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I
BEATRIZ TEIXEIRA SOUZA
DISPERSÃO URBANA NO DF
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Especialista. Curso
de pós-graduação lato sensu em Reabilitação
Ambiental Sustentável Arquitetônica e
Urbanística. Programa de Pesquisa e Pós-
graduação. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Universidade de Brasília.
Orientador: Prof. Rômulo José da Costa Ribeiro
BRASÍLIA
2009
II
“Tudo tem sua ocasião própria e há tempo para
todo propósito debaixo do céu.”
(Eclesiastes, 3:1)
III
Aos amigos e familiares, pela torcida e
compreensão dos momentos ausentes.
A todos os professores do Reabilita,
particularmente ao Professor Rômulo, pela
orientação e apoio ao longo desta jornada.
Em especial, agradeço a Paulo Augusto de
Figueiredo Vivacqua pela dedicação, carinho e
paciência, fundamentais para que eu pudesse
finalmente chegar até aqui.
IV
Sumário
1. Introdução. .................................................................................................................................... 1
2. Dispersão Urbana: reflexão e debate ........................................................................................... 3
3. Globalização: mito e realidade.................................................................................................... 10
4. Sustentabilidade: um caminho para a cidade de todos .............................................................. 16
5. Alain Bertaud: um método e uma análise................................................................................... 21
6. Brasília: Uma Breve História....................................................................................................... 35
7. Dispersão Urbana no Distrito Federal......................................................................................... 44
8. Considerações Finais.................................................................................................................. 59
9. Referências Bibliográficas: ......................................................................................................... 61
V
Lista de Figuras
Figura 1 – Cidade Policêntrica de Richard Rogers (adaptado de ROGERS, 2000, p.47).................... 26
Figura 2 – Representação esquemática de viagens padrão dentro em diferentes estruturas urbanas
(BERTAUD, 2003, p.8).......................................................................................................................... 28
Figura 3 – Governador em visita à Comissão de Erradicação de Favelas (Arquivo Público do Distrito
Federal) ................................................................................................................................................. 39
Figura 4 – Distância a ser percorrida de Ceilândia para o Plano Piloto em 1971 (Arquivo Público do
Distrito Federal)..................................................................................................................................... 40
Figura 5 – Vista área da Vila do Iapi (Arquivo Público do Distrito Federal).......................................... 41
Figura 6 – Localização espacial das Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal e suas
respectivas distâncias em relação à Brasília - Esplanada dos Ministérios. (adaptado de
http://www.geocities.com/augusto_areal/ra_big.jpg)............................................................................. 47
Figura 7 – Distribuição espacial dos agrupamentos definidos pelo DIEESE e seus respectivos CDBs.
............................................................................................................................................................... 52
VI
Lista de Gráficos
Gráfico 1 – Comparação média da densidade populacional em áreas construídas em 49 áreas
metropolitanas (BERTAUD, 2003, p.9) ................................................................................................. 30
Gráfico 2 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades descrescentes) (BERTAUD,
2003, p.11) ............................................................................................................................................ 32
Gráfico 3 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades crescentes) (BERTAUD,
2003, p.12) ............................................................................................................................................ 34
Gráfico 4 – Renda domiciliar per capita mensal segundo as Regiões Administrativas (RAs)
(CODEPLAN, 2006) .............................................................................................................................. 50
Gráfico 5 – Perfil ocupacional da população ocupada segundo os setores de atividades. (CODEPLAN,
2006) ..................................................................................................................................................... 54
Gráfico 6 – Comportamento das viagens diárias entre os locais de moradia (Grupos 1,2,3) e o CCS
do DF (Grupo 1) .................................................................................................................................... 58
VII
Resumo
Muitas cidades do mundo enfrentam, hoje, inúmeros problemas em suas estruturas
urbanas em função de políticas públicas desacertadas com o interesse coletivo,
trazendo conseqüências irreversíveis do ponto de vista estrutural, econômico e
social. Pode-se dizer que a dispersão urbana é, de fato, o resultado de um conjunto
de fatores representados por esses três níveis, os quais ocorrem em maior ou menor
grau, dependendo da história de cada uma das cidades que apresentam este
fenômeno. Embora não se tenha uma fórmula pré-determinada para impedir ou
retardar esse processo, sabe-se que a cidade dispersa é contrária à idéia de
sustentabilidade, uma vez que demanda altos custos para a própria manutenção e
funcionamento da cidade, além dos custos sociais gerados pelos grandes
deslocamentos gerados para a mobilidade da população. A cidade dispersa possui
forte característica excludente, e sua perversa estrutura é, por vezes, difícil de ser
alterada. Este é o caso de Brasília e seu entorno, conjunto considerado como a
segunda estrutura urbana mais dispersa do mundo. Para a verificação deste dado foi
utilizado um dos indicadores propostos por Alain Bertaud, qual seja: as viagens
diárias percorridas pela população entre os locais de moradia e seus locais de
trabalho. Esta análise teve por base dados censitários e o mapeamento do
deslocamento desta população, fatores esses fundamentais para a análise em
questão.
Palavras-chave
Dispersão Urbana, Sustentabilidade, Globalização, Indicadores de Dispersão,
Viagens Diárias entre Moradia e Trabalho.
1
1. Introdução.
A definição do que é a cidade não é uma tarefa simples. Palco de inúmeras
intervenções, por vezes contraditórias, ela requer análises espaciais bem definidas,
muito embora sua leitura não deva ser feita apenas por este ângulo. Questões
sociais e econômicas não podem ser ignoradas do contexto do qual fazem parte,
tratando-se mesmo de um emaranhado de fatores concorrentes.
O mundo, hoje predominantemente urbano, proporciona um desafio à sua
própria existência, impondo necessariamente modelos de vida diferentes do que
àqueles que foram adotados até os dias atuais. A necessidade premente de novos
valores a serem adotados irá ditar as novas formas de consumo e
conseqüentemente, de vida para um futuro próximo. A busca por melhores
condições de vida subentende a busca por uma cidade sustentável, que proporcione
qualidade de vida em seu sentido mais amplo.
A dispersão urbana é a antítese dessa proposta. Pretende-se demonstrar o
descompasso entre essa configuração urbana e o ideal de uma cidade sustentável,
que promova a acessibilidade ao pleno gozo dos direitos e deveres fundamentais de
seus cidadãos. A dispersão (“separação”) urbana implica em elevados custos não só
financeiros, mas principalmente sociais.
Para a discussão de conceitos tão antagônicos, faz-se necessário traduzir
como o assunto vem sendo abordado por pesquisadores em todo o mundo. A
proposta deste trabalho, no entanto, não é esgotar o problema em todas as suas
vertentes, mas sim apresentar um panorama da relação, ou desconexão, entre
sustentabilidade e cidade dispersa.
2
O caso do Distrito Federal (Brasília e cidades do entorno) se apresenta como
um exemplo deste tipo de estrutura urbana, embora suas motivações tenham sido,
em geral, diversas daquelas cidades comumente conceituadas como dispersas.
Pelas particularidades de sua história, Brasília se apresenta como um exemplo
concreto, sendo mesmo considerada como a segunda cidade mais dispersa do
mundo.
Para a constatação deste fato, utilizou-se como base de pesquisa a distância
entre os locais de moradia aos locais de trabalho dentro dos limites do Distrito
Federal. Aparentemente simplista, este dado é capaz de fornecer subsídio para
constatar a existência desta dispersão, e quão prejudicial se apresenta para a
população que a percebe sensoriamente todos os dias.
3
2. Dispersão Urbana: reflexão e debate
Na cidade do passado, o projeto do espaço aberto, o “projeto de solo”, não
era retalho de um excipiente neutro, dentro do qual depositavam
arquiteturas, depositavam edifícios, mas desenho através do qual se
construíam concretamente as regras da justa distância, seja métrica, seja
visual e simbólica. (SECCHI, 2006, p.127)
O processo de dispersão urbana é complexo e diversificado. Apesar de muito
presente nas cidades contemporâneas de todo o mundo é nas formações
metropolitanas mais recentes que ela se torna mais evidente. Em todos os casos, no
entanto, elas não são idênticas; ao contrário, cada região ou país apresenta suas
especificidades e problemas distintos, os quais contribuem em maior ou menor grau
para este fenômeno.
A crescente urbanização ao longo da segunda metade do século XX
contribuiu para mudanças importantes em todos os quadrantes do mundo, inclusive
no que diz respeito aos modos de vida atuais, os quais são tipicamente urbanos até
mesmo para áreas denominadas rurais. Reis1
(2007), em recente palestra na
Conferência sobre o tema da dispersão urbana, em São Paulo, evidencia o fato de
que o mundo, hoje, encontra-se predominantemente urbano. No Brasil, em 2007,
foram identificadas no país a existência de 14 áreas metropolitanas2
com mais de 1
milhão de habitantes.
1
REIS, Nestor G. (Org.). Dispersão Urbana: Diálogo sobre pesquisas Brasil – Europa. São Paulo:
FAU-USP, 2007.
2
Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Guarulhos,
São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia, Brasília.
4
Dentro deste contexto, entende-se a dispersão como um processo radical que
leva à superação de conceitos bem marcados entre cidade e campo; conceitos, até
então, paradigmáticos no que diz respeito às suas interpretações, ou seja, até então,
sabia-se diferenciar claramente o que era urbano e o que era rural.
Na mesma conferência, Patarra3
(2007), pesquisadora titular da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), o qual possui vinculação ao Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), discursou sobre o tema, proporcionando
esclarecimentos sobre as novas mudanças nos processos de distribuição espacial
da população, principalmente a brasileira. Para ela, é necessário o entendimento do
que batizou de “novo urbano”, “novo rural” e “novas territorialidades”, conceitos estes
advindos das transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas em todo o
mundo a partir de 1970.
Patarra (2007) afirma que os elementos de caracterização dos conceitos do
rural e do urbano são questionados, uma vez que outrora se dariam por critérios
administrativos decididos pelo poder municipal. Para ela, “a definição deveria
incorporar a existência de serviços coletivos, tomar em conta a predominância de
atividades não rurais e a concentração a partir de um certo tamanho.” 4
A situação de domicílio do Censo Demográfico de 2007 já oferece avanços
nesse sentido, ao considerar a situação rural como a abrangência da população e
domicílios recenseados fora dos limites das sedes municipais e distritais, incluindo
3
PATARRA, L.; Neide. Do urbano-rural às novas configurações territoriais: conceitos, questões
e uso de estatísticas oficiais. In: DISPERSÃO URBANA: DIÁLOGOS SOBRE BRASIL-EUROPA,
2007, São Paulo. Anais. São Paulo: USP, 2007.p.173-212.
4
Ibid., p.203.
5
os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos5. Dessa
forma:
A dicotomia rural-urbano, que considerava o urbano com “lócus” das
atividades não agrícolas – indústria – e que atribuía ao rural as atividades
agrícolas, vem perdendo a sua importância histórica. O que se observa é
uma crescente heterogeneidade de atividades e opções de emprego e
renda não agrícolas, o que tem contribuído para que a população residente
no meio rural tenha maior estabilidade econômica e social.
(CAMPANHOLHA; SILVA apud PATARRA, 2006, p.192)
Patarra (2007) quis demonstrar a dificuldade de apontar definições muito
claras entre o que é urbano e o que é rural, uma vez que o espaço desigualmente
distribuído é produto de outras forças que não aquelas definidas por regiões
administrativas, as quais não proporcionam informações suficientes para o
entendimento entre as relações de produção entre as cidades de uma mesma região
ou as inter-relações fora dela. A dispersão urbana aparece, então, como produto
dessas forças, que serão melhor discutidas por meio da base teórica fornecida por
Bertaud e Malpezzi (2003), a qual é utilizada para o fim a que se destina este
trabalho.
5
Aglomerado rural de extensão urbana: setor rural situado em assentamentos situados em área
externa ao perímetro urbano legal, mas desenvolvidos a partir de uma cidade ou vila, ou por elas
englobados em sua extensão; Povoado: setor rural situado em aglomerado rural isolado sem caráter
privado ou empresarial, ou seja, não vinculado a um único proprietário do solo (empresa agrícola,
indústria, usina, etc) cujos moradores exercem atividades econômicas no próprio aglomerado ou fora
dele. Caracteriza-se pela existência de um número mínimo de serviços ou equipamentos para
atendimento aos moradores do próprio aglomerado ou de áreas rurais próximas; Núcleo: setor rural
situado em aglomerado rural isolado, vinculado a um único proprietário do solo (empresa agrícola,
indústria, usina, etc) privado ou empresarial, dispondo ou não de serviços ou equipamentos
definidores de povoados.
6
Reis (2007), em consonância com o pensamento de Patarra (2007), também
defende a idéia de que é necessária uma reavaliação entre as definições de urbano
e rural. Para ele, dever-se-ia reconhecer as áreas urbanas como áreas que
apresentam características de vida metropolitana, diretamente relacionada com as
formas de consumo. De fato, a sociedade do consumo se concretiza, de forma clara
e incisiva, por meio de elementos presentes nos empreendimentos de áreas
dispersas, e abundantemente defendidos pelo marketing empresarial. Um dos
grandes apelos comerciais empregados nesta tarefa é a presença de abundante
área verde com equipamentos de lazer e esportes cada vez mais completos e
sofisticados, os quais traduzem uma sociedade cada vez mais hedonista, que se
concretiza em uma incessante busca pelo prazer.
Assim, Reis (2007) acredita que há cinco grandes mudanças responsáveis
pela dispersão urbana ao redor do mundo, quais sejam:
- Grandes migrações rural-urbanas em vários continentes, reforçadas pelo
significativo crescimento demográfico;
- Surgimento de regiões com população totalmente urbanizada;
- Intensificação da industrialização e crescente dispersão das unidades
produtivas em todo o mundo;
- Universalização dos mercados ou pólos de produção e de seus padrões
técnicos, com suas centralidades específicas;
- Universalização de modos de consumo padronizados, ou seja, o consumo
de massa.
A partir daí, demonstra grande preocupação com os projetos urbanísticos, os
quais estão sujeitos a interferências de agentes externos que desconhecem os
7
problemas locais de cada cidade. Defende, portanto, um trabalho de pesquisa
permanente por parte dos profissionais diretamente ligados a esta questão no
âmbito da administração pública, principalmente no que diz respeito à utilização dos
instrumentos de gestão alinhados com o interesse público.
As mudanças têm sido tão rápidas e tão amplas, que os poderes públicos, a
imprensa e boa parte dos pesquisadores ainda não se deram conta da
necessidade de novos recursos técnicos e financeiros para produção e
organização desses conhecimentos para fixação de novos critérios
profissionais e de políticas públicas. (REIS, 2006, p.46)
Ainda na mesma conferência, Secchi6
(2007) contribui para a questão da
dispersão urbana com uma visão mais sociológica e humanitária, uma vez que se
debruça sobre a cidade contemporânea, analisando-a sob a ótica do “modo vivendi”
que se estabelece dentro dos padrões de consumo hoje adotados.
Secchi (2007) acredita que o impasse está, sobretudo, na “falta de solução”,
ao longo de todo século XX, de quatro problemas principais, inerentes à cidade, uma
vez que esta é resultado de uma série de fatores concorrentes. Assim, defende que
a forma da cidade contemporânea nasceu a partir dos seguintes fatores:
- Emersão de crescente importância do sujeito;
- Emersão de imponentes e simultâneos fenômenos de concentração e
dispersão urbana;
- Emersão do cotidiano, ou seja, do dia-a-dia programado;
- Progressiva democratização do espaço.
6
SECCHI.; Bernardo. A Cidade Contemporânea e Seu Projeto. In: DISPERSÃO URBANA:
DIÁLOGOS SOBRE BRASIL-EUROPA, 2007, São Paulo. Anais. São Paulo: USP, 2007.p.113-139.
