dum mundo marcado
pela ideia do sagrado, para uma visao calcada em motivac;oes
profanas, como em nosso tempo. As mudanc;as ocorridas,
quando observadas pela face legal, tornam-se bern definidas,
nao apenas por uma 6bvia que::stao de letra, mas antes pur-
que houve, de inicio e por seculos, dois tipos de normas
atuantes sobre os vazios que nos interessam, assim como so-
17
bre as concentrac;oes humanas em geral: a norma espiritual
ao lado da norma temporal. Podem-se acompanhar as altera-
~,;oes de cada uma, bern como detectar o momenta em que
uma delas surge ou simplesmente desaparece.
As determinac;oes eclesiisticas, em nossos primeiros tem-
pos, tern a possibilidade de se imporem com facilidade e mes-
mo de prevalecer. Isto se di nas questoes de organizac;ao do
espa~o fisico citadino menos por confronto, o que nao po-
deria acontecer, do que por lacuna e omissao da legislac;ao
especifica portuguesa. As orientac;oes canonicas, retempera-
das pela Contra-Reforma, expressaram-se com maior abran-
gencia nas constituic;oes sinodais dos varios bispados e arce-
bispados, que, em virios de seus titulos, atentam para pro-
blemas que podem interessar aos predios e aos vazios urba-
nos, como sua localizac;ao, utilidade e caracteristicas de
composic;ao.
Acobertadas pela Coroa, tais constituic;oes ganharam for-
~,;a de lei e terminaram por influir mais do que a lei nos inci-
pientes estabelecimentos coloniais lusitanos, simplesmente
porque eram acatadas e estavam muito bern estipuladas. Dian-
te de normas civis muito gerais se impuseram com maior ri-
gor e eficicia.
Os instrumentos legais, de sua parte, em sua usual gene-
ralidade e por SJ.ta transposic;ao praticamente automatica dum
continente a outro, dum mundo a outro, chegaram para urn
cumprimento relativo e, talvez, seus eventuais aplicadores ti-
vessem disso plena consciencia ou convicc;ao. Portugal nao
criou nunca urn corpo de legisla~,;ao especial para suas colo-
nias; preferiu transferir sua legisla~ao e sua jurisprudencia.
0 resultado foi eloqiiente no que diz respeito a paisagem ur-
bana, que foi semeando pelos quatro cantos do mundo e que
se disseminou, mais do que em nenhuma outra parte, nas
Americas. Ao ecoar a paisagem urbana da metr6pole euro-
peia, as fundac;oes brasileiras de quase todo o periodo colo-
nial atestavam com impressionante precisao a persistencia de
costumes. Dentro das exigencias fundamentais, deixava-se fa-
zer como de praxe, passar como no reino...
Transpostas pela metr6pole e completadas de forma ca-
suistica, as leis lusas foram muito lentamente se adaptando
para fazer frente a uma nova realidade. As mais gerais, como
as relativas a questao fundiaria, incidiram sem detalhamento
sabre o quadro urbanfstico; as mais especificas avanc;ararn ti-
midamente com as posturas municipais. Com a independen-
cia, as primeiras atingirarn letalmente a for~a das constitui-
18
~,;oes do arcebispado da Bahia, vigorando havia mais de uma
centuria. Com a republica, as segundas ganharam seu plena
dominia e mundaniza~,;ao.
As conseqiiencias desse processo se mostram hoje pal-
paveis num pais ji eminentemente urbanizado. Particularmen-
te quanta agestio dos logradouros publicos, 0 que se assiste
sabidamente e a defasagem das leis municipais em rela~,;ao a
urn quadro geralmente muito dinamico da realidade e sua im-
potencia em rela~ao a este. De vir a reboque das imposi~oes
canonicas, a lei passou a correr atris das pressoes do dia-a-
dia; impos-se finalmente alegislac;ao eclesiistica que derru-
bou, porem nao correspondeu ainda as necessidades mais gri-
tantes de nossas ruas, prac;as e jardins.
19
1;;:;::;~~------------------~----------------------------------------------~~~---------------------------------- --- -- -- -- ---1 - - - -- -- --- -
A
canones
Ligados a lgreja, OS dais Estados ibericos passaram com
sua expansao ultramarina a deter amplos poderes sobre as
quest6es eclesiasticas. A maneira de regular o convivio entre
o poder temporal e o espiritual, como dais brac;os do trona,
deu-se atraves de inumeras concordatas par toda a parte, em-
bora de maneira muito distinta entre Portugal e Espanha. Nes-
ta ultima, quando se formulou uma legislac;ao espedfica pa-
ra seu imperio colonial, tais acertos mereceram a atenc;ao em
primeiro Iugar. Quando na mesma codificac;ao se estipulou
determinado urbanismo para vicejar em outros continentes,
estava pressuposto e bern definido o papel dos dois tipos de
instituic;6es decorrentes. Tal nao se deu em Portugal, que
transferiu sua legislac;ao e dela se serviu em outras terras. As
normas da Igreja, por toda a parte em suas co!Onias, foram
seguidas mais fielmente que as do Estado. 0 resultado dese-
nhou doutra·maneira, muito distinta, a cidade que promo-
veu entre nos.
Urn artigo de concordia estabelecida por D. Sebastiao,
que diz respeito precisamente a determinado espac;o tambem
urbano, 0 adro, fbi 0 unico que subsistiu por todo 0 periodo
colonial. Nada, como codificac;ao normativa do ambito ci-
vil, que se pudesse comparar as notaveis Constitui(:oenspri-
meyras do arcebispado da Bahia, que regeram urn seculo
da vida colonial e, em linhas gerais, a imperial. No que tange
as aglomerac;6es urbanas de todo nivel, os ecos da seculari-
zac;ao no desabrochar do mundo contemporaneo mal se fi-
zeram sentir no seculo das luzes entre nos; foram significati-
vos, mas circunscritos durante o processo de estruturac;ao do
imperio, acentuados em sua segunda metade e decisivos ape-
nas com o advento da republica e de nossa centuria. Tom-
bou par fim, porem muito tarde, a forc;a dos canones, e seu
peculiar efeito em nossa paisagem citadina, tradicional ou
nao.
"... tenhao mao sempre com sua jurdisao nao deixando a
justisa ecolleziatiqua meterse nella... "
Esta foi uma das ordens passadas pelo ouvidor-geral aos
vereadores paulistanos e registrada na ata da camara de 8 de
20
abril de 1628. Anos antes, ja aparecem, nos assentos da edili-
dade, conflitos entre a jurisdic;ao eclesiastica e a secular por
diferentes motivos, como a descida da serra por gente envoi-
vida em questoes de terra para responder perante juizes ecle-
siasticos, ou as conhecidas pendencias relativas a entradas ao
sertao e cac;a ao indio (Aetas, v. 2, p. 322 e 407). E perduram
tais atritos entre as duas jurisdic;oes ao longo de decadas e
seculos nao soda historia da vila e depois cidade de Sao Pau-
lo, como de toda a colonia portuguesa no continente ameri-
cana. Tais conflitos vern de Ionge, tern aver com a uniao da
Igreja com o Estado e se fizeram refletir sobre a paisagem ur-
bana brasileira.
Mais ainda, a maneira como se deu e formalizou a uniao
da Mitra com a Coroa torna-se expressa em muitas das pecu-
liaridades da conformac;ao urbanistica de nossos aglomera-
dos humanos e, particularmente, nas caracteristicas de seus
espac;os publicos. A comparac;ao com o imperio espanhol vi-
zinho, coetaneo e concorrente, mais uma vez se faz U.til e fi-
ca ilustrada de forma cabal pelas fundac;oes urbanas dum e
doutro !ado da linha de Tordesilhas. Enquanto Castela pro-
jetou seu derecho para os demais reinos sob seu jugo e for-
mulou uma imensa e abrangente legislac;ao para suas colOnias
d'alem-mar, Portugal, que muito cedo tratara de definir suas
proprias "ordenac;oes do reino", adotou-as, como regra ge-
ral, no ultramar. A relac;ao Estado-Igreja e objeto do primei-
ro livro dos nove que compoem a Recopilaci6n de /eyes de
los reynos de lndias... espanhola, enquanto apenas vai sen-
do regulada ao Iongo das "ordenac;6es" e atraves de dezeno-
ve concordatas entre a monarquia lusa e o papado.
Dessas concordias, o primeiro artigo da de 1578 foi o
(mica que sobreviveu as diversas alterac;6es da legislac;ao lu-
sitana e a progressiva secularizac;ao das normas legais em to-
do o mundo, como ressalta Candido Mendes de Almeida em
seu Codigo philipino (p. 426). A tal artigo retornaremos, pois
diz respeito diretamente a questao do espac;o publico; porem
as outras concordatas, por via indireta, importam igualmen-
te para 0 espac;o da cidade, sobretudo as atinentes a imuni-
dade, a preeminencia e a simbologia ecoam sobre o cenario
urbano. Para o historiador portugues Gama Barros, o direito
que regulava as relac;6es entre a Igreja e o Estado continuava
no fim do seculo xv a ser "incerto ou mal definido" (Olivei-
ra, p.l43). Busquemos nesta incerteza e indefinic;ao, aliada
a forte presenc;a da Igreja, respaldo para a compreensao de
incertas e mal-definidas linhas de nossas povoac;6es e, assim,
21
conhecer urnpouc~ mais de sua inquestionavellogica propria.
. . Porque _e prectso ter presente que, por via da legislac;ao
ctvtl e das dtversas e circunstanciais concordias com 0 Vati-
cano, os canones ou as regras do direito eclesiastico tambem
presidir.~m a vida nos primeiros seculos de nossa evoluc;ao.
Consequentemente, tambem se irnpuseram, ainda que de for-
ma nern sempre flagrante, na configurac;ao ou no delineamen-
to de nossas _c~ncentrac;oes humanas e de seus espac;os co-
muns. Sem_d_nvtda aquelas e estes nao surgiram ao deus-dari;
pel? contrano, foram dados e expressoes igualrnente dos ri-
tuats e dum culto determinado, oficializado e legitimante dos
poderes t,~mpo~ais_. ~ernbra o padre Miguel de Oliveira (p.
17~) que as lets ctvts reconheciarn o direito canonico e ate
o tmharn como subsidiario". E este veio reformado e clarifi-
cado pelas orientac;oes do Concilio de Trento para estas ban-
das da America. Veio, portanto, cunhado pela Contra-
R_eforrna de uma Igrej~ que pretendia a universalidade, po-
rem tolerava as pecultandades existentes.
Est:s _duas juri~~ic;oes, que conviviam e presidiam a vida
das colon:as europetas, se refletirarn na organizac;ao espacial
de seus nu_cl~os urbanos. As amplas prerrogativas concedi-
das pela ~~na _R?mana aos rnonarcas ibericos para a irnensa
tarefa mtsstonana _ern outros continentes reforc;;aram 0 pa-
droado real, ou seJa, o poder dos reis espanhol e portugues
como chefes das respectivas Igrejas. Sob o manto real, entre-
tanto, tentavam se acomodar o brac;;o eclesiastico e 0 secu-
l~r. Ta.l ac~rnodac;ao nao era facil na pratica como na institu-
c:onaltzac;ao. E esta variou segundo as necessidades, as tradi-
c;;oes e os pendores dos dois estados peninsulares. Regulamen-
tando su~ gerencia colonial, a Espanha elabora ao Iongo de
pou:~s decadas uma vasta legislac;ao especifica, mais tarde
c~dtftcada como Recopilaci6n de teyes de los reynos de fn-
dt~,.que, co~ poucas alterac;oes (Mundigo e Crouch, p. 267),
vat ~~gor~ ate a independencia de suas colonias. Pois nesta
c?~tftcac;ao a coordenac;ao dos dois brac;os do poder - 0 es-
pmtual e o ~emporal - merece a primeira parte, todo o li-
vro I, e segmdas recorrencias e detalharnentos, como nos li-
vros III e IX. Como que desdobrando o esforc;o de estruturar
sua recente he~emonia no Estado espanhol, Castela clarifica
as normas e ObJetivos coloniais e, de saida, a convivencia en-
tre clerigos e colonos.
_ Estad.o ~ai~ a~tigo e homogeneo, Portugal projeta tarn-
be:n; suas mstttmc;oes para as colonias, porem de forma auto-
mattca e, portanto, diferente. Oferece suas ordenac;oes, pre-
22
cocernente (Almeida) cornpiladas como as Ordenac;oes Afon-
sinas, rnais tarde revistas como Manuelinas e depois Filipi-
nas. Ordenac;oes do reino que serao aplicadas acolonia ame-
ricana de forma casuistica e atravessarao a independencia, a
rnonarquia e atingirao a republica, o seculo xx (Lima, 1954).
Casuisticarnente tarnbern se sucederarn e continuarao a se su-
ceder os acertos de Sua Majestade Fidellssirna corn o bispo
de Rorna - a sequencia das dezenove concordias estabeleci-
das e seu conteudo o confirrnarn. ·
Estas duas forrnas de institucionalizac;ao das relac;oes en-
tre Igreja e Estado resultararn ern rnaneiras diferentes de dis-
por as respectivas referencias nos assentamentos coloniais es-
panhois e portugueses. E, dado que tais referencias eram as
pr6prias insignias do poder metropolitano, toda a disposic;ao
fisica das novas povoac;oes ganhou trac;os distintos e pecu-
liares. Ambas as forrnas de ordenar espacialmente os instru-
mentos de controle social revelam - e as excec;oes num ca-
so e outro acentuam - a existencia duma logica. Mas urna
logica propria em cada urna. Egrande o paralelisrno da ern-
presa colonial, de seu pretexto espiritual, das tradic;oes cul-
turais e institucionais (Rarna, p. 38); e distinta, contudo, a con-
vivencia formalizada entre o brac;o espiritual e o brac;o tem-
poral de cada Coroa. Esta convivencia diferente se express_a
do ponto de vista urbanistico logicarnente de uma deterrnt-
nada forma ern cada caso.
Nao se trata de haver planejamento num caso, o espa-
nhol, ao contririo do outro, o portugues. Ja se observou -
Sergio Buarque de Hollanda e tantos mais - que se trata de
projetos coloniais distintos, filhos de necessidades e aspira-
c;oes peculiares, mas destas fluem para o desenho urbano, com
que se cornec;ou a moldar uma nova paisagem humana, prin-
cipalrnente nas Americas, opc;oes fundamentals de ordem so-
cial, politica e econornica que dizern respeito adistribuic;ao
das novas terras, ao convivio das terras distribuidas com as
da Coroa ou das comunidades municipais, aconcorrencia efi-
caz dos instrurnentos oficiais de poder. Este ultimo aspecto,
que nao e 0 unico e nem 0 prirnacial, foi no entanto impor-
tante e se fez plasmar de rnaneira mais flagrante na confor-
rnac;ao dos estabelecimentos coloniais. Tao flagrante que se
nos passa despercebido como corriqueiro e cbvio. Muito tern
a revelar quanta adisposic;;ao urbana de nossos nucleos e, ern
especial, quanto a seus pulrnoes e arterias de todo ti~o, e seus
logradouros coletivos. Vale a pena acornpanhar por tsso a len-
ta secularizac;ao de seu conceito.
23
"He. esta povoa(:iio grande, & muyto popuiosa, c das mais
anttga~ do_ Estado do Brasil, & he hoje o Emporio de todas
as ~ts Vtllas da serra, para sima; porque aqui residem as
]ustt~ mayores, Ecclesiasticas, & Seculares, & Governador. "
l_'alvez generosa, a apresenta~ao da ja cidade de Sao Pau-
lo, fetta e~ 1.723 (Santa ~a~ia, v. 10, p.l49), destaca a pre-
sen~a de dtgmdades eclestasttcas, embora nao se contasse ain-
da com urn bispo. Na correic;;ao geral de 21 de novembro de
1646, a ca~ara da vila de Sao Paulo registwu em ata que nao
se consenttsse que prelados e vigarios condenassem Ieigos por
~azerem amor com pagas no sertao "no q uzurpavam mani-
festamte a jurisdisao Reale quebravam as leis de sua mages-
tade co~o longamente se declara na ordenac;;am do livro se-
gundo tttu!o pro § treze''. 0 controle dos costumes, como
se ve era dtsputado entao no planalto de Piratininga reagin-
do o poder civil na defesa de suas prerrogativas. Ai~da que
em tal questao, e te~do de apelar para a legislas;ao do reino.
Quarenta anos depots, a mesma dimara, no ent::>!lto, decide
quanto a ~utra materia capital que o encarregado de cortar
carne ~a v~la tenha ~ois talhos ''hum p~ o secular e outro p~
o ecleztasttco por evttar alguas pendencias e Ruinas" (Acta
v.~, ~· 341~. Ji no seculo xrx, ao verificar estarem muitos d;~
predtos relt~wsos de Sao Paulo desocupados, urn banqueiro
mgles (~adft~ld, 1868, ~· 201) os considera "totalmente des-
proporcwn~ts aos ~;ovaveis anseios da populas;ao na epoca
do seu ergutmento , populac;;ao que, quando de sua passa-
gem, tanto tempo depois, nao tinha o clero em muita estima
na America do Sui.
O~a, t:oden;-se discutir as aspiras;oes e estimas do povo
nos pnmetros seculos de colonizas;ao, porem nao as rigidas
normas institucionais a que estava submetido. E nestas se in-
ci_uem nao so as do brac;;o secular das metropoles como tam-
?em as do espiritual. "As instituis;oes da metropole af foram
t~plant~d.as de.cabo a rabo. Assim, desde a origem, a reli-
gta? catohca fot n? Brasil a religiao do Estado, ou, para ser
mats ~xato, uma let fundamental e constitucional do Estado"
(Burmchon: P: 179). ~'J:?o exposto ate aqui !'~.:.:.tlta que para
estudar o dtretto canoruco americana e necessaria conside-
r~ a.legislas;ao.civil. N~nhum de nossos canonistas pode pres-
cmdtr do C6dtgo de Indias" (Hoyos, p. 58).
As observac;oes destes dois eruditos membros do clero
de nosso secul~ a~udam a frisar de forma concisa a presenc;a
de normas canomcas e sua imbrica(,;ao com as civis no con-
24
trole da vida pregressa de nosso continent:, pais e _?o caso
paulistano considerado. Essas normas ou ca~o~es tern_uma
longa historia e sofrem uma profunda rea~ah_ac;;ao no sec~lo
xvr, durante o esforc;o de reac;ao da Igrep a Reforma. ~
Concilio de Trento, que se poderia chamar d_e a grande let
organica da catolicidade" (Pradt, p. 240), ser~ portanto de-
cisivo na regulamenta(,;aO da vida ibero-amencana. .
Como sera tambem para a vida urbana do contmente.
Lembra Richard M. Morse (Bethell, v. 2, p. 70) que, no fim
da Idade Media, o ideal de cidade iberica assentava e~ fon-
tes clissicas e cristas, que vinham sendo fundidas e remter-
pretadas. E que e preciso colocar essa "idea ofa city" numa
relac;ao dialetica com as condis;oes de vida no Novo Mt~ndo .
Morse esta considerando os meios de compreender a ctdade
hispano-americana e nos apontando rumos para o enten~i­
mento da luso-americana tambem, se nao perdermos de vts-
ta uma outra tradic;ao - a portuguesa - , outras c~ndic;oes
_as do oriente da linha de Tordesilhas - , e as d1ferentes
aplicac;oes do recomendado no grande concilio da Contra-
Reforma entre 1546 e 1563. Quanto aconquista espanhola,
]osep Ba~nadas considera provado ~~e o C~ncflio d~ T~ento
teve urn papel que se mostrou dectstvo, dueta ou t.ndtreta-
mente. Conquanto nenhuma deliberac;ao ad_otada vtsa~se as
condic;oes americanas, seu espirito e percepttvel na Igrep en-
tao organizada nas colonias espanholas (apud Bethell, v. ~ ·
p. 516). E observa que "o Condlio de Trento merece o cre-
dito pela tradic;ao conciliar e sinodal que se desenv_~lveu na
America" (p. 517), com a realizac;ao de ooze concthos pro-
vinciais entre 1551 e 1629 e de 25 sinodos entre 1555 e 1631.
Se adicionarmos a estes os dados relativos afundac;ao de dio-
ceses, temos 31 para o primeiro seculo, e~quanto apenas urn
no Brasil. ,
Apresenc;a episcopal ou a do clero secu:ar foi muito d~s­
tinta entre nos, e isto parece merecer mats nossa atenc;ao
quando analisamos nossa ~rdenac;a?_ur.bana. "0 bisp~ set?~~
nou a pedra angular da vtda eclestasttca em .cada d10c~s.e
(p. 516). Isto no imperio espanhol. Como se ftca na Amen~a
portuguesa? A presenc;;a das ordens relig~osas se fazia senttr
talvez ainda mais, como aponta o propno Barnadas quanto
aos beneditinos no Brasil, com urn significativo trabalho cul-
tural educacional e pastoral (p. 520). Ja em pleno seculo
xvm,' a expulsao dos jesuitas provoca quatro condlios em ter-
ras coloniais espanholas. Nas portuguesas, em que a expul-
sao foi anterior, quantos? Hi diferenc;as significativas na or-
25
ganiz~<;~o- nao so do Estado como da Igreja das duas metro-
poles ~bencas, ~m suas provaveis conseqiiencias no dominio
colontal e, parttcularmente, num de seus instrumentos maio-
res (Rama, p. 23-30) que foram os niicleos urbanos. E ai ain-
da_assim,_e_preciso ~onsiderar as normas codiflcadas e~isco­
pats, dect?tdas em smodos especiJicos, para perseguir sua in-
terferencta sabre a organizac;ao tambem do espac;o urbana.
, Percorrendo algumas dessas sinodais do mundo portu-
gues, c?nst~ta-se um grande esfor<;o de adaptac;ao as novas
determmac;oes do _c~n~ilio de Trento para os fins dos qui-
nhentos. As ConstttUzf(oes synodaes do bispado de Coimbra
de 1591 sao feitas "para se adaptar a tais normas e moder-
~os pontifi~es''. Seu titulo 21 diz como se devem fundar igre-
Jas e mostetros, e nao tern equivalente nas coetaneas mas re-
pete com outra linguagem, no 27, o cuidado com a~ imuni-
dades da ~greja, capital na convivencia com o poder tempo-
ral e prectoso para se compreenderem determinadas facetas
de nosso meio urbana. No pr6logo das Constituif(6es do his-
pad? do Funchal se pedem desculpas par terem sido fcitas
tardt~~~te, e~ 1597, para atender ao "Sagrado Concilio Tri-
de~ttno . Elas mcluem entre seus titulos a questao da vene-
~a~ao da Sa~ta Cruz, das festas e imagens, das procissoes, que
mteressam a vida urbana e que marcam seu cenario brasilei-
ro. Ao bispado de Funchal, lembre-se, pertenceu o Brasil en-
tre 1514 e 1551 , antes pais dessas renovac;oes da Contra-
Reforma. Hi que considerar, entretanto, os costumes neste
e nos outros bispados portugueses, do reino e de seu ultra-
mar, para avaliar sua modernizac;ao, os pontos comuns e as
provaveis sem~lhanc;as com as normas adotadas aqui, ate mes-
m?por an~logta e em decorrencia das principais dioceses do
remo. Da tmportantissima questao das imunidades decorre
o direito de asilo, no qual vamos nos deter oportunamente
por se~ ca~ater ~itidamente espaciaL Alem dos pontos relati-
vo~ a ntuats e stmbolos litiirgicos, destaque-se a localizac;ao
est~pulada para edificios religiosos como influencias signifi-
cattvas para o uso e a disposic;ao das vias urbanas (Andrade,
p. 86-90).