8
No que diz respeito à crescente importância do sujeito, Secchi (2007) faz um
paralelo à crescente recusa do indivíduo à tutela das instituições e do poder. O
medo de se encontrar no anonimato em um mundo de novidades constantes faz
com que o sujeito se individualize cada vez mais na busca de um “espaço sempre
maior aos aspectos privados da existência” (SECCHI, 2007, p.116). Na verdade,
Secchi não teme o individualismo em si, mas sim a “alienação da vida social”, ou
seja, ele teme a perda do “sentimento de pertencer a uma classe ou a uma
comunidade”, o que, fatalmente, levaria à dissolução do que se entende por cidade.
Para Secchi (2007), subestimar a co-autoria do emergente individualismo na
composição da cidade contemporânea seria um erro. Todas as tentativas de
remodelagem da cidade moderna seriam, de certa forma, voltadas para a dimensão
individual. A tentativa da produção de novos lugares, de proximidade ou
distanciamento, está ligada à tentativa de se procurar uma “justa distância”, movida
por novas práticas cotidianas.
Dessa forma, ele entende que houve um atraso no entendimento da
articulação da sociedade do século XX, e que isto trouxe como conseqüência o
abandono das partes mais dispersas da cidade. A estas áreas, desconsideradas do
processo de projeto, não foram dadas as devidas ocupações e preocupações; ao
contrário, foram desconsideradas, apagadas, na esperança de lentamente se
transformasse até chegado o momento de ficar parecida com a cidade moderna.
Dessa forma, o imaginário coletivo, a partir de novos valores e referências,
desvirtua-se em uma contraditória democratização, a do descuido generalizado por
parte da sociedade e da administração pública. Contraditoriamente, estes “espaços
residuais”, coletivamente compartilhados, parecem não pertencer a ninguém. Para
9
Secchi (2007), o coletivo e o individual são aspectos subjetivamente intrínsecos à
problemática da dispersão urbana.
Assim, é possível distinguir, entre os pesquisadores aqui citados, um ponto
comum, para onde convergem todas as questões levantadas, apesar dos diferentes
recortes e abordagens que cada um defende como causadores da dispersão
urbana. A dificuldade de conceituar o urbano e o rural, as formas de consumo
padronizadas e a emergente importância do sujeito são questões que concretizam,
pontualmente, uma discussão ainda maior, qual seja: o mito da cidade-global.
10
3. Globalização: mito e realidade
O que é globalização? O enfrentamento central dos nossos tempos. Aquele
do mercado contra o Estado, do setor privado contra os serviços públicos,
do indivíduo contra a coletividade, dos egoísmos contra as solidariedades.
(RAMONET, 2007 apud FERREIRA, 2007, p.94)
Entre os diversos pesquisadores sobre dispersão urbana, parece ser pacífico
o entendimento da “união” entre o urbano e o rural, a qual é fruto direto das relações
de produção estabelecidas em todo o mundo após a segunda metade do século XX,
particularmente as transformações ocorridas a partir de 1970, década considerada
como marco para a passagem de uma reestruturação produtiva após o capitalismo
fordista, que implicou em abertura dos mercados nacionais e em um novo parâmetro
de economia globalizada.
Dentro deste contexto, a abertura econômica brasileira proporcionou a
inserção do país no círculo internacional, ao mesmo tempo em que alimentou ainda
mais as desigualdades sociais já existentes. Segundo Ferreira (2007), percebe-se
uma assimetria entre esta nova forma de crescimento da economia mundial e o
surgimento de novos grandes bolsões de pobreza em países em desenvolvimento,
como é o caso do Brasil. Isto quer dizer que, enquanto o papel das cidades de porte
médio crescem em importância na economia do país, fortalecem-se as diferenças e
desigualdades regionais.
11
Ferreira7
(2007) discute fervorosamente a suposta modernização dos países
periféricos em decorrências de suas aberturas para o escoamento dos fluxos da
economia globalizada. Defende que o único pensamento, hegemônico, de que deve
haver um novo patamar de mobilidade internacional do capital por meio dos
consideráveis avanços da tecnologia, principalmente no que diz respeito à
informática e telecomunicações, é nada menos que um subterfúgio para a defesa de
um sistema capitalista em crise, dada as suas condições após a década de 1970.
De fato, as nações capitalistas industrializadas cresceram exponencialmente
a partir do pós-guerra. A política do Welfare State8
até meados dos anos 1960,
encabeçada pelos Estados Unidos, pregava uma sociedade segura, mas não se
firmou como um “modelo de sucesso”. Ao contrário, esgarçaram-se as
desigualdades entre países ricos e pobres, na medida em que o fornecimento de
mão-de-obra barata para as multinacionais condicionou a renúncia do
desenvolvimento interno baseado na igualdade e distribuição de renda.
Entretanto, finda a fase de reestruturação, as dificuldades em manter
constante o ritmo de crescimento dos países desenvolvidos, visto que era
necessária a ampliação dos mercados de consumo, exige o surgimento de uma
nova ideologia para a solução deste problema.
Nesse sentido, a globalização seria nada menos que uma arma ideológica
para o suspiro do sistema capitalista de produção. As inovações tecnológicas, com
novas possibilidades de comunicação e transporte, fizeram com que o setor
7
FERREIRA, J.S.W. O Mito da Cidade Global: o papel da ideologia na produção do espaço
urbano. São Paulo: Vozes/ Unesp, 2007.
8
“Estado do Bem-Estar”. (FERREIRA, 2007, tradução nossa)
12
produtivo se reordenasse espacialmente, tornando-se segmentado com novas
frentes de produção em várias partes do globo, ou seja, o mesmo produto poderia
ser fabricado em qualquer parte do mundo, apesar das decisões estratégicas nunca
saírem do comando das sedes localizadas em seus países de origem. Este é o
fenômeno pelo qual os economistas denominam “reestruturação produtiva”.
Busca-se em cada país o que ele pode oferecer de mais vantajoso, mão-de-
obra barata, ausência de restrições ambientais e/ou trabalhistas,
proximidade da matéria-prima, graças à possibilidade, trazida pelas
tecnologias de comunicação, de controlar todo o processo de um único
país, montando o produto final em alguma parte do mundo. (FERREIRA,
2007, p.98)
Com certo distanciamento, fica claro o aspecto ideológico que reveste a
globalização como algo positivo para todo o mundo. É interessante notar como a
“inclusão” dos países periféricos à economia mundial se reveste de uma benéfica
euforia, alimentada pelas novas opções de consumo das parcelas das populações
mais elitizadas. Neste sentido, o marketing nunca esteve em tão grande conta e
importância, generalizando o consumo padronizado, o consumo de massa.
Na verdade, o subjugo dos países periféricos em relação aos países
industrializados não é uma novidade. No caso do Brasil, remonta mesmo aos
primórdios de sua formação, à época da colonização portuguesa. No entanto, é
espantosa a maneira como as cidades do Terceiro Mundo são impelidas a
participarem do “mercado mundial”, quando se sabe que cada vez participam menos
dos processos e fluxos que caracterizam a “cidade-global” (FERREIRA, 2007).
O “Consenso de Washington”, cartilha que estipulou dez condições para os
países interessados a se adequarem ao novo sistema, em 1993, teve um papel
13
importante para a definição das políticas atualmente adotadas. Para o caso do
Brasil, e de outros países não menos dependentes, o que se verificou foi a falsa
crença de que a participação do Estado diminuiria frente às imposições do mercado.
De fato, um dos dez pontos exigidos na cartilha era de que as empresas estatais
deveriam ser privatizadas9
.
O que se percebe, no entanto, é que, ao invés do recuo do Estado, a
globalização representa a intensificação de sua participação, agora de forma mais
qualificada e especificamente voltada para os interesses do capital, em detrimento
da sociedade. “O Estado do Bem-Estar Social se tornou o Estado do Bem-Estar das
empresas, de tanto que o Estado vem trabalhando a favor dos interesses
empresariais em todos os países capitalistas.” (SANTOS, 2007 apud FERREIRA,
2007, p.114)
Diante do exposto, fica a pergunta: seria possível atribuir a certas cidades ao
redor do mundo níveis de importância de acordo com sua “adaptabilidade” ao mundo
globalizado? Não é novidade que as cidades sempre foram o locus privilegiado da
expansão do sistema capitalista. No entanto, há autores que defendem uma certa
tipologia urbana que responda a novas expectativas do mercado. Segundo
Sassen10
, as cidades na era da globalização devem ser mais “especializadas do que
eram, mais preparadas para um novo tipo de organização econômica, para uma
nova economia de serviços. As cidades devem, no novo padrão global, ser
competitivas”.
9
A cartilha do “Consenso de Washington” 10 pontos principais: 1) Disciplina Fiscal; 2)Contenção das
Despesas Públicas; 3) Reforma Tributária; 4)Liberalização Financeira; 5)Controle Cambial; 6)
Liberalização do Mercado; 7) Aberturas para investimentos diretos do exterior; 8) Privatização; 9)
Desregulamentação; 10) Direitos de Propriedade.
10
SASSEN, 1999 apud FERREIRA, 2007, p.115.
14
Assim, os ajustes necessários à inserção dos países ao mundo globalizado
extrapolam as políticas preconizadas pelo “Consenso de Washington” e vão mais
além. Seria necessário, também, estipular uma receita para inserir as cidades dentro
deste sistema. A “globalização”, por meio da idéia da “cidade-global”, adentra em
definitivo no mundo do planejamento urbano, o qual se apropria de duas
modalidades de intervenção muito discutidas e polêmicas: o planejamento
estratégico e o marketing urbano.
A polemização em torno destas atuações está justamente na credibilidade de
suas autênticas e verdadeiras intenções de melhorias urbanas para as realidades
locais de cada cidade. No entanto, o assunto não será foco de discussão para este
trabalho, mas sim um complemento teórico para o entendimento das configurações
das cidades no contexto mercadológico, uma vez que ela é, de fato, resultado desta
realidade.
Enfim, o impacto da globalização sobre o meio urbano e a geografia do
espaço torna-se objeto de inúmeras análises e conjunturas. De fato, a idéia do
“global” se impõe, no mundo atual, em sua forma mais acabada e eficaz. Santos11
já
discutia os níveis de compreensão dessa nova conjuntura (o mundial, o do território
dos Estados e o local), quando afirma que ela se concretiza por meio da
desmaterialização do dinheiro e do seu uso instantâneo e generalizado. As fronteiras
estão abertas, e destinam modificações nos modos de vida nestes três níveis. No
entanto, é localmente que os fragmentos dessa rede mundialmente conectada
ganham uma dimensão única e socialmente concreta.
11
SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Paulo: USP, 2008.
15
De uma forma geral, a percepção de Santos (2008) poderia ser aplicada a
qualquer contexto geográfico, sendo possível traçar certos panoramas urbanos em
cada país ou região. Contudo, a análise da dispersão urbana requer estudos mais
aprofundados, visto que as especificidades de cada localidade exigem
interpretações particularizadas.
Dessa forma, tendo em mente a relação entre economias e sistemas de redes
mundialmente conectados, pode-se discutir as várias vertentes teóricas de
explicação para o fenômeno da dispersão urbana. Ainda que diretamente
relacionada às intervenções locais, é também fruto da relação dessas redes em
nível mundial. Este é um fator de suma importância para a compreensão do
problema, visto que não é produto isolado e inerte, mas flexível e dinâmico, tratando-
se, portanto, de foco para inúmeras discussões no Brasil e no mundo. A análise
refere-se, então, do local ao global; e do global ao local.
16
4. Sustentabilidade: um caminho para a cidade de todos
Na cidade, o ambiente é o homem, feito de suas amarguras e sonhos. Na
cidade, as densas e frágeis relações entre os indivíduos estimulam o
conflito e a contradição, mas, também, a aproximação entre o eu e o outro.
(HISSA, 2008, p.271)
Em se tratando de uma cidade para todos, que vise à integração ou ao menos
a compreensão das desigualdades inerentes a ela, faz-se necessário entender
alguns conceitos ora vigentes, que assumem uma nova roupagem em um mundo
revestido de contrastes. Ambiente, ou meio-ambiente, patrimônio e cultura são
palavras que, relacionadas, condicionam avaliar outro conceito: o da
sustentabilidade, palavra que, para o âmbito urbano, denota uma cidade de inclusão,
e não de exclusão.
Tradicionalmente, entende-se ambiente por aquilo que circunda o ser
humano, ou seja, que o rodeia, que o envolve, subentendendo uma exterioridade. A
“superfície exterior ao eu”, ao envolver objetos e seres, acaba por influenciá-los,
sendo o contrário também verdadeiro. De fato, pode-se dizer que o homem, é sim,
produto do meio. “As sociedades são reflexos e produtos da sua própria cultura que
é, por seu turno, também, um ambiente estruturante que condiciona e, em
determinadas circunstâncias, determina valores e hábitos”.12
Esta relação de troca verdadeiramente existente entre o ambiente e o ser
humano concretiza-se em uma cultura, a qual determina valores e hábitos. Assim,
pode-se dizer que a cidade é produto direto dessa relação, revelando, sempre, os
12
HISSA, E.V.; Cássio. I.N de (Coord). Cidade e Ambiente: Dicotomias e Transversalidades. In:
SABERES AMBIENTAIS: DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO DISCIPLINAR, 2008, Belo
Horizonte. Anais. Belo Horizonte: UFMG, 2008.p.259-281.
17
próprios contrastes e conflitos inerentes ao homem. A leitura da cidade é a própria
leitura do humano, do ambiente, da vida moderna, enfim, do pensamento moderno.
De fato, o pensamento moderno estabelece e necessita de rótulos. A
produção do conhecimento moderno insinua “universos bipartidos”, e a superação
das dicotomias aí estabelecidas oferece grande desafio para o conhecimento
multidisciplinar, necessário para a busca do que chamamos hoje de
sustentabilidade. A fragmentação do conhecimento, e a sua conseqüente
especialização, reduz o senso crítico à simplificação de questões que não possuem
fronteiras, mas sim “zonas de contato”, com outros ramos do saber.
A cidade para todos é, então, produto de um conjunto de conhecimentos
interligados. Pode-se dizer que ambiente, patrimônio, cultura e sustentabilidade são
conceitos que se apresentam conectados, sendo mesmo necessário a compreensão
de um para o entendimento de outro. A questão ambiental e os valores sociais não
são mais avaliados isoladamente, pois estão conectados pela preocupação e busca
por uma “existência sustentável”.
Durante muito tempo, pensou-se que preservar era manter intocável um bem
material, ou seja, a própria idéia de preservação estava culturalmente vinculada a
algo estanque. No entanto, o conceito de sustentabilidade surge somente em 1972,
na Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, vindo
18
agregar ingrediente novo a esse pensamento, quebrando paradigmas e permitindo
que o patrimônio abrangesse um leque muito maior em seu foco de atuação. 13
O desenvolvimento sustentável é, de fato, indissociável do desenvolvimento
global da sociedade, pois depende de mudanças econômicas, sociais, culturais e
ecológicas. É exercício inútil mensurar quais os pesos e medidas da contribuição de
cada um destes fatores, mas é fato de que a conexão entre eles, e suas
interdependências, são, hoje, fundamentais para se pensar na vida em sociedade.
Assim, patrimônio, hoje, possui um conceito mais abrangente daquele
originalmente creditado pela cultura romana14
, e não mais privilegia apenas o belo e
o excepcional, uma vez que a mudança de paradigmas comportamentais e mentais
dita uma nova cultura. A noção de preservação incorpora, atualmente, a
imaterialidade do patrimônio. A própria cultura e o ambiente, assim, possuem novos
conceitos enquanto integrantes deste legado.
As diretrizes e princípios da Conferência de Estocolmo proclamam a inter-
relação entre desenvolvimento humano, econômico, social e ambiental, e prega,
ainda, a necessidade do homem continuar “descobrindo, inventando, criando e
progredindo”, ou seja, subtende-se aqui um ciclo cultural que acompanha o
desenvolvimento do homem. A utilização consciente dos recursos para o
desenvolvimento dos povos com vistas a um crescimento conjunto e planetário
seria, então, dever de todos.
13
COSTA, H.S.M.; Meio Ambiente e Desenvolvimento. In: SABERES AMBIENTAIS: DESAFIOS
PARA O CONHECIMENTO DISCIPLINAR, 2008, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: UFMG,
2008.
14
O conceito de patrimônio tem suas origens na Antiguidade Clássica, e referia-se ao direito de
propriedade em âmbito privado. Naquela época, a maioria da população romana não tinha escravos,
mas possuía patrimonium (o que pertencia ao pai, pater ou pater familias).
19
Deve-se aplicar a planificação aos agrupamentos humanos e à
urbanização, tendo em mira evitar repercussões prejudiciais ao meio
ambiente e a obtenção do máximo de benefícios sociais, econômicos e
ambientais para todos. A esse respeito, devem ser abandonados os
projetos destinados à dominação colonialista e racista. (PRINCÍPIO 15,
Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano, 1972)
Sem prejuízo dos princípios gerais que possam ser estabelecidos pela
comunidade internacional e dos critérios e níveis mínimos que deverão ser
definidos em nível nacional, em todos os casos será indispensável
considerar os sistemas de valores predominantes em cada país, e o limite
de aplicabilidade de padrões que são válidos para os países mais
avançados, mas que possam ser inadequados e de alto custo social para os
países em desenvolvimento. (PRINCÍPIO 23, Conferência das Nações
Unidas Sobre o Ambiente Humano, 1972)
Em virtude da generalidade do conceito, mutidisciplinar, a discussão acerca
do desenvolvimento sustentável após 1972 se amplia. Apesar da clareza com que o
objetivo maior, que é o desenvolvimento sustentável, se apresenta e se faz
necessário, há uma grande disputa teórica em como atingí-lo, ou seja, quais os
meios necessários para efetivar este desenvolvimento. Esta questão torna-se ainda
mais problemática quando estes meios contrariam e interferem com as experiências
vividas, de forma diferenciada, pelos diversos países do mundo.
Culturalmente falando, todas as ações criadas pelo ser humano interferem no
meio em que ele vive, transformando-o e gerando, conseqüentemente, um legado. A
questão é se essas ações serão benéficas em termos ambientais e que herança
será herdada pelas gerações futuras.
20
Há que se pensar sobre em como intervir no ambiente humano, seja ele
natural ou urbano. Acredita-se que um “compromisso intergeneracional”, discutido
pelo Relatório de Bruntland15
, seja o grande caminho a ser trilhado pelas nações de
todo o mundo a fim de que se chegue a um objetivo comum, ou seja, o da busca por
um mundo sustentavelmente possível.
No entanto, as diferenças e especificidades da história de cada país
demonstram a dificuldade de se pensar em uma solução planetária a ser aplicada a
todas as nações, inclusive quando se pensa em um mundo globalizado onde as
relações se estabelecem entre dominantes e dominados. A utilização dos recursos
naturais pelos países em desenvolvimento explicita bem esta questão quando são
veementemente criticados pelos países desenvolvidos.
Assim, questiona-se se a concretização de um novo paradigma mundial,
porquanto se torne apenas uma utopia, ficando apenas dentro das discussões
teóricas sobre o tema. No entanto, é necessário e premente que cada país tenha a
responsabilidade de assegurar ao seu povo uma vida sustentavelmente possível,
uma vez que domine e valorize sua cultura e, conseqüentemente, seu patrimônio,
seja ele material ou imaterial. A cidade seria, então, a concretização de outros
valores que não aqueles definidos por imposições externas, alheias às suas
necessidades e demandas (COSTA, 2008).
15
Apesar de não trazer novidades quanto às formulações de Estocolmo, o Relatório de Brundtland
define, oficialmente, a expressão “desenvolvimento sustentável” como sendo aquele que “atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a
suas próprias necessidades”. (COSTA, 2008, p.82)
21
5. Alain Bertaud: um método e uma análise
Urban spatial structures are shaped by market forces interacting with
regulations, primary infrastructure investments and taxes.
16
(BERTAUD,
Alain, 2004)
Alain Bertaud17
afirma que as organizações espaciais das cidades são
moldadas por forças de mercado que interagem, em maior ou menor grau, com os
instrumentos de gestão manipulados pelo planejamento urbano, quais sejam: leis do
uso do solo, investimentos em infra-estrutura primária e impostos. Considera,
portanto, a influência política de governos locais na condução de caminhos e
soluções para qualquer cidade.
A cidade é fruto de fatores interdependentes. Fatores estes que, muitas vezes
dotados de idéias antagônicas, faz preponderar soluções não planejadas do ponto
de vista estritamente técnico, mas principalmente político. Na grande maioria dos
casos, a cidade é, de fato, produto direto de decisões políticas com pouco ou
nenhum conteúdo técnico. É bem verdade que não há uma fórmula para a “cidade
perfeita”, mas é possível, por meio de objetivos pré-definidos, estabelecer soluções
e condições coerentes com a cidade que se quer implementar.
Dessa forma, Bertaud (2003) não só acredita ser a cidade o palco das
manifestações do mercado, mas também posiciona a fragmentação ou consolidação
deste segundo o direcionamento adotado para a produção de uma dada estrutura
16
Estruturas urbano-espaciais são formadas por forças de mercado que interagem com leis, infra-
estrutura básica e impostos (tradução nossa)
17
BERTAUD, Alain. The Spatial Organization of the Cities: Deliberate outcome or unforessen
consequence? Institute of Urban & Regional Development (IURD), 2004. Disponível em:
<http://repositories.cdlib.org/iurd/wps/WP-2004-01> Acesso em: 20 mar. 2009.
22
urbana. Isto quer dizer que a configuração da cidade pode contribuir ou não para a
performance da atuação do mercado, sendo, para isto, necessária a atuação do
planejador urbano como intermédio para o fim a que se destina o propósito de uma
cidade.
Bertaud (2003), entretanto, não discute, necessariamente, os fatores
favoráveis e desfavoráveis da cidade-global, ou as motivações que a levaram a
termo. Preocupa-se, principalmente, em discutir as implicações da sua estrutura
urbana na gestão da cidade e o custo das decisões que a geraram em termos de
infra-estrutura e ocupação populacional. Obviamente, as implicações sociais dentro
desta questão estão subjetivamente lançadas, quando se leva em conta os custos
para a qualidade de vida da população, produzidos por uma ou outra decisão no
planejamento urbano.
Assim, esse pesquisador elabora alguns indicadores para a análise de uma
dada estrutura urbana, quais sejam: tipo e forma das viagens diárias entre trabalho e
moradia, média de área construída dentro de uma determinada área e perfil do grau
de mudança da densidade populacional. Simplificadamente, estes três aspectos
poderiam ser adotados em qualquer realidade urbana, uma vez que facilmente
obtidos por qualquer censo demográfico, imagens satélites e plantas de uso do solo.
De posse destes dados, o planejador urbano teria condições suficientes para
direcionar o desenvolvimento de uma cidade conforme o objetivo que se quer dar
para ela.
23
 Padrões das viagens diárias entre trabalho e moradia.
Para a análise destes padrões, é de fundamental importância o conhecimento
sobre a forma da cidade. Independentemente da história da formação de
determinada estrutura urbana, é possível discernir o centro de serviços e negócios,
região na qual é concentrada a maioria das atividades que definem a economia que
move o desenvolvimento de uma cidade.
Assim, dependendo da localização do CBD (Central Business District), as
cidades podem ser classificadas em monocêntricas ou policêntricas. De certa forma,
pode-se dizer que toda cidade surgiu de uma estrutura monocêntrica, ao redor de
uma atividade econômica predominante, e que a partir daí se dissolveu em
estruturas menores, constituindo novos aglomerados edificados mais ou menos
densos em relação ao centro primariamente constituído. Estes novos aglomerados,
por sua vez, podem constituir-se em novos pontos de referência, formando novas
centralidades dispersas. Em alguns casos, é possível perceber, neste processo, o
deslocamento do grau de importância do antigo centro para uma nova área que
abrigue novas atividades econômicas, e, portanto, novas oportunidades de emprego
e renda.
Dessa forma, entende-se que nenhuma cidade é totalmente monocêntrica ou
policêntrica; isto é, entende-se que uma cidade dita monocêntrica seja
predominantemente monocêntrica, e que a cidade dita policêntrica seja
predominantemente policêntrica. Há casos, no entanto, onde ambas as definições
estejam coexistindo em um mesmo grau de intensidade e importância.
24
O período de passagem de uma cidade monocêntrica a uma cidade
policêntrica pode ser acelerado ou não conforme as intervenções e facilidades
oferecidas para tal. Alguns fatores que contribuem para acelerar este processo são:
baixo custo dos terrenos em áreas mais afastadas do centro original, condições
topográficas mais planas, ruas mais largas para melhor acessibilidade de veículos
privados, os quais cada vez mais valorizados, e baixo nível de conforto que
geralmente advém de áreas densamente ocupadas.
Condições opostas podem, no entanto, retardar este processo: investimentos
maciços em redes viárias para interligação destas áreas, eficiente transporte público
nas áreas centrais, centros com níveis de conforto preservados, e topografia
acidentada do entorno.
Depreende-se daí que uma cidade monocêntrica pode conseguir manter a
primazia do mercado de trabalho dentro de uma estrutura urbana, desde que a
acessibilidade ao CBD seja fomentado por meio de um transporte público integrado
e coeso, que possibilite a fácil e rápida movimentação de qualquer ponto da cidade a
ele. Neste caso, o valor dos terrenos próximos a este centro tendem a aumentar,
gerando uma movimentação da população em direção à periferia, ou seja, ao
entorno. A densidade decrescente (density sloped) é encarada por Bertaud (2003)
como mais um indicador na análise dos planejadores urbanos quando no processo
de avaliação da cidade.
Na verdade, há uma falsa crença de que as cidades policêntricas permitem o
desenvolvimento auto-sustentável de núcleos espalhados em uma rede de
pequenos centros (urban villages), os quais, suficientemente agregados em
determinada quantidade, constituiriam uma metrópole. Idealmente, toda a população
25
poderia se abster do veículo particular para se movimentar a pé ou de bicicleta,
dadas as pequenas distâncias a serem percorridas.
Este modelo, ideologicamente perfeito, é defendido por muitos planejadores
urbanos. Rogers18
(2000), apesar de abertamente acreditar nas forças de mercado
inerentes na produção do espaço urbano, configura-se hoje como um dos maiores
defensores da cidade policêntrica. Para ele, a “cidade compacta” requer o mínimo
uso do automóvel particular em detrimento de transportes públicos com baixas
emissões de gases nocivos e valorização da bicicleta como meio de locomoção
entre pontos relativamente justos, o que promoveria a integração entre os locais de
moradia, trabalho e lazer.
La creación de la moderna ciudad compacta requiere la superación de um
urbanismo de función única y del predomínio del automóvil. La cuestión es
cómo proyetar ciudades em que las comunidades aumenten y favorezcan
su movilidad, cómo satisfacer las necesidades de movilidad personal sin
que el coche avasalle nuestra vida comunitária, cómo acelerar la
implantación de sistemas de transportes ecológicos y equilibrar la utilización
de los espacios públicos en favor del peatón y de la vida comunitária.
19
(ROGERS, 2000, p.40)
A idéia defendida por Rogers (2000), é sem dúvida, um modelo coerente com
as prerrogativas preconizadas por uma cidade sustentável. Sua viabilidade, no
entanto, parece carecer de bases suficientemente fortes para que fosse
efetivamente executada, uma vez que supõe ser a cidade um fator decisivo para
mudanças de comportamento e ideais de uma sociedade, e não o contrário. De fato,
18
ROGERS, Richard. Ciudades para un pequeño planeta. Barcelona: Gustavo Gili, S.A, 2000.
19
A criação da moderna cidade compacta requer a superação de um urbanismo que privilegia o
automóvel particular. A questão é como projetar cidades em que a mobilidade das pessoas cresça
em importância e seja favorecida, em como satisfazer as necessidades de mobilidade pessoal sem
que o carro obstrua a vida em sociedade, em como acelerar a implantação de sistemas de transporte
ecológicos e em como equilibrar a utilização dos espaços públicos em favor do pedestre e da
sociedade. (ROGERS, 2000, tradução nossa)
26
as mudanças de paradigmas necessárias para uma cidade de todos e para todos
serão fruto, primeiro, de mudanças nas formas coletivas de pensamento.
A figura 1 ilustra o modelo preconizado por Rogers, defendido em projeto
elaborado para a área de Lu Zia Sui, no centro da cidade de Shangai:
Figura 1 – Cidade Policêntrica de Richard Rogers (adaptado de ROGERS, 2000, p.47)
27
Para Bertaud (2003), este modelo de cidade parece constituir um paradoxo.
Ele acredita que estes pequenos centros auto-suficientes contradizem a “única
explicação válida” para o contínuo crescimento das áreas metropolitanas, baseado
em uma crescente integração dos mercados, como já mencionado. A auto-
suficiência destes centros constituiria mesmo a fragmentação dos mercados hoje
interdependentes.
Entende-se, pois, que o padrão das viagens diárias percorridas por uma
determinada população depende diretamente da localização do maior índice de
oferta de empregos. Dessa forma, na cidade policêntrica, fica claro que estas
viagens parecem aleatórias e mais longas do que nas cidades monocêntricas.
Segundo estudos de Bertaud (2003), a concentração pontual no centro da cidade
permite viagens menores e mais rápidas para qualquer outro ponto da cidade
(Figura 2).
28
Figura 2 – Representação esquemática de viagens padrão dentro em diferentes estruturas
urbanas (BERTAUD, 2003, p.8)
29
 Consumo da Terra ou Densidade Populacional.
O consumo da terra (área de terra por pessoa) é calculado, via de regra, pelo
seu inverso, ou seja, calcula-se a densidade populacional (número de pessoas por
unidade de terra) dentro de uma área legalmente delimitada. Os limites impostos por
critérios administrativos, no entanto, podem não corresponder ao que se entende por
área urbana, uma vez que os padrões de consumo hoje adotados nas áreas rurais
poderiam caracterizá-las como urbanas.
Para as análises de Bertaud (2003), no entanto, foram consideradas aquelas
áreas construídas para efetiva utilização urbana. Não seria possível definir, no
escopo deste trabalho, o que seria exatamente a definição desta área, mas sabe-se
que, para efeito de suas análises, ele não incluiu áreas ociosas, áreas de proteção
ambiental e cursos d`água para a determinação da densidade populacional.
Assim, não são consideradas, neste cálculo, as áreas abertas com mais de
quatro hectares de comprimento, terras agrícolas, ou áreas apresentadas em seu
estado natural, bem como aeroportos e rodovias não adjacentes à área urbana em
questão.
A partir destas considerações, Bertaud (2003) efetuou uma pesquisa entre 49
cidades ao redor do mundo, com o intuito de comparar a densidade populacional de
cada uma delas. O resultado, demonstrado no Gráfico 1, permite inferir duas
questões. A primeira delas é que cidades muito densas não têm correlação direta
com o tamanho, e nem tampouco com a renda média da população de cada cidade
estudada. A segunda é que existe uma forte relação da densidade populacional com
30
a posição e o grau de importância econômica de uma determinada cidade no
continente em que se está inserido.
Isto quer dizer que fatores culturais influenciam nos níveis de densidade da
população, fazendo com que ela oscile para mais ou menos densa conforme sua
suscetibilidade às forças de mercado atuantes naquela região ou país.
Gráfico 1 – Comparação média da densidade populacional em áreas construídas em 49 áreas
metropolitanas (BERTAUD, 2003, p.9)
Dentre as cidades que compõe a amostra estudada, Brasília aparece como a
segunda cidade menos densa da América Latina, ficando atrás apenas de Curitiba.
A Cidade do México e Rio de Janeiro apresentam-se como as mais densas da
31
América Latina, apesar de estarem posicionadas em uma média mundial
aproximada de 95 pessoas/ hectare.
 Perfil da Densidade.
Por meio de mapas e censos demográficos é possível traçar um perfil mais o
menos fiel da densidade populacional de uma determinada área. A importância
deste dado tem relação com a detecção do tipo, quantidade e forma das viagens
diárias percorridas pela população da cidade que se ter como objeto de estudo.