A crucial questao das imunidades da Igreja se apresen-
tou por_roda pa:te e ao Iongo dos seculos. Mais perto e na
mesma epoca, sao abundantes as tens6es nas colonias espa-
nholas; Uma representac;ao do bispo de Chiapa, o famoso Bar-
Lolomc de las Casas, <::m 1545, a "Audiencia de los Confines"
c.:~l_re varia:' s~licita<;oes_ c?rajosas como a de que passem 0~
d•z•mados mdtos para o Jmzo eclesiastico, enquanto pede "el
26
auxilio del brazo real" para agir contra delinqiientes "as! se-
glares como eclesiasticos'', traz queixa de infcio ''porque mi
iglesia esta opresa y mi jurisdicion eclesiastica empedida y
ocupada" (Colleccion, v. 1 p. 173). 0 arcebispo mexicano
manda carta ao imperador em 1555, aprovada pelo concilio
do Mexico, suplicando que determine as varias autoridades
civis coloniais para "que favorescan y acaten a los Prelados
de las iglesias y a los Ministros dellas" (p. 109).
0 mesmo arcebispo, urn ana depois, escreve ao " Con-
ccjo Real" sabre problemas entre clerigos e religiosos, ou se-
ja, no proprio seio da Igreja, o clero secular e as ordens reli-
giosas disputam o predominio nas novas terras. Nesta carta
hi referencias aexperiencia do recem-tomado reino de Gra-
nada, o que sugere urn paralelo entre o amplo ordenamento
colonial, que se delineava nesscs anos, e o esfon;o de unifi-
ca~ao da Espanha recem-concluido. Tal paralelo ji foi levan-
tado para tentar explicar seu urbanismo colonial (Smith, 1955)
que fazia parte explicita daquele ordenamento. Ora, tal ex-
periencia espedfica deve ter valido tambem para as colonias
em materia tao importante como o relacionamento
Estado-Igreja.
E na America portuguesa? ]a vimos que a estruturac;ao
da propria Igreja foi diferente; seu lado secular mais fraco e
as ordens religiosas mais fortes , como alias nossa paisagem
construfda colonial atesta. Comparem-se nossas matrizes e ses
com igrejas e capelas de religiosos ou d<:: confrarias; compare-
se aquelas com as congeneres hispano-americanas. A corro-
borar isso e a afirma<;ao de Eduardo Hoonaert de que no Brasil
a organizac;ao das dioceses e paroquias foi lenta e sua influen-
cia minima (Bethell, v. 1, p. 550), esta, do outro lado do mun-
do portugues, o fato de que a diocese de Macau permaneceu
vaga a maior parte dos seiscentos (Boxer, 1942, p. 29). ~sta
situac;ao, no seio do bra<;o espiritual do poder metropohta-
no, por certo nao deixava de estar ligada tambem ao convf-
vio com seu bra<;o temporal. Para o jesuita frances que nos
visita neste seculo (Burnichon, p. 180): "0 padroado portu-
gues, menos definido que urn texto concordatario, devia mes-
mo facilitar mais os avan<;os do poder civil sabre o dominio
eclesiastico". Assim, neste dificil casamento das instituic;oes
mundanas e sacras da metropole deve residir muita informa-
c;ao sabre nossa vida e paisagem urbana peculiar, mormente
quando comparadas com as das colonias vizinhas. Prec~os~
documento para se fazer essa incursao e essa comparac;ao e
27
urn texto primoroso que nos governou ate ha pouco tempo
no espiritual, ou seja, as Constituiroens primeyras do arce-
bispado da Bahia.
"... fizemos, & ordenamos novas Constituif6ens, & Regimen-
to do nosso Auditorio, & dos O.fficiaes de nossajustifa, por
ser muyto necessariapam boa expedifao dos negocios, & de-
cisao das causas, que nelle se houverem de tratar, conjerindo-
as compessoas doutas em sciencia, & versadas na practica
do foro, & governo Ecclesiastico. "
Assim D. Sebastiao Monteiro da Vide, quarto arcebispo
da Bahia e, portanto, a autoridade maxima do clero nas ter-
ras luso-americanas, apresenta a codificac;ao extensa, abran-
gente e cuidada que mandou fazer em 1707. "A obra era su-
perior ao tempo (por isso se projetou no tempo). Como as
Ordenaroes do Reino, dividem-se as Constituic;oes Primeiras
em cinco livros" (Calmon, 1970, v. 1, p. 63). E duraram, com
algumas alterac;oes, duzentos anos. Essas normas para reger
em varios aspectos a vida da Igreja na colonia portuguesa sao
relativamente tardias e efetivamente as primeiras a serem pu-
blicadas, em 1719. Outras existiram, como as do quarto bis-
po da Bahia, feitas em 1605, que "como se nao imprimiC:io,
andavao viciadas, e se nao tinhao posto em observancia, e
por esta causa estavao esquecidas, e quasi derogadas'' (Cons-
titui~oens, p. 511). Pertencera o Brasil ao bispado de Fun-
chal antes da cria~ao do da Bahia, em 15'51, mas era tao inci-
picnte o povoamento que, para o que aqui interessa - a con-
figurac;ao urbana - pouca influencia poderiam ter tido as si-
nodais da ilha da Madeira. Apesar disso, vale lembrar que es-
ta e outras dioceses da metr6pole, das ilhas adjacentes e das
outras colonias, como em todo o mundo cat6lico, sofreram
a partir de entao urn vasto processo de ajuste as determina-
c;oes do Concilio de Trento, adaptando suas normas regio-
nais pelo fim dos quinhentos. Para tal, reuniu-se em Lisboa
o Slnodo de 1567, do qual provieram as novas sinodais lusas.
Entre as diversas licenc;as civis e religiosas que autorizam
a edic;ao das Constituiroens primeyras do arcebispado da
Bahia, o "Protesto do Procurador da Coroa" sentencia: " nao
consinto, nem approvo nenhuma determinac;ao, que nestas
Constitui<;oes se ache offensiva da Jurisdixc;ao Real. .. para que
sempre fique salvo, & illeso o direyto da Coroa, assim como
era, & cstava antes destas Constituil;oens...'' A de numero 641
do titulo 1, por sinal e de sua parte, determina que se cuide
''da jurisdi~ao, liberdade, & immunidade Ecclesiastica... mas
28
Frontispicio da primeira edic,:ao de 1719 (Bib!. M. M. cle A.).
PRiitfEI'i~A.S c;:ON STlTUI<;.:6E S
D o A!'ccbtspado. da B<1hia
c or,lonrrda.r p do .'7/:"'' c r/{;'."' ../:·"·0 . ,!CI)(ls/iaa . ,ffnntci ro
.',;. Ai-c:chi.spo da l3ah.in,rlo Conscllw cf,. J~ .A•l';9''s·tadc .
de tal.m~d~ '!ue nao usurpem, nem impidao em cousa algu-
ma a JU1'1Sdt~ao secular, antes no que for possivel & licito
a ajudem' '. Convivio dificil; nao foi facil. '
De fato, em 1722, o governador Meneses pede um pre-
lado para controlar os eclesiasticos que vivem no maior es-
candalo, "fazendo continuam~ ludibrio do bra~o secular"
(~o~u_men~os, v. 32, p. 37). Em 1729, o rei sente que sua ju-
nsdtc;ao fot usurpada e censura o vigario condenando-o por
ter agido contra o carcereiro "q' tenha entendido, q' se co-
meter outro semelhante excesso uzarei com elle do meu real
poder'', em resposta a uma representac;ao dos oficiais da ca.-
mara de Sao Paulo (v. 18, p. 269). Dois anos mais tarde 0
rei escreveu ao governador Pimentel para que nao concede~se
sesmarias aos clerigos e religiosos ''porque sao izentos do vas-
so castigo" (v. 24, p. 65). Muito tempo depois, o governa-
dor morgado de Mateus escreveu ao bispo da entao ji cida-
d~, dia~~e de conflitos de limites territoriais com a regiao das
mmas, pela parte que toea o interesse do seo Bispado quei-
ra V. Ex., cooperar junto comigo e prestar os seos bons Offi-
cios para que S. Magestade atendendo ao socego de huma e
outra Jurisdi~ao Ecclesiastica e secular queira tamar a rezo-
lu~ao" (v. 12, p. 200), em 1772. Apesar dessas situac;oes con-
flitivas, ainda em 1761, ao dar coma do progresso do arraial
de Sao ]oao de Atibaia, a edilidade paulistana afirma haver
al~ '_'Igreja Parochial provida com abup.dancia para o Culto
Dtvm~, Baze fm~damental das Povoac;oes" (v. 34, p. 157).
D. Jose I determmou, em 1775, que se erigissem vilas con-
gregando os disperses ''para morarem Civil mente, ministran-
docelhes os Sacramentos" (v. 4, p. 113). Ja em 1796, no fim
dos setecentos, Maria I solicita varias informa~oes sabre a ca-
pitania e "u~a relac;ao muito circunstanciada de tudo o q'
os Povos pagao nessa Capitania, seja p~ a Igreja, e Culto Pu-
blico da mesma, seja p~ as Despezas administrativas de cada
Iugar" (v. 25, p. 163).
Neste quadro institucional, em que o espiritual tinha tais
prerrogativas, o brac;o secular tambem esbarrava em limita-
c;oes no que tange aos neg6cios especificamente urbanisticos.
0 titulo 8 das Constitui~6es primeiras do arcebispado da
Bahia contem a 659, que reza: "E quando houver para obras
publica~, cujo uso he commum aos Clerigos, & aos leygos,
como sao fontes, pontes, repara~ao dos muros, & das ruas,
& lugares em que vivem, ou concorrer outra causa publica,
a que seja justa acudirem tambem os Clerigos' ', que se recor-
resse ao arcebispo ou ao proprio pontffice para que os ecle-
30
..i:ist icos concorressem "a remediar as taes necessidades pu-
hlicas, sem serem fintados, nem tributados por secul~r:s, con-
Ira a prohibic;ao dos Sagrados Canones''. As co?stltmc;oe~ ~83
c <>84, respectivamente, por outro lado, pro~bem a edtf~~a­
c,;:IO ou reedificac;ao e a entrada em uso sem hc.enc;a eclestas-
1ica de qualquer igreja, ermida, capel~, ~osteJro, ~~nvento
ou colcgio. Ora, enquanto se torna dtfictl e no mmtmo de-
Ill<>rado o concurso dos membros do clero para ~~n~ as obr~s
p(1blicas, depende-se da diocese - e de seus cntenos e e_xt-
gcncias pr6prias - para o estabelecimento .cl~ const~uc;oes
qu{;, por seculos, serao OS principais refere~cta~ da patsagem
mbana. Basta considerar a questao da locahza~ao destes mar-
' os... Em meados de seu governo, o morgado de Mateus es-
t IT~e ao paroco do Iguatemi para que cesse de taxar os.~o­
radores da nova povoac;ao (Documentos, v. 6, p . 190): An-
It'S q'as cousas cheguem a mayor clamor e que p~ssa re~ultar
('lllre os Povos algum excesso..." . Excesso de tnbutac;ao ou
1-ravame na freguesia recem-criada por petic;a~ d.o~ morad.o-
ITS " para a poderem erigir na forma da ~~n.stttm~.ao do,~ts­
pado", e que mereceu deferimento do vtgano capitular pa-
ra poderem erigir Igreja na forma expressada, em Iugar de-
tTnte e na forma da constituic;ao" (p. 153), em 1 77~.
As imposic;oes variadas, reunidas e ordenad~s no smodo
,1c Salvador, em 1707, consusbstanciaram urn u;strumento
, :monico primoroso de tal forma que, para o conego Ilde-
lonso Xavier Ferreira (Constituic;oes, p. V), "po~:as..obra~ ,
,·m seu genera, tern sido escriptas com tanta erudtc;ao . A dt-
' l'l'sidade dos temas abordados e disciplinados portal texto,
de outra parte, atingiu em distintos aspectos o panorama ur-
llano e ate mesmo, a realidacle de seus espac;os comuns. Co-
mo se 'viu, a existencia do foro privilegiado para_o ~lero
~omava-se ainda sua prerrogativa de conceder ou nao hcen-
c,;a para o erguimento e a freqiiencia dos templos de toda es-
pccie. Como estes constitufam o ponto alto dum: rua, du~
.,ctor, representavam a casa comum de congregac;?es.d~.re~t­
)-liosos ou de irmandades de leigos ou eram a propna, ma-
lriz" duma freguesia ou par6quia, torna-se compr~enstAvel_a
lnfluencia que tiveram sabre o tccido ur~ano - mflu~ncta
dos criterios para a concessao de determmada categona ao
povoaclo, para a localizac;ao das capelas, igrejas~ e ~lausuras,
para definir a orientac;ao dos te~plo~ ea. abrangencta de se~s
.1dros. Somente estes aspectos tmphcanam um fort.e conclt-
t ionamento do espa~o urbano, porem outros constderados
pdas sinodais da Bahia tambem condicionariam o uso eo tra-
3 1
to de nossas ruas e largos. Foi o caso do estrito controle so-
bre as datas, os horarios, a dura~ao e as maneiras detalhadas
para se organizarem e fazerem as procissoes, ou do cuidado
revelado com o emprego das imagens dos santos e, sobretu-
do, da cruz. Indiretamente, iniimeras passagens das Consti-
tuit;;oens primeyras do arcebispado da Bahia, das quais nos
deteremos em algumas, igualmente tiveram seu papel por urn
longo periodo. A ideia, o circuito, a utiliza~ao eo tratamen-
to de nosso chao nao puderam escapar a elas. Pode-se bern
imaginar sua demorada ascendencia au·aves da leitura deste
trecho da sua constitui~ao 640, titulo 1, livro IV: ''E assim
esperamos da Augusta, & Catholica Magestade del Rey nosso
Senhor, como Defensor, & Protector que he da Igreja, que
nao s6mente lhe conserve a sua immunidade, como tao ze-
losa, & louvavelmente faz, mas ainda ruanda ver, examinar,
& reformar tudo, o que oeste Estado do Brasil houver contra
ella: & que com Ministros, & Vassallos a nao offendao, an-
tes, como sao obrigados, a estimem, & venerem".
A longa persistencia das normas eclesiasticas em geral fica
bern ilustrada pelos Estatutos da santa igreja cathedral e ca-
pella real do Rio dejaneiro, publicados em 1811. Conside-
rando que os antigos estatutos da cateclral, agora estabeleci-
da na igreja do Carmo e servindo acone, eram de 1733, que
se os respeitasse " acommodando-os quanto fosse possivel nas
actuaes circunstancias com os costumes, ~ estilos cla Igreja
patriarchal de Lisboa" (p. 6). Certa questao "determinada pe-
los antigos Canones da Igreja, e ultimamente confirmada, e
vindicada pelo Sacrosanto Concilio tridentino" (p. 40)! Tais
estatutos, adaptados em circunstancias tao especiais, foram
aprovados pelo "Alvara com for~a de Lei" de 27 de setem-
bro de 1810. Esta persistencia e for~a legal das normas ecle-
siasticas se revela tambem no caso das pr6prias constitui~oes
da Bahia, ja entao com mais de 150 anos, em pleno ambito
municipal. No artigo primeiro de resolu~ao de 1836 propos-
ta pela camara paulistana, 0 toque dos sinos devido aos de-
funtos sera feito segundo "a parte dos §§ 828 do Tit. 48 Liv.
4~ da Constitui<;ao do Arcebispado da Bahia a baixo trans-
cripto", sob pena de multa e prisao para o "sachristao, the-
soureiro, ou sineiro das Igrejas d'este municipio, ou qualquer
outra pessoa a cujo cargo estiverem os Sinos" (Colle<;ao). Po-
rem os tempos sao outros e outras as exigencias da vida. As-
sim como na Proposta de C6digo de Posturas da Camara Mu-
nicipal da Imperial Cidade de Sao Paulo, de 1862, os mes-
mos paragrafos 828 e 829 "devem ser religiosamente cum-
32
hm 1707 n:t cidade de Salvador, sao definidas em concilio sinodal pro~ovi­
do pelo ilustrado o. SebastHio Mont.eiro da Vide as Con;tituico_ens Prtr;':ey-
rtts do arcebispado da Bahia, publicadas em 17_19. Alem de consutuuem
a carta basica eclesial de quase todo o Brasil da epoca, constderavam a ex-
pcriencia anterior, calcada tamb~~ nas ~ormas canOnic~s; ,nos usos e cos_tu·
mes da Igreja em Portugal e de esta tao dtvers_a R~gtao . Exerceram sob
inCm1eros aspectos influencia sobre a conforma<;ao cttadma e ~obre a dtspo-
'i<;ao de suas areas coletivas, como nos sugeriu m~ns.et~horJat~tl N_asstfAbtb.
lnlluencia menos direta ou mais, como ada consutut<;ao de numcw 683 que
proihia edificar ou reedificar igrejas, casas religiosas ou colegios sem a devt-
da licen<;a episcopal.
pridos sob apena menci~nada'' (um real e um dia de prisao).
Trat~-se do ~ttulo 18, arttgo 70, sabre o repicar sinos por mais
de cmco mmutos, salvo nas solenidades da se.
''!o_u~prit~_il~ge portant exemption ou attribution de la ju-
rzdzctzon epzscopale est aboli. "
A concordata do ano IX, estabelecida entre a republica
francesa eo l?a?ado, foi drastica com a imunidade da Igreja
e com a tradtc;ao_ do foro especial do clero. Outros artigos
r~vogava~. tambem costumes e procedimemos que interfe-
nam ~radtciOnalmente na vida das concemrac;oes urbanas e,
e~pe~talmente, de seus espac;os coletivos. Apesar da perma-
nencta _das normas eclesiasticas entre n6s e de seu peso so-
b_re ~ _v1d~ do novo_pais, a independencia trouxe mudanc;as
stgmftcattvas tambem para os aspectos eminentemente cita-
dinos. Toda a laicizac;ao ocorrida na Europa, durante o secu-
lo das luzes, nao podia deixar de se fazer sentir, assim como
os reflexos da revoluc;ao francesa em todo o mundo e parti-
cularmente no portugues, tao peculiarmente atingido com a
transferencia da corte para uma sua colOnia.
. "~ perda do foro, privilegio, que data da mais remota
anttgutdade, e que sempre foi garantido ao Clero, como man-
tenedor da sua dignidade, e da considerac;ao, com que os po-
vo~ o~ devem olhar, tambem nao contribuio pouco para o
amqmlamento da Ordem Sacerdotal. Oh! se os altos Poderes
~o Estad~'' ~Ca~t~, p. II) pudessem ao tempo da regencia ava-
h~r o suttl Stgmftcado dessa transformac;ao para a configura-
c;ao de no.ss_as cidades. Sutil apenas, porque, como se viu, ou-
tras cond~c~onantes permaneciam de pe. 0 responsavel pela
quarta edt<;ao das Constitui~oes da Bahia, o conego preben-
?a~o.e lente .?e teologia dogmatica, um regalista, comenta
a pagma 159 .qu~ acabando com os Privilegios, e reduzindo
o Foro Ecc~est~sttco a casas meramente espirituaes, nao p6-
d~m ter mats v1gor entre n6s as disposic;oes do Direito Cano-
mco na p~rte temporal". Caem os poderes para impor mul-
t~s, fazer Julgamentos e muitas outras prerrogativas do clero
ftcando restrita_a ac;ao da Igreja praticamente aos usos e, por~
tanto, a determmados evemos que interessam acena urbana.
Ildefonso Xavier Ferreira lembra que ''ja na epocha da In-
del?ende~cia Brasileira, innumeraveis de suas disposic;oes ti-
~a~ caht?? em desuso. Apenas porem appareceo a Consti-
tmc;ao Pohttca do Imperio muitas caducarao nao obstante se-
rem fundadas em Direito Canonico" (p.v). E que duas linhas
34
U FA ~
;_;:;DUOTE.CA CENTRAL
do C6digo do Processo, de 1832, aboliram o privileg~o d_o
foro (p. vi), o que eliminou a imunidade dos adros de •?reJa
c, conseqiientemente, alterou a jurisdic;ao de incontavets lo-
gradouros.
Ja em 1789, o capitao Watkin Tench (p. 12) percebe que
o poder da Igreja comec;a a ser abalado nas co!onias. Logo
ap6s a independencia, Schlichthorst (p. 108), aftrmando que
a religiao cat6lica e a oficial do imperio diz ~uc as ''outras
sao simplesmente toleradas" . Em meados do sec~lo passad~,
0 jurista Jose Carlos Rodrigues, consideran_do na? ser poss_t-
vel que a " Constituic;ao do Brasil, o qual ~m_ha stdo c_oloma
de Portugal ... deixasse de consagrar a rehgtao cathohca co-
mo a do Estado; mas o legislador constituinte, reconhecen-
do como uma medida politica de alta conveniencia, a tole-
rancia religiosa; reconhecendo mesmo a tendencia do secu-
lo para essa tolerancia" nao desconheccu " que o Imperio pre-
cisa, sabre tudo depois da cxtin<;ao do trafico de escravos,
de colonos" (p. 9). No fim da monarquia, o depoimento dum
americana, entre tantos outros semelhantes, e de que " a li-
herdade de credo esta expressa na Constitui<;ao, e existe na
pratica nas principais cidades" (Andre;':'s, p. 5~)-_Na mesma
epoca, diz Louis Couty (1884, p. 407): 0 Brastl e tolerante,
tolerante em religiao ...''. E que, apesar de serem poucos os
cremes e praticamente faltarem os faniticos , "a importanci_a
das ideias ou dos homens da Igreja tem permaneodo const-
deravel ate estes ultimos tempos" (Couty, 1881, p . 75). 0 re-
gistro no diario do segundo Imperador de sua chegada em
Salvador o confirma, no que tange aos aspectos protocola-
res e simb6licos: " Havia muito entusiasmo no desembarque
e o arcebispo esperava-mc, dando-me o crucifixo a beijar pou-
co adiante do Arsenal da Marinha" . Urn " imperium in impe-
rio" para William Hadfield (1854, P: 236) que, mai~ r_arde,
ao recomendar o exemplo de Guzman Blanco aos vtZmhos
da Venezuela, cita o jornal ing_les The Bt·azif and River Pla~e
Mail (1877, p. 244): " o confhto entre IgreJa e Estado conti-
nua indeciso na ultima monarquia sui-americana, assim co-
mo em muitas das republicas circunzinhas" .
As repiiblicas vizinhas, evcrdade, conquanto repiiblicas,
nem sempre separaram a Igreja do Estado ou deixaram de ofi-
cializar o catolicismo. A pro pria " acta de independencia de
Centro America, firmada en la ciudad de Guatemala el 15 de
septiembre de 1821" , estipula que " Ia Religion catolica, q.
hemos profesado en los siglos anteriores, y profesaremos en
lo successive, se conserve pura c inalterable.. ." . Depois, um
35
P!O!eto_de conc~rdata do Mexico com o papado preve a ofi-
ctahzac;;ao, que fmda apenas por emenda constitucional em
1857. Na segunda metade do seculo XIX, impressiona o nu-
m~ro de paises que ainda aliam o Estado aIgreja- as repu-
bhcas c~ntro-ameri~anas, o Peru eo Equador, o Uruguai e
a Argentm~ - ou cuJas cartas maiores ainda ostentam expres-
sas exclusoes de outras profissoes de fe ou cultos piiblicos
co~o n.os ca~os do Chile e da Venezuela. Impressionam pela
mawr hberahdade ou independencia uns poucos paises co-
mo o Haiti e a Colombia (Heredia). Isto no continente, por-
que no Velho Mundo as coisas nao se passam muito diferen-
teme.nte. Para ilustrar, o Congresso de Viena em 1815 que,
constderando o caso especial da cidade de Cracovia, man-
tern a religiao catolica e considera livres todos os cultos cris-
taos (Actes, p. 126); os casos das monarquias ibericas em que
tal religiao e a do Estado, sendo que, enquanto a c~nstitui­
<;;ao portuguesa de 1826 tern os mesmos termos que a nossa
d~ 1824, a de 1 ~22, depois de estabelecer a " Religiao daNa-
<;;ao Portuguesa , reza em seu titulo 2, artigo 25: "Permitta-
se contudo aos extrangeiros o exercicio particular de seus res-
pectivos cultos"; o caso do imperio russo em que a religiao
ortodoxa ocupa o primeiro Iugar e tem no tzar seu chefe em
cont:aposic;;ao aampla liberdade de culto entao do imp,erio
aust~taco (Heredia). Assim nao estava sozinho o Imperio do
Brasil, nem mal quanto a questao da tolerancia
Estes paralelos e a questao da tolerancia religiosa so ca-
bem aqui por urn motivo muito forte e diretamente relacio-
nad_o com o cenario urbano e com sua freqi.iencia: sea laici-
za<;;ao crescente das leis do novo Estado independente afeta
como se ~er~, a extensao e a definic;;ao do ambito dos logra~
douro~ ~u?ltcos, a forma de tolerancia religiosa prescrita lo-
go no tructo da ConstituifiiO politica do Imperio do Brazil
condiciona seu uso e trato, atraves da exclusividade preser-
vada dos rituais e dos simbolos catolicos a ceu aberto. A reli-
giao o~ic!al fica determinada e a tolerancia propugnada, com
a restn<;;ao de que a paisagem - e portanto a urbana - nao
seja afetada ou denuncie a existencia ou o exercicio de ou-
t~os cultos. Na interpreta<;;ao de 1857 do jurista.Jose Antonio
Ptmenta Bueno (p. 23), tal postura e sabia pois o culto inte-. ,,.... . . '
nor e um acto pnvattvo de sua consciencia; a liberdade desta
e um dos direitos dos mais inviolaveis da humanidade, nem
urn poder politico tern accesso, e menos imperio dentro des-
se sanctuario"; porem, o culto externo "quando nao se trata
rnais somente da liberdade da consciencia e sim da liberdade
36
do culto, entao tern Iugar a intervenc;;ao do legitimo e indis-
putavel direito do poder social". 0 "poder social" determi-
na pois o palco de seu exerdcio, sobretudo a cidade. Qual-
quer religiao sera permitida "em casas para isso destinada~ ,
sem forma alguma exterior de templo' ', declara logo nas pn-
meiras linhas nossa primeira constituic;;ao. Surpreende mes-
mo urn simples dado arquitetonico com tal precedencia so-
bre tantas questoes capitais numa constituic;;ao. Sem duvida,
a religiao e uma delas, se nao for a primeira, pois na forma
de juramenta constitucional do imperador antes de ser acla-
mado, estipulada em seu artigo 103, a religiao precede a tu-
do o mais, qual seja a integridade e indivisibilidade do impe-
rio, as leis da na<;;ao e o bern geral. E o faz de imediato
referindo-se a uma questao de arquitetura!
" Arrigo 179. A inviolabilidade dos direitos civis e politi-
cos dos cidadaos brazileiros... e garantida pela constitui<;;ao
do imperio pela maneira seguinte: ...5? Ninguem pode ser
perseguido por motivo de religiao, uma vez que respeite a
do Estado e nao offenda a moral publica". "Pelo que toea
ao culto externo, quando se torna publico, pode a lei restringi-
lo segundo as considera<;;oes de ordem politica" (p. 397). "E
fora de duvida que o Estado tem direito de exercer sua poli-
cia sobre os cultos", de impedir "que as sociedades religio-
sas se apresentem em forma collectiva, usurpando existen-
cia propria, pretendendo exercer direitos de predicas ou pro-
cissoes publicas" (p. 398). E conclui o jurista: ''Nossa dispo-
sic;;ao constitucional nao so garantio uma justa tolerancia, mas
concedeu a liberdade essencial, o culto nao so domestico, mas
mesmo em edificios apropriados e para isso destinados, nao
devendo somente ter formas exteriores de templos" . Tal aten-
c;;ao para com as aparencias, para com os aspectos exteriores
do " poder social", pode surpreender-nos ou levar-nos ao jul-
gamento de cinismo nao fosse todo o uso que se fez e ainda
se faz de nossos espac;;os urbanos, como se observara adian-
te, ou nao constassem estas seguintes passagens, escritas e pu-
blicadas em tempos de Contra-Reforma no primeiro livro em
portugues editado na America, o Luzeiro evangelico. 0 fra-
de, seu autor, depois de mencionar o dossel que se poe so-
bre a imagem do rei e com que se o honra, defende a mesma
"a<;;ao, ou costume: logo podemos na mesma forma por a Ima-
gem de JESUS Chr. nas Igrejas, que sao OS lugares publicos
destinados para exercitar as fun<;;oes publicas de Religiao: &
ningue que nao seja falto de juizo dira, que se deshore aJ.C.
por isso" (p. 422). Ou, citando Mateus (p. 39): "A Igreja he
37
Cidade fabricada sobre o monte, patente a todos: he candea
posta sobre o castif;al, que alumea a todos" .
''La ville ancienne a conserve le cachet colonial ou portu-
gais, qu'on mepermettra de trouverfrancbement abomina-
ble."
Alfred Marc (v. 2, p. 152) prossegue em sua crftica arrasa-
dora do centro velho de Sao Paulo, comparando-o com ou-
tras aglomerac;oes tradicionais nossas que, a seu ver, tambem
atentavam contra "o born gosto, o sentimento estetico, o eli-
rna, o quadro natural". No ano da proclamac;ao dum novo
regime, deseja, "comemplando este desafio lanc;ado ao born
senso por esses rotineiros sem inteligencia", urn cataclisma
qualquer que ''arrasasse radicalmente esses montoes de cons-
truc;;oes insalubres, incomodas, cujo jugo pesa tanto sobre a
higiene das cidades brasileiras..." . Com o advento da repu-
blica - e somente com ele- desfaz-se a uniao da Igreja com
o Estado. A secularizac;ao, iniciada ainda no seculo das luzcs
e tornada palpavel em aspectos importantes na estruturac;ao
jurfdica do imperio, se completa finalmente. Nao havera mais
religiao oficial nem determinados usos cerimoniais que com-
pulsoriamente afetem a vida urbana. Para as questoes da ci-
dade, a alterac;ao sera pouca, apesar da laicizac;ao do Estado
e do carater mais do que laico das ideias e teorias urbanfsti-
cas vindas do hemisferio norte.
AWis, mesmo no plano geral, a pr6pria persistencia de
costumes mantem muito do que era ate entao seguido e pra-
ticado. Eo que percebe o relator da camara dos deputados
franceses (Briand, p. 214-7) que, vasculhando legislac;oes es-
trangeiras em 1905, afirma do Brasil que a teoria separava
a Igreja do Estado; a pratica nao, por sera nac;ao muito cat6-
lica e a republica nao querer ser anticlerical, mas somente de-
sejar estender a liberdac!e de cultos. Entretanto, com a sepa-
rac;ao, algumas materias se impuseram " devastac!oramente"
para Cirne Lima (p. 11), entre elas a laicizac;ao dos cemite-
rios que interessam diretamente i cidade. Tanto que as cons-
tituic;oes federais de 1934 e 1946 restabelecem os cemiterios
eclesiasticos, a par dos municipais, como acrescenta o mes-
mo jurista, alem de outros recuos como a imunidade tributa-
ria para templos, estabelecimentos de ensino e obras pias.
Porem, por alterac;oes que passam a ocorrer no pr6prio
ambito eclesiastico, a mundanizac;ao vai se completar. Aim-
portance convocac;ao do Concilio Plenario Latino-americano
38
• I 4 " 0 ladrilhador eo semeador" de Sergio Buarque de Hollanda
11 t.tpllu o · ' · · ··al no pres-
R - d Brasil p·trece-nos nao apcnas urn marco mtCJ,
'111 ":u aJz es
0
' ' b' bano tradicional como
'outar as caracteristicas ffsicas de nosso :. .'e~~: ~nda tem muito ~ara ser
:·~::~~~~{~=e~~~n~~~~r~~aq:~~~~~~~~it~s~~~~ t~a~os intra-urbanos, ou ar-
. · · de nossos estabelecimemos colomaJs.((lll CIOlllCOS ,
em 1899 traz uma serie de inova~oes e extingue a longa vi-
gencia das constitui~oes da Bahia. Trata-se de amplo esfon;o
do Vaticano para a atualizac,;ao das normas e procedimentos
adotados pela Igreja em todo o mundo, ora tao mudado. 0
Concilio Plenario vai dispor de amplos poderes e utiliza-los·
vai influenciar e uniformizar todo o continente. E provoca;
uma serie de concflios plenarios dos bispos brasileiros em que
se destaca o de 1915. Uma serie de pastorais coletivas decor-
rentes divulgam suas decisoes e vern carregadas de novas en-
toques e orientac,;oes que pressupoem urn ambiente ja mun-
danizado.
A pastoral coletiva dos bispos do sul do pais, comuni-
cando o resultado de suas conferencias em 1910, por exem-
plo, no que tange aconstrw;ao de igrejas, mantem em linhas
gerais as normas para sua localizac,;ao relativa, sitio elevado
e terreno desembara~ado. Contudo, a clausula 7~ do mesmo
artigo 30 se mostra significativa. "Nos centros mais populo-
sos, onde seja difficil a acquisic,;ao de terreno apropriado, con-
forme o § 3, a Autoridade Ecclesiastica dispora o que lhe pa-
recer conveniente". Clausula significativa, porque possibili-
ta o ajuste entre o que pretende a Igreja para seus templos
e 0 que e factivel nao tanto em nucleos maiores e mais aden-
sados, mas num pais onde sua personalidade juridica e reco-
nhecida e, em contrapartida, o poder publico esta acima e
fora de qualquer interven~ao. Ou seja, a capela ou igreja se
far~ onde der, onde as diferentes condic,;oes permitirem; nao
mats onde se quiser, onde a tradic,;ao e o recomendado pela
Igreja indicarem. Trata-se dum mundo novo, onde ate mes-
mo a ordenar;;ao prescrita no artigo 666 para as procissoes
s6 tera valor para os fieis praticantes.
. _ Essas mudan~as se podem acompanhar com maior pre-
ctsao e detalhe na Pastoral Coletiva de 1915. Inumeros arti-
gos anunci2m sua ideia sobre as ruas e as prac,;as em que sua
utilizac,;ao ritual nao pode mais ser obrigat6ria, em que seu
circuito esta definitivamente submetido ajurisdi~ao tempo-
ral conquanto se reaja ainda a respeito dos cemiterios, em
que seu tratamento se resume a urn artigo sobre imagens sa-
eras. Essa Pastoral precede a realizac,;ao do Concilio Plenario
Brasileiro e a publicar;;ao do C6digo Canonico em 19 17. Por
sinal, nessa vasta primeira codificac,;ao, de interesse para to..
da a Igreja, notam-se profundas transforma~oes na estrutura
geral, nos titulos e na reda~ao das normas eclesiasticas. Nada
a respeito do sitio, das construc,;oes religiosas, dos adros...
40
leis
A aplica~ao das pr6prias leis do reino em sua colonia aj~dou
a transposic,;ao dum certo tipo de desenho urbana atraves do
Atlantica. Por certo, o costume e uma tradic;ao alicerc,;ada na
idade media estiveram presentes nessa reproduc,;ao de carac-
teristicas urbanisticas tao forte e seguidamente repetidas. Porem
urn quadro legal atinente a questoes basicas e em que se am-
parava o arcabouc;o normativo da cidade foi a causa mais di-
reta desse fenomeno. E, muito especialmente, os reflexos da
uniao Igreja-Estado lusitana. Pois em cada fundac,;ao colonial
entidades do poder civil e do clero se estabeleciam e expres-
savam atraves de suas sedes respectivas uma func;ao particu-
lar e a imagem da metr6pole. Seu concerto configurou a ci-
dade, cada uma representava o que de melhor dispunha. Ora,
enquanto as instituic,;oes eclesiasticas faziam valer seu cunho
de agentes da religiao oficial e se instalavam segundo suas normas
bern formuladas e fiscalizadas, outro era o quadro para as en-
tidades civicas, ainda que do maior prestigio.
Aos efeitos da simples e duradoura transposi~ao para uma
realidade tao diversa, sem adaptac,;oes maiores que as mais 6bvias
e inevitaveis, juntaram-se caracteristicas pr6prias das Orde-
na~oes do Reino, que nao se detiveram muito nas diferentes
menc;oes a problemas municipais e urbanisticos nem as apro-
fundavam em geral. 0 adensamento da vida urbana e a mul-
tiplica~ao de seus nucleos acabaram cobrando outra atenc;ao
e outras posturas. Estas vieram devagar, contudo, e de for-
ma muito preciria. A propria Sao Paulo, conquanto sede de
capitania, depois dum bispado passando de vila a cidade, nao
dispunha e nunca dispos, em toda a fase colonial, dum cadi-
go de posturas. Ainda que com os avanc;os legislativos atinent~s
aadministrac,;ao municipal e talvez devido aos recuos de atn-
bui~ao , ocorridos ambos principalmente a partir de 1828, a
capital paulista s6 conhece uma codifica~ao de suas posturas
nas vesperas da republica. Ficil avaliar as dificuldades d.e for-
mula~ao e de acatamento de seus atos e normas postenores!
"V. A. deve de dar u cuidado destas epresas e obras de Lis-
boa a que as enteda se escasseza e que se preze deltas; f:lSSi
como fezerao os antiguos Imperadores, dando o seu cutda-
do e officio a grades pessoas. "
41
Enquamo os instmmentos normativos do "brac;o espiritual"
da monarquia portuguesa foram perdendo sua forc;a, lentamente
tambern foi o ''brac;o temporal'', expressando cada vez mais
a sua atraves de uma ac;ao mais especificada e objetiva, urba-
nisticamente, como sugere o conselho de Francisco de Olan-
da (p. 11) ao rei. Enquanto as normas eclesiasticas, igualmente
validas para regimento da vida dos rein6is e colonos, foram
sendo ultrapassadas pelas normas do poder civil, estas com
muito vagar ou tardiamente foram se definindo e ganhando
efic:icia. Enquanto as determinac;ocs da Igreja cram claras e
categ6ricas sabre alguns temas pr6prios da vida e da paisa-
gem urbana, as imposic;oes das varias instancias do governo
coloniallusitano se mostravam ora tfmidas, ora inexistentcs.
Assim, se era clara o estipulado para se implantar urn templo
ou uma nova casa religiosa, em rela~ao atopografia, aos con-
gcneres preexistentes e ao casario circundante, nao o era o
plano citadino em geral, seu arruamento e sobretudo o par-
cclamento do solo. Das ordenac;oes do "reino", e das medi-
das de car:iter casulstico baixadas atraves de cartas regias, al-
varas e decretos, passou-se diretamente alegisla<;ao imperial,
sem se conhecer por seculos urn c6digo especial para a colonia.
Da convivencia atabalhoada entre as varias esferas de poder, na
corte, no governo-geral ou nas capitanias, nas comarcas ou
nos termos municipais, passou-se a urn vaivem na busca de
definic;oes ap6s a independencia. E mesmo ap6s a republica
estabelecida... Imagine-se como foi sendo o governo das cidades.
As primeiras ordenac;oes do reino portugues foram fei-
tas por Afonso v, no seculo xv, e aproveitadas para as Or-
dena<;oes Manuelinas, em 1521. Arevisao destas, com a con-
tribuic;ao de varios jurisconsultos reconhecidos, como leis
pr6prias do reino de Portugal baixadas em 1603, quando da
uniao com Espanha, consubstancia as Ordenac;oes Filipinas
que acabaram tendo grande durac;ao e alcance. Porque vie-
ram quase ate n6s e em muitos aspectos ate bern entrada o
seculo xx, e o regime republicano, cujo C6digo Civil (nosso
primeiro) data de 1917. Porque foram elas que nos governa-
ram na America e nas mais distantes col6nias africanas ou asia-
ticas de Portugal. Essas ordenac;oes nao ignoram as anteces-
soras nem as Leis Extravagantes ja fartas nas Manuelinas. Se
bern que interessem para questoes relacionadas ainstancia
municipal, nao apresentam muito sobre a ordenac;ao urbana
(Andrade, p. 27). E foram sendo complementadas na pratica
por medidas espedficas baixadas pelo monarca ou em seu no-
me para aplicac;ao no ultramar portugues. Essas cartas-regias
42
e decretos visavam normalmente nao mais do que uma cida-
de em foco e, nesta, alguns aspectos gerais. Nao desciam as
me~hore~ i_n~tr~~6es a detalhes que pudessem constranger
muuo a mtctattva da autoridade colonial, regional ou local
executora, nem que nos ajudem a compreender melhor o de-
senho urbano resultante.
~este quadro o que aqui interessa e urn aspecto muito
parctal, mas que parece elucidativo duma ccrta tendencia: a
progressiva seculariza~ao dessas normas e das que depois se
segui;am, ja brasileir~s. Para Paulo F. Santos: "A diferen~a
de metodos do Urbamsmo Colonial portugues em rela~ao ao
espanhol, ~om~~~ pela legisla~ao" (p. 38). Os suportes legais
foram mmto dtstmtos de fato; porem cabe ressaltar urn as-
pecto restri!o e aparentemente secundario em que tal dife-
re?c;~ tambem,s~ denuncia. As questoes de religiao e moral
c:tsta, e de prattcas e convivencias com us eclesiasticos es-
tao em ambos os casas presentes, mas tais cuidados sao dife-
rentemen~~ va~o~izados pelos respectivos corpos de leis. Fi-
ca,_<_:omo Ja fat dtto, _no ~ivro 1 das Leyes de Indias (Recopi-
lactOn), toda a comptla~ao das normas de convivio entre se-
culares e eclesiasticos nas col6nias espanholas. Ficam nao tao
compilad~s as mesmas n01·mas lusas que, repetimos, valerao
para o remo como para seus dominios.
0 que importa isso para o desenhar-se das cidades entre
n6s? Importa muito, pois, se nao havia normas codificadas
e detalhadas para a lei civil atinente a configurac;ao da cida-
de e recebendo esta o impacto perfeitamente normal enUio
de outra l~g~sla~ao- a can6nica --, nao estipulado claramen-
te o convtvto das duas, o resultado deve ter sido bern outro.
O!a o padre Miguel de Oliveira afirma que, com as ordena-
~?~S manuelin~s, ''nao houve mudan~,;a digna de nome; as leis
ctvts reconhectam o direito can6nico e ate o tinham como
su~sidiario" (p ~72). Mas lembra que os documentos ponti-
fictOs para questoes concernentes aos missionarios nao eram
expressos no caso do padroado portugues, sendo-o quamo
ao padroado espanhol. "Atribui-se a diferen~a ao diverso sis-
tema _de coloniza~ao s~guido por Espanha e Portugal" (p 154).
lmagm_e-se nas questoes municipais ou intra-urbanas! "Em-
bora nao apres~ntasse: o ~rasil, instituic;oes locais a aprovei-
tar, _as o:dena~oes reats nao cogitaram explicitamente da or-
g~ntza~ao da :ida civ~l e ~rbana em seu territ6rio; a legisla-
~,;ao metropohtana fot aphcada sem alterac;ocs, completada
contudo, pelas leis ordinarias" (Andrade, p. 33).
. Duas descri~6es quinhentistas constantes do Livro das
czdades, ejortalezas que a Coroa de Portugal tern naspar-
44
tes da India... ilustram bern essa projec;ao do arcabow;o le-
gal reinol no ultramar. Na pr6pria India, quanto a Cochim:
" A qual he da nossa jurisdic;ao, governada pellas leis e orde-
na~,;oes de portugal, como cada hiia das cidades delle" (p. 71).
Quanto a Macau, na China, em que seus moradores "as quaes
posto que a terra seja del Rey sao governados pellas leis e or-
denac;oes deste Reyno de Portugal" (p. 106). " Embora esca-
passe as guerras de religiao, Portugal sofreu a influencia do
direito publico que se foi elaborando no sentido de procla-
mar a supremacia do poder civil" (Oliveira, p. 252). Supre-
macia, talvez, mas proclamada de forma peculiar pela orga-
niza~ao espacial em seus estabelecimentos coloniais.
"... suplicamos a V.M. munde asu Visorey y aesta su Real
Audiencia y alas otras]usticias y Gobernudores, quefavo-
rescan y acaten alos Pre/ados de las iglesias y a los Minis-
tros deltas, pues lenemos tan lejos el socorro pa~'! quejar-
mos a V. M. , cuando fueremos desfavorecidos...
Esta carta, aprovada no condlio do Mexico de 1555 e
assinada por seu arcebispo, da conta a Carlos V dos proble-
mas entre as jurisdi~6es eclesiasticas e secular agw;ados pela
distancia das novas frentes de coloniza~,;ao (Colecci6n, v. 3.
p. 522). A Recopilaci6n de leyes de los reynos de las Indias,
que ordenou a vida do vasto imperio espanhol, ainda insisti-
mos de seus nove livros dedicou fora outros titulos todo o
Livr~ 1 para as quest6es eclesiasticas, que, assim como e jun-
tamente com as leis civis, se explicitaram para todas as col6-
nias e cada urn dos seus estabelecimentos ao Iongo de secu-
los. Transfere, e verdade, os costumes metropolitanos pre-
dominantes "de la inmunidade de las iglesias y monasterios,
y que en esta razon se guarde el derecho de los Reynos de
Castilla'', no seu titulo 5. Everdade tambern, como lembra
Alemparte (p. 48), que muitas de tais disposi~6es , como tan-
tas e tantas leis espanholas ou hispano-americanas, ficaram
no papel, como signos de boas inten~oes.
Nem tanto, pois a essa grande codifica~,;ao legal, outros
cuidados castelhanos se juntaram, como atesta um amplo in-
querito sobre "todas las ciudades, villas y lugares de espaiio-
les, y pueblos de naturales", publicado na integra na Colec-
ci6n de documentos ineditos del Archivo de Indias (v. 9. p .
58-79), e que reune nada mais nada menos do que 355 itens
de interesse sobre as povoa~6es coloniais, incluindo algumas
sobre urbanismo de extrema modernidade. Esse documento
provocou inumeros outros em resposta, que sao preciosfssi-
4 5
mas descri~6es de cidades, vilas e aldeamentos indlgenas dos
primeiros anos dos seiscentos, onde se pode avaliar o grau
de aplica~ao efetiva dos ordenamentos urbanisticos recomen-
dados para as funda~6es, bem como o peso da Igreja e de suas
jurisdi~oes no governo das novas terras. Diego Velasquez con-
trap6e as cidades coloniais da America do Norte as castelha-
nas: ''As primeiras foram terreno fertil para uma nova ordem
economica e legal; as segundas foram instrumentos para uma
ordem imperial estabelecida" (Bethell, v. 2, p. 90). "A uni-
dade urbana constituiu um microcosmo duma ordem impe-
rial e eclesiastica maior" para Richard Morse (p. 71).
Na transposi~ao das ordena~oes do reino lusitano, poe-
tanto, vemos espelhada outra maneira de colonizar as novas
terras descobertas. Outra maneira em que a legisla~ao vern,
como que por direito consuetudinario, transferindo as prati-
cas da metr6pole para suas mais distantes e distintas colonias
e feitorias. Ora, nessa transferencia nos interessam, princi-
palmente, a questao fundiaria, o desenho urbano e o conv1-
vio como mundo eclesiastico. Algumas normas lusas sobre
os dois primeiros aspectos nao se comparam ao conteudo dos
tltulos 5 e 7 do livro IV das leis coloniais espanholas, nem
as diversas coloca~6es constantes das Ordena~6es Filipinas,
a preeminencia e aextensao do contido no livro 1 daquelas
"leyes de los reynos de las Indias". (Recopilaci6n). 0 que se
prop6e e haver urn paralelo entre uma coisa e outra, que ao
grau de explicita~ao maior da convivencia dos lados espiri-
tual e temporal do poder metropolitano corresponde uma
conseqiiente explicita~ao maior do poder publico e de sua
rela~ao com o ambito privado no delineamento urbano das
funda~6es castelhanas coloniais. Se de inkio deu-se melhor
cste delineamento - e em seu bojo aquele entre o publico
sacro eo publico profano -, como passar do tempo e a pro-
gressiva seculariza~ao dos conceitos e leis sobre a ordem ur-
bana, a maneira como se definiu e distinguiu o espa<;o publi-
co foi fatalmente diferente. Diferente no que tange a seu con-
vivio com os espa~os sagrados e sobretudo com os espa<;os
concedidos a particulates. Por outras palavras, em processos
institucionais onde tinha tanto peso a Igreja, no caso espa-
nhol, de sa!da estava bern definido o limite entre urn tipo de
espa<;;o e outro; no caso portugues nao, donde uma laiciza-
<;;ao posterior mais sentida e radical nas cidades.