Portanto, é importante considerar, nesta avaliação, a localização desta população no
período entre meia-noite e seis horas da manhã, período em que se pressupõe
considerar as pessoas em casa e não no trabalho (BERTAUD, 2003).
Desta forma, pode-se determinar os pontos de partida e chegada das viagens
diárias, ou seja, a movimentação das pessoas no deslocamento de suas casas para
o trabalho e vice-versa. O estudo de Bertaud (2003), disposto no Gráfico 2,
contemplou diversas cidades distribuídas ao redor do mundo, e confirma que as
maiores densidades populacionais estão localizadas nas áreas próximas ao CBD,
onde está concentrada maior oferta de empregos.
Na maioria das cidades monocêntricas, fica claro que as concentrações
populacionais ao redor do CBD são ainda mais intensas do que naquelas
policêntricas, onde a distribuição populacional tende a ser mais igualitária e
distribuída nos espaços dispersos na periferia do centro.
32
Gráfico 2 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades descrescentes)
(BERTAUD, 2003, p.11)
Em um primeiro momento, é possível imaginar que cidades com distribuição
populacional constante são mais qualificadas do que àquelas que possuem
33
distribuição populacional com grandes diferenças numéricas. No entanto, não há
pesquisa ou documento científico que comprove esta informação. De concreto,
pode-se concluir que cidades com densidades decrescentes, ou seja, aquelas que
possuem densidades maiores conforme proximidade com CBD possuem alguns
benefícios de infra-estrutura e transporte que não são possíveis nas cidades com
densidades crescentes, as quais possuem densidades menores conforme se
afastam do CBD.
A comparação entre três cidades com densidades crescentes, Brasília,
Moscou e Joanensburgo, demonstra claramente a distribuição populacional em
relação aos seus centros. É de se esperar que os custos com transporte e
deslocamento entre os diversos pontos dessas cidades são maiores do que àquelas
que possuem densidade decrescente, uma vez que os caminhos a serem
percorridos diariamente são mais longos. (Gráfico 3)
Independentemente da história de cada uma destas cidades, Bertaud (2003)
acredita que a similaridade entre suas configurações urbanas se deve ao fato de que
o mercado esteve ausente por um longo período em todas elas. “Whether the
interruption was caused by Marxist ideology in Moscow, by a morbid cult of design in
Brasília or by Apartheid in Johannesburg, is irrelevant, the spatial outcome is similar”.
20
De fato, o processo de formação da cidade de Brasília foi controlado por
forças estritamente políticas ao longo dos anos, atuando no exercício de práticas
20
Se a interrupção foi causada pela ideologia marxista em Moscou, pelo lânguido culto ao desenho
em Brasília ou pelo Apartheid em Johanensburgo, isto é irrelevante, o resultado espacial é o mesmo.
(BERTAUD, Alain, 2003, tradução nossa)
34
abomináveis para a exclusão da população de menor renda, gerando bolsões de
pobreza no entorno, enquanto as áreas centrais eram valorizadas. Para melhor
entender este processo, faz-se necessário discutir as origens dos fatos que levaram
Brasília à categoria de segunda cidade mais dispersa do mundo.
Gráfico 3 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades crescentes) (BERTAUD,
2003, p.12)
35
6. Brasília: Uma Breve História
Brasília foi um grandioso gesto ideológico em dois sentidos: procurava
reproduzir a imagem do Estado como uma instituição neutra acima das
classes sociais por meio de um discurso nacionalista e, ao mesmo tempo,
reafirmava o Estado brasileiro como algo completamente autônomo,
merecendo, portanto, um espaço próprio. (HOLANDA, 2002, p.294)
Holanda21
(2002) considera apenas duas grandes fases na formação do
espaço brasileiro: a primeira iria até as primeiras décadas do século XX, tempos no
qual predominava o cenário rural e a economia gerava em torno da exportação
agrícola; a segunda é definida pela transição deste cenário à industrialização do país
até os dias atuais.
É importante lembrar que, mesmo à época da chegada dos portugueses ao
Brasil, o país já traduzia, e com claros interesses lucrativos, uma sociedade cuja
economia se voltava “para fora”. Engano concluir que os senhores da terra,
produtores de matérias primas para exportação, possuíam algum poder sobre os
interesses do Estado português, cuja preponderância política se firmava por meio
das autoridades municipais e judiciárias aqui estabelecidas, e que nada mais eram
do que a própria extensão de Portugal.
Apesar da abolição da escravatura, e da incipiente industrialização decorrente
da crise do setor cafeeiro em 1850, quando nasce uma burguesia urbana e um
incipiente proletariado, as relações sociais até então estabelecidas permanecerão
mais ou menos constantes até a década de 1930. A partir daí, a ideologia política de
“integração nacional” começou a se manifestar, de forma tímida, em abertura de
21
HOLANDA, Frederico de. O Espaço de Exceção. Brasília: UnB, 2002.
36
estradas que partiam da Região Sudeste, a fim de romper com a estrutura histórica
do espaço herdado dos tempos coloniais. (HOLANDA, 2002)
No entanto, a ruptura somente ocorreria de fato em 1950, com a ascensão de
Kubitschek à presidência do país. A “ruptura com o passado” ocorreria em função do
“desenvolvimento nacional”, fomentando, na população brasileira, um forte
sentimento de mudança, inclusive de suas posições sociais e condições de vida. A
mudança da capital do Rio de Janeiro para o interior do país tinha forte imposição
ideológica, uma vez que o Estado da Guanabara representava o Brasil português.
Além disso, a nacionalização do mercado, notadamente concentrado na
Região Sudeste, pela sua história e localização privilegiadas para o escoamento dos
produtos de exportação, demandava investimentos para a integração do país, com
aberturas de rodovias para escoamento da produção interna. Segundo Holanda:
Brasília funcionou ideologicamente como um gesto compensatório: negava
a concentração de poder no Sudeste, por meio da construção da própria
sede do poder nacional num lugar “neutro” - o centro geográfico do país -, a
quase trezentos quilômetros de qualquer centro econômico de alguma
importância. (HOLANDA, 2002, p.293)
Assim nasceu Brasília. Logicamente, outros fatores contribuíram para o seu
surgimento. No entanto, interessa saber que a história da sua formação, bem como
os propósitos políticos implícitos nela, é fator preponderante para o entendimento da
sua estrutura espacial. A cidade é hoje testemunha concreta da política habitacional
adotada para a cidade durante todo o seu processo de desenvolvimento, cujas
conseqüências são percebidas e sentidas por todo e qualquer brasiliense atento às
suas condições de vida atuais.
37
De fato, atualmente existe um expressivo número de pessoas morando em
núcleos urbanos na periferia de Brasília, muitos deles criados por uma política de
erradicação de favelas, ou “invasões”, que se deu ao longo de todo o processo de
sua formação. A mais visível conseqüência desta política se traduz nas grandes
distâncias a serem percorridas, diariamente, por esta população, a qual possui sua
situação agravada pelas altas tarifas do transporte público.
Assim, é possível detectar, ao longo da existência de Brasília, momentos e
ações governamentais que contribuíram, facilitaram ou mesmo direcionaram seus
esforços para uma política de exclusão social, que culmina hoje com a problemática
da dispersão urbana no Distrito Federal. Consoante com a idéia de Bertaud (2003)
sobre os agentes formadores do espaço urbano, Gouvêa22
(1995, p.21) evidencia as
relações entre Estado-Capital-Força de Trabalho, onde o “Estado, dependendo do
momento político, mostra-se cúmplice de uma ou de outra classe”.
Este fato é comprovado em muitos casos na história não só do Brasil, mas do
mundo. Talvez um dos exemplos mais claros deste tipo de atuação governamental
pode ser identificada na política haussmaniana de “limpeza urbana”. Muito mais do
que apenas visibilidade política frente aos franceses, Luís Napoleão conferiu
especial interesse às obras públicas, em particular nas transformações urbanas
propostas por Haussman, que propunha grandes boulevards retilíneos, com os quais
seria possível deter as barricadas populares, até então constantes pela facilidade
estratégica fornecida pelas estreitas ruas medievais. O espaço urbano é, pois, objeto
da ação direta, ou indireta, do Estado.
22
GOUVÊA, Luiz Alberto de C. Brasília: A Capital da Segregação e do Controle Social: Uma
avaliação da ação governamental na área de habitação. São Paulo: ANNABLUME, 1995.
38
No caso de Brasília, a política habitacional adotada em todo o período de
formação da cidade configura-se como um instrumento de gestão do Estado para
manipular e organizar o espaço urbano para os interesses de uma elite política.
Apesar da maior parte da bibliografia sobre a construção de Brasília pregar
um clima de igualdade de fraternidade entre candangos (trabalhadores vindos de
diversas partes do Brasil exclusivamente para a construção da cidade), técnicos,
servidores públicos e políticos, a verdade é que existia uma clara distinção entre
estes agentes, ainda à época do início da construção da cidade, facilmente
percebida pela simples comparação entre as condições de moradia de cada um
deles.
Para os candangos, a proximidade da casa com o trabalho não significava,
necessariamente, índice de qualidade de vida, mas sim condição favorável ao
controle da polícia local, que por vezes usou a força para manter o sistema de
“viradas”, que além de levar o trabalhador à exaustão total, fazia com que,
quantitativamente, o número de acidentes nas obras dobrasse. De fato, a exclusão
social no Distrito Federal se tornaria mais evidente ao longo da sua formação, por
meio de uma política habitacional altamente excludente, iniciando-se por meio de
erradicação de favelas das áreas centrais para a periferia. (Figura 3)
39
Figura 3 – Governador em visita à Comissão de Erradicação de Favelas (Arquivo Público do
Distrito Federal)
Esta política de erradicação de favelas inicia, assim, um processo longo e
duradouro de segregação social, constituindo mesmo em processo inverso daquele
que se queria acreditar ou pressupor. O socialismo implícito em suas linhas
cuidadosamente desenhadas jamais poderia deter ou contornar questões
sociologicamente premeditadas. Como já dito, Brasília era o progresso, o novo
Brasil, ideologicamente criada com a idéia precípua de negar e substituir toda uma
história de dependência externa. Hoje se sabe que esta dependência nunca deixou
de existir, mas se apresenta de outras formas, menos óbvias.
Apesar do Núcleo Bandeirante, não previsto no Plano Original, ter sido o
exemplo mais representativo de resistência popular que se tem notícia, o caso de
erradicação mais dramático e impactante é a dissolução da Vila do Iapi. Composta
de doze mil barracos e uma população de oitenta e duas mil pessoas, esta vila foi
sumariamente demolida, e seus moradores removidos para uma área 30 quilômetros
40
distante do Plano Piloto, hoje a cidade de Ceilândia, cuja origem do nome vem de
Campanha de Erradicação de Invasões (C.E.I). (Figura 4)
Nesta época, a área não possuía qualquer tipo de infra-estrutura urbana, mas
o argumento do governo para a erradicação da vila foi sumariamente creditado, uma
vez que elaborou “laudos técnicos” que justificassem o perigo que ela gerava aos
córregos mais próximos. (GOUVÊA, 1995)
Figura 4 – Distância a ser percorrida de Ceilândia para o Plano Piloto em 1971 (Arquivo Público
do Distrito Federal)
Segundo Gouvêa (1995), é curioso notar que o próprio governo reconhecia
qualidades urbanísticas na Vila do Iapi, como consta nos relatórios do Plano de
Erradicação de Favelas: “ruas bem traçadas, lotes cercados em alguns setores um
processo espontâneo de fixação, uma verdadeira comunidade de vivência e
serviço”. (Figura 5)
41
Figura 5 – Vista área da Vila do Iapi (Arquivo Público do Distrito Federal)
Para se ter uma idéia do que representou a campanha de erradicação de
invasões (C.E.I) para a população do DF, somente entre 1970 e 1976, foram
erradicadas aproximadamente 118.453 pessoas de favelas e áreas do Plano Piloto,
as quais foram relocadas para 43.985 novos lotes do entorno. Nesta época,
restaram apenas 3.456 famílias morando em favelas. Essa “limpeza social”, no
entanto, não foi suficiente para preservar o Plano Piloto de novos surtos migratórios,
fazendo com que o crescimento demográfico passasse de 9,7% em 1976 para
36,1% em 1977. (GOUVÊA, 1995)
A regulação da terra começa a tomar rumos efetivamente excludentes quando
a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), criada para substituir a até então a
Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), passa a deter 57%
das terras públicas do Distrito Federal, com a função de gerir estas terras e controlar
42
seus usos. O poder decisório desta empresa, pública, conferiu à população de
média e alta renda privilégios para a compra de terrenos centrais, próximos à
Esplanada dos Ministérios, enquanto as possibilidades de compra do entorno
atendiam à população de baixa renda.
O caráter privado com que se revestia a Terracap deixa claro as prerrogativas
exclusivas de controle da terra:
Como é o Estado em Brasília, o agente que detém o controle da oferta
destas terras e destina a sua ocupação por meio de um plano urbanístico,
onde os padrões desta ocupação estão previamente especificados, ele
controlará o momento de transformação do uso do solo, realizando desta
maneira os lucros provenientes das rendas fundiárias, constituindo-se num
agente que acumula diretamente o capital imobiliário no processo de
expansão urbana. (CAMPOS, 1988 apud GOUVÊA, 1995, p.76)
Em termos práticos, isto quer dizer que o controle da terra pela Terracap
possibilitou a condição para valorização de determinados terrenos pré-
estabelecidos, majoritariamente próximos ao centro do poder federativo, por meio da
adoção de diferentes formas de venda ou mesmo por meio da doação de imóveis;
ou seja, nas áreas que se pretendia de melhor valor, aplicava-se o regime de
licitação pública com valores de mercado além daqueles que o cidadão de menor
renda jamais poderia pagar. Nas áreas mais afastadas aplicaram-se os regimes de
regularização de terras invadidas, com cessão de direitos, e doação, regimes
atraentes para aqueles que não podiam comprar um imóvel.
Assim, durante a década de 1970, já havia, na periferia do DF, inúmeros
núcleos urbanos, todos economicamente dependentes do Plano Piloto, que por sua
vez abrigava essencialmente servidores públicos federais e distritais. Levando-se
43
em conta os conceitos elencados por Bertaud (2003), inicia-se, então, a formação de
uma configuração urbana que se pode denominar monocêntrica com densidade
crescente. O Plano Piloto passa a abrigar grande parte dos empregos ofertados no
Distrito Federal, enquanto a periferia recebe um contingente cada vez maior de sua
população total. Pode-se dizer que já se inicia aí o fenômeno denominado
“dispersão urbana”.
44
7. Dispersão Urbana no Distrito Federal
“O processo de produção e a estrutura resultante do espaço urbano
refletem a cultura que o produz e organiza. Entretanto, este é apenas um
olhar possível: uma vez pronto, o espaço urbano transforma-se, mais ou
menos, em inteligível e apropriável, segundo os interesses e as
possibilidades de cada indivíduo ou grupo de indivíduos.” (RIBEIRO, 2008,
p.26)
Diante da particularidade histórica de Brasília, é possível traçar, juntamente
com a referência teórica de Bertaud (2003), a performance da cidade no que diz
respeito à qualidade de vida de grande parte de sua população, levando-se em
conta a busca por uma cidade sustentável. Em uma definição simplificada, entende-
se por cidade sustentável aquela que, grosso modo, oferece condições de vida
iguais para todos. Subentende-se aqui não somente o acesso à infra-estrutura
básica, mas também o acesso a um ambiente propício ao gozo de direitos humanos
fundamentais e à qualidade de vida.
Para efeito deste trabalho, entende-se “qualidade de vida” como as condições
propostas por Nahas23
(2002) com o intuito de se buscar cidadania, justiça,
segurança e representação política. Para isto, são consideradas cinco dimensões,
que, conjuntamente analisadas, gera uma metodologia de pesquisa baseada no
Índice de Vulnerabilidade Social24
(IVS). Estas dimensões são assim definidas:
- DIMENSÃO AMBIENTAL: acesso a uma moradia com qualidade, do ponto
de vista da densidade do domicílio, da qualidade da edificação e da infra-
estrutura urbana disponível.