Ao regulamentar logo a maneira de fundar seus niicleos
coloniais, e mais tarde codificar essa ampla regulamenta~ao,
os espanh6is, antes de fazerem uma op~ao de desenho urba-
46
no, buscavam nesta, que afinal foi feita de forma cristalina
urn instrumento claro de ordenamento social sob a batuta d~
Co~oa de Castela. Dentro dos mesmos conceitos juridicos,
esttp_ulavam bern mais precisamente que os portugueses a con-
cessao de terras e o convivio entre os varios colonos e o co-
letivo. E ai tambem as importantes- as maiores - glebas
urbanas concedidas a congrega~oes religiosas. 0 apelo a urn
Vitruvio (Mundigo e Crouch, p. 259), recuperado seu trata-
do da antiguidade, a tratados e experH~ncias tardomedievais
(Guidoni, p. 200) ou aos te6ricos italianos renascentistas s6
se co~preende pela vontade de disciplinar a distribuit;ao, a
reten~ao e o uso da terra urbana pelos colonos tanto entre
si como em rela~ao ao poder publico. Dai a opt;ao pelo pla-
no em grelha (Zawisza, p. 92-6).
E nessa distribui~ao cuidada o poder publico tambem nao
descurava de seus dois "bra~os": o secular eo religioso, co-
mo veremos no capitulo 3. Ora, no mundo portugues, sem
as correspondentes explicita~oes em detalhe do regime para
a distribui~ao da terra urbana, como de resto da rural nem
as dos limites ou fronteiras entre a eclesiastica e a civil: tudo
d:pendeu mui_5o mais da vivencia e evolu~ao das povoat;oes.
Nao estav~m tao claras a abrangencia e as prerrogativas quan-
do, espectalmente a partir do seculo xvm, comet;ou a secu-
larizat;ao mais acentuada. Nosso desenho urbano era outro
de origem; foi se tornando ainda mais distinto com a laiciza-
~ao comum.
"Poder-se-ia dizer, sem grande exagero, que uma cidade
hispano-~mericana e umaplaza mayor envolvida por ruas e
casas, mats do que urn conjunto de casas e ruas avolta de uma
plaza mayo!." Ass~ Robert Ricard (p. 436) sintetiza magistral-
mente o carater das ctdades hispanicas na America, a ordena~ao
decidida do conjunto urbano em torno do nucleo oficial -
civi~ e eclesi~stico - e, enfim, o cumprimento do estipulado
~o hvro IV, titulo 7, ley 1 das Leyes de lndias (Recopilaci6n):
cuando hagan la planta del Lugar, repartanlo por sus pla-
zas, calles y solares a cordel y regla, comenzando desde Ia
plaza mayor...". "Portugal e Brasil a ignoram" (p. 438). Ig-
noram essaplaza mayorque, para o mesmo Ricard (p. 437),
enq__ua~to era na Espa~~a uma place municipale, era em suas
colomas uma place d Etat. Em decorrencia, talvez, para Ri-
chard M. Morse (1975, p. 9): "A municipalidade do Brasil-
c.olonia era mais livre em relac,;ao ao Estado do que a da Ame-
nca espanhola, mas, formalmente falando, era ate menos ino-
vadora em rela~ao ao prot6tipo oferecido pela metropole".
48
Acrescente-se a esse raciodnio o fato de que a rela~ao
entre as virias instancias de poder, da metr6pole ao local,
passando pelo governo-geral da colonia e por suas se~oes re-
gionais, nao estava claramente estipulada e, na pritica, leva-
va a constantes sobreposit;6es (Avelar, p. 50). Nao havendo
uma planta oficial e uniforme a ser repetida, mas procedimen-
tos tacitos e costumeiros a serem aplicados, o processo de
aplicat;io de gerenciamento, sendo frouxo, levou a urn grau
de op~oes maior, de solu~oes mais variadas... pitorescas ate
(Smith, 1955; Borah, 1973 e Hardoy, 1975). Nestas, o q~e
aqui nos interessa e o papel da visao religiosa na cond~c;ao
- e vigorosa conduc;ao- desse processo. 0 resultado tmha
de ser outro, eo foi, nao apenas de inkio, mas como fruto
de urn Iongo evoluir. A seculariza~ao agiu nos dois casos, mas
teve urn espa~o de manobra e conseqi.iencias maiores no mun-
do portugues.
"N'esta Provincia a Religiao, ou a Allianf(a Religiosa que
deve existir entre os homens... erepresentada, e authentica-
da pelo culto Publico... "
Virias passagens e afirma~oes semelhantes se encontram
no precioso Ensaio d'um quadro estatistico da provincia
de s. Paulo do marechal Daniel Pedro Muller (p. 115) de
1838. Na epoca em que se estruturava o arcabout;o legale
juridico do novo pais, tais coloca~oes dum homem bastante
preparado nos recorclam o peso duma tradic;ao fortemente
marcada pela present;a da Igreja e daquela que "continuari
a ser a religiao do imperio" (Constituic;ao politica do Impe-
rio do Brazil, titulo 1, artigo 5?). "Nao era possivel que a
Constitui~ao do Brazil, o qual tinha sido colonia de Portu-
gal,... deixasse de consagrar a religiao catholica como a do
Estado" (Rodrigues, p. 9). Entretanto, como se viu, o C6di-
go do Processo de 1832, em seu artigo 8?, apenas tolerou
os "Juizos Ecclesiasticos em materias puramente espirituaes"
A jurisdic;ao da Igreja ficava de entao em diante circunscrita
e profundamente abalada sua imunidade e foro privilegiado,
alterac,;ao que marcava urn decidido fortalecimento de lei ci-
vil com implicac;oes diretas tambem sobre o espa~o publico.
A carta de lei de 1? de outubro de 1828 e urn documen-
to capital no prosseguimento da trajet6ria dos municipios en-
tre nos e, conseqi.ientemente, eta evolut;ao no trato das ques-
t6es urbanas. Baixada por Pedro I, seu objetivo foi regula-
mentar e padronizar o funcionamento das camaras ate entao
49
ainda apoiadas nas antigas ordena~oes do reino lusitano (An-
drade, p. 154). Seu artigo 24: "As camaras sao corporac;;oes
exclusivamente administrativas, e nao exercerao jurisdicc;;ao
alguma contenciosa' ', representa uma poderosa restric,;ao de
suas atribuic;;oes, perdida agora a judiciaria. Isto implica que
as pendencias entre a jurisdic;ao temporal e a espiritual pas-
sarao a outras esferas e, provavelmente, maier atenc,;ao pas-
sarao ter os assuntos seculares. Neste sentido, e importante
o artigo 9: "Ficam revogadas todas as Leis, Alvaras, Decre-
tos e mais Rezoluc;oes, que dao as camaras outras atribuic;oes,
ou lhes imp6em obrigac,;oes diversas das declarac;;oes na pre-
sente Lei, e todas as que estiverem em contradic;ao apresen-
te". Realmente, o artigo 66 reza que ficarao a cargo das ca-
maras tudo a respeito da ''Policia e Economia das Povoac;oes
e seus termos'', cujo paragrafo 1? arrola uma serie de mate-
rias de sua responsabilidade e que dizem respeito agestao do
chao publico. Em primeiro Iugar, cita a questao do alinha-
mento, aqual voltaremos, da limpeza "e dezempachamento
das ruas, Caes, e pra~,;as", da conservac;;ao e reparos de edifi-
cios publicos, "calc;adas, pontes, fonte, aqueductos, chafari-
zes, p6c;os, tanques, e quaesquer outras construcc;oes em be-
neficia commum dos habitantes, ou para dec6ro, e ornamen-
to das Povoac;oes' '. 0 paragrafo 2?, ao tratar dos cemiterios,
diz que as camaras devem faze-lo "conferindo com a princi-
pal Authoridade Ecclesiastica do Logar''. Ve-se que sao pou-
cas as normas especificamente de ordenac;;ao espacial, entre
as mais de uma dezena de atribuic;oes das camaras determi-
nadas por seu regimento imperial. E, ainda assim, desponta
a obrigac;ao atinente a urn convivio urbano com prerrogati-
vas especiais da Igreja. Seu "§ 10?. Proverao igualmente so-
bre a commodidade das feiras, e mercados, abastan~a, e sa-
lubridade de todos os mantimentos, e outros objectos expos-
tos a venda publica'', apresenta forte relac;ao com o artigo
223 da Constituifaopolitica da monarchiaportuguesa, de
1822.
Bern mais tarde, ]oaquim de Oliveira Machado, em seu
0 manual dos vereadores, lembra que, nos primeiros anos
da independencia, o "codigo de leis ainda erao as compila-
c;;oes philipinas". "A lei de 1? de outubro de 1828, nessa epo-
ca promulgada, e ainda hoje o regimento das camaras, parti-
cipou dos defeitos physiologicos e vicios de estrutura pro-
pries do emperramento exclusivista e cemralisador, de que
custarao se desarraigar nossos primeiros legisladores'' (p. 13).
''Eis porque em seu contexte ainda se observao a mesma lin-
50
~uagem, redacc;ao, incoherencia, accumulac;;ao de varies a~­
sumptos debaixo de urn s6 capitulo ou artigo, e falta de um-
t'ormidade que o governo europeo costumava empregar nas
suas instrucc;oes e mais actos oficiaes". Enquanto clama para
que se tire "a tutela rigorosa irnposta as camaras pelo acto
adicional" (p. 14). . . _
Alem dessa tutela que restringia a autonomta dos mumct-
pios em inumeros aspectos tambern relatives a''Policia e Eco-
nomia das Povoac;oes e seus termos' ', constata-se ainda algu-
mas limitac;oes de ordem eclesHistica, como no caso dos ce-
miterios. Entre a sujeic;;ao acentuada aos governos e legislati-
vos provinciais e a prerrogativas da Igreja, ~ue se enfr~que­
ciam mas continuavam em parte reconhectdas pela let, e o
desejo de avanc;;ar rumo a novas soluc;oes para ~s pro~lem~~
urbanos e de aproveitar os recentes avanc,;os do urbamsmo
no mundo europeu, nao restavam a este- se mais forte nu-
ma mentalidade em geral acanhada- muitas oportunidades.
As preocupac;oes de ordem sanitaria e estetica: q~e ia~
remodelando as cidades do velho continente e cujas tmph-
cac;;oes foram tao bern abordadas por Franc;oise Boudon e por
Olivier Zunz entre outros, por certo nao foram ignoradas.
Contudo, nao puderam se consubstanciar em novas atitud~s
ou soluc;oes diante de inumeras dificuldades, entre as quats
merece destaque a expropriar,;ao por interesse publico. c_o-
mo mostram os estudos de Michel Lacave, tal desapropna-
c,;ao, com vistas arenovac;ao urbana, en~rent_a~a tambem na
Europa, e mesmo na Franc,;a do segundo 1mpeno, uma pede-
rosa oposi~ao. Foi naquele pais defendida por estratos d_uma
sociedade muito diferente da nossa. Muito tempo havena de
passar em que outra composic;ao social motivasse entre_n6s
algum avanc;o do direito nessa materia. Algum avanc;o, amda
que restrito aantiga e sempre crucial questao do alinhamen-
to. Quanto aconvivencia com a Igreja, a sucessao ~as cons-
tituic;oes republicanas parece por vezes apontar mats recuos
do que avanc;os por parte do poder publico, no que d~z- r~s­
peito a templos, estabelecimentos escolare~ e cem~tenos
(Scampini, 1978). 0 municipio, e com ele a c1dade, nao po-
deriam deixar de sentir seus efeitos.
"Niio s6 pella grande falta q'.. ha r:esta Cidade de l~trad~~·
mas por serem os ]uizes Ordtnarws totalmente letgos...
Este informe do governador Rodrigo Cesar de Meneses
ao rei, de 1726 (Documentos, v. 32, p. 140), em que pede
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  • 3. Reitor Vice· reitor led~ Diretor-presitle111e UNIVERSIDADE DE siO PAULO Adolpha Jose Melfi 1-li!lio Nogueira da Cruz EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Plinio Martins Filho COMISSAO EDJTORIAL Preside111e Jose Mindlin Vke-pre,,·idente Oswaldo Paulo Forattini Brasflio Joao Sallum Jtinior Carlos Alberto 13arbosa Dantas Guilherme Leite da Silva Dias Laura de Mello c Souza Murillo Marx Plinio Martins Filho Diretom Editorial Silvana Biral Diretora Comercial Eliana Urabayashi Diretora Admi11istmti1•a Angela Maria Concei9au Torres Editora-msi.Hente Marilcna Yizentin FoToGRAFIAS Cristiano Mascaro led:;.
  • 4. Copyright © 1989 by Murillo Marx 1• edi~ao 1989 2• edi~ao 2003 Dados lntcrnacionais .de Cataloga9ao na Publica9a0 (CIP) (Camara Brasilcira do Livre, SP, flrasil) Marx, Murillo, 1945- M355n Nosso Chao: do sagmdo ao profane I Murillo Marx; fotogmfias Cristiano Mascaro- 2. ed. - Sao Paulo: Editora da Univcrsi- dade de Sao Paulo, 2003. Originalmente aprescntada como tcse do autor (livrc-doc~ncia - Universidadc de Sao Paulo. 1987). 13ibliografia ISBN 85-3 14-0006-6 I. Cidadcs - Brasil 2. Urbaniza9ao - Brasil - Hist6ria I. Tftulo. 88-2261 COD-711 .40981 indices para catalogo sistematico: 1. Brasil: Cidadcs: Urbanismo 711.4098 1 2. Brasil: Espa90 urbana: Evolu9a0: Urbanismo 7 11 .4098 1 3. 13rasiI: Urbaniza9ao: Hist6ria 711.4098 1 l>or.:itos em lingua pmtuguesa rcscrvados a hlu., p - Editora da Universidade de Sao Paulo 1 v. l'rof. Luciano Gualbcrto, Tmvessa J, 374 It" uudar- Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitaria m OK-900 - Sao Paulo- SP - Brasil - Fax (Oxx II) 3091-4 151 l ••l (0xx ll)309 1-4008/3091-4 150 11 ww usp.br/edusp- e-mail: cdusp@edu.usp.br l'iltrH·d iu rlrazil 2003 l ui ll'lto o deposito legal ./ . sumarto INTRODU(:AO ............... ..... ................................. ... 7 SUA RAzAO DE SER............................... ...... ........... 15 1. 0 CONCEITO .......... ....................... .......... ..... ..:.. 17 canones ......... .. ..................... ........ .. ... ............. ..... 20 leis...... ............................................................. ... 41 2. 0 uso................................................................ 59 liturgia ......................... ....... ................................ 6 1 mercancia.. ............... .................. .................. ....... 82 SUA FORMA DE SER ...... .. .... .... ........ .......... ........ .. .. . 105 3. 0 AMBITO ........ ..... ... ............... .......... ............... . 107 locais pios ............ ........ .................... ..... ............. . 110 logradouros publicos ..... ................................... ... . 132 4. 0 TRATO .. ......... ......... .. .. ... .................... ..... ....... 155 imagin:iria .. .. .. ... .. ..... ...... .. ... .. ....... ... ........ ... .. .. ... .. 158 alegoria ... .. ... .. ..... .. ... ...... .. .. ... .. ..... ........... ....... ..... 177 CONCLUSAO. .... .. .......... ........ ... .. ....... ... ............... ... 199 Ap endice 1 .............. ............................... .......... ...... 202 Apendice 2 ........... ........ .......... ..... .. ........ ... .............. 204 Fontes citadas ............... ...... ..... ..... .......... ............... 207 Sobre o Autor.. .... ..... ................ ......... ..... .. .... .. ..... ... 219
  • 5. -INTRODU~AO 0 espa<;;o urbano publico no Brasil evoluiu lentamente do sagrado ao profano. Atraves das mudan<;;as em seu con- ceito, uso, ambito e trato, e possfvel acompanhar a passagem da predominancia religiosa, em seus prim6rdios, para a se- cular, nos dias atuais, processo que ocorreu tambem em to- do o mundo europeu nos tempos modernos e particularmente no seculo XIX, mas foi de maiores conseqiiencias urbanfsti- cas aqui do que nos demais paises americanos de coloniza- <;;ao iberica. 0 conceito inicial predominantemente religioso foi se transformando, ate tornar-se quase absolutamente mundano, como ocorre hoje. As normas decorrentes sofreram uma im- portante transforma<;;ao: as eclesiasticas, bern precisadas de inicio e por longo tempo, cairam, nao subsistindo qualquer interferencia mais significativa de sua parte; as civis, muito difusas e casuisticas ate recentemente, sao agora unicas, po- rem nero sempre prestigiadas. Dai o usual desrespeito por nos- sas areas comuns. 0 uso era, ate bern pouco tempo, direta ou indiretamen- te, de cunho ritual, atento aos eventos liturgicos que se im- punham perante urn cotidiano pobre que s6 muito vagarosa- mente foi crescendo em proporr,;oes. As festas cat61icas e as manifestac;;oes que elas ensejavam constituiam quase que os iinicos momentos de anima<;;ao maior, momentos excepcio- nais, num palco de atividades muito mediocres. Estas cres- ceram e passaram a predominar, mas, ainda agora, pelo por- te e pela variedade, tornam muito tenue e limitada a utiliza- <;;ao de nossos espac;;os por todos. 7
  • 6. 0 ambito das areas comuns, por outro lado, era bastan- te indefinido e referenciado sobretudo por determinados Io- cais considerados sagrados ou a eles referidos. 0 alinhamen- to entre o chao de todos e o privado demorou a ser bern es- tabelecido, e os pontos focais eram quase que somente adros de igrejas e ruas privilegiadas por onde passavam as procis- s6es. Assirn, tem-se hoje urn circuito de solo publico tacanho e sua freqiiente desconsidera~ao com a invasao das superfi- cies que contem e define. Estreitas as ruas, poucos os largos e jardins. 0 trato, reduzido asua minima expressao, consistia em raros elementos da simbologia crista e em sumarias provid~n­ cias que privilegiavam as ocasi6es rituais. Cruzes e nichos com imagens animavam sozinhos a cena citadina e as ruas e lar- gos mereciam alguma atenc;;ao de limpeza do mato e rudirnen- tar conservac;;ao antes das festividades. Demoraram o enri- quecimento das vias com outros simbolos, o aparecimento de outras exigencias e a resposta correspondente. Compre- ende-se a sua atual pobreza e desleixo... Considerada segundo estes quatro aspectos, eminente- mente arquitetonicos, essa demorada mas decidida laicizac;ao ajuda-nos a compreender nossas areas de dominio e uso co- mum em sua habitual mazela. 0 freqiiente desrespeito que sofrem por parte do publico e dos responsaveis diretos, o tf- mido usufruto a que estao habituadas, ainda que em plena escala metropolitana, sua reduzida superficie geral e as aca- nhadas proporc;6es da vasta maioria dos logradouros, bern como o equipamento grosseiro e escasso, merecedor da mais desatenciosa manutenc;ao se explicam, em boa parte, pores- sa evolu<;;ao. 0 sacro quase desaparecido, o mundano mal- nascido. 0 estudo do surgirnento e das transformac;;oes de nossos logradouros piiblicos, e a interpretac;;ao de suas caracteristi- cas arquitetonicas - e hi tantas outras dignas de reflexao - podem auxiliar nao somente no conhecimento maior de nos- sas formac;oes urbanas como na elaborac;;ao de futuras pro- postas para sua melhoria. Eles se apresentam aqui por urn pris- ma particular, numa tentativa de interpretac;;ao que se baseia no que os registros relativos ao espa<;;o fisico tern a oferecer, que infelizmente nao sao os de se esperar, ou seja, os icono- grificos. Tal analise segue urn roteiro de preocupac;;oes, pesqui- sas e avaliac;;oes relativas acidade em terras brasileiras, anos- sa cidade em geral. Para isso, porem, o percorrer das ruas, 8 pra~as e jardins, ora pretendido, abarca toda a existencia de apenas uma aglomera~ao, desta vez a cidade de Sao Paulo, porque e das mais antigas entre n6s, porque sua excepciona- lidade nao a exclui do conjunto das outras nem a retira do pano defundo comum, porque de todas e hoje a maior, e porque e a nossa, que conhecemos urn pouco mais e a dese- jamos muito melhor, a que reline para o pesquisador nao ape- nas uma consideravel massa de dados e registros de todo ti- po, como tambem ji pode oferecer urn apreciavel conjunto de interpreta~6es. Como campo de trabalho, a capital pau- lista fica bern definida e permanece farto manancial de infor- ma~oes e de indagac;oes, urn guia auxiliar generoso para seu pr6prio desnudamento, assim como de suas irmas de todo o pais. Seu destino, absolutamente excepcional entre as de- mais, e as propor~6es que alcan<;;ou tornam rnais evidentes determinados fenomenos, comuns a todas. Diante da forte evid~ncia de profundos reflexos devidos a secularizac;;ao ocorrida no seculo passado, formulou-se a proposic;;ao inicial e induziram-se as conseqiiencias para ca- da urn dos quatro aspectos arquitetonicos. Estes foram orde- nados segundo seu papel relativo a urn fato de arquitetura como e urn espac;;o urbano - a ideia que dele se faz, o pro- grama funcional a que responde, a abrangencia fisica dispo- nivel, seus componentes de todo tipo. A marcha da mundanizac;ao foi imaginada para cada urn destes aspectos e pareceu, a priori, corresponder a sua evo- luc;;ao particular e poder constituir urn instrumento para sua melhor compreensao: a progressiva mudanc;;a da concepc;;ao das ruas e prac;as, atraves do revelado pela legislac;;ao perti- nente; o despontar Iento mas seguro de novos usos, mais fre- qiientes e condizentes com uma vida urbana do que os tradi- cionais eventos litiirgicos ou votivos; a tardia definic;;ao do circuito dos logradouros de diferente qualidade eo desapa- recimento de certas prerrogativas dos adros de igreja, alem do surgimento de algo novo como os jardins; o crescente cui- dado com os revestirnentos e com os elementos funcionais que arrematam ou decoram os espac;os de todos, para nao falar do aparecimento de novos simbolos e monumentos. Esse evoluir esta apresentado apenas por meio de alguns dos informes que pareceram mais significativos tanto do de- cair da influencia eclesiastica quanto do prosperar da impo- sic;ao civil. Assim, cada uma das quatro faces eleitas do pro- blema se mostra segundo dois compassos. Primeiro, aquele que se atem ao esmorecer das caractedsticas pr6prias dum 9
  • 7. mundo dominado pelo sagrado, pelo ritual, pela festa. De- pois, o que busca acompanhar o despontar ou o adensamen- to das peculiaridades de nossos tempos mais atentos ao mun- dano, ao negocio, ao cotidiano. Isto implica urn certo movi- mento de vaivem que, com o risco de se tornar confuso e redundante, aspira a acompanhar com mais detalhe a forc;a inicial dos canones em nossos estabelecimentos coloniais e sua persistencia ate bern pouco tempo, e o predominio atual quase absoluto das leis e costumes civis em nossas mais anti- gas e mais recentes formac;oes urbanas. Seguiu-se a comparac;ao, sempre segundo os quatro as- pectos eleitos, entre o que se passou por aqui e em outras colonias portuguesas e no proprio Portugal, entre nossa ex- periencia de urbanizac;ao e a tao proxima - e tao flagrante- mente distinta em suas diretrizes - dos espanh6is em seu vas- to imperio. Essas analogias permitiram perceber algumas se- melhanc;as e constrastes inesperados e, em geral, mais bern delinear outros previsiveis, corrigindo e reforc;ando os mo- delos parciais concebidos. 0 proprio caso tornado como o principal da pesquisa, o de Sao Paulo, quando comparado com tantas outras fundac;oes brasileiras, lanc;ou sobre elas mais clareza, especialmente sobre dados de outra forma incom- preensiveis ou de dificil entendimento. Dai a pouca impor- tancia que atribuimos ao mais especifico e eventual do exem- plo paulistano e a preferencia decidida por seus pontos co- muns, com uma feic;ao urbana generalizada e que nao tinha nada de aleat6ria em sua informalidade habitual e tantas ve- zes denunciada pelos estudiosos. Nao era a antiga Piratinin- ga o alvo de nosso trabalho, mas a cidade brasileira, perscru- tada atraves daquela. 0 levantamento exaustivo de determinadas fontes de in- formac;ao e a deduc;ao do que revelam foram os instrumen- tos para a correc;ao do modelo geral e dos parciais, das hip6- teses que carregavam. Foram, finalmente, as armas para afe- ric;ao das teses levantadas: a principal, que da titulo ao estu- do, e as secundarias, que correspondem a seus capitulos. A selec;ao dos dados obtidos, seu ordenamento segundo o as- pecto que podiam melhor esclarecer - aspecto urbanistico -, sua anilise paulatina foram precisando as proposic;oes inicial- mente feitas, os modelos entao sugeridos, e apontando para a forma final de apresentac;ao. A pesquisa orientou-se para suprir uma grande deficH~n­ cia documental e grave para a area da evoluc;ao urbana ou da hist6ria das cidades. Deficiencia especialmente sentida no 10 caso paulistano por sua propria evolw;ao peculiar, de gran- de pobreza a sensivel riqueza: a quase absoluta falta de fon- tes iconogrificas ate o advento da independencia e mesmo ate o surgimento da prosperidade economica meio seculo de- pois. Apartir de entao passam a ser numerosas ou ate expres- sivas as vistas, as plantas cartograficas, as fotos de todo o ti- po, que ilustram bern, se nao fartamente, a cidade contem- poranea que surgiu de e sobre a tradicional, num outro im- pulso e noutra escala, porem nao permitem a analise compa- rativa, tao necessaria e rica de sugestoes para quem tenta com- preender melhor as transformac;oes do ambiente. Sendo assim, procuraram-se aqueles registros escritos que, ou suprissem a falta da imagem preciosa, ou ao menos esboc;assem uma ideia do panorama que uma vez existiu e foi sendo substituido. Basicamente tais registros foram de tres tipos. Os textos legais que, por certo nao inteiramente cum- prides ou muito tardos em fazer face a realidade, indicam sem contestac;ao o tipo de mentalidade dominante e de institui- c;oes decorrentes. Os assentamentos oficiais que correspon- dem as varias esferas de administrac;ao civil - tanto as atas da municipalidade quanto os atos do governo da capitania, provincia e depois estado, assim como os do governo-geral, metropolitano e do pais independente. Por fim, as utilissi- mas cronicas dos viajantes que, nos mais distintos periodos de nosso percurso hist6rico, revelam diferentes interesses, tipos de observac;ao e de preconceito, sempre fornecendo uma ideia da vida social e, as vezes, uma imagem de seu qua- dro fisico, das cidades e suas ruas, largos e jardins. Alem destas tres ordens de documentos, tornados como fontes primarias, outras foram utilizadas quando existiam e podiam complementar a visao sobre uma determinada epo- ca ou a informac;ao para certo problema: diferentes papeis da Curia Metropolitana, em que, a par da riqueza do acervo de seu arquivo, fica o desalento por sua incipiente classifica- c;ao e conseqiiente dificuldade de acesso; mem6rias e alguns trechos de ficc;ao; documentos analogos relativos a outras ur- bes brasileiras; algumas contribuic;oes basilares de juristas e historiadores do direito civil e eclesiistico. Nao foram poucas as dificuldades para se obter o leque dos registros oficiais julgados de utilidade. A primeira, men- cionada acima, e tantas outras atinentes as entradas para as- sunto tao pouco vasculhado. Preferimos, por isso, apenas de- clarar que se optou por fontes que pareciam fornecer , e o fi- zeram em insuspeitada profusao, elementos necessarios e su- 11
  • 8. ficientes para o que nos interessava. Dentre eles destacam-se as atas da edilidade, tao parcas de indices - o que faz valer uma justa menc;;ao ao elaborado por Sergio Milliet, muito util para urn varrer inicial; os assentos diversos da dimara, so- bretudo os de avisos e posturas, quase sempre manuscritos e Ade~isivos para os aspectos legais; as ordens e correspon- dencta dos governantes, algum relatorio, pouca mas precio- sa jurisprudencia, onde se mostra capital a contribuic;;ao de Candido Mendes de Almeida. Contribuic;;ao que atinge tambem, a despeito de sua pos- tur~ fr~ncamente conservadora, a legislac;;ao eclesiastica, que mutto tmporta aqui, sendo mesmo central para o prisma es- colhido. Neste sentido, foram primaciais as notaveis Consti- tui~oens primeyras do arcebispado da Bahia, outras cons- tituic;oes sinodais do mundo portugues, anteriores ou coeta- neas, alem de pastorais coletivas mais recentes. Esses diferen- tes instrumentos do direito canonico, na verdade, sao os do- .cume_ntos centrais pela importancia, pretendemos ressaltar, que ttveram para a caracterizac;;ao de nosso desenho urbano tradicional e para sua evoluc,;ao posterior, a qual nao deixa- ~am d~ condicionar de forma indireta. Importancia que cresce a medtda que se faz o cotejo com a legislac;;ao civil, tao me- nos precisa e menos codificada, em seu trajeto lento e inse- guro, mormente no que diz respeito as questoes municipais e a definic;;ao dos trac,;os fisionomicos citadinos. Uns conjuntos de fontes se encontram manuscritos ou- tros, publicados, quando facilitaram enormemente a pe~qui­ sa. Particularmente as edic;;oes contemporaneas das atas da c~ar~ paulistana e dos Documentos interessantes para a h~st6rza e costumes de Sao Paulo, bern como as antigas edi- c;;oes dos textos eclesiasticos mencionados, algumas primo- rosas, foram de molde a entusiasmar na consulta e a suavizar a empresa. Destaque-se, ai, a quarta e ultima edic;;ao das Cons- titui~oes da Bahia, de 1853, cuja atualizac;ao relativa as leis do imperio e cuja introduc;ao admiravel por Ildefonso Xavier Ferreira constituiram em si uma ajuda sempre esclarecedora e a~aliz:da~ N~o foram, no entanto, suficientes essas publi- cac,;oes tao utets, tendo sido vasculhado material manuscrito em arquivos diferentes, numa busca por fundos variados e urn tanto as cegas em vista das entradas usuais utilizadas p~la historiografia, que tern desprezado essa participac;;ao tao mar- c:~ me e ainda tao recente da norma e da organizac;;ao ecle- siastica entre nos, principalmente para materia tao espedfi- ca c aparcntemente delas tao distante quanto o urbanismo... 12 A estas fontes primarias que, contra nossa vontade, mas segundo nossa certeira previsao, foram as mais vasculhadas, juntaram-se as grificas em fatal modesta contribuic,;ao para o assunto: as plantas do seculo xrx, editadas no IV centena- rio de Sao Paulo; uma ou outra dos novecentos como o ex- celente levantamento SARA de 1930; os desenhos e gravuras da cidade dos fins dos tempos coloniais; as fotografias que fixaram o ocaso do imperio eo comec,;o da republica. Por suas insuficH~ncias localizadas, por haver grande divulgac,;ao da- quelas mais expressivas, por logicamente particularizarem a cidade que retratam, decidiu-se utilizar tais elementos icono- gr:ificos, ou qualquer outro, como ilustrac,;ao, ensejando a as- sociac;;ao dos topicos considerados com a realidade pregres- sa ou nao de outras concentrac;;oes urbanas do pais. E con- centrar a atenc;;ao sobre os aspectos, as mudanc,;as e os meca- nismos que se ensaia analisar e interpretar. Enfim, foote pri- mariaprimordial revelou-se o transfigurado centro da mega- lopole em si - centro historico e geogrifico que, percorri- do, levantou questoes, sugeriu as hipoteses e forneceu algu- mas respostas. Ainda e pouco o que existe sobre a historia da cidade no Brasil e, mais ainda, sobre a evoluc;;ao de seus logradouros. Mais restrito fica o rol dos estudos existentes, se o prisma al- mejado for o da interpretac;;ao eminentemente arquitetonica de sua configurac,;ao geral, de suas massas construidas e de seus espac,;os vazios. Os trabalhos mais abalizados com esta especie de analise mais passam do que se detem no assunto. E, quando tal acontece, sua contribuic,;ao redunda menos no esclarecimento, ainda que inicial, do que na sugestao, pre- ciosa, duma direc;;ao para aprofundamento ulterior. As obras referidas a seguir constituiram as principais fon- tes secundarias atinentes a area central deste trabalho e espe- lham como vemos o estudo atento ao espac;;o urbano, a con- figurac,;ao citadina e a suas articulac;;oes fisicas internas. Re- fletem ainda o estado da questao entre nos e o auxilio que tais abordagens estrangeiras podem oferecer para o conheci- mento mais fundamentado de nossa cidade a partir de ou- tros pontos de observac;;ao e objetos de pesquisa. Nosso prisma atenta para a correlac;;ao entre as institui- c;;oes e as diretrizes para o despontar e o transformar-se dos estabelecimentos urbanos no Brasil. Voltou-se para uma pre- senc;;a poderosa e prolongada, a da Igreja, ate bern pouco tem- po unida ao Estado. Perquiriu qual o efeito dessa uniao em diferentes momentos e sob diferentes maneiras sobre o con- 13
  • 9. trole de nossos aglomerados humanos e, finalmente, sobre sua configurac;ao. Se fatal tern sido a comparac;ao entre nossa experiencia colo- nial, no que tange a conformac;ao de seus estabelecimentos, com a dos espanh6is em suas colonias, buscamos aferir tambem o relacionamento Igreja-Estado em Portugal como que seve- rificava em Castela, aferic;ao que se ateve e deteve nas ques- toes normativas que diziam respeito, de alguma forma, ao go- verna das cidades. A atenc;ao maior ao quadro institucional, portanto, se restringe as normas e procedimentos, aos cano- nes e leis, ao ritualliturgico e oficial. Enfoque restrito, sem duvida, porem que promete lanc;ar uma outra luz sobre a ideia que se fazia de nossas povoac;oes, sobre a utilizac;ao de seus espac;os comuns, quanto ao circuito dos mesmos e o trata- mento decorrente. Nao se trata, contudo, duma interpreta- c;ao da legislac;ao que incidiu sobre nossa cidade, considerando OS dois brac;;os do poder, temporal e espiritual. Ambos sao considerados em func;ao de determinados trac;os de nossa pai- sagem urbana, atinentes a seus vazios de interesse de todos - trac;os arquitetonicos ou espaciais que solicitam atenc;ao, em primeiro lugar, do arquiteto e do estudioso da cidade. 0 acompanhamento da evoluc;ao de nossas ruas, prac;as e jardins, orientado pela trajet6ria hist6rica da cidade de Sao Paulo, nao pode se valer, como seria desejavel e como era previsto, da interpretac;ao dum material iconogrifico eluci- dador. Conquanto existente e relativamente rico, o e para de- terminado perfodo, a partir de tempos mais recentes. A pes- quisa se voltou, por isso, para o acervo da documentac;ao ofi- cial e eclesiastica, esta sim profusa e em grande parte acessf- vel no caso paulistano. Tal prejuizo, parece-nos, foi compen- sado pela possibilidade que tais registros ofereciam de apro- fundar elos e articulac;oes entre o institucional e o urbanfsti- co, que nao se restringiam e nao se restringem a capital pau- lista. Pelo contririo, parecia de inkio e se confirmou plena- mente, tais influxos institucionais, tao marcados pela Igreja, revelam seus reflexos concretes em nosso quadro intra- urbana por todo o pais. E isto inclui tambem sua superac;ao, bastante recente, o que nos levou a percorrer todo o proces- so, a perseguir aquela marcha lenta, tardia e firme da laiciza- c;ao de nossos logradouros. Levou-nos a procurar na secula- rizac;ao dos espac;os de todos os cidadaos as razoes do atual e renitentc estado de pouca valorizac;;ao, pobre proveito, des- respeito e descuido de nossas areas citadinas de dominio e uso comum do povo. 14 SUA_, RAZAO DE SER
  • 10. UFAL BlBL!OTECA CE ~,!TRAL 1. 0 CONCEITO A ideia sobre o chao comum em nossas cidades evoluiu no sentido duma crescente seculariza~ao. Esta evolu~ao po- de ser acompanhada pelo progresso das normas legais que incidiram sobre as diferentes areas coletivas. Tal acompanha- mento, por certo, nao e 0 unico possivel e talvez nao seja o mais completo ou aprofundado. Alem de constituir urn as- pecto parcial, de superestrutura, a legislac;ao tende a nao ser rigorosamente cumprida, bern como costuma auscultar no- vos reclamos com muito atraso. Apesar disso, ou por isso rues- roo, o arcabouc;o legal ret1ete muito bern a mentalidade que domina ou que ainda nao foi extirpada ou superada plena- mente por outra. Eo faz incidindo sobre questoes de ordem pritica se nao candentes. Alei, cumprida ou burlada, arcaica ou reajustada, incide sobre o convivio dos cidadaos, sobre- tudo em seu meio mais denso e significativo - a cidade. Re- gula, de diversas maneiras e para diferentes conflitos, os es- pa~os comuns urbanos. A progressiva laiciza~ao dos regulamentos incidentes so- bre as areas de dominio e uso comum do povo interfere di- retamente sobre os demais aspectos e, por isso, o legale o primeiro aqui tratado. E, tambem, aquele em que, de manei- ra mais nitida, se di a transforma~ao dum mundo marcado pela ideia do sagrado, para uma visao calcada em motivac;oes profanas, como em nosso tempo. As mudanc;as ocorridas, quando observadas pela face legal, tornam-se bern definidas, nao apenas por uma 6bvia que::stao de letra, mas antes pur- que houve, de inicio e por seculos, dois tipos de normas atuantes sobre os vazios que nos interessam, assim como so- 17
  • 11. bre as concentrac;oes humanas em geral: a norma espiritual ao lado da norma temporal. Podem-se acompanhar as altera- ~,;oes de cada uma, bern como detectar o momenta em que uma delas surge ou simplesmente desaparece. As determinac;oes eclesiisticas, em nossos primeiros tem- pos, tern a possibilidade de se imporem com facilidade e mes- mo de prevalecer. Isto se di nas questoes de organizac;ao do espa~o fisico citadino menos por confronto, o que nao po- deria acontecer, do que por lacuna e omissao da legislac;ao especifica portuguesa. As orientac;oes canonicas, retempera- das pela Contra-Reforma, expressaram-se com maior abran- gencia nas constituic;oes sinodais dos varios bispados e arce- bispados, que, em virios de seus titulos, atentam para pro- blemas que podem interessar aos predios e aos vazios urba- nos, como sua localizac;ao, utilidade e caracteristicas de composic;ao. Acobertadas pela Coroa, tais constituic;oes ganharam for- ~,;a de lei e terminaram por influir mais do que a lei nos inci- pientes estabelecimentos coloniais lusitanos, simplesmente porque eram acatadas e estavam muito bern estipuladas. Dian- te de normas civis muito gerais se impuseram com maior ri- gor e eficicia. Os instrumentos legais, de sua parte, em sua usual gene- ralidade e por SJ.ta transposic;ao praticamente automatica dum continente a outro, dum mundo a outro, chegaram para urn cumprimento relativo e, talvez, seus eventuais aplicadores ti- vessem disso plena consciencia ou convicc;ao. Portugal nao criou nunca urn corpo de legisla~,;ao especial para suas colo- nias; preferiu transferir sua legisla~ao e sua jurisprudencia. 0 resultado foi eloqiiente no que diz respeito a paisagem ur- bana, que foi semeando pelos quatro cantos do mundo e que se disseminou, mais do que em nenhuma outra parte, nas Americas. Ao ecoar a paisagem urbana da metr6pole euro- peia, as fundac;oes brasileiras de quase todo o periodo colo- nial atestavam com impressionante precisao a persistencia de costumes. Dentro das exigencias fundamentais, deixava-se fa- zer como de praxe, passar como no reino... Transpostas pela metr6pole e completadas de forma ca- suistica, as leis lusas foram muito lentamente se adaptando para fazer frente a uma nova realidade. As mais gerais, como as relativas a questao fundiaria, incidiram sem detalhamento sabre o quadro urbanfstico; as mais especificas avanc;ararn ti- midamente com as posturas municipais. Com a independen- cia, as primeiras atingirarn letalmente a for~a das constitui- 18 ~,;oes do arcebispado da Bahia, vigorando havia mais de uma centuria. Com a republica, as segundas ganharam seu plena dominia e mundaniza~,;ao. As conseqiiencias desse processo se mostram hoje pal- paveis num pais ji eminentemente urbanizado. Particularmen- te quanta agestio dos logradouros publicos, 0 que se assiste sabidamente e a defasagem das leis municipais em rela~,;ao a urn quadro geralmente muito dinamico da realidade e sua im- potencia em rela~ao a este. De vir a reboque das imposi~oes canonicas, a lei passou a correr atris das pressoes do dia-a- dia; impos-se finalmente alegislac;ao eclesiistica que derru- bou, porem nao correspondeu ainda as necessidades mais gri- tantes de nossas ruas, prac;as e jardins. 19 1;;:;::;~~------------------~----------------------------------------------~~~---------------------------------- --- -- -- -- ---1 - - - -- -- --- -
  • 12. A canones Ligados a lgreja, OS dais Estados ibericos passaram com sua expansao ultramarina a deter amplos poderes sobre as quest6es eclesiasticas. A maneira de regular o convivio entre o poder temporal e o espiritual, como dais brac;os do trona, deu-se atraves de inumeras concordatas par toda a parte, em- bora de maneira muito distinta entre Portugal e Espanha. Nes- ta ultima, quando se formulou uma legislac;ao espedfica pa- ra seu imperio colonial, tais acertos mereceram a atenc;ao em primeiro Iugar. Quando na mesma codificac;ao se estipulou determinado urbanismo para vicejar em outros continentes, estava pressuposto e bern definido o papel dos dois tipos de instituic;6es decorrentes. Tal nao se deu em Portugal, que transferiu sua legislac;ao e dela se serviu em outras terras. As normas da Igreja, por toda a parte em suas co!Onias, foram seguidas mais fielmente que as do Estado. 0 resultado dese- nhou doutra·maneira, muito distinta, a cidade que promo- veu entre nos. Urn artigo de concordia estabelecida por D. Sebastiao, que diz respeito precisamente a determinado espac;o tambem urbano, 0 adro, fbi 0 unico que subsistiu por todo 0 periodo colonial. Nada, como codificac;ao normativa do ambito ci- vil, que se pudesse comparar as notaveis Constitui(:oenspri- meyras do arcebispado da Bahia, que regeram urn seculo da vida colonial e, em linhas gerais, a imperial. No que tange as aglomerac;6es urbanas de todo nivel, os ecos da seculari- zac;ao no desabrochar do mundo contemporaneo mal se fi- zeram sentir no seculo das luzes entre nos; foram significati- vos, mas circunscritos durante o processo de estruturac;ao do imperio, acentuados em sua segunda metade e decisivos ape- nas com o advento da republica e de nossa centuria. Tom- bou par fim, porem muito tarde, a forc;a dos canones, e seu peculiar efeito em nossa paisagem citadina, tradicional ou nao. "... tenhao mao sempre com sua jurdisao nao deixando a justisa ecolleziatiqua meterse nella... " Esta foi uma das ordens passadas pelo ouvidor-geral aos vereadores paulistanos e registrada na ata da camara de 8 de 20 abril de 1628. Anos antes, ja aparecem, nos assentos da edili- dade, conflitos entre a jurisdic;ao eclesiastica e a secular por diferentes motivos, como a descida da serra por gente envoi- vida em questoes de terra para responder perante juizes ecle- siasticos, ou as conhecidas pendencias relativas a entradas ao sertao e cac;a ao indio (Aetas, v. 2, p. 322 e 407). E perduram tais atritos entre as duas jurisdic;oes ao longo de decadas e seculos nao soda historia da vila e depois cidade de Sao Pau- lo, como de toda a colonia portuguesa no continente ameri- cana. Tais conflitos vern de Ionge, tern aver com a uniao da Igreja com o Estado e se fizeram refletir sobre a paisagem ur- bana brasileira. Mais ainda, a maneira como se deu e formalizou a uniao da Mitra com a Coroa torna-se expressa em muitas das pecu- liaridades da conformac;ao urbanistica de nossos aglomera- dos humanos e, particularmente, nas caracteristicas de seus espac;os publicos. A comparac;ao com o imperio espanhol vi- zinho, coetaneo e concorrente, mais uma vez se faz U.til e fi- ca ilustrada de forma cabal pelas fundac;oes urbanas dum e doutro !ado da linha de Tordesilhas. Enquanto Castela pro- jetou seu derecho para os demais reinos sob seu jugo e for- mulou uma imensa e abrangente legislac;ao para suas colOnias d'alem-mar, Portugal, que muito cedo tratara de definir suas proprias "ordenac;oes do reino", adotou-as, como regra ge- ral, no ultramar. A relac;ao Estado-Igreja e objeto do primei- ro livro dos nove que compoem a Recopilaci6n de /eyes de los reynos de lndias... espanhola, enquanto apenas vai sen- do regulada ao Iongo das "ordenac;6es" e atraves de dezeno- ve concordatas entre a monarquia lusa e o papado. Dessas concordias, o primeiro artigo da de 1578 foi o (mica que sobreviveu as diversas alterac;6es da legislac;ao lu- sitana e a progressiva secularizac;ao das normas legais em to- do o mundo, como ressalta Candido Mendes de Almeida em seu Codigo philipino (p. 426). A tal artigo retornaremos, pois diz respeito diretamente a questao do espac;o publico; porem as outras concordatas, por via indireta, importam igualmen- te para 0 espac;o da cidade, sobretudo as atinentes a imuni- dade, a preeminencia e a simbologia ecoam sobre o cenario urbano. Para o historiador portugues Gama Barros, o direito que regulava as relac;6es entre a Igreja e o Estado continuava no fim do seculo xv a ser "incerto ou mal definido" (Olivei- ra, p.l43). Busquemos nesta incerteza e indefinic;ao, aliada a forte presenc;a da Igreja, respaldo para a compreensao de incertas e mal-definidas linhas de nossas povoac;6es e, assim, 21