23
NAHAS, 2000 apud RIBEIRO, 2008, p.44-45.
24
Este índice varia de 0 a 1, sendo o maior valor (1) corresponde à pior situação, e o menor valor (0)
corresponde à melhor situação. Os resultados são obtidos através de médias ponderadas de todas as
dimensões consideradas como garantias na busca da qualidade de vida.
45
- DIMENSÃO CULTURAL: acesso à educação formal que permita inserção
em processos políticos, sociais e econômicos de caráter mais globais.
- DIMENSÃO ECONÔMICA: acesso à ocupação, preferencialmente formal,
e a um nível de renda.
- DIMENSÃO JURÍDICA: acesso à assistência jurídica de qualidade, aqui
considerada como sendo a assistência privada.
- DIMENSÃO SEGURANÇA DE SOBREVIVÊNCIA: acesso a serviços de
saúde, garantia de segurança alimentar e acesso aos benefícios da
previdência social. (RIBEIRO, 2008, p.44)
Nesse sentido, acredita-se que a dispersão urbana no DF apresenta-se como
um dos entraves mais consideráveis para se atingir uma cidade mais justa e
igualitária, que ofereça efetivamente qualidade de vida para sua população, uma vez
que o espraiamento físico advindo de sua história subentende uma desigualdade
não só de renda, mas principalmente, social.
Segundo Ribeiro (2008), “a análise urbana deve considerar a cidade como um
sistema”25
, ou seja, como um conjunto no qual as partes se interagem e se
modificam. A análise parcial não permite avaliar comparativamente os diversos
núcleos urbanos, implicando, portanto, em análise superficial. Para o estudo da
dispersão urbana é fundamental considerar o comportamento espacial da
população, sua distribuição e configuração como um todo.
Para isto, foi necessário definir, dentro dos limites do DF, grupos
demográficos representativos de uma determinada área, a fim de compactar e
simplificar esta pesquisa, visto que este trabalho não objetivou estudar as
25
RIBEIRO, R.J.C. Índice Composto de Qualidade de Vida Urbana – Aspectos de Configuração
Espacial, Socioeconômicos e Ambientais Urbanos. Brasília: UnB, 2008.
46
particularidades de cada uma das cidades que compõem o entorno do DF, mas sim
verificar como este entorno se relaciona com o Plano Piloto, centro de serviços e
empregos.
Para critério de análise dessa dispersão, adotou-se como base um índice
fornecido por Bertaud (2003), qual seja: o padrão de viagens diárias adotadas pela
população local, levando em conta os pontos de partida e chegada dos locais de
moradia para o trabalho e vice-versa. Uma vez que contínuo e repetitivo, entende-se
que este movimento, pendular, forneça números significativos e aproximados de
uma realidade hoje existente.
Vale salientar ainda que, contrariamente ao que foi previsto pelo Plano
Urbanístico de Lúcio Costa, que previa 8 Cidades-Satélites ao redor do Plano Piloto,
atualmente o Distrito Federal é composto por 29 Regiões Administrativas (RAs), as
quais possuem prerrogativas legais para elaboração de seus próprios Planos de
Desenvolvimento Locais, além de independência administrativa em relação ao Plano
Piloto. Dentre as 29 RAs existentes (Figura 6), apenas 19 são contempladas para
efeito deste trabalho, uma vez que somente estas possuem poligonal definida. O
restante das RAs possui apenas lei de formação, estando locadas sem limites
definidos dentro deste conjunto.
47
Figura 6 – Localização espacial das Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal e suas
respectivas distâncias em relação à Brasília - Esplanada dos Ministérios. (adaptado de
http://www.geocities.com/augusto_areal/ra_big.jpg)
48
Outra observação pertinente ao entendimento dos dados aqui apresentados
diz respeito à divisão que se faz entre “Brasília” e “Distrito Federal”. O Distrito
Federal engloba todas as RAs, excetuando-se o Plano Piloto (RA I), o Lago Sul (RA
XVI) e o Lago Norte (RA XVIII), os quais, em conjunto, compõe atualmente a cidade
de Brasília, que representa o conjunto das RAs com maior concentração de renda
do DF.
Diante das bases de pesquisa apresentadas, é necessário fazer algumas
observações acerca das informações obtidas como fonte para este trabalho. A
primeira delas diz respeito à divisão por grupos representativos de uma determinada
área, a qual teve a colaboração do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudo Socioeconômicos (DIEESE), que considerou como parte de um mesmo
grupo parcelas da população com rendas similares.
O problema aqui reside no fato de que a classificação por renda não
constitui, necessariamente, parâmetro para análise da qualidade de vida de uma
população. Esta variável demanda estudos mais profundos para o seu pleno
entendimento, e não será possível tratá-la de forma abrangente. Assim, pretende-se
avaliar somente parte desta variável, uma vez que o custo social gerado pela
dispersão urbana influencia na relação do ser humano com seu entorno, e
conseqüentemente, com a cidade.
Portanto, a classificação por grupos feita pelo DIEESE não permite concluir
sobre a totalidade das condições de sustentabilidade da população considerada,
mas sim uma análise parcial das condições de vida de um conjunto de pessoas
pertencente a um mesmo grupo, por meio do deslocamento diário desta população.
Os grupos são assim definidos:
49
- Grupo 1: Grupo de Regiões Administrativas de renda mais alta (Brasília26
,
Lago Sul e Lago Norte);
- Grupo 2: Grupo de Regiões Administrativas de renda intermediária (Gama,
Taguatinga, Sobradinho, Planaltina, Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro,
Candangolândia e Riacho Fundo);
- Grupo 3: Grupo de Regiões Administrativas de renda mais baixa
(Brazlândia, Ceilândia, Samambaia, Paranoá, São Sebastião, Santa Maria e
Recanto das Emas).
Por meio do Gráfico 4 fica claro que existem grandes disparidades de renda
entre as cidades do DF, e que, para simplificação da pesquisa, não foram
consideradas. Tomando-se como referência as cidades de Taguatinga e Planaltina,
é possível perceber grande diferença de renda entre essas duas cidades. Enquanto
a renda domiciliar mensal da primeira gira em torno de 9,6 salários mínimos, a
segunda apresenta um valor de 3,2.
26
Aqui, entende-se Brasília como Plano Piloto (Asa Sul e Asa Norte)
50
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Brasília
Gama
Taguatinga
Brazlândia
Sobradinho
Planaltina
Paranoá
NúcleoBandeirante
Ceilândia
Guará
Cruzeiro
Samambaia
SantaMaria
SãoSebastião
RecantodasEmas
LagoSul
RiachoFundo
LagoNorte
Candangolândia
ÁguasClaras
RiachoFundoII
Sudoeste/Octogonal
Varjão
ParkWay
SCIA(Estrutural)
SobradinhoII
Itapoã
Regiões Administrativas
Renda(SM)
Gráfico 4 – Renda domiciliar per capita mensal segundo as Regiões Administrativas (RAs)
(CODEPLAN, 2006)
Isto quer dizer que a divisão por grupos ora apresentada permite gerar
distorções nas análises que se seguem pela generalização e simplificação dos
dados fornecidos.
Outra generalização feita no levantamento dos grupos diz respeito à
localização das cidades consideradas em um mesmo grupo. Uma vez que a análise
da dispersão leva em consideração o tempo gasto entre o local de moradia e
trabalho, o local de partida sofre alterações significativas em relação ao centro de
serviços e empregos, o Plano Piloto. Gama e Planaltina, por exemplo, são cidades
que se encontram fisicamente opostas, mas, contraditoriamente, pertencem a um
mesmo grupo (Grupo 2).
51
Idealmente, deveria se trabalhar com dados referentes a cada uma das
cidades, tomando como ponto de partida seus centros demográficos, ou seja, as
áreas de maior concentração populacional de cada uma das cidades consideradas.
Dessa forma, seria possível avaliar as relações intra e inter-urbanas existentes
dentro do DF, possibilitando, inclusive, concluir sobre qual das cidades do entorno
possui pior ou melhor índice de dispersão urbana em relação ao Centro de Comércio
e Serviços (CCS27
) do DF.
Para a análise de dados desta pesquisa, entretanto, foram adotados os
centros demográficos de maior peso dentre as cidades pertencentes a um mesmo
grupo, ou seja, a área de maior atração populacional dentre todas constituintes de
um grupo. A figura 6 demonstra, por meio de distintos pontos vermelhos, o centro
demográfico considerado para cada um dos três grupos propostos pelo DIEESE,
assim divididos:
27
CCS (Centro de Comércio e Serviços ) = CBD (Central Business District)
52
Figura 7 – Distribuição espacial dos agrupamentos definidos pelo DIEESE e seus respectivos
CDBs.
53
- Grupo 1: CDB corresponde à Esplanada dos Ministérios;
- Grupo 2: CDB corresponde ao Pistão Sul (Avenida EPCT), Taguatinga;
- Grupo 3 : CDB corresponde à Avenida Hélio Prates, centro de Ceilândia.
No caso do grupo 3, o centro de Ceilândia configura-se como a região de
maior concentração de empregos dentre todas as cidades constituintes deste grupo,
assim como ocorre com Taguatinga no grupo 2 e Esplanada dos Ministérios no
grupo 1. Ceilândia e Taguatinga são as cidades que possuem o comércio mais
expressivo, o qual contribui em termos médios com 3,7% do Produto Interno Bruto
(PIB) do DF (CODEPLAN, 2006).
Em virtude do Distrito Federal não ter se desenvolvido nas atividades do setor
primário (agropecuária e extrativismo), sua atividade econômica se baseia
principalmente pelas funções institucional-administrativas, localizadas de forma
preponderante no Grupo 1. Importante saber que a atividade econômica da
população do DF está dividida em prestação de serviços (55,8%), administrações
federal e distrital (19,3%), comércio (16,9%), e indústria (7,1%). As atividades
agropecuárias não chegam a contabilizar 1% (Gráfico 5).
54
0
100
200
300
400
500
600
Industria de
Transformação
Construção Civil Comércio Serviços Administração Pública Outros(1)
Setor de Atividades
Ocupados(emmil)
Gráfico 5 – Perfil ocupacional da população ocupada segundo os setores de atividades.
(CODEPLAN, 2006)
Visto os problemas inerentes aos dados utilizados, em um primeiro momento
talvez fosse possível concluir que o Distrito Federal possui uma configuração urbana
policêntrica do ponto de vista de sua organização espacial, uma vez que podem ser
considerados outros pontos de atração populacional. Entretanto, faz-se necessário
enfatizar a diferença entre cidade dispersa e cidade descentralizada, as quais
possuem conceitos completamente diversos.
A cidade descentralizada é uma cidade policêntrica; a cidade dispersa não. A
diferença entre uma e outra está basicamente no fato de na primeira existir, além do
CCS, outros pólos de serviços e empregos, com diferentes pesos de atração. Na
segunda, existe apenas um CCS com peso suficiente para concentrar grande parte
55
das oportunidades de emprego, o qual atende a maioria da população localizada de
forma dispersa e irracional.
Este é o caso do DF. O grupo 1 possui maior influência para a análise da
dispersão, uma vez que detém mais de 190 mil ocupados trabalhando na
Administração Pública. Isto significa que a Esplanada dos Ministérios, centro do
poder administrativo federal e distrital, recebe um contingente populacional maior do
que os CCS dos grupos 2 e 3, ou seja, as viagens diárias percorridas pela
população do DF acontece de sua periferia para o seu interior.
Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal
(CODEPLAN), em 2004, Brasília (Grupo 1) contava com apenas 11% do total da
população do DF, sendo que 74% da população economicamente ativa,
representada pelos Grupos 2 e 3 , trabalhava no Grupo 1.
Em termos práticos, isto significa que 74% da população do DF deveria se
deslocar, aproximadamente, 20 quilômetros de suas moradias para os locais de
trabalho diariamente. Em 1992 a situação desta migração diária já ocorria, porém
com um contingente de 64%, menor do que no ano de 2004. Em 2008, essa parcela
subiu para 79%. Isto significa que o número de pessoas que moram no entorno
(Grupos 2 e 3) e trabalham no Grupo 1 vem aumentando nos últimos 16 anos
(Quadro 1)
Em números relativos, é possível inferir, ainda, que a população residente no
Grupo 2 possui uma maior dependência do CCS do Grupo 1 do que o Grupo 3. A
parcela de moradores do Grupo 2 que trabalha no Grupo 1 é maior do que os
56
moradores do Grupo 3, independentemente da densidade populacional de cada um
dos grupos.
É possível perceber ainda que, entre 1992 e 2008, os moradores do Grupo 1
que trabalham neste mesmo grupo diminuiu ao longo deste anos. Com os dados
disponíveis para esta pesquisa, não seria possível o entendimento dos motivos
pelos quais isto ocorreu, visto que os CCS dos Grupos 2 e 3 não receberam
contribuição desta população em seus postos de trabalho. Uma suposição para a
interpretação deste fato seria o incremento de atividades autônomas e informais na
população do Grupo 1, as quais não foram computadas na avaliação de atividades
econômicas da CODEPLAN. No entanto, para a verificação desta suposição seria
necessário estudo mais específico, cuja abordagem não é o foco deste trabalho.
Fica claro que a população de maior renda possui condições de
acessibilidade mais privilegiadas do que àquela com menor renda. Isto porque as
distâncias percorridas entre os seus locais de moradia e trabalho são menores e,
portanto, mais próximas, o que demanda custos operacionais mais baixos.
Paradoxalmente, a população de menor renda deve percorrer caminhos mais longos
entre seus locais de moradia e trabalho, absorvendo não somente o custo
operacional, mas também o custo incidente sobre sua qualidade de vida.
57
Quadro 1 – Distribuição das pessoas ocupadas segundo o local onde trabalha
28
.
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE, 2009)
Ano Local onde Trabalha
Local onde Mora - Grupos de Regiões
Administrativas
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Total
1992
Grupo 1 35,0 39,0 25,0 100,0
Grupo 2 3,0 75,0 23,0 100,0
Grupo 3 (D) 13,0 87,0 100,0
Várias-DF(B) (D) 46,0 54,0 100,0
Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D)
Entorno(C) (D) (D) (D) (D)
1996
Grupo 1 32,0 40,0 28,0 100,0
Grupo 2 2,0 74,0 24,0 100,0
Grupo 3 (D) 15,0 84,0 100,0
Várias-DF(B) (D) 42,0 53,0 100,0
Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D)
Entorno(C) (D) (D) (D) (D)
2000
Grupo 1 29,0 41,0 30,0 100,0
Grupo 2 2,0 73,0 26,0 100,0
Grupo 3 (D) 13,0 87,0 100,0
Várias-DF(B) (D) 44,0 50,0 100,0
Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D)
Entorno(C) (D) (D) (D) 100,0
2004
Grupo 1 26,0 42,0 32,0 100,0
Grupo 2 2,0 70,0 29,0 100,0
Grupo 3 (D) 12,0 87,0 100,0
Várias-DF(B) (D) 38,0 57,0 100,0
Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D)
Entorno(C) (D) (D) (D) 100,0
2008
Grupo 1 21,0 43,0 36,0 100,0
Grupo 2 1,0 67,0 31,0 100,0
Grupo 3 (D) 11,0 89,0 100,0
Várias-DF(B) (D) 41,0 59,0 100,0
Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D)
Entorno(C) (D) 45,0 55,0 100,0
28
Notas:
Grupo (A): A amostra desagregada não compreende a categoria.
Grupo (B): Pessoas que trabalham em mais de uma RA (Região Administrativa).
Grupo (C): Cidade do entorno: Unaí (MG), Água Fria (GO), Alexânia (GO), Cabeceiras (GO),
Cristalina (GO), Corumbá de Goiás (GO), Formosa (GO), Luziânia (GO), Cidade Ocidental (GO),
Novo Gama (GO), Pedregal (GO), Céu Azul (GO), Padre Bernardo (GO), Planaltina (GO), Santo
Antônio do Descoberto (GO), Valparaiso (GO), Águas Lindas (GO).
Grupo (D): A amostra estatística desagregada não comporta a categoria.