  • 13. conhecer urnpouc~ mais de sua inquestionavellogica propria. . . Porque _e prectso ter presente que, por via da legislac;ao ctvtl e das dtversas e circunstanciais concordias com 0 Vati- cano, os canones ou as regras do direito eclesiastico tambem presidir.~m a vida nos primeiros seculos de nossa evoluc;ao. Consequentemente, tambem se irnpuseram, ainda que de for- ma nern sempre flagrante, na configurac;ao ou no delineamen- to de nossas _c~ncentrac;oes humanas e de seus espac;os co- muns. Sem_d_nvtda aquelas e estes nao surgiram ao deus-dari; pel? contrano, foram dados e expressoes igualrnente dos ri- tuats e dum culto determinado, oficializado e legitimante dos poderes t,~mpo~ais_. ~ernbra o padre Miguel de Oliveira (p. 17~) que as lets ctvts reconheciarn o direito canonico e ate o tmharn como subsidiario". E este veio reformado e clarifi- cado pelas orientac;oes do Concilio de Trento para estas ban- das da America. Veio, portanto, cunhado pela Contra- R_eforrna de uma Igrej~ que pretendia a universalidade, po- rem tolerava as pecultandades existentes. Est:s _duas juri~~ic;oes, que conviviam e presidiam a vida das colon:as europetas, se refletirarn na organizac;ao espacial de seus nu_cl~os urbanos. As amplas prerrogativas concedi- das pela ~~na _R?mana aos rnonarcas ibericos para a irnensa tarefa mtsstonana _ern outros continentes reforc;;aram 0 pa- droado real, ou seJa, o poder dos reis espanhol e portugues como chefes das respectivas Igrejas. Sob o manto real, entre- tanto, tentavam se acomodar o brac;;o eclesiastico e 0 secu- l~r. Ta.l ac~rnodac;ao nao era facil na pratica como na institu- c:onaltzac;ao. E esta variou segundo as necessidades, as tradi- c;;oes e os pendores dos dois estados peninsulares. Regulamen- tando su~ gerencia colonial, a Espanha elabora ao Iongo de pou:~s decadas uma vasta legislac;ao especifica, mais tarde c~dtftcada como Recopilaci6n de teyes de los reynos de fn- dt~,.que, co~ poucas alterac;oes (Mundigo e Crouch, p. 267), vat ~~gor~ ate a independencia de suas colonias. Pois nesta c?~tftcac;ao a coordenac;ao dos dois brac;os do poder - 0 es- pmtual e o ~emporal - merece a primeira parte, todo o li- vro I, e segmdas recorrencias e detalharnentos, como nos li- vros III e IX. Como que desdobrando o esforc;o de estruturar sua recente he~emonia no Estado espanhol, Castela clarifica as normas e ObJetivos coloniais e, de saida, a convivencia en- tre clerigos e colonos. _ Estad.o ~ai~ a~tigo e homogeneo, Portugal projeta tarn- be:n; suas mstttmc;oes para as colonias, porem de forma auto- mattca e, portanto, diferente. Oferece suas ordenac;oes, pre- 22 cocernente (Almeida) cornpiladas como as Ordenac;oes Afon- sinas, rnais tarde revistas como Manuelinas e depois Filipi- nas. Ordenac;oes do reino que serao aplicadas acolonia ame- ricana de forma casuistica e atravessarao a independencia, a rnonarquia e atingirao a republica, o seculo xx (Lima, 1954). Casuisticarnente tarnbern se sucederarn e continuarao a se su- ceder os acertos de Sua Majestade Fidellssirna corn o bispo de Rorna - a sequencia das dezenove concordias estabeleci- das e seu conteudo o confirrnarn. · Estas duas forrnas de institucionalizac;ao das relac;oes en- tre Igreja e Estado resultararn ern rnaneiras diferentes de dis- por as respectivas referencias nos assentamentos coloniais es- panhois e portugueses. E, dado que tais referencias eram as pr6prias insignias do poder metropolitano, toda a disposic;ao fisica das novas povoac;oes ganhou trac;os distintos e pecu- liares. Ambas as forrnas de ordenar espacialmente os instru- mentos de controle social revelam - e as excec;oes num ca- so e outro acentuam - a existencia duma logica. Mas urna logica propria em cada urna. Egrande o paralelisrno da ern- presa colonial, de seu pretexto espiritual, das tradic;oes cul- turais e institucionais (Rarna, p. 38); e distinta, contudo, a con- vivencia formalizada entre o brac;o espiritual e o brac;o tem- poral de cada Coroa. Esta convivencia diferente se express_a do ponto de vista urbanistico logicarnente de uma deterrnt- nada forma ern cada caso. Nao se trata de haver planejamento num caso, o espa- nhol, ao contririo do outro, o portugues. Ja se observou - Sergio Buarque de Hollanda e tantos mais - que se trata de projetos coloniais distintos, filhos de necessidades e aspira- c;oes peculiares, mas destas fluem para o desenho urbano, com que se cornec;ou a moldar uma nova paisagem humana, prin- cipalrnente nas Americas, opc;oes fundamentals de ordem so- cial, politica e econornica que dizern respeito adistribuic;ao das novas terras, ao convivio das terras distribuidas com as da Coroa ou das comunidades municipais, aconcorrencia efi- caz dos instrurnentos oficiais de poder. Este ultimo aspecto, que nao e 0 unico e nem 0 prirnacial, foi no entanto impor- tante e se fez plasmar de rnaneira mais flagrante na confor- rnac;ao dos estabelecimentos coloniais. Tao flagrante que se nos passa despercebido como corriqueiro e cbvio. Muito tern a revelar quanta adisposic;;ao urbana de nossos nucleos e, ern especial, quanto a seus pulrnoes e arterias de todo ti~o, e seus logradouros coletivos. Vale a pena acornpanhar por tsso a len- ta secularizac;ao de seu conceito. 23
  • 14. "He. esta povoa(:iio grande, & muyto popuiosa, c das mais anttga~ do_ Estado do Brasil, & he hoje o Emporio de todas as ~ts Vtllas da serra, para sima; porque aqui residem as ]ustt~ mayores, Ecclesiasticas, & Seculares, & Governador. " l_'alvez generosa, a apresenta~ao da ja cidade de Sao Pau- lo, fetta e~ 1.723 (Santa ~a~ia, v. 10, p.l49), destaca a pre- sen~a de dtgmdades eclestasttcas, embora nao se contasse ain- da com urn bispo. Na correic;;ao geral de 21 de novembro de 1646, a ca~ara da vila de Sao Paulo registwu em ata que nao se consenttsse que prelados e vigarios condenassem Ieigos por ~azerem amor com pagas no sertao "no q uzurpavam mani- festamte a jurisdisao Reale quebravam as leis de sua mages- tade co~o longamente se declara na ordenac;;am do livro se- gundo tttu!o pro § treze''. 0 controle dos costumes, como se ve era dtsputado entao no planalto de Piratininga reagin- do o poder civil na defesa de suas prerrogativas. Ai~da que em tal questao, e te~do de apelar para a legislas;ao do reino. Quarenta anos depots, a mesma dimara, no ent::>!lto, decide quanto a ~utra materia capital que o encarregado de cortar carne ~a v~la tenha ~ois talhos ''hum p~ o secular e outro p~ o ecleztasttco por evttar alguas pendencias e Ruinas" (Acta v.~, ~· 341~. Ji no seculo xrx, ao verificar estarem muitos d;~ predtos relt~wsos de Sao Paulo desocupados, urn banqueiro mgles (~adft~ld, 1868, ~· 201) os considera "totalmente des- proporcwn~ts aos ~;ovaveis anseios da populas;ao na epoca do seu ergutmento , populac;;ao que, quando de sua passa- gem, tanto tempo depois, nao tinha o clero em muita estima na America do Sui. O~a, t:oden;-se discutir as aspiras;oes e estimas do povo nos pnmetros seculos de colonizas;ao, porem nao as rigidas normas institucionais a que estava submetido. E nestas se in- ci_uem nao so as do brac;;o secular das metropoles como tam- ?em as do espiritual. "As instituis;oes da metropole af foram t~plant~d.as de.cabo a rabo. Assim, desde a origem, a reli- gta? catohca fot n? Brasil a religiao do Estado, ou, para ser mats ~xato, uma let fundamental e constitucional do Estado" (Burmchon: P: 179). ~'J:?o exposto ate aqui !'~.:.:.tlta que para estudar o dtretto canoruco americana e necessaria conside- r~ a.legislas;ao.civil. N~nhum de nossos canonistas pode pres- cmdtr do C6dtgo de Indias" (Hoyos, p. 58). As observac;oes destes dois eruditos membros do clero de nosso secul~ a~udam a frisar de forma concisa a presenc;a de normas canomcas e sua imbrica(,;ao com as civis no con- 24 trole da vida pregressa de nosso continent:, pais e _?o caso paulistano considerado. Essas normas ou ca~o~es tern_uma longa historia e sofrem uma profunda rea~ah_ac;;ao no sec~lo xvr, durante o esforc;o de reac;ao da Igrep a Reforma. ~ Concilio de Trento, que se poderia chamar d_e a grande let organica da catolicidade" (Pradt, p. 240), ser~ portanto de- cisivo na regulamenta(,;aO da vida ibero-amencana. . Como sera tambem para a vida urbana do contmente. Lembra Richard M. Morse (Bethell, v. 2, p. 70) que, no fim da Idade Media, o ideal de cidade iberica assentava e~ fon- tes clissicas e cristas, que vinham sendo fundidas e remter- pretadas. E que e preciso colocar essa "idea ofa city" numa relac;ao dialetica com as condis;oes de vida no Novo Mt~ndo . Morse esta considerando os meios de compreender a ctdade hispano-americana e nos apontando rumos para o enten~i­ mento da luso-americana tambem, se nao perdermos de vts- ta uma outra tradic;ao - a portuguesa - , outras c~ndic;oes _as do oriente da linha de Tordesilhas - , e as d1ferentes aplicac;oes do recomendado no grande concilio da Contra- Reforma entre 1546 e 1563. Quanto aconquista espanhola, ]osep Ba~nadas considera provado ~~e o C~ncflio d~ T~ento teve urn papel que se mostrou dectstvo, dueta ou t.ndtreta- mente. Conquanto nenhuma deliberac;ao ad_otada vtsa~se as condic;oes americanas, seu espirito e percepttvel na Igrep en- tao organizada nas colonias espanholas (apud Bethell, v. ~ · p. 516). E observa que "o Condlio de Trento merece o cre- dito pela tradic;ao conciliar e sinodal que se desenv_~lveu na America" (p. 517), com a realizac;ao de ooze concthos pro- vinciais entre 1551 e 1629 e de 25 sinodos entre 1555 e 1631. Se adicionarmos a estes os dados relativos afundac;ao de dio- ceses, temos 31 para o primeiro seculo, e~quanto apenas urn no Brasil. , Apresenc;a episcopal ou a do clero secu:ar foi muito d~s­ tinta entre nos, e isto parece merecer mats nossa atenc;ao quando analisamos nossa ~rdenac;a?_ur.bana. "0 bisp~ set?~~ nou a pedra angular da vtda eclestasttca em .cada d10c~s.e (p. 516). Isto no imperio espanhol. Como se ftca na Amen~a portuguesa? A presenc;;a das ordens relig~osas se fazia senttr talvez ainda mais, como aponta o propno Barnadas quanto aos beneditinos no Brasil, com urn significativo trabalho cul- tural educacional e pastoral (p. 520). Ja em pleno seculo xvm,' a expulsao dos jesuitas provoca quatro condlios em ter- ras coloniais espanholas. Nas portuguesas, em que a expul- sao foi anterior, quantos? Hi diferenc;as significativas na or- 25
  • 15. ganiz~<;~o- nao so do Estado como da Igreja das duas metro- poles ~bencas, ~m suas provaveis conseqiiencias no dominio colontal e, parttcularmente, num de seus instrumentos maio- res (Rama, p. 23-30) que foram os niicleos urbanos. E ai ain- da_assim,_e_preciso ~onsiderar as normas codiflcadas e~isco­ pats, dect?tdas em smodos especiJicos, para perseguir sua in- terferencta sabre a organizac;ao tambem do espac;o urbana. , Percorrendo algumas dessas sinodais do mundo portu- gues, c?nst~ta-se um grande esfor<;o de adaptac;ao as novas determmac;oes do _c~n~ilio de Trento para os fins dos qui- nhentos. As ConstttUzf(oes synodaes do bispado de Coimbra de 1591 sao feitas "para se adaptar a tais normas e moder- ~os pontifi~es''. Seu titulo 21 diz como se devem fundar igre- Jas e mostetros, e nao tern equivalente nas coetaneas mas re- pete com outra linguagem, no 27, o cuidado com a~ imuni- dades da ~greja, capital na convivencia com o poder tempo- ral e prectoso para se compreenderem determinadas facetas de nosso meio urbana. No pr6logo das Constituif(6es do his- pad? do Funchal se pedem desculpas par terem sido fcitas tardt~~~te, e~ 1597, para atender ao "Sagrado Concilio Tri- de~ttno . Elas mcluem entre seus titulos a questao da vene- ~a~ao da Sa~ta Cruz, das festas e imagens, das procissoes, que mteressam a vida urbana e que marcam seu cenario brasilei- ro. Ao bispado de Funchal, lembre-se, pertenceu o Brasil en- tre 1514 e 1551 , antes pais dessas renovac;oes da Contra- Reforma. Hi que considerar, entretanto, os costumes neste e nos outros bispados portugueses, do reino e de seu ultra- mar, para avaliar sua modernizac;ao, os pontos comuns e as provaveis sem~lhanc;as com as normas adotadas aqui, ate mes- m?por an~logta e em decorrencia das principais dioceses do remo. Da tmportantissima questao das imunidades decorre o direito de asilo, no qual vamos nos deter oportunamente por se~ ca~ater ~itidamente espaciaL Alem dos pontos relati- vo~ a ntuats e stmbolos litiirgicos, destaque-se a localizac;ao est~pulada para edificios religiosos como influencias signifi- cattvas para o uso e a disposic;ao das vias urbanas (Andrade, p. 86-90). A crucial questao das imunidades da Igreja se apresen- tou por_roda pa:te e ao Iongo dos seculos. Mais perto e na mesma epoca, sao abundantes as tens6es nas colonias espa- nholas; Uma representac;ao do bispo de Chiapa, o famoso Bar- Lolomc de las Casas, <::m 1545, a "Audiencia de los Confines" c.:~l_re varia:' s~licita<;oes_ c?rajosas como a de que passem 0~ d•z•mados mdtos para o Jmzo eclesiastico, enquanto pede "el 26 auxilio del brazo real" para agir contra delinqiientes "as! se- glares como eclesiasticos'', traz queixa de infcio ''porque mi iglesia esta opresa y mi jurisdicion eclesiastica empedida y ocupada" (Colleccion, v. 1 p. 173). 0 arcebispo mexicano manda carta ao imperador em 1555, aprovada pelo concilio do Mexico, suplicando que determine as varias autoridades civis coloniais para "que favorescan y acaten a los Prelados de las iglesias y a los Ministros dellas" (p. 109). 0 mesmo arcebispo, urn ana depois, escreve ao " Con- ccjo Real" sabre problemas entre clerigos e religiosos, ou se- ja, no proprio seio da Igreja, o clero secular e as ordens reli- giosas disputam o predominio nas novas terras. Nesta carta hi referencias aexperiencia do recem-tomado reino de Gra- nada, o que sugere urn paralelo entre o amplo ordenamento colonial, que se delineava nesscs anos, e o esfon;o de unifi- ca~ao da Espanha recem-concluido. Tal paralelo ji foi levan- tado para tentar explicar seu urbanismo colonial (Smith, 1955) que fazia parte explicita daquele ordenamento. Ora, tal ex- periencia espedfica deve ter valido tambem para as colonias em materia tao importante como o relacionamento Estado-Igreja. E na America portuguesa? ]a vimos que a estruturac;ao da propria Igreja foi diferente; seu lado secular mais fraco e as ordens religiosas mais fortes , como alias nossa paisagem construfda colonial atesta. Comparem-se nossas matrizes e ses com igrejas e capelas de religiosos ou d<:: confrarias; compare- se aquelas com as congeneres hispano-americanas. A corro- borar isso e a afirma<;ao de Eduardo Hoonaert de que no Brasil a organizac;ao das dioceses e paroquias foi lenta e sua influen- cia minima (Bethell, v. 1, p. 550), esta, do outro lado do mun- do portugues, o fato de que a diocese de Macau permaneceu vaga a maior parte dos seiscentos (Boxer, 1942, p. 29). ~sta situac;ao, no seio do bra<;o espiritual do poder metropohta- no, por certo nao deixava de estar ligada tambem ao convf- vio com seu bra<;o temporal. Para o jesuita frances que nos visita neste seculo (Burnichon, p. 180): "0 padroado portu- gues, menos definido que urn texto concordatario, devia mes- mo facilitar mais os avan<;os do poder civil sabre o dominio eclesiastico". Assim, neste dificil casamento das instituic;oes mundanas e sacras da metropole deve residir muita informa- c;ao sabre nossa vida e paisagem urbana peculiar, mormente quando comparadas com as das colonias vizinhas. Prec~os~ documento para se fazer essa incursao e essa comparac;ao e 27
  • 16. urn texto primoroso que nos governou ate ha pouco tempo no espiritual, ou seja, as Constituiroens primeyras do arce- bispado da Bahia. "... fizemos, & ordenamos novas Constituif6ens, & Regimen- to do nosso Auditorio, & dos O.fficiaes de nossajustifa, por ser muyto necessariapam boa expedifao dos negocios, & de- cisao das causas, que nelle se houverem de tratar, conjerindo- as compessoas doutas em sciencia, & versadas na practica do foro, & governo Ecclesiastico. " Assim D. Sebastiao Monteiro da Vide, quarto arcebispo da Bahia e, portanto, a autoridade maxima do clero nas ter- ras luso-americanas, apresenta a codificac;ao extensa, abran- gente e cuidada que mandou fazer em 1707. "A obra era su- perior ao tempo (por isso se projetou no tempo). Como as Ordenaroes do Reino, dividem-se as Constituic;oes Primeiras em cinco livros" (Calmon, 1970, v. 1, p. 63). E duraram, com algumas alterac;oes, duzentos anos. Essas normas para reger em varios aspectos a vida da Igreja na colonia portuguesa sao relativamente tardias e efetivamente as primeiras a serem pu- blicadas, em 1719. Outras existiram, como as do quarto bis- po da Bahia, feitas em 1605, que "como se nao imprimiC:io, andavao viciadas, e se nao tinhao posto em observancia, e por esta causa estavao esquecidas, e quasi derogadas'' (Cons- titui~oens, p. 511). Pertencera o Brasil ao bispado de Fun- chal antes da cria~ao do da Bahia, em 15'51, mas era tao inci- picnte o povoamento que, para o que aqui interessa - a con- figurac;ao urbana - pouca influencia poderiam ter tido as si- nodais da ilha da Madeira. Apesar disso, vale lembrar que es- ta e outras dioceses da metr6pole, das ilhas adjacentes e das outras colonias, como em todo o mundo cat6lico, sofreram a partir de entao urn vasto processo de ajuste as determina- c;oes do Concilio de Trento, adaptando suas normas regio- nais pelo fim dos quinhentos. Para tal, reuniu-se em Lisboa o Slnodo de 1567, do qual provieram as novas sinodais lusas. Entre as diversas licenc;as civis e religiosas que autorizam a edic;ao das Constituiroens primeyras do arcebispado da Bahia, o "Protesto do Procurador da Coroa" sentencia: " nao consinto, nem approvo nenhuma determinac;ao, que nestas Constitui<;oes se ache offensiva da Jurisdixc;ao Real. .. para que sempre fique salvo, & illeso o direyto da Coroa, assim como era, & cstava antes destas Constituil;oens...'' A de numero 641 do titulo 1, por sinal e de sua parte, determina que se cuide ''da jurisdi~ao, liberdade, & immunidade Ecclesiastica... mas 28 Frontispicio da primeira edic,:ao de 1719 (Bib!. M. M. cle A.). PRiitfEI'i~A.S c;:ON STlTUI<;.:6E S D o A!'ccbtspado. da B<1hia c or,lonrrda.r p do .'7/:"'' c r/{;'."' ../:·"·0 . ,!CI)(ls/iaa . ,ffnntci ro .',;. Ai-c:chi.spo da l3ah.in,rlo Conscllw cf,. J~ .A•l';9''s·tadc .