58
Grupo1
Grupo1
Grupo1
Grupo1
Grupo1
Grupo2
Grupo2
Grupo2
Grupo2
Grupo2
Grupo3
Grupo3
Grupo3
Grupo3
Grupo3
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1992 1996 2000 2004 2008
Ano
Porcentagem
Gráfico 6 – Comportamento das viagens diárias entre os locais de moradia (Grupos 1,2,3) e o
CCS do DF (Grupo 1)
59
8. Considerações Finais
Diante dos dados disponibilizados, fica claro o caráter excludente com que se
revestiu a política habitacional no Distrito Federal durante toda a sua formação.
Ainda que parcial, a análise ora apresentada permite concluir que Brasília imprime
em sua população altos custos sociais e econômicos, visto que a cidade dispersa
segrega e exclui. Não seria possível pensar em sustentabilidade sem integração e
socialização, uma vez que este conceito vai além da questão ambiental, trazendo
consigo valores e hábitos condizentes com a busca da qualidade de vida.
Para Ojima29
(2006), além da ocupação do espaço, a dispersão urbana
implica também na resolução de problemas sociais, os quais deveriam ser
analisados de forma conjunta com a ocupação urbana. Problemas de ordem social,
no entanto, não cabem ao planejador urbano. O Estado é que deveria agir na busca
de sociedades mais justas e igualitárias, tendo isto como foco de atuação em sua
gestão pública.
Para o caso de Brasília, acreditava-se que a distância física seria suficiente
para afastar a pobreza e os problemas sociais existentes no país aos olhos de uma
burguesia política. Nos últimos anos, no entanto, a pobreza e a violência no DF têm
se agravado, muito em função da própria segregação espacial a que a população do
entorno está sujeita. Conforme Bertaud (2003), o poder do planejador urbano está
essencialmente no fato de buscar aquilo que a cidade se propõe ser. Assim, ele está
também sujeito às prioridades de atuação do Estado.
29
OJIMA (2006) apud RIBEIRO (2008), p.14-15
60
Portanto, pensar Brasília em uma cidade sustentável suscita inúmeros
questionamentos quanto à possibilidade de isto efetivamente ocorrer. Poder-se-ia
pensar, no entanto, em como torná-la menos segregada e excludente do ponto de
vista espacial, ainda que observados os limites de seu tombamento pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
A pergunta que se faz é se as áreas de expansão urbana hoje presentes no
DF, predominantemente representada pela Estrada Parque de Indústria e
Abastecimento (EPIA), contribui ou não para o aumento desta segregação. O estudo
relativo a este problema deveria contemplar análises de legislações vigentes, e
possibilidades de ocupação mais condizentes com uma cidade sustentável que
permita a interação entre as pessoas. O estudo aproximado das áreas com potencial
integrador permite direcionar as ações públicas para a sustentabilidade no seu
sentido mais amplo, se assim for a vontade do Estado.
De fato, a cidade sustentável, porquanto possível, somente será realmente
atingida com os esforços de todos os segmentos da sociedade.
61
9. Referências Bibliográficas:
- BERTAUD, Alain. The Spatial Organization of the Cities: Deliberate outcome or
unforessen consequence? Institute of Urban & Regional Development (IURD), 2004.
Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/iurd/wps/WP-2004-01> Acesso em: 20
mar. 2009.
- CODEPLAN. Distrito Federal: Síntese de Informações Sócio-Econômicas. Brasília,
2006.
- Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano. Disponível em:
<http://unced1992.wordpress.com/about.htm> Acesso em: 10 jun. 2009.
- Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Distribuição das pessoas ocupadas segundo o local onde trabalha, 2009.
- FERREIRA, J.S.W. O Mito da Cidade Global: o papel da ideologia na produção do
espaço urbano. São Paulo: Vozes/ Unesp, 2007.
- FUNARI, Pedro Paulo e PELEGRINI, Sandra C.A. Patrimônio Histórico e Cultural.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
- GOUVÊA, Luiz Alberto de C. Brasília: A Capital da Segregação e do Controle
Social: Uma avaliação da ação governamental na área de habitação. São Paulo:
ANNABLUME, 1995.
- GUTIÉRREZ, Ramón. Arquitetura Latino-Americana: Textos para Reflexão e
Polêmica. São Paulo: Nobel, 1989.
- HISSA, E.V.; Cássio (Coord). Saberes Ambientais: Desafios para o conhecimento
disciplinar. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
62
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Pesquisa Nacional Por
Amostra de Domicílios (PNAD). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/popmunic2007la
youtTCU14112007.pdf>Acesso em 07 set. 2009.
- HOLANDA, Frederico de. O Espaço de Exceção. Brasília: UnB, 2002.
- PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília em Questão: Ideologia e Realidade. São Paulo,
Projeto, 1995.
- REIS, Nestor G. (Org.). Dispersão Urbana: Diálogo sobre pesquisas Brasil –
Europa. São Paulo: FAU-USP, 2007.
- RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Índice Composto de Qualidade de Vida Urbana –
Aspectos de Configuração Espacial, Socioeconômicos e Ambientes Urbanos.
Brasilia: UnB, 2008.
- ROGERS, Richard. Ciudades para un pequeño planeta. Barcelona: Gustavo Gili,
S.A, 2000.
- SANTOS, José Luiz dos Santos. O que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
- SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Paulo: USP, 2008.

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Dispersão Urbana no DF

  • 1. I BEATRIZ TEIXEIRA SOUZA DISPERSÃO URBANA NO DF Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista. Curso de pós-graduação lato sensu em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística. Programa de Pesquisa e Pós- graduação. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília. Orientador: Prof. Rômulo José da Costa Ribeiro BRASÍLIA 2009
  • 2. II “Tudo tem sua ocasião própria e há tempo para todo propósito debaixo do céu.” (Eclesiastes, 3:1)
  • 3. III Aos amigos e familiares, pela torcida e compreensão dos momentos ausentes. A todos os professores do Reabilita, particularmente ao Professor Rômulo, pela orientação e apoio ao longo desta jornada. Em especial, agradeço a Paulo Augusto de Figueiredo Vivacqua pela dedicação, carinho e paciência, fundamentais para que eu pudesse finalmente chegar até aqui.
  • 4. IV Sumário 1. Introdução. .................................................................................................................................... 1 2. Dispersão Urbana: reflexão e debate ........................................................................................... 3 3. Globalização: mito e realidade.................................................................................................... 10 4. Sustentabilidade: um caminho para a cidade de todos .............................................................. 16 5. Alain Bertaud: um método e uma análise................................................................................... 21 6. Brasília: Uma Breve História....................................................................................................... 35 7. Dispersão Urbana no Distrito Federal......................................................................................... 44 8. Considerações Finais.................................................................................................................. 59 9. Referências Bibliográficas: ......................................................................................................... 61
  • 5. V Lista de Figuras Figura 1 – Cidade Policêntrica de Richard Rogers (adaptado de ROGERS, 2000, p.47).................... 26 Figura 2 – Representação esquemática de viagens padrão dentro em diferentes estruturas urbanas (BERTAUD, 2003, p.8).......................................................................................................................... 28 Figura 3 – Governador em visita à Comissão de Erradicação de Favelas (Arquivo Público do Distrito Federal) ................................................................................................................................................. 39 Figura 4 – Distância a ser percorrida de Ceilândia para o Plano Piloto em 1971 (Arquivo Público do Distrito Federal)..................................................................................................................................... 40 Figura 5 – Vista área da Vila do Iapi (Arquivo Público do Distrito Federal).......................................... 41 Figura 6 – Localização espacial das Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal e suas respectivas distâncias em relação à Brasília - Esplanada dos Ministérios. (adaptado de http://www.geocities.com/augusto_areal/ra_big.jpg)............................................................................. 47 Figura 7 – Distribuição espacial dos agrupamentos definidos pelo DIEESE e seus respectivos CDBs. ............................................................................................................................................................... 52
  • 6. VI Lista de Gráficos Gráfico 1 – Comparação média da densidade populacional em áreas construídas em 49 áreas metropolitanas (BERTAUD, 2003, p.9) ................................................................................................. 30 Gráfico 2 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades descrescentes) (BERTAUD, 2003, p.11) ............................................................................................................................................ 32 Gráfico 3 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades crescentes) (BERTAUD, 2003, p.12) ............................................................................................................................................ 34 Gráfico 4 – Renda domiciliar per capita mensal segundo as Regiões Administrativas (RAs) (CODEPLAN, 2006) .............................................................................................................................. 50 Gráfico 5 – Perfil ocupacional da população ocupada segundo os setores de atividades. (CODEPLAN, 2006) ..................................................................................................................................................... 54 Gráfico 6 – Comportamento das viagens diárias entre os locais de moradia (Grupos 1,2,3) e o CCS do DF (Grupo 1) .................................................................................................................................... 58
  • 7. VII Resumo Muitas cidades do mundo enfrentam, hoje, inúmeros problemas em suas estruturas urbanas em função de políticas públicas desacertadas com o interesse coletivo, trazendo conseqüências irreversíveis do ponto de vista estrutural, econômico e social. Pode-se dizer que a dispersão urbana é, de fato, o resultado de um conjunto de fatores representados por esses três níveis, os quais ocorrem em maior ou menor grau, dependendo da história de cada uma das cidades que apresentam este fenômeno. Embora não se tenha uma fórmula pré-determinada para impedir ou retardar esse processo, sabe-se que a cidade dispersa é contrária à idéia de sustentabilidade, uma vez que demanda altos custos para a própria manutenção e funcionamento da cidade, além dos custos sociais gerados pelos grandes deslocamentos gerados para a mobilidade da população. A cidade dispersa possui forte característica excludente, e sua perversa estrutura é, por vezes, difícil de ser alterada. Este é o caso de Brasília e seu entorno, conjunto considerado como a segunda estrutura urbana mais dispersa do mundo. Para a verificação deste dado foi utilizado um dos indicadores propostos por Alain Bertaud, qual seja: as viagens diárias percorridas pela população entre os locais de moradia e seus locais de trabalho. Esta análise teve por base dados censitários e o mapeamento do deslocamento desta população, fatores esses fundamentais para a análise em questão. Palavras-chave Dispersão Urbana, Sustentabilidade, Globalização, Indicadores de Dispersão, Viagens Diárias entre Moradia e Trabalho.
  • 8. 1 1. Introdução. A definição do que é a cidade não é uma tarefa simples. Palco de inúmeras intervenções, por vezes contraditórias, ela requer análises espaciais bem definidas, muito embora sua leitura não deva ser feita apenas por este ângulo. Questões sociais e econômicas não podem ser ignoradas do contexto do qual fazem parte, tratando-se mesmo de um emaranhado de fatores concorrentes. O mundo, hoje predominantemente urbano, proporciona um desafio à sua própria existência, impondo necessariamente modelos de vida diferentes do que àqueles que foram adotados até os dias atuais. A necessidade premente de novos valores a serem adotados irá ditar as novas formas de consumo e conseqüentemente, de vida para um futuro próximo. A busca por melhores condições de vida subentende a busca por uma cidade sustentável, que proporcione qualidade de vida em seu sentido mais amplo. A dispersão urbana é a antítese dessa proposta. Pretende-se demonstrar o descompasso entre essa configuração urbana e o ideal de uma cidade sustentável, que promova a acessibilidade ao pleno gozo dos direitos e deveres fundamentais de seus cidadãos. A dispersão (“separação”) urbana implica em elevados custos não só financeiros, mas principalmente sociais. Para a discussão de conceitos tão antagônicos, faz-se necessário traduzir como o assunto vem sendo abordado por pesquisadores em todo o mundo. A proposta deste trabalho, no entanto, não é esgotar o problema em todas as suas vertentes, mas sim apresentar um panorama da relação, ou desconexão, entre sustentabilidade e cidade dispersa.
  • 9. 2 O caso do Distrito Federal (Brasília e cidades do entorno) se apresenta como um exemplo deste tipo de estrutura urbana, embora suas motivações tenham sido, em geral, diversas daquelas cidades comumente conceituadas como dispersas. Pelas particularidades de sua história, Brasília se apresenta como um exemplo concreto, sendo mesmo considerada como a segunda cidade mais dispersa do mundo. Para a constatação deste fato, utilizou-se como base de pesquisa a distância entre os locais de moradia aos locais de trabalho dentro dos limites do Distrito Federal. Aparentemente simplista, este dado é capaz de fornecer subsídio para constatar a existência desta dispersão, e quão prejudicial se apresenta para a população que a percebe sensoriamente todos os dias.
  • 10. 3 2. Dispersão Urbana: reflexão e debate Na cidade do passado, o projeto do espaço aberto, o “projeto de solo”, não era retalho de um excipiente neutro, dentro do qual depositavam arquiteturas, depositavam edifícios, mas desenho através do qual se construíam concretamente as regras da justa distância, seja métrica, seja visual e simbólica. (SECCHI, 2006, p.127) O processo de dispersão urbana é complexo e diversificado. Apesar de muito presente nas cidades contemporâneas de todo o mundo é nas formações metropolitanas mais recentes que ela se torna mais evidente. Em todos os casos, no entanto, elas não são idênticas; ao contrário, cada região ou país apresenta suas especificidades e problemas distintos, os quais contribuem em maior ou menor grau para este fenômeno. A crescente urbanização ao longo da segunda metade do século XX contribuiu para mudanças importantes em todos os quadrantes do mundo, inclusive no que diz respeito aos modos de vida atuais, os quais são tipicamente urbanos até mesmo para áreas denominadas rurais. Reis1 (2007), em recente palestra na Conferência sobre o tema da dispersão urbana, em São Paulo, evidencia o fato de que o mundo, hoje, encontra-se predominantemente urbano. No Brasil, em 2007, foram identificadas no país a existência de 14 áreas metropolitanas2 com mais de 1 milhão de habitantes. 1 REIS, Nestor G. (Org.). Dispersão Urbana: Diálogo sobre pesquisas Brasil – Europa. São Paulo: FAU-USP, 2007. 2 Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Guarulhos, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia, Brasília.
  • 11. 4 Dentro deste contexto, entende-se a dispersão como um processo radical que leva à superação de conceitos bem marcados entre cidade e campo; conceitos, até então, paradigmáticos no que diz respeito às suas interpretações, ou seja, até então, sabia-se diferenciar claramente o que era urbano e o que era rural. Na mesma conferência, Patarra3 (2007), pesquisadora titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), o qual possui vinculação ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), discursou sobre o tema, proporcionando esclarecimentos sobre as novas mudanças nos processos de distribuição espacial da população, principalmente a brasileira. Para ela, é necessário o entendimento do que batizou de “novo urbano”, “novo rural” e “novas territorialidades”, conceitos estes advindos das transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas em todo o mundo a partir de 1970. Patarra (2007) afirma que os elementos de caracterização dos conceitos do rural e do urbano são questionados, uma vez que outrora se dariam por critérios administrativos decididos pelo poder municipal. Para ela, “a definição deveria incorporar a existência de serviços coletivos, tomar em conta a predominância de atividades não rurais e a concentração a partir de um certo tamanho.” 4 A situação de domicílio do Censo Demográfico de 2007 já oferece avanços nesse sentido, ao considerar a situação rural como a abrangência da população e domicílios recenseados fora dos limites das sedes municipais e distritais, incluindo 3 PATARRA, L.; Neide. Do urbano-rural às novas configurações territoriais: conceitos, questões e uso de estatísticas oficiais. In: DISPERSÃO URBANA: DIÁLOGOS SOBRE BRASIL-EUROPA, 2007, São Paulo. Anais. São Paulo: USP, 2007.p.173-212. 4 Ibid., p.203.