  • 17. de tal.m~d~ '!ue nao usurpem, nem impidao em cousa algu- ma a JU1'1Sdt~ao secular, antes no que for possivel & licito a ajudem' '. Convivio dificil; nao foi facil. ' De fato, em 1722, o governador Meneses pede um pre- lado para controlar os eclesiasticos que vivem no maior es- candalo, "fazendo continuam~ ludibrio do bra~o secular" (~o~u_men~os, v. 32, p. 37). Em 1729, o rei sente que sua ju- nsdtc;ao fot usurpada e censura o vigario condenando-o por ter agido contra o carcereiro "q' tenha entendido, q' se co- meter outro semelhante excesso uzarei com elle do meu real poder'', em resposta a uma representac;ao dos oficiais da ca.- mara de Sao Paulo (v. 18, p. 269). Dois anos mais tarde 0 rei escreveu ao governador Pimentel para que nao concede~se sesmarias aos clerigos e religiosos ''porque sao izentos do vas- so castigo" (v. 24, p. 65). Muito tempo depois, o governa- dor morgado de Mateus escreveu ao bispo da entao ji cida- d~, dia~~e de conflitos de limites territoriais com a regiao das mmas, pela parte que toea o interesse do seo Bispado quei- ra V. Ex., cooperar junto comigo e prestar os seos bons Offi- cios para que S. Magestade atendendo ao socego de huma e outra Jurisdi~ao Ecclesiastica e secular queira tamar a rezo- lu~ao" (v. 12, p. 200), em 1772. Apesar dessas situac;oes con- flitivas, ainda em 1761, ao dar coma do progresso do arraial de Sao ]oao de Atibaia, a edilidade paulistana afirma haver al~ '_'Igreja Parochial provida com abup.dancia para o Culto Dtvm~, Baze fm~damental das Povoac;oes" (v. 34, p. 157). D. Jose I determmou, em 1775, que se erigissem vilas con- gregando os disperses ''para morarem Civil mente, ministran- docelhes os Sacramentos" (v. 4, p. 113). Ja em 1796, no fim dos setecentos, Maria I solicita varias informa~oes sabre a ca- pitania e "u~a relac;ao muito circunstanciada de tudo o q' os Povos pagao nessa Capitania, seja p~ a Igreja, e Culto Pu- blico da mesma, seja p~ as Despezas administrativas de cada Iugar" (v. 25, p. 163). Neste quadro institucional, em que o espiritual tinha tais prerrogativas, o brac;o secular tambem esbarrava em limita- c;oes no que tange aos neg6cios especificamente urbanisticos. 0 titulo 8 das Constitui~6es primeiras do arcebispado da Bahia contem a 659, que reza: "E quando houver para obras publica~, cujo uso he commum aos Clerigos, & aos leygos, como sao fontes, pontes, repara~ao dos muros, & das ruas, & lugares em que vivem, ou concorrer outra causa publica, a que seja justa acudirem tambem os Clerigos' ', que se recor- resse ao arcebispo ou ao proprio pontffice para que os ecle- 30 ..i:ist icos concorressem "a remediar as taes necessidades pu- hlicas, sem serem fintados, nem tributados por secul~r:s, con- Ira a prohibic;ao dos Sagrados Canones''. As co?stltmc;oe~ ~83 c <>84, respectivamente, por outro lado, pro~bem a edtf~~a­ c,;:IO ou reedificac;ao e a entrada em uso sem hc.enc;a eclestas- 1ica de qualquer igreja, ermida, capel~, ~osteJro, ~~nvento ou colcgio. Ora, enquanto se torna dtfictl e no mmtmo de- Ill<>rado o concurso dos membros do clero para ~~n~ as obr~s p(1blicas, depende-se da diocese - e de seus cntenos e e_xt- gcncias pr6prias - para o estabelecimento .cl~ const~uc;oes qu{;, por seculos, serao OS principais refere~cta~ da patsagem mbana. Basta considerar a questao da locahza~ao destes mar- ' os... Em meados de seu governo, o morgado de Mateus es- t IT~e ao paroco do Iguatemi para que cesse de taxar os.~o­ radores da nova povoac;ao (Documentos, v. 6, p . 190): An- It'S q'as cousas cheguem a mayor clamor e que p~ssa re~ultar ('lllre os Povos algum excesso..." . Excesso de tnbutac;ao ou 1-ravame na freguesia recem-criada por petic;a~ d.o~ morad.o- ITS " para a poderem erigir na forma da ~~n.stttm~.ao do,~ts­ pado", e que mereceu deferimento do vtgano capitular pa- ra poderem erigir Igreja na forma expressada, em Iugar de- tTnte e na forma da constituic;ao" (p. 153), em 1 77~. As imposic;oes variadas, reunidas e ordenad~s no smodo ,1c Salvador, em 1707, consusbstanciaram urn u;strumento , :monico primoroso de tal forma que, para o conego Ilde- lonso Xavier Ferreira (Constituic;oes, p. V), "po~:as..obra~ , ,·m seu genera, tern sido escriptas com tanta erudtc;ao . A dt- ' l'l'sidade dos temas abordados e disciplinados portal texto, de outra parte, atingiu em distintos aspectos o panorama ur- llano e ate mesmo, a realidacle de seus espac;os comuns. Co- mo se 'viu, a existencia do foro privilegiado para_o ~lero ~omava-se ainda sua prerrogativa de conceder ou nao hcen- c,;a para o erguimento e a freqiiencia dos templos de toda es- pccie. Como estes constitufam o ponto alto dum: rua, du~ .,ctor, representavam a casa comum de congregac;?es.d~.re~t­ )-liosos ou de irmandades de leigos ou eram a propna, ma- lriz" duma freguesia ou par6quia, torna-se compr~enstAvel_a lnfluencia que tiveram sabre o tccido ur~ano - mflu~ncta dos criterios para a concessao de determmada categona ao povoaclo, para a localizac;ao das capelas, igrejas~ e ~lausuras, para definir a orientac;ao dos te~plo~ ea. abrangencta de se~s .1dros. Somente estes aspectos tmphcanam um fort.e conclt- t ionamento do espa~o urbano, porem outros constderados pdas sinodais da Bahia tambem condicionariam o uso eo tra- 3 1
  • 18. to de nossas ruas e largos. Foi o caso do estrito controle so- bre as datas, os horarios, a dura~ao e as maneiras detalhadas para se organizarem e fazerem as procissoes, ou do cuidado revelado com o emprego das imagens dos santos e, sobretu- do, da cruz. Indiretamente, iniimeras passagens das Consti- tuit;;oens primeyras do arcebispado da Bahia, das quais nos deteremos em algumas, igualmente tiveram seu papel por urn longo periodo. A ideia, o circuito, a utiliza~ao eo tratamen- to de nosso chao nao puderam escapar a elas. Pode-se bern imaginar sua demorada ascendencia au·aves da leitura deste trecho da sua constitui~ao 640, titulo 1, livro IV: ''E assim esperamos da Augusta, & Catholica Magestade del Rey nosso Senhor, como Defensor, & Protector que he da Igreja, que nao s6mente lhe conserve a sua immunidade, como tao ze- losa, & louvavelmente faz, mas ainda ruanda ver, examinar, & reformar tudo, o que oeste Estado do Brasil houver contra ella: & que com Ministros, & Vassallos a nao offendao, an- tes, como sao obrigados, a estimem, & venerem". A longa persistencia das normas eclesiasticas em geral fica bern ilustrada pelos Estatutos da santa igreja cathedral e ca- pella real do Rio dejaneiro, publicados em 1811. Conside- rando que os antigos estatutos da cateclral, agora estabeleci- da na igreja do Carmo e servindo acone, eram de 1733, que se os respeitasse " acommodando-os quanto fosse possivel nas actuaes circunstancias com os costumes, ~ estilos cla Igreja patriarchal de Lisboa" (p. 6). Certa questao "determinada pe- los antigos Canones da Igreja, e ultimamente confirmada, e vindicada pelo Sacrosanto Concilio tridentino" (p. 40)! Tais estatutos, adaptados em circunstancias tao especiais, foram aprovados pelo "Alvara com for~a de Lei" de 27 de setem- bro de 1810. Esta persistencia e for~a legal das normas ecle- siasticas se revela tambem no caso das pr6prias constitui~oes da Bahia, ja entao com mais de 150 anos, em pleno ambito municipal. No artigo primeiro de resolu~ao de 1836 propos- ta pela camara paulistana, 0 toque dos sinos devido aos de- funtos sera feito segundo "a parte dos §§ 828 do Tit. 48 Liv. 4~ da Constitui<;ao do Arcebispado da Bahia a baixo trans- cripto", sob pena de multa e prisao para o "sachristao, the- soureiro, ou sineiro das Igrejas d'este municipio, ou qualquer outra pessoa a cujo cargo estiverem os Sinos" (Colle<;ao). Po- rem os tempos sao outros e outras as exigencias da vida. As- sim como na Proposta de C6digo de Posturas da Camara Mu- nicipal da Imperial Cidade de Sao Paulo, de 1862, os mes- mos paragrafos 828 e 829 "devem ser religiosamente cum- 32 hm 1707 n:t cidade de Salvador, sao definidas em concilio sinodal pro~ovi­ do pelo ilustrado o. SebastHio Mont.eiro da Vide as Con;tituico_ens Prtr;':ey- rtts do arcebispado da Bahia, publicadas em 17_19. Alem de consutuuem a carta basica eclesial de quase todo o Brasil da epoca, constderavam a ex- pcriencia anterior, calcada tamb~~ nas ~ormas canOnic~s; ,nos usos e cos_tu· mes da Igreja em Portugal e de esta tao dtvers_a R~gtao . Exerceram sob inCm1eros aspectos influencia sobre a conforma<;ao cttadma e ~obre a dtspo- 'i<;ao de suas areas coletivas, como nos sugeriu m~ns.et~horJat~tl N_asstfAbtb. lnlluencia menos direta ou mais, como ada consutut<;ao de numcw 683 que proihia edificar ou reedificar igrejas, casas religiosas ou colegios sem a devt- da licen<;a episcopal.
  • 19. pridos sob apena menci~nada'' (um real e um dia de prisao). Trat~-se do ~ttulo 18, arttgo 70, sabre o repicar sinos por mais de cmco mmutos, salvo nas solenidades da se. ''!o_u~prit~_il~ge portant exemption ou attribution de la ju- rzdzctzon epzscopale est aboli. " A concordata do ano IX, estabelecida entre a republica francesa eo l?a?ado, foi drastica com a imunidade da Igreja e com a tradtc;ao_ do foro especial do clero. Outros artigos r~vogava~. tambem costumes e procedimemos que interfe- nam ~radtciOnalmente na vida das concemrac;oes urbanas e, e~pe~talmente, de seus espac;os coletivos. Apesar da perma- nencta _das normas eclesiasticas entre n6s e de seu peso so- b_re ~ _v1d~ do novo_pais, a independencia trouxe mudanc;as stgmftcattvas tambem para os aspectos eminentemente cita- dinos. Toda a laicizac;ao ocorrida na Europa, durante o secu- lo das luzes, nao podia deixar de se fazer sentir, assim como os reflexos da revoluc;ao francesa em todo o mundo e parti- cularmente no portugues, tao peculiarmente atingido com a transferencia da corte para uma sua colOnia. . "~ perda do foro, privilegio, que data da mais remota anttgutdade, e que sempre foi garantido ao Clero, como man- tenedor da sua dignidade, e da considerac;ao, com que os po- vo~ o~ devem olhar, tambem nao contribuio pouco para o amqmlamento da Ordem Sacerdotal. Oh! se os altos Poderes ~o Estad~'' ~Ca~t~, p. II) pudessem ao tempo da regencia ava- h~r o suttl Stgmftcado dessa transformac;ao para a configura- c;ao de no.ss_as cidades. Sutil apenas, porque, como se viu, ou- tras cond~c~onantes permaneciam de pe. 0 responsavel pela quarta edt<;ao das Constitui~oes da Bahia, o conego preben- ?a~o.e lente .?e teologia dogmatica, um regalista, comenta a pagma 159 .qu~ acabando com os Privilegios, e reduzindo o Foro Ecc~est~sttco a casas meramente espirituaes, nao p6- d~m ter mats v1gor entre n6s as disposic;oes do Direito Cano- mco na p~rte temporal". Caem os poderes para impor mul- t~s, fazer Julgamentos e muitas outras prerrogativas do clero ftcando restrita_a ac;ao da Igreja praticamente aos usos e, por~ tanto, a determmados evemos que interessam acena urbana. Ildefonso Xavier Ferreira lembra que ''ja na epocha da In- del?ende~cia Brasileira, innumeraveis de suas disposic;oes ti- ~a~ caht?? em desuso. Apenas porem appareceo a Consti- tmc;ao Pohttca do Imperio muitas caducarao nao obstante se- rem fundadas em Direito Canonico" (p.v). E que duas linhas 34 U FA ~ ;_;:;DUOTE.CA CENTRAL do C6digo do Processo, de 1832, aboliram o privileg~o d_o foro (p. vi), o que eliminou a imunidade dos adros de •?reJa c, conseqiientemente, alterou a jurisdic;ao de incontavets lo- gradouros. Ja em 1789, o capitao Watkin Tench (p. 12) percebe que o poder da Igreja comec;a a ser abalado nas co!onias. Logo ap6s a independencia, Schlichthorst (p. 108), aftrmando que a religiao cat6lica e a oficial do imperio diz ~uc as ''outras sao simplesmente toleradas" . Em meados do sec~lo passad~, 0 jurista Jose Carlos Rodrigues, consideran_do na? ser poss_t- vel que a " Constituic;ao do Brasil, o qual ~m_ha stdo c_oloma de Portugal ... deixasse de consagrar a rehgtao cathohca co- mo a do Estado; mas o legislador constituinte, reconhecen- do como uma medida politica de alta conveniencia, a tole- rancia religiosa; reconhecendo mesmo a tendencia do secu- lo para essa tolerancia" nao desconheccu " que o Imperio pre- cisa, sabre tudo depois da cxtin<;ao do trafico de escravos, de colonos" (p. 9). No fim da monarquia, o depoimento dum americana, entre tantos outros semelhantes, e de que " a li- herdade de credo esta expressa na Constitui<;ao, e existe na pratica nas principais cidades" (Andre;':'s, p. 5~)-_Na mesma epoca, diz Louis Couty (1884, p. 407): 0 Brastl e tolerante, tolerante em religiao ...''. E que, apesar de serem poucos os cremes e praticamente faltarem os faniticos , "a importanci_a das ideias ou dos homens da Igreja tem permaneodo const- deravel ate estes ultimos tempos" (Couty, 1881, p . 75). 0 re- gistro no diario do segundo Imperador de sua chegada em Salvador o confirma, no que tange aos aspectos protocola- res e simb6licos: " Havia muito entusiasmo no desembarque e o arcebispo esperava-mc, dando-me o crucifixo a beijar pou- co adiante do Arsenal da Marinha" . Urn " imperium in impe- rio" para William Hadfield (1854, P: 236) que, mai~ r_arde, ao recomendar o exemplo de Guzman Blanco aos vtZmhos da Venezuela, cita o jornal ing_les The Bt·azif and River Pla~e Mail (1877, p. 244): " o confhto entre IgreJa e Estado conti- nua indeciso na ultima monarquia sui-americana, assim co- mo em muitas das republicas circunzinhas" . As repiiblicas vizinhas, evcrdade, conquanto repiiblicas, nem sempre separaram a Igreja do Estado ou deixaram de ofi- cializar o catolicismo. A pro pria " acta de independencia de Centro America, firmada en la ciudad de Guatemala el 15 de septiembre de 1821" , estipula que " Ia Religion catolica, q. hemos profesado en los siglos anteriores, y profesaremos en lo successive, se conserve pura c inalterable.. ." . Depois, um 35
  • 20. P!O!eto_de conc~rdata do Mexico com o papado preve a ofi- ctahzac;;ao, que fmda apenas por emenda constitucional em 1857. Na segunda metade do seculo XIX, impressiona o nu- m~ro de paises que ainda aliam o Estado aIgreja- as repu- bhcas c~ntro-ameri~anas, o Peru eo Equador, o Uruguai e a Argentm~ - ou cuJas cartas maiores ainda ostentam expres- sas exclusoes de outras profissoes de fe ou cultos piiblicos co~o n.os ca~os do Chile e da Venezuela. Impressionam pela mawr hberahdade ou independencia uns poucos paises co- mo o Haiti e a Colombia (Heredia). Isto no continente, por- que no Velho Mundo as coisas nao se passam muito diferen- teme.nte. Para ilustrar, o Congresso de Viena em 1815 que, constderando o caso especial da cidade de Cracovia, man- tern a religiao catolica e considera livres todos os cultos cris- taos (Actes, p. 126); os casos das monarquias ibericas em que tal religiao e a do Estado, sendo que, enquanto a c~nstitui­ <;;ao portuguesa de 1826 tern os mesmos termos que a nossa d~ 1824, a de 1 ~22, depois de estabelecer a " Religiao daNa- <;;ao Portuguesa , reza em seu titulo 2, artigo 25: "Permitta- se contudo aos extrangeiros o exercicio particular de seus res- pectivos cultos"; o caso do imperio russo em que a religiao ortodoxa ocupa o primeiro Iugar e tem no tzar seu chefe em cont:aposic;;ao aampla liberdade de culto entao do imp,erio aust~taco (Heredia). Assim nao estava sozinho o Imperio do Brasil, nem mal quanto a questao da tolerancia Estes paralelos e a questao da tolerancia religiosa so ca- bem aqui por urn motivo muito forte e diretamente relacio- nad_o com o cenario urbano e com sua freqi.iencia: sea laici- za<;;ao crescente das leis do novo Estado independente afeta como se ~er~, a extensao e a definic;;ao do ambito dos logra~ douro~ ~u?ltcos, a forma de tolerancia religiosa prescrita lo- go no tructo da ConstituifiiO politica do Imperio do Brazil condiciona seu uso e trato, atraves da exclusividade preser- vada dos rituais e dos simbolos catolicos a ceu aberto. A reli- giao o~ic!al fica determinada e a tolerancia propugnada, com a restn<;;ao de que a paisagem - e portanto a urbana - nao seja afetada ou denuncie a existencia ou o exercicio de ou- t~os cultos. Na interpreta<;;ao de 1857 do jurista.Jose Antonio Ptmenta Bueno (p. 23), tal postura e sabia pois o culto inte-. ,,.... . . ' nor e um acto pnvattvo de sua consciencia; a liberdade desta e um dos direitos dos mais inviolaveis da humanidade, nem urn poder politico tern accesso, e menos imperio dentro des- se sanctuario"; porem, o culto externo "quando nao se trata rnais somente da liberdade da consciencia e sim da liberdade 36 do culto, entao tern Iugar a intervenc;;ao do legitimo e indis- putavel direito do poder social". 0 "poder social" determi- na pois o palco de seu exerdcio, sobretudo a cidade. Qual- quer religiao sera permitida "em casas para isso destinada~ , sem forma alguma exterior de templo' ', declara logo nas pn- meiras linhas nossa primeira constituic;;ao. Surpreende mes- mo urn simples dado arquitetonico com tal precedencia so- bre tantas questoes capitais numa constituic;;ao. Sem duvida, a religiao e uma delas, se nao for a primeira, pois na forma de juramenta constitucional do imperador antes de ser acla- mado, estipulada em seu artigo 103, a religiao precede a tu- do o mais, qual seja a integridade e indivisibilidade do impe- rio, as leis da na<;;ao e o bern geral. E o faz de imediato referindo-se a uma questao de arquitetura! " Arrigo 179. A inviolabilidade dos direitos civis e politi- cos dos cidadaos brazileiros... e garantida pela constitui<;;ao do imperio pela maneira seguinte: ...5? Ninguem pode ser perseguido por motivo de religiao, uma vez que respeite a do Estado e nao offenda a moral publica". "Pelo que toea ao culto externo, quando se torna publico, pode a lei restringi- lo segundo as considera<;;oes de ordem politica" (p. 397). "E fora de duvida que o Estado tem direito de exercer sua poli- cia sobre os cultos", de impedir "que as sociedades religio- sas se apresentem em forma collectiva, usurpando existen- cia propria, pretendendo exercer direitos de predicas ou pro- cissoes publicas" (p. 398). E conclui o jurista: ''Nossa dispo- sic;;ao constitucional nao so garantio uma justa tolerancia, mas concedeu a liberdade essencial, o culto nao so domestico, mas mesmo em edificios apropriados e para isso destinados, nao devendo somente ter formas exteriores de templos" . Tal aten- c;;ao para com as aparencias, para com os aspectos exteriores do " poder social", pode surpreender-nos ou levar-nos ao jul- gamento de cinismo nao fosse todo o uso que se fez e ainda se faz de nossos espac;;os urbanos, como se observara adian- te, ou nao constassem estas seguintes passagens, escritas e pu- blicadas em tempos de Contra-Reforma no primeiro livro em portugues editado na America, o Luzeiro evangelico. 0 fra- de, seu autor, depois de mencionar o dossel que se poe so- bre a imagem do rei e com que se o honra, defende a mesma "a<;;ao, ou costume: logo podemos na mesma forma por a Ima- gem de JESUS Chr. nas Igrejas, que sao OS lugares publicos destinados para exercitar as fun<;;oes publicas de Religiao: & ningue que nao seja falto de juizo dira, que se deshore aJ.C. por isso" (p. 422). Ou, citando Mateus (p. 39): "A Igreja he 37
  • 21. Cidade fabricada sobre o monte, patente a todos: he candea posta sobre o castif;al, que alumea a todos" . ''La ville ancienne a conserve le cachet colonial ou portu- gais, qu'on mepermettra de trouverfrancbement abomina- ble." Alfred Marc (v. 2, p. 152) prossegue em sua crftica arrasa- dora do centro velho de Sao Paulo, comparando-o com ou- tras aglomerac;oes tradicionais nossas que, a seu ver, tambem atentavam contra "o born gosto, o sentimento estetico, o eli- rna, o quadro natural". No ano da proclamac;ao dum novo regime, deseja, "comemplando este desafio lanc;ado ao born senso por esses rotineiros sem inteligencia", urn cataclisma qualquer que ''arrasasse radicalmente esses montoes de cons- truc;;oes insalubres, incomodas, cujo jugo pesa tanto sobre a higiene das cidades brasileiras..." . Com o advento da repu- blica - e somente com ele- desfaz-se a uniao da Igreja com o Estado. A secularizac;ao, iniciada ainda no seculo das luzcs e tornada palpavel em aspectos importantes na estruturac;ao jurfdica do imperio, se completa finalmente. Nao havera mais religiao oficial nem determinados usos cerimoniais que com- pulsoriamente afetem a vida urbana. Para as questoes da ci- dade, a alterac;ao sera pouca, apesar da laicizac;ao do Estado e do carater mais do que laico das ideias e teorias urbanfsti- cas vindas do hemisferio norte. AWis, mesmo no plano geral, a pr6pria persistencia de costumes mantem muito do que era ate entao seguido e pra- ticado. Eo que percebe o relator da camara dos deputados franceses (Briand, p. 214-7) que, vasculhando legislac;oes es- trangeiras em 1905, afirma do Brasil que a teoria separava a Igreja do Estado; a pratica nao, por sera nac;ao muito cat6- lica e a republica nao querer ser anticlerical, mas somente de- sejar estender a liberdac!e de cultos. Entretanto, com a sepa- rac;ao, algumas materias se impuseram " devastac!oramente" para Cirne Lima (p. 11), entre elas a laicizac;ao dos cemite- rios que interessam diretamente i cidade. Tanto que as cons- tituic;oes federais de 1934 e 1946 restabelecem os cemiterios eclesiasticos, a par dos municipais, como acrescenta o mes- mo jurista, alem de outros recuos como a imunidade tributa- ria para templos, estabelecimentos de ensino e obras pias. Porem, por alterac;oes que passam a ocorrer no pr6prio ambito eclesiastico, a mundanizac;ao vai se completar. Aim- portance convocac;ao do Concilio Plenario Latino-americano 38 • I 4 " 0 ladrilhador eo semeador" de Sergio Buarque de Hollanda 11 t.tpllu o · ' · · ··al no pres- R - d Brasil p·trece-nos nao apcnas urn marco mtCJ, '111 ":u aJz es 0 ' ' b' bano tradicional como 'outar as caracteristicas ffsicas de nosso :. .'e~~: ~nda tem muito ~ara ser :·~::~~~~{~=e~~~n~~~~r~~aq:~~~~~~~~it~s~~~~ t~a~os intra-urbanos, ou ar- . · · de nossos estabelecimemos colomaJs.((lll CIOlllCOS ,