  • 12. 5 os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos5. Dessa forma: A dicotomia rural-urbano, que considerava o urbano com “lócus” das atividades não agrícolas – indústria – e que atribuía ao rural as atividades agrícolas, vem perdendo a sua importância histórica. O que se observa é uma crescente heterogeneidade de atividades e opções de emprego e renda não agrícolas, o que tem contribuído para que a população residente no meio rural tenha maior estabilidade econômica e social. (CAMPANHOLHA; SILVA apud PATARRA, 2006, p.192) Patarra (2007) quis demonstrar a dificuldade de apontar definições muito claras entre o que é urbano e o que é rural, uma vez que o espaço desigualmente distribuído é produto de outras forças que não aquelas definidas por regiões administrativas, as quais não proporcionam informações suficientes para o entendimento entre as relações de produção entre as cidades de uma mesma região ou as inter-relações fora dela. A dispersão urbana aparece, então, como produto dessas forças, que serão melhor discutidas por meio da base teórica fornecida por Bertaud e Malpezzi (2003), a qual é utilizada para o fim a que se destina este trabalho. 5 Aglomerado rural de extensão urbana: setor rural situado em assentamentos situados em área externa ao perímetro urbano legal, mas desenvolvidos a partir de uma cidade ou vila, ou por elas englobados em sua extensão; Povoado: setor rural situado em aglomerado rural isolado sem caráter privado ou empresarial, ou seja, não vinculado a um único proprietário do solo (empresa agrícola, indústria, usina, etc) cujos moradores exercem atividades econômicas no próprio aglomerado ou fora dele. Caracteriza-se pela existência de um número mínimo de serviços ou equipamentos para atendimento aos moradores do próprio aglomerado ou de áreas rurais próximas; Núcleo: setor rural situado em aglomerado rural isolado, vinculado a um único proprietário do solo (empresa agrícola, indústria, usina, etc) privado ou empresarial, dispondo ou não de serviços ou equipamentos definidores de povoados.
  • 13. 6 Reis (2007), em consonância com o pensamento de Patarra (2007), também defende a idéia de que é necessária uma reavaliação entre as definições de urbano e rural. Para ele, dever-se-ia reconhecer as áreas urbanas como áreas que apresentam características de vida metropolitana, diretamente relacionada com as formas de consumo. De fato, a sociedade do consumo se concretiza, de forma clara e incisiva, por meio de elementos presentes nos empreendimentos de áreas dispersas, e abundantemente defendidos pelo marketing empresarial. Um dos grandes apelos comerciais empregados nesta tarefa é a presença de abundante área verde com equipamentos de lazer e esportes cada vez mais completos e sofisticados, os quais traduzem uma sociedade cada vez mais hedonista, que se concretiza em uma incessante busca pelo prazer. Assim, Reis (2007) acredita que há cinco grandes mudanças responsáveis pela dispersão urbana ao redor do mundo, quais sejam: - Grandes migrações rural-urbanas em vários continentes, reforçadas pelo significativo crescimento demográfico; - Surgimento de regiões com população totalmente urbanizada; - Intensificação da industrialização e crescente dispersão das unidades produtivas em todo o mundo; - Universalização dos mercados ou pólos de produção e de seus padrões técnicos, com suas centralidades específicas; - Universalização de modos de consumo padronizados, ou seja, o consumo de massa. A partir daí, demonstra grande preocupação com os projetos urbanísticos, os quais estão sujeitos a interferências de agentes externos que desconhecem os
  • 14. 7 problemas locais de cada cidade. Defende, portanto, um trabalho de pesquisa permanente por parte dos profissionais diretamente ligados a esta questão no âmbito da administração pública, principalmente no que diz respeito à utilização dos instrumentos de gestão alinhados com o interesse público. As mudanças têm sido tão rápidas e tão amplas, que os poderes públicos, a imprensa e boa parte dos pesquisadores ainda não se deram conta da necessidade de novos recursos técnicos e financeiros para produção e organização desses conhecimentos para fixação de novos critérios profissionais e de políticas públicas. (REIS, 2006, p.46) Ainda na mesma conferência, Secchi6 (2007) contribui para a questão da dispersão urbana com uma visão mais sociológica e humanitária, uma vez que se debruça sobre a cidade contemporânea, analisando-a sob a ótica do “modo vivendi” que se estabelece dentro dos padrões de consumo hoje adotados. Secchi (2007) acredita que o impasse está, sobretudo, na “falta de solução”, ao longo de todo século XX, de quatro problemas principais, inerentes à cidade, uma vez que esta é resultado de uma série de fatores concorrentes. Assim, defende que a forma da cidade contemporânea nasceu a partir dos seguintes fatores: - Emersão de crescente importância do sujeito; - Emersão de imponentes e simultâneos fenômenos de concentração e dispersão urbana; - Emersão do cotidiano, ou seja, do dia-a-dia programado; - Progressiva democratização do espaço. 6 SECCHI.; Bernardo. A Cidade Contemporânea e Seu Projeto. In: DISPERSÃO URBANA: DIÁLOGOS SOBRE BRASIL-EUROPA, 2007, São Paulo. Anais. São Paulo: USP, 2007.p.113-139.
  • 15. 8 No que diz respeito à crescente importância do sujeito, Secchi (2007) faz um paralelo à crescente recusa do indivíduo à tutela das instituições e do poder. O medo de se encontrar no anonimato em um mundo de novidades constantes faz com que o sujeito se individualize cada vez mais na busca de um “espaço sempre maior aos aspectos privados da existência” (SECCHI, 2007, p.116). Na verdade, Secchi não teme o individualismo em si, mas sim a “alienação da vida social”, ou seja, ele teme a perda do “sentimento de pertencer a uma classe ou a uma comunidade”, o que, fatalmente, levaria à dissolução do que se entende por cidade. Para Secchi (2007), subestimar a co-autoria do emergente individualismo na composição da cidade contemporânea seria um erro. Todas as tentativas de remodelagem da cidade moderna seriam, de certa forma, voltadas para a dimensão individual. A tentativa da produção de novos lugares, de proximidade ou distanciamento, está ligada à tentativa de se procurar uma “justa distância”, movida por novas práticas cotidianas. Dessa forma, ele entende que houve um atraso no entendimento da articulação da sociedade do século XX, e que isto trouxe como conseqüência o abandono das partes mais dispersas da cidade. A estas áreas, desconsideradas do processo de projeto, não foram dadas as devidas ocupações e preocupações; ao contrário, foram desconsideradas, apagadas, na esperança de lentamente se transformasse até chegado o momento de ficar parecida com a cidade moderna. Dessa forma, o imaginário coletivo, a partir de novos valores e referências, desvirtua-se em uma contraditória democratização, a do descuido generalizado por parte da sociedade e da administração pública. Contraditoriamente, estes “espaços residuais”, coletivamente compartilhados, parecem não pertencer a ninguém. Para
  • 16. 9 Secchi (2007), o coletivo e o individual são aspectos subjetivamente intrínsecos à problemática da dispersão urbana. Assim, é possível distinguir, entre os pesquisadores aqui citados, um ponto comum, para onde convergem todas as questões levantadas, apesar dos diferentes recortes e abordagens que cada um defende como causadores da dispersão urbana. A dificuldade de conceituar o urbano e o rural, as formas de consumo padronizadas e a emergente importância do sujeito são questões que concretizam, pontualmente, uma discussão ainda maior, qual seja: o mito da cidade-global.
  • 17. 10 3. Globalização: mito e realidade O que é globalização? O enfrentamento central dos nossos tempos. Aquele do mercado contra o Estado, do setor privado contra os serviços públicos, do indivíduo contra a coletividade, dos egoísmos contra as solidariedades. (RAMONET, 2007 apud FERREIRA, 2007, p.94) Entre os diversos pesquisadores sobre dispersão urbana, parece ser pacífico o entendimento da “união” entre o urbano e o rural, a qual é fruto direto das relações de produção estabelecidas em todo o mundo após a segunda metade do século XX, particularmente as transformações ocorridas a partir de 1970, década considerada como marco para a passagem de uma reestruturação produtiva após o capitalismo fordista, que implicou em abertura dos mercados nacionais e em um novo parâmetro de economia globalizada. Dentro deste contexto, a abertura econômica brasileira proporcionou a inserção do país no círculo internacional, ao mesmo tempo em que alimentou ainda mais as desigualdades sociais já existentes. Segundo Ferreira (2007), percebe-se uma assimetria entre esta nova forma de crescimento da economia mundial e o surgimento de novos grandes bolsões de pobreza em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Isto quer dizer que, enquanto o papel das cidades de porte médio crescem em importância na economia do país, fortalecem-se as diferenças e desigualdades regionais.
  • 18. 11 Ferreira7 (2007) discute fervorosamente a suposta modernização dos países periféricos em decorrências de suas aberturas para o escoamento dos fluxos da economia globalizada. Defende que o único pensamento, hegemônico, de que deve haver um novo patamar de mobilidade internacional do capital por meio dos consideráveis avanços da tecnologia, principalmente no que diz respeito à informática e telecomunicações, é nada menos que um subterfúgio para a defesa de um sistema capitalista em crise, dada as suas condições após a década de 1970. De fato, as nações capitalistas industrializadas cresceram exponencialmente a partir do pós-guerra. A política do Welfare State8 até meados dos anos 1960, encabeçada pelos Estados Unidos, pregava uma sociedade segura, mas não se firmou como um “modelo de sucesso”. Ao contrário, esgarçaram-se as desigualdades entre países ricos e pobres, na medida em que o fornecimento de mão-de-obra barata para as multinacionais condicionou a renúncia do desenvolvimento interno baseado na igualdade e distribuição de renda. Entretanto, finda a fase de reestruturação, as dificuldades em manter constante o ritmo de crescimento dos países desenvolvidos, visto que era necessária a ampliação dos mercados de consumo, exige o surgimento de uma nova ideologia para a solução deste problema. Nesse sentido, a globalização seria nada menos que uma arma ideológica para o suspiro do sistema capitalista de produção. As inovações tecnológicas, com novas possibilidades de comunicação e transporte, fizeram com que o setor 7 FERREIRA, J.S.W. O Mito da Cidade Global: o papel da ideologia na produção do espaço urbano. São Paulo: Vozes/ Unesp, 2007. 8 “Estado do Bem-Estar”. (FERREIRA, 2007, tradução nossa)
  • 19. 12 produtivo se reordenasse espacialmente, tornando-se segmentado com novas frentes de produção em várias partes do globo, ou seja, o mesmo produto poderia ser fabricado em qualquer parte do mundo, apesar das decisões estratégicas nunca saírem do comando das sedes localizadas em seus países de origem. Este é o fenômeno pelo qual os economistas denominam “reestruturação produtiva”. Busca-se em cada país o que ele pode oferecer de mais vantajoso, mão-de- obra barata, ausência de restrições ambientais e/ou trabalhistas, proximidade da matéria-prima, graças à possibilidade, trazida pelas tecnologias de comunicação, de controlar todo o processo de um único país, montando o produto final em alguma parte do mundo. (FERREIRA, 2007, p.98) Com certo distanciamento, fica claro o aspecto ideológico que reveste a globalização como algo positivo para todo o mundo. É interessante notar como a “inclusão” dos países periféricos à economia mundial se reveste de uma benéfica euforia, alimentada pelas novas opções de consumo das parcelas das populações mais elitizadas. Neste sentido, o marketing nunca esteve em tão grande conta e importância, generalizando o consumo padronizado, o consumo de massa. Na verdade, o subjugo dos países periféricos em relação aos países industrializados não é uma novidade. No caso do Brasil, remonta mesmo aos primórdios de sua formação, à época da colonização portuguesa. No entanto, é espantosa a maneira como as cidades do Terceiro Mundo são impelidas a participarem do “mercado mundial”, quando se sabe que cada vez participam menos dos processos e fluxos que caracterizam a “cidade-global” (FERREIRA, 2007). O “Consenso de Washington”, cartilha que estipulou dez condições para os países interessados a se adequarem ao novo sistema, em 1993, teve um papel
  • 20. 13 importante para a definição das políticas atualmente adotadas. Para o caso do Brasil, e de outros países não menos dependentes, o que se verificou foi a falsa crença de que a participação do Estado diminuiria frente às imposições do mercado. De fato, um dos dez pontos exigidos na cartilha era de que as empresas estatais deveriam ser privatizadas9 . O que se percebe, no entanto, é que, ao invés do recuo do Estado, a globalização representa a intensificação de sua participação, agora de forma mais qualificada e especificamente voltada para os interesses do capital, em detrimento da sociedade. “O Estado do Bem-Estar Social se tornou o Estado do Bem-Estar das empresas, de tanto que o Estado vem trabalhando a favor dos interesses empresariais em todos os países capitalistas.” (SANTOS, 2007 apud FERREIRA, 2007, p.114) Diante do exposto, fica a pergunta: seria possível atribuir a certas cidades ao redor do mundo níveis de importância de acordo com sua “adaptabilidade” ao mundo globalizado? Não é novidade que as cidades sempre foram o locus privilegiado da expansão do sistema capitalista. No entanto, há autores que defendem uma certa tipologia urbana que responda a novas expectativas do mercado. Segundo Sassen10 , as cidades na era da globalização devem ser mais “especializadas do que eram, mais preparadas para um novo tipo de organização econômica, para uma nova economia de serviços. As cidades devem, no novo padrão global, ser competitivas”. 9 A cartilha do “Consenso de Washington” 10 pontos principais: 1) Disciplina Fiscal; 2)Contenção das Despesas Públicas; 3) Reforma Tributária; 4)Liberalização Financeira; 5)Controle Cambial; 6) Liberalização do Mercado; 7) Aberturas para investimentos diretos do exterior; 8) Privatização; 9) Desregulamentação; 10) Direitos de Propriedade. 10 SASSEN, 1999 apud FERREIRA, 2007, p.115.
  • 21. 14 Assim, os ajustes necessários à inserção dos países ao mundo globalizado extrapolam as políticas preconizadas pelo “Consenso de Washington” e vão mais além. Seria necessário, também, estipular uma receita para inserir as cidades dentro deste sistema. A “globalização”, por meio da idéia da “cidade-global”, adentra em definitivo no mundo do planejamento urbano, o qual se apropria de duas modalidades de intervenção muito discutidas e polêmicas: o planejamento estratégico e o marketing urbano. A polemização em torno destas atuações está justamente na credibilidade de suas autênticas e verdadeiras intenções de melhorias urbanas para as realidades locais de cada cidade. No entanto, o assunto não será foco de discussão para este trabalho, mas sim um complemento teórico para o entendimento das configurações das cidades no contexto mercadológico, uma vez que ela é, de fato, resultado desta realidade. Enfim, o impacto da globalização sobre o meio urbano e a geografia do espaço torna-se objeto de inúmeras análises e conjunturas. De fato, a idéia do “global” se impõe, no mundo atual, em sua forma mais acabada e eficaz. Santos11 já discutia os níveis de compreensão dessa nova conjuntura (o mundial, o do território dos Estados e o local), quando afirma que ela se concretiza por meio da desmaterialização do dinheiro e do seu uso instantâneo e generalizado. As fronteiras estão abertas, e destinam modificações nos modos de vida nestes três níveis. No entanto, é localmente que os fragmentos dessa rede mundialmente conectada ganham uma dimensão única e socialmente concreta. 11 SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Paulo: USP, 2008.
  • 22. 15 De uma forma geral, a percepção de Santos (2008) poderia ser aplicada a qualquer contexto geográfico, sendo possível traçar certos panoramas urbanos em cada país ou região. Contudo, a análise da dispersão urbana requer estudos mais aprofundados, visto que as especificidades de cada localidade exigem interpretações particularizadas. Dessa forma, tendo em mente a relação entre economias e sistemas de redes mundialmente conectados, pode-se discutir as várias vertentes teóricas de explicação para o fenômeno da dispersão urbana. Ainda que diretamente relacionada às intervenções locais, é também fruto da relação dessas redes em nível mundial. Este é um fator de suma importância para a compreensão do problema, visto que não é produto isolado e inerte, mas flexível e dinâmico, tratando- se, portanto, de foco para inúmeras discussões no Brasil e no mundo. A análise refere-se, então, do local ao global; e do global ao local.