  • 22. em 1899 traz uma serie de inova~oes e extingue a longa vi- gencia das constitui~oes da Bahia. Trata-se de amplo esfon;o do Vaticano para a atualizac,;ao das normas e procedimentos adotados pela Igreja em todo o mundo, ora tao mudado. 0 Concilio Plenario vai dispor de amplos poderes e utiliza-los· vai influenciar e uniformizar todo o continente. E provoca; uma serie de concflios plenarios dos bispos brasileiros em que se destaca o de 1915. Uma serie de pastorais coletivas decor- rentes divulgam suas decisoes e vern carregadas de novas en- toques e orientac,;oes que pressupoem urn ambiente ja mun- danizado. A pastoral coletiva dos bispos do sul do pais, comuni- cando o resultado de suas conferencias em 1910, por exem- plo, no que tange aconstrw;ao de igrejas, mantem em linhas gerais as normas para sua localizac,;ao relativa, sitio elevado e terreno desembara~ado. Contudo, a clausula 7~ do mesmo artigo 30 se mostra significativa. "Nos centros mais populo- sos, onde seja difficil a acquisic,;ao de terreno apropriado, con- forme o § 3, a Autoridade Ecclesiastica dispora o que lhe pa- recer conveniente". Clausula significativa, porque possibili- ta o ajuste entre o que pretende a Igreja para seus templos e 0 que e factivel nao tanto em nucleos maiores e mais aden- sados, mas num pais onde sua personalidade juridica e reco- nhecida e, em contrapartida, o poder publico esta acima e fora de qualquer interven~ao. Ou seja, a capela ou igreja se far~ onde der, onde as diferentes condic,;oes permitirem; nao mats onde se quiser, onde a tradic,;ao e o recomendado pela Igreja indicarem. Trata-se dum mundo novo, onde ate mes- mo a ordenar;;ao prescrita no artigo 666 para as procissoes s6 tera valor para os fieis praticantes. . _ Essas mudan~as se podem acompanhar com maior pre- ctsao e detalhe na Pastoral Coletiva de 1915. Inumeros arti- gos anunci2m sua ideia sobre as ruas e as prac,;as em que sua utilizac,;ao ritual nao pode mais ser obrigat6ria, em que seu circuito esta definitivamente submetido ajurisdi~ao tempo- ral conquanto se reaja ainda a respeito dos cemiterios, em que seu tratamento se resume a urn artigo sobre imagens sa- eras. Essa Pastoral precede a realizac,;ao do Concilio Plenario Brasileiro e a publicar;;ao do C6digo Canonico em 19 17. Por sinal, nessa vasta primeira codificac,;ao, de interesse para to.. da a Igreja, notam-se profundas transforma~oes na estrutura geral, nos titulos e na reda~ao das normas eclesiasticas. Nada a respeito do sitio, das construc,;oes religiosas, dos adros... 40 leis A aplica~ao das pr6prias leis do reino em sua colonia aj~dou a transposic,;ao dum certo tipo de desenho urbana atraves do Atlantica. Por certo, o costume e uma tradic;ao alicerc,;ada na idade media estiveram presentes nessa reproduc,;ao de carac- teristicas urbanisticas tao forte e seguidamente repetidas. Porem urn quadro legal atinente a questoes basicas e em que se am- parava o arcabouc;o normativo da cidade foi a causa mais di- reta desse fenomeno. E, muito especialmente, os reflexos da uniao Igreja-Estado lusitana. Pois em cada fundac,;ao colonial entidades do poder civil e do clero se estabeleciam e expres- savam atraves de suas sedes respectivas uma func;ao particu- lar e a imagem da metr6pole. Seu concerto configurou a ci- dade, cada uma representava o que de melhor dispunha. Ora, enquanto as instituic,;oes eclesiasticas faziam valer seu cunho de agentes da religiao oficial e se instalavam segundo suas normas bern formuladas e fiscalizadas, outro era o quadro para as en- tidades civicas, ainda que do maior prestigio. Aos efeitos da simples e duradoura transposi~ao para uma realidade tao diversa, sem adaptac,;oes maiores que as mais 6bvias e inevitaveis, juntaram-se caracteristicas pr6prias das Orde- na~oes do Reino, que nao se detiveram muito nas diferentes menc;oes a problemas municipais e urbanisticos nem as apro- fundavam em geral. 0 adensamento da vida urbana e a mul- tiplica~ao de seus nucleos acabaram cobrando outra atenc;ao e outras posturas. Estas vieram devagar, contudo, e de for- ma muito preciria. A propria Sao Paulo, conquanto sede de capitania, depois dum bispado passando de vila a cidade, nao dispunha e nunca dispos, em toda a fase colonial, dum cadi- go de posturas. Ainda que com os avanc;os legislativos atinent~s aadministrac,;ao municipal e talvez devido aos recuos de atn- bui~ao , ocorridos ambos principalmente a partir de 1828, a capital paulista s6 conhece uma codifica~ao de suas posturas nas vesperas da republica. Ficil avaliar as dificuldades d.e for- mula~ao e de acatamento de seus atos e normas postenores! "V. A. deve de dar u cuidado destas epresas e obras de Lis- boa a que as enteda se escasseza e que se preze deltas; f:lSSi como fezerao os antiguos Imperadores, dando o seu cutda- do e officio a grades pessoas. " 41
  • 23. Enquamo os instmmentos normativos do "brac;o espiritual" da monarquia portuguesa foram perdendo sua forc;a, lentamente tambern foi o ''brac;o temporal'', expressando cada vez mais a sua atraves de uma ac;ao mais especificada e objetiva, urba- nisticamente, como sugere o conselho de Francisco de Olan- da (p. 11) ao rei. Enquanto as normas eclesiasticas, igualmente validas para regimento da vida dos rein6is e colonos, foram sendo ultrapassadas pelas normas do poder civil, estas com muito vagar ou tardiamente foram se definindo e ganhando efic:icia. Enquanto as determinac;ocs da Igreja cram claras e categ6ricas sabre alguns temas pr6prios da vida e da paisa- gem urbana, as imposic;oes das varias instancias do governo coloniallusitano se mostravam ora tfmidas, ora inexistentcs. Assim, se era clara o estipulado para se implantar urn templo ou uma nova casa religiosa, em rela~ao atopografia, aos con- gcneres preexistentes e ao casario circundante, nao o era o plano citadino em geral, seu arruamento e sobretudo o par- cclamento do solo. Das ordenac;oes do "reino", e das medi- das de car:iter casulstico baixadas atraves de cartas regias, al- varas e decretos, passou-se diretamente alegisla<;ao imperial, sem se conhecer por seculos urn c6digo especial para a colonia. Da convivencia atabalhoada entre as varias esferas de poder, na corte, no governo-geral ou nas capitanias, nas comarcas ou nos termos municipais, passou-se a urn vaivem na busca de definic;oes ap6s a independencia. E mesmo ap6s a republica estabelecida... Imagine-se como foi sendo o governo das cidades. As primeiras ordenac;oes do reino portugues foram fei- tas por Afonso v, no seculo xv, e aproveitadas para as Or- dena<;oes Manuelinas, em 1521. Arevisao destas, com a con- tribuic;ao de varios jurisconsultos reconhecidos, como leis pr6prias do reino de Portugal baixadas em 1603, quando da uniao com Espanha, consubstancia as Ordenac;oes Filipinas que acabaram tendo grande durac;ao e alcance. Porque vie- ram quase ate n6s e em muitos aspectos ate bern entrada o seculo xx, e o regime republicano, cujo C6digo Civil (nosso primeiro) data de 1917. Porque foram elas que nos governa- ram na America e nas mais distantes col6nias africanas ou asia- ticas de Portugal. Essas ordenac;oes nao ignoram as anteces- soras nem as Leis Extravagantes ja fartas nas Manuelinas. Se bern que interessem para questoes relacionadas ainstancia municipal, nao apresentam muito sobre a ordenac;ao urbana (Andrade, p. 27). E foram sendo complementadas na pratica por medidas espedficas baixadas pelo monarca ou em seu no- me para aplicac;ao no ultramar portugues. Essas cartas-regias 42
  • 24. e decretos visavam normalmente nao mais do que uma cida- de em foco e, nesta, alguns aspectos gerais. Nao desciam as me~hore~ i_n~tr~~6es a detalhes que pudessem constranger muuo a mtctattva da autoridade colonial, regional ou local executora, nem que nos ajudem a compreender melhor o de- senho urbano resultante. ~este quadro o que aqui interessa e urn aspecto muito parctal, mas que parece elucidativo duma ccrta tendencia: a progressiva seculariza~ao dessas normas e das que depois se segui;am, ja brasileir~s. Para Paulo F. Santos: "A diferen~a de metodos do Urbamsmo Colonial portugues em rela~ao ao espanhol, ~om~~~ pela legisla~ao" (p. 38). Os suportes legais foram mmto dtstmtos de fato; porem cabe ressaltar urn as- pecto restri!o e aparentemente secundario em que tal dife- re?c;~ tambem,s~ denuncia. As questoes de religiao e moral c:tsta, e de prattcas e convivencias com us eclesiasticos es- tao em ambos os casas presentes, mas tais cuidados sao dife- rentemen~~ va~o~izados pelos respectivos corpos de leis. Fi- ca,_<_:omo Ja fat dtto, _no ~ivro 1 das Leyes de Indias (Recopi- lactOn), toda a comptla~ao das normas de convivio entre se- culares e eclesiasticos nas col6nias espanholas. Ficam nao tao compilad~s as mesmas n01·mas lusas que, repetimos, valerao para o remo como para seus dominios. 0 que importa isso para o desenhar-se das cidades entre n6s? Importa muito, pois, se nao havia normas codificadas e detalhadas para a lei civil atinente a configurac;ao da cida- de e recebendo esta o impacto perfeitamente normal enUio de outra l~g~sla~ao- a can6nica --, nao estipulado claramen- te o convtvto das duas, o resultado deve ter sido bern outro. O!a o padre Miguel de Oliveira afirma que, com as ordena- ~?~S manuelin~s, ''nao houve mudan~,;a digna de nome; as leis ctvts reconhectam o direito can6nico e ate o tinham como su~sidiario" (p ~72). Mas lembra que os documentos ponti- fictOs para questoes concernentes aos missionarios nao eram expressos no caso do padroado portugues, sendo-o quamo ao padroado espanhol. "Atribui-se a diferen~a ao diverso sis- tema _de coloniza~ao s~guido por Espanha e Portugal" (p 154). lmagm_e-se nas questoes municipais ou intra-urbanas! "Em- bora nao apres~ntasse: o ~rasil, instituic;oes locais a aprovei- tar, _as o:dena~oes reats nao cogitaram explicitamente da or- g~ntza~ao da :ida civ~l e ~rbana em seu territ6rio; a legisla- ~,;ao metropohtana fot aphcada sem alterac;ocs, completada contudo, pelas leis ordinarias" (Andrade, p. 33). . Duas descri~6es quinhentistas constantes do Livro das czdades, ejortalezas que a Coroa de Portugal tern naspar- 44 tes da India... ilustram bern essa projec;ao do arcabow;o le- gal reinol no ultramar. Na pr6pria India, quanto a Cochim: " A qual he da nossa jurisdic;ao, governada pellas leis e orde- na~,;oes de portugal, como cada hiia das cidades delle" (p. 71). Quanto a Macau, na China, em que seus moradores "as quaes posto que a terra seja del Rey sao governados pellas leis e or- denac;oes deste Reyno de Portugal" (p. 106). " Embora esca- passe as guerras de religiao, Portugal sofreu a influencia do direito publico que se foi elaborando no sentido de procla- mar a supremacia do poder civil" (Oliveira, p. 252). Supre- macia, talvez, mas proclamada de forma peculiar pela orga- niza~ao espacial em seus estabelecimentos coloniais. "... suplicamos a V.M. munde asu Visorey y aesta su Real Audiencia y alas otras]usticias y Gobernudores, quefavo- rescan y acaten alos Pre/ados de las iglesias y a los Minis- tros deltas, pues lenemos tan lejos el socorro pa~'! quejar- mos a V. M. , cuando fueremos desfavorecidos... Esta carta, aprovada no condlio do Mexico de 1555 e assinada por seu arcebispo, da conta a Carlos V dos proble- mas entre as jurisdi~6es eclesiasticas e secular agw;ados pela distancia das novas frentes de coloniza~,;ao (Colecci6n, v. 3. p. 522). A Recopilaci6n de leyes de los reynos de las Indias, que ordenou a vida do vasto imperio espanhol, ainda insisti- mos de seus nove livros dedicou fora outros titulos todo o Livr~ 1 para as quest6es eclesiasticas, que, assim como e jun- tamente com as leis civis, se explicitaram para todas as col6- nias e cada urn dos seus estabelecimentos ao Iongo de secu- los. Transfere, e verdade, os costumes metropolitanos pre- dominantes "de la inmunidade de las iglesias y monasterios, y que en esta razon se guarde el derecho de los Reynos de Castilla'', no seu titulo 5. Everdade tambern, como lembra Alemparte (p. 48), que muitas de tais disposi~6es , como tan- tas e tantas leis espanholas ou hispano-americanas, ficaram no papel, como signos de boas inten~oes. Nem tanto, pois a essa grande codifica~,;ao legal, outros cuidados castelhanos se juntaram, como atesta um amplo in- querito sobre "todas las ciudades, villas y lugares de espaiio- les, y pueblos de naturales", publicado na integra na Colec- ci6n de documentos ineditos del Archivo de Indias (v. 9. p . 58-79), e que reune nada mais nada menos do que 355 itens de interesse sobre as povoa~6es coloniais, incluindo algumas sobre urbanismo de extrema modernidade. Esse documento provocou inumeros outros em resposta, que sao preciosfssi- 4 5
  • 25. mas descri~6es de cidades, vilas e aldeamentos indlgenas dos primeiros anos dos seiscentos, onde se pode avaliar o grau de aplica~ao efetiva dos ordenamentos urbanisticos recomen- dados para as funda~6es, bem como o peso da Igreja e de suas jurisdi~oes no governo das novas terras. Diego Velasquez con- trap6e as cidades coloniais da America do Norte as castelha- nas: ''As primeiras foram terreno fertil para uma nova ordem economica e legal; as segundas foram instrumentos para uma ordem imperial estabelecida" (Bethell, v. 2, p. 90). "A uni- dade urbana constituiu um microcosmo duma ordem impe- rial e eclesiastica maior" para Richard Morse (p. 71). Na transposi~ao das ordena~oes do reino lusitano, poe- tanto, vemos espelhada outra maneira de colonizar as novas terras descobertas. Outra maneira em que a legisla~ao vern, como que por direito consuetudinario, transferindo as prati- cas da metr6pole para suas mais distantes e distintas colonias e feitorias. Ora, nessa transferencia nos interessam, princi- palmente, a questao fundiaria, o desenho urbano e o conv1- vio como mundo eclesiastico. Algumas normas lusas sobre os dois primeiros aspectos nao se comparam ao conteudo dos tltulos 5 e 7 do livro IV das leis coloniais espanholas, nem as diversas coloca~6es constantes das Ordena~6es Filipinas, a preeminencia e aextensao do contido no livro 1 daquelas "leyes de los reynos de las Indias". (Recopilaci6n). 0 que se prop6e e haver urn paralelo entre uma coisa e outra, que ao grau de explicita~ao maior da convivencia dos lados espiri- tual e temporal do poder metropolitano corresponde uma conseqiiente explicita~ao maior do poder publico e de sua rela~ao com o ambito privado no delineamento urbano das funda~6es castelhanas coloniais. Se de inkio deu-se melhor cste delineamento - e em seu bojo aquele entre o publico sacro eo publico profano -, como passar do tempo e a pro- gressiva seculariza~ao dos conceitos e leis sobre a ordem ur- bana, a maneira como se definiu e distinguiu o espa<;o publi- co foi fatalmente diferente. Diferente no que tange a seu con- vivio com os espa~os sagrados e sobretudo com os espa<;os concedidos a particulates. Por outras palavras, em processos institucionais onde tinha tanto peso a Igreja, no caso espa- nhol, de sa!da estava bern definido o limite entre urn tipo de espa<;;o e outro; no caso portugues nao, donde uma laiciza- <;;ao posterior mais sentida e radical nas cidades. Ao regulamentar logo a maneira de fundar seus niicleos coloniais, e mais tarde codificar essa ampla regulamenta~ao, os espanh6is, antes de fazerem uma op~ao de desenho urba- 46
  • 26. no, buscavam nesta, que afinal foi feita de forma cristalina urn instrumento claro de ordenamento social sob a batuta d~ Co~oa de Castela. Dentro dos mesmos conceitos juridicos, esttp_ulavam bern mais precisamente que os portugueses a con- cessao de terras e o convivio entre os varios colonos e o co- letivo. E ai tambem as importantes- as maiores - glebas urbanas concedidas a congrega~oes religiosas. 0 apelo a urn Vitruvio (Mundigo e Crouch, p. 259), recuperado seu trata- do da antiguidade, a tratados e experH~ncias tardomedievais (Guidoni, p. 200) ou aos te6ricos italianos renascentistas s6 se co~preende pela vontade de disciplinar a distribuit;ao, a reten~ao e o uso da terra urbana pelos colonos tanto entre si como em rela~ao ao poder publico. Dai a opt;ao pelo pla- no em grelha (Zawisza, p. 92-6). E nessa distribui~ao cuidada o poder publico tambem nao descurava de seus dois "bra~os": o secular eo religioso, co- mo veremos no capitulo 3. Ora, no mundo portugues, sem as correspondentes explicita~oes em detalhe do regime para a distribui~ao da terra urbana, como de resto da rural nem as dos limites ou fronteiras entre a eclesiastica e a civil: tudo d:pendeu mui_5o mais da vivencia e evolu~ao das povoat;oes. Nao estav~m tao claras a abrangencia e as prerrogativas quan- do, espectalmente a partir do seculo xvm, comet;ou a secu- larizat;ao mais acentuada. Nosso desenho urbano era outro de origem; foi se tornando ainda mais distinto com a laiciza- ~ao comum. "Poder-se-ia dizer, sem grande exagero, que uma cidade hispano-~mericana e umaplaza mayor envolvida por ruas e casas, mats do que urn conjunto de casas e ruas avolta de uma plaza mayo!." Ass~ Robert Ricard (p. 436) sintetiza magistral- mente o carater das ctdades hispanicas na America, a ordena~ao decidida do conjunto urbano em torno do nucleo oficial - civi~ e eclesi~stico - e, enfim, o cumprimento do estipulado ~o hvro IV, titulo 7, ley 1 das Leyes de lndias (Recopilaci6n): cuando hagan la planta del Lugar, repartanlo por sus pla- zas, calles y solares a cordel y regla, comenzando desde Ia plaza mayor...". "Portugal e Brasil a ignoram" (p. 438). Ig- noram essaplaza mayorque, para o mesmo Ricard (p. 437), enq__ua~to era na Espa~~a uma place municipale, era em suas colomas uma place d Etat. Em decorrencia, talvez, para Ri- chard M. Morse (1975, p. 9): "A municipalidade do Brasil- c.olonia era mais livre em relac,;ao ao Estado do que a da Ame- nca espanhola, mas, formalmente falando, era ate menos ino- vadora em rela~ao ao prot6tipo oferecido pela metropole". 48 Acrescente-se a esse raciodnio o fato de que a rela~ao entre as virias instancias de poder, da metr6pole ao local, passando pelo governo-geral da colonia e por suas se~oes re- gionais, nao estava claramente estipulada e, na pritica, leva- va a constantes sobreposit;6es (Avelar, p. 50). Nao havendo uma planta oficial e uniforme a ser repetida, mas procedimen- tos tacitos e costumeiros a serem aplicados, o processo de aplicat;io de gerenciamento, sendo frouxo, levou a urn grau de op~oes maior, de solu~oes mais variadas... pitorescas ate (Smith, 1955; Borah, 1973 e Hardoy, 1975). Nestas, o q~e aqui nos interessa e o papel da visao religiosa na cond~c;ao - e vigorosa conduc;ao- desse processo. 0 resultado tmha de ser outro, eo foi, nao apenas de inkio, mas como fruto de urn Iongo evoluir. A seculariza~ao agiu nos dois casos, mas teve urn espa~o de manobra e conseqi.iencias maiores no mun- do portugues. "N'esta Provincia a Religiao, ou a Allianf(a Religiosa que deve existir entre os homens... erepresentada, e authentica- da pelo culto Publico... " Virias passagens e afirma~oes semelhantes se encontram no precioso Ensaio d'um quadro estatistico da provincia de s. Paulo do marechal Daniel Pedro Muller (p. 115) de 1838. Na epoca em que se estruturava o arcabout;o legale juridico do novo pais, tais coloca~oes dum homem bastante preparado nos recorclam o peso duma tradic;ao fortemente marcada pela present;a da Igreja e daquela que "continuari a ser a religiao do imperio" (Constituic;ao politica do Impe- rio do Brazil, titulo 1, artigo 5?). "Nao era possivel que a Constitui~ao do Brazil, o qual tinha sido colonia de Portu- gal,... deixasse de consagrar a religiao catholica como a do Estado" (Rodrigues, p. 9). Entretanto, como se viu, o C6di- go do Processo de 1832, em seu artigo 8?, apenas tolerou os "Juizos Ecclesiasticos em materias puramente espirituaes" A jurisdic;ao da Igreja ficava de entao em diante circunscrita e profundamente abalada sua imunidade e foro privilegiado, alterac,;ao que marcava urn decidido fortalecimento de lei ci- vil com implicac;oes diretas tambem sobre o espa~o publico. A carta de lei de 1? de outubro de 1828 e urn documen- to capital no prosseguimento da trajet6ria dos municipios en- tre nos e, conseqi.ientemente, eta evolut;ao no trato das ques- t6es urbanas. Baixada por Pedro I, seu objetivo foi regula- mentar e padronizar o funcionamento das camaras ate entao 49
  • 27. ainda apoiadas nas antigas ordena~oes do reino lusitano (An- drade, p. 154). Seu artigo 24: "As camaras sao corporac;;oes exclusivamente administrativas, e nao exercerao jurisdicc;;ao alguma contenciosa' ', representa uma poderosa restric,;ao de suas atribuic;;oes, perdida agora a judiciaria. Isto implica que as pendencias entre a jurisdic;ao temporal e a espiritual pas- sarao a outras esferas e, provavelmente, maier atenc,;ao pas- sarao ter os assuntos seculares. Neste sentido, e importante o artigo 9: "Ficam revogadas todas as Leis, Alvaras, Decre- tos e mais Rezoluc;oes, que dao as camaras outras atribuic;oes, ou lhes imp6em obrigac,;oes diversas das declarac;;oes na pre- sente Lei, e todas as que estiverem em contradic;ao apresen- te". Realmente, o artigo 66 reza que ficarao a cargo das ca- maras tudo a respeito da ''Policia e Economia das Povoac;oes e seus termos'', cujo paragrafo 1? arrola uma serie de mate- rias de sua responsabilidade e que dizem respeito agestao do chao publico. Em primeiro Iugar, cita a questao do alinha- mento, aqual voltaremos, da limpeza "e dezempachamento das ruas, Caes, e pra~,;as", da conservac;;ao e reparos de edifi- cios publicos, "calc;adas, pontes, fonte, aqueductos, chafari- zes, p6c;os, tanques, e quaesquer outras construcc;oes em be- neficia commum dos habitantes, ou para dec6ro, e ornamen- to das Povoac;oes' '. 0 paragrafo 2?, ao tratar dos cemiterios, diz que as camaras devem faze-lo "conferindo com a princi- pal Authoridade Ecclesiastica do Logar''. Ve-se que sao pou- cas as normas especificamente de ordenac;;ao espacial, entre as mais de uma dezena de atribuic;oes das camaras determi- nadas por seu regimento imperial. E, ainda assim, desponta a obrigac;ao atinente a urn convivio urbano com prerrogati- vas especiais da Igreja. Seu "§ 10?. Proverao igualmente so- bre a commodidade das feiras, e mercados, abastan~a, e sa- lubridade de todos os mantimentos, e outros objectos expos- tos a venda publica'', apresenta forte relac;ao com o artigo 223 da Constituifaopolitica da monarchiaportuguesa, de 1822. Bern mais tarde, ]oaquim de Oliveira Machado, em seu 0 manual dos vereadores, lembra que, nos primeiros anos da independencia, o "codigo de leis ainda erao as compila- c;;oes philipinas". "A lei de 1? de outubro de 1828, nessa epo- ca promulgada, e ainda hoje o regimento das camaras, parti- cipou dos defeitos physiologicos e vicios de estrutura pro- pries do emperramento exclusivista e cemralisador, de que custarao se desarraigar nossos primeiros legisladores'' (p. 13). ''Eis porque em seu contexte ainda se observao a mesma lin- 50 ~uagem, redacc;ao, incoherencia, accumulac;;ao de varies a~­ sumptos debaixo de urn s6 capitulo ou artigo, e falta de um- t'ormidade que o governo europeo costumava empregar nas suas instrucc;oes e mais actos oficiaes". Enquanto clama para que se tire "a tutela rigorosa irnposta as camaras pelo acto adicional" (p. 14). . . _ Alem dessa tutela que restringia a autonomta dos mumct- pios em inumeros aspectos tambern relatives a''Policia e Eco- nomia das Povoac;oes e seus termos' ', constata-se ainda algu- mas limitac;oes de ordem eclesHistica, como no caso dos ce- miterios. Entre a sujeic;;ao acentuada aos governos e legislati- vos provinciais e a prerrogativas da Igreja, ~ue se enfr~que­ ciam mas continuavam em parte reconhectdas pela let, e o desejo de avanc;;ar rumo a novas soluc;oes para ~s pro~lem~~ urbanos e de aproveitar os recentes avanc,;os do urbamsmo no mundo europeu, nao restavam a este- se mais forte nu- ma mentalidade em geral acanhada- muitas oportunidades. As preocupac;oes de ordem sanitaria e estetica: q~e ia~ remodelando as cidades do velho continente e cujas tmph- cac;;oes foram tao bern abordadas por Franc;oise Boudon e por Olivier Zunz entre outros, por certo nao foram ignoradas. Contudo, nao puderam se consubstanciar em novas atitud~s ou soluc;oes diante de inumeras dificuldades, entre as quats merece destaque a expropriar,;ao por interesse publico. c_o- mo mostram os estudos de Michel Lacave, tal desapropna- c,;ao, com vistas arenovac;ao urbana, en~rent_a~a tambem na Europa, e mesmo na Franc,;a do segundo 1mpeno, uma pede- rosa oposi~ao. Foi naquele pais defendida por estratos d_uma sociedade muito diferente da nossa. Muito tempo havena de passar em que outra composic;ao social motivasse entre_n6s algum avanc;o do direito nessa materia. Algum avanc;o, amda que restrito aantiga e sempre crucial questao do alinhamen- to. Quanto aconvivencia com a Igreja, a sucessao ~as cons- tituic;oes republicanas parece por vezes apontar mats recuos do que avanc;os por parte do poder publico, no que d~z- r~s­ peito a templos, estabelecimentos escolare~ e cem~tenos (Scampini, 1978). 0 municipio, e com ele a c1dade, nao po- deriam deixar de sentir seus efeitos. "Niio s6 pella grande falta q'.. ha r:esta Cidade de l~trad~~· mas por serem os ]uizes Ordtnarws totalmente letgos... Este informe do governador Rodrigo Cesar de Meneses ao rei, de 1726 (Documentos, v. 32, p. 140), em que pede 51