  • 23. 16 4. Sustentabilidade: um caminho para a cidade de todos Na cidade, o ambiente é o homem, feito de suas amarguras e sonhos. Na cidade, as densas e frágeis relações entre os indivíduos estimulam o conflito e a contradição, mas, também, a aproximação entre o eu e o outro. (HISSA, 2008, p.271) Em se tratando de uma cidade para todos, que vise à integração ou ao menos a compreensão das desigualdades inerentes a ela, faz-se necessário entender alguns conceitos ora vigentes, que assumem uma nova roupagem em um mundo revestido de contrastes. Ambiente, ou meio-ambiente, patrimônio e cultura são palavras que, relacionadas, condicionam avaliar outro conceito: o da sustentabilidade, palavra que, para o âmbito urbano, denota uma cidade de inclusão, e não de exclusão. Tradicionalmente, entende-se ambiente por aquilo que circunda o ser humano, ou seja, que o rodeia, que o envolve, subentendendo uma exterioridade. A “superfície exterior ao eu”, ao envolver objetos e seres, acaba por influenciá-los, sendo o contrário também verdadeiro. De fato, pode-se dizer que o homem, é sim, produto do meio. “As sociedades são reflexos e produtos da sua própria cultura que é, por seu turno, também, um ambiente estruturante que condiciona e, em determinadas circunstâncias, determina valores e hábitos”.12 Esta relação de troca verdadeiramente existente entre o ambiente e o ser humano concretiza-se em uma cultura, a qual determina valores e hábitos. Assim, pode-se dizer que a cidade é produto direto dessa relação, revelando, sempre, os 12 HISSA, E.V.; Cássio. I.N de (Coord). Cidade e Ambiente: Dicotomias e Transversalidades. In: SABERES AMBIENTAIS: DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO DISCIPLINAR, 2008, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: UFMG, 2008.p.259-281.
  • 24. 17 próprios contrastes e conflitos inerentes ao homem. A leitura da cidade é a própria leitura do humano, do ambiente, da vida moderna, enfim, do pensamento moderno. De fato, o pensamento moderno estabelece e necessita de rótulos. A produção do conhecimento moderno insinua “universos bipartidos”, e a superação das dicotomias aí estabelecidas oferece grande desafio para o conhecimento multidisciplinar, necessário para a busca do que chamamos hoje de sustentabilidade. A fragmentação do conhecimento, e a sua conseqüente especialização, reduz o senso crítico à simplificação de questões que não possuem fronteiras, mas sim “zonas de contato”, com outros ramos do saber. A cidade para todos é, então, produto de um conjunto de conhecimentos interligados. Pode-se dizer que ambiente, patrimônio, cultura e sustentabilidade são conceitos que se apresentam conectados, sendo mesmo necessário a compreensão de um para o entendimento de outro. A questão ambiental e os valores sociais não são mais avaliados isoladamente, pois estão conectados pela preocupação e busca por uma “existência sustentável”. Durante muito tempo, pensou-se que preservar era manter intocável um bem material, ou seja, a própria idéia de preservação estava culturalmente vinculada a algo estanque. No entanto, o conceito de sustentabilidade surge somente em 1972, na Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, vindo
  • 25. 18 agregar ingrediente novo a esse pensamento, quebrando paradigmas e permitindo que o patrimônio abrangesse um leque muito maior em seu foco de atuação. 13 O desenvolvimento sustentável é, de fato, indissociável do desenvolvimento global da sociedade, pois depende de mudanças econômicas, sociais, culturais e ecológicas. É exercício inútil mensurar quais os pesos e medidas da contribuição de cada um destes fatores, mas é fato de que a conexão entre eles, e suas interdependências, são, hoje, fundamentais para se pensar na vida em sociedade. Assim, patrimônio, hoje, possui um conceito mais abrangente daquele originalmente creditado pela cultura romana14 , e não mais privilegia apenas o belo e o excepcional, uma vez que a mudança de paradigmas comportamentais e mentais dita uma nova cultura. A noção de preservação incorpora, atualmente, a imaterialidade do patrimônio. A própria cultura e o ambiente, assim, possuem novos conceitos enquanto integrantes deste legado. As diretrizes e princípios da Conferência de Estocolmo proclamam a inter- relação entre desenvolvimento humano, econômico, social e ambiental, e prega, ainda, a necessidade do homem continuar “descobrindo, inventando, criando e progredindo”, ou seja, subtende-se aqui um ciclo cultural que acompanha o desenvolvimento do homem. A utilização consciente dos recursos para o desenvolvimento dos povos com vistas a um crescimento conjunto e planetário seria, então, dever de todos. 13 COSTA, H.S.M.; Meio Ambiente e Desenvolvimento. In: SABERES AMBIENTAIS: DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO DISCIPLINAR, 2008, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: UFMG, 2008. 14 O conceito de patrimônio tem suas origens na Antiguidade Clássica, e referia-se ao direito de propriedade em âmbito privado. Naquela época, a maioria da população romana não tinha escravos, mas possuía patrimonium (o que pertencia ao pai, pater ou pater familias).
  • 26. 19 Deve-se aplicar a planificação aos agrupamentos humanos e à urbanização, tendo em mira evitar repercussões prejudiciais ao meio ambiente e a obtenção do máximo de benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos. A esse respeito, devem ser abandonados os projetos destinados à dominação colonialista e racista. (PRINCÍPIO 15, Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano, 1972) Sem prejuízo dos princípios gerais que possam ser estabelecidos pela comunidade internacional e dos critérios e níveis mínimos que deverão ser definidos em nível nacional, em todos os casos será indispensável considerar os sistemas de valores predominantes em cada país, e o limite de aplicabilidade de padrões que são válidos para os países mais avançados, mas que possam ser inadequados e de alto custo social para os países em desenvolvimento. (PRINCÍPIO 23, Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano, 1972) Em virtude da generalidade do conceito, mutidisciplinar, a discussão acerca do desenvolvimento sustentável após 1972 se amplia. Apesar da clareza com que o objetivo maior, que é o desenvolvimento sustentável, se apresenta e se faz necessário, há uma grande disputa teórica em como atingí-lo, ou seja, quais os meios necessários para efetivar este desenvolvimento. Esta questão torna-se ainda mais problemática quando estes meios contrariam e interferem com as experiências vividas, de forma diferenciada, pelos diversos países do mundo. Culturalmente falando, todas as ações criadas pelo ser humano interferem no meio em que ele vive, transformando-o e gerando, conseqüentemente, um legado. A questão é se essas ações serão benéficas em termos ambientais e que herança será herdada pelas gerações futuras.
  • 27. 20 Há que se pensar sobre em como intervir no ambiente humano, seja ele natural ou urbano. Acredita-se que um “compromisso intergeneracional”, discutido pelo Relatório de Bruntland15 , seja o grande caminho a ser trilhado pelas nações de todo o mundo a fim de que se chegue a um objetivo comum, ou seja, o da busca por um mundo sustentavelmente possível. No entanto, as diferenças e especificidades da história de cada país demonstram a dificuldade de se pensar em uma solução planetária a ser aplicada a todas as nações, inclusive quando se pensa em um mundo globalizado onde as relações se estabelecem entre dominantes e dominados. A utilização dos recursos naturais pelos países em desenvolvimento explicita bem esta questão quando são veementemente criticados pelos países desenvolvidos. Assim, questiona-se se a concretização de um novo paradigma mundial, porquanto se torne apenas uma utopia, ficando apenas dentro das discussões teóricas sobre o tema. No entanto, é necessário e premente que cada país tenha a responsabilidade de assegurar ao seu povo uma vida sustentavelmente possível, uma vez que domine e valorize sua cultura e, conseqüentemente, seu patrimônio, seja ele material ou imaterial. A cidade seria, então, a concretização de outros valores que não aqueles definidos por imposições externas, alheias às suas necessidades e demandas (COSTA, 2008). 15 Apesar de não trazer novidades quanto às formulações de Estocolmo, o Relatório de Brundtland define, oficialmente, a expressão “desenvolvimento sustentável” como sendo aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. (COSTA, 2008, p.82)
  • 28. 21 5. Alain Bertaud: um método e uma análise Urban spatial structures are shaped by market forces interacting with regulations, primary infrastructure investments and taxes. 16 (BERTAUD, Alain, 2004) Alain Bertaud17 afirma que as organizações espaciais das cidades são moldadas por forças de mercado que interagem, em maior ou menor grau, com os instrumentos de gestão manipulados pelo planejamento urbano, quais sejam: leis do uso do solo, investimentos em infra-estrutura primária e impostos. Considera, portanto, a influência política de governos locais na condução de caminhos e soluções para qualquer cidade. A cidade é fruto de fatores interdependentes. Fatores estes que, muitas vezes dotados de idéias antagônicas, faz preponderar soluções não planejadas do ponto de vista estritamente técnico, mas principalmente político. Na grande maioria dos casos, a cidade é, de fato, produto direto de decisões políticas com pouco ou nenhum conteúdo técnico. É bem verdade que não há uma fórmula para a “cidade perfeita”, mas é possível, por meio de objetivos pré-definidos, estabelecer soluções e condições coerentes com a cidade que se quer implementar. Dessa forma, Bertaud (2003) não só acredita ser a cidade o palco das manifestações do mercado, mas também posiciona a fragmentação ou consolidação deste segundo o direcionamento adotado para a produção de uma dada estrutura 16 Estruturas urbano-espaciais são formadas por forças de mercado que interagem com leis, infra- estrutura básica e impostos (tradução nossa) 17 BERTAUD, Alain. The Spatial Organization of the Cities: Deliberate outcome or unforessen consequence? Institute of Urban & Regional Development (IURD), 2004. Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/iurd/wps/WP-2004-01> Acesso em: 20 mar. 2009.
  • 29. 22 urbana. Isto quer dizer que a configuração da cidade pode contribuir ou não para a performance da atuação do mercado, sendo, para isto, necessária a atuação do planejador urbano como intermédio para o fim a que se destina o propósito de uma cidade. Bertaud (2003), entretanto, não discute, necessariamente, os fatores favoráveis e desfavoráveis da cidade-global, ou as motivações que a levaram a termo. Preocupa-se, principalmente, em discutir as implicações da sua estrutura urbana na gestão da cidade e o custo das decisões que a geraram em termos de infra-estrutura e ocupação populacional. Obviamente, as implicações sociais dentro desta questão estão subjetivamente lançadas, quando se leva em conta os custos para a qualidade de vida da população, produzidos por uma ou outra decisão no planejamento urbano. Assim, esse pesquisador elabora alguns indicadores para a análise de uma dada estrutura urbana, quais sejam: tipo e forma das viagens diárias entre trabalho e moradia, média de área construída dentro de uma determinada área e perfil do grau de mudança da densidade populacional. Simplificadamente, estes três aspectos poderiam ser adotados em qualquer realidade urbana, uma vez que facilmente obtidos por qualquer censo demográfico, imagens satélites e plantas de uso do solo. De posse destes dados, o planejador urbano teria condições suficientes para direcionar o desenvolvimento de uma cidade conforme o objetivo que se quer dar para ela.
  • 30. 23  Padrões das viagens diárias entre trabalho e moradia. Para a análise destes padrões, é de fundamental importância o conhecimento sobre a forma da cidade. Independentemente da história da formação de determinada estrutura urbana, é possível discernir o centro de serviços e negócios, região na qual é concentrada a maioria das atividades que definem a economia que move o desenvolvimento de uma cidade. Assim, dependendo da localização do CBD (Central Business District), as cidades podem ser classificadas em monocêntricas ou policêntricas. De certa forma, pode-se dizer que toda cidade surgiu de uma estrutura monocêntrica, ao redor de uma atividade econômica predominante, e que a partir daí se dissolveu em estruturas menores, constituindo novos aglomerados edificados mais ou menos densos em relação ao centro primariamente constituído. Estes novos aglomerados, por sua vez, podem constituir-se em novos pontos de referência, formando novas centralidades dispersas. Em alguns casos, é possível perceber, neste processo, o deslocamento do grau de importância do antigo centro para uma nova área que abrigue novas atividades econômicas, e, portanto, novas oportunidades de emprego e renda. Dessa forma, entende-se que nenhuma cidade é totalmente monocêntrica ou policêntrica; isto é, entende-se que uma cidade dita monocêntrica seja predominantemente monocêntrica, e que a cidade dita policêntrica seja predominantemente policêntrica. Há casos, no entanto, onde ambas as definições estejam coexistindo em um mesmo grau de intensidade e importância.
  • 31. 24 O período de passagem de uma cidade monocêntrica a uma cidade policêntrica pode ser acelerado ou não conforme as intervenções e facilidades oferecidas para tal. Alguns fatores que contribuem para acelerar este processo são: baixo custo dos terrenos em áreas mais afastadas do centro original, condições topográficas mais planas, ruas mais largas para melhor acessibilidade de veículos privados, os quais cada vez mais valorizados, e baixo nível de conforto que geralmente advém de áreas densamente ocupadas. Condições opostas podem, no entanto, retardar este processo: investimentos maciços em redes viárias para interligação destas áreas, eficiente transporte público nas áreas centrais, centros com níveis de conforto preservados, e topografia acidentada do entorno. Depreende-se daí que uma cidade monocêntrica pode conseguir manter a primazia do mercado de trabalho dentro de uma estrutura urbana, desde que a acessibilidade ao CBD seja fomentado por meio de um transporte público integrado e coeso, que possibilite a fácil e rápida movimentação de qualquer ponto da cidade a ele. Neste caso, o valor dos terrenos próximos a este centro tendem a aumentar, gerando uma movimentação da população em direção à periferia, ou seja, ao entorno. A densidade decrescente (density sloped) é encarada por Bertaud (2003) como mais um indicador na análise dos planejadores urbanos quando no processo de avaliação da cidade. Na verdade, há uma falsa crença de que as cidades policêntricas permitem o desenvolvimento auto-sustentável de núcleos espalhados em uma rede de pequenos centros (urban villages), os quais, suficientemente agregados em determinada quantidade, constituiriam uma metrópole. Idealmente, toda a população
  • 32. 25 poderia se abster do veículo particular para se movimentar a pé ou de bicicleta, dadas as pequenas distâncias a serem percorridas. Este modelo, ideologicamente perfeito, é defendido por muitos planejadores urbanos. Rogers18 (2000), apesar de abertamente acreditar nas forças de mercado inerentes na produção do espaço urbano, configura-se hoje como um dos maiores defensores da cidade policêntrica. Para ele, a “cidade compacta” requer o mínimo uso do automóvel particular em detrimento de transportes públicos com baixas emissões de gases nocivos e valorização da bicicleta como meio de locomoção entre pontos relativamente justos, o que promoveria a integração entre os locais de moradia, trabalho e lazer. La creación de la moderna ciudad compacta requiere la superación de um urbanismo de función única y del predomínio del automóvil. La cuestión es cómo proyetar ciudades em que las comunidades aumenten y favorezcan su movilidad, cómo satisfacer las necesidades de movilidad personal sin que el coche avasalle nuestra vida comunitária, cómo acelerar la implantación de sistemas de transportes ecológicos y equilibrar la utilización de los espacios públicos en favor del peatón y de la vida comunitária. 19 (ROGERS, 2000, p.40) A idéia defendida por Rogers (2000), é sem dúvida, um modelo coerente com as prerrogativas preconizadas por uma cidade sustentável. Sua viabilidade, no entanto, parece carecer de bases suficientemente fortes para que fosse efetivamente executada, uma vez que supõe ser a cidade um fator decisivo para mudanças de comportamento e ideais de uma sociedade, e não o contrário. De fato, 18 ROGERS, Richard. Ciudades para un pequeño planeta. Barcelona: Gustavo Gili, S.A, 2000. 19 A criação da moderna cidade compacta requer a superação de um urbanismo que privilegia o automóvel particular. A questão é como projetar cidades em que a mobilidade das pessoas cresça em importância e seja favorecida, em como satisfazer as necessidades de mobilidade pessoal sem que o carro obstrua a vida em sociedade, em como acelerar a implantação de sistemas de transporte ecológicos e em como equilibrar a utilização dos espaços públicos em favor do pedestre e da sociedade. (ROGERS, 2000, tradução nossa)
  • 33. 26 as mudanças de paradigmas necessárias para uma cidade de todos e para todos serão fruto, primeiro, de mudanças nas formas coletivas de pensamento. A figura 1 ilustra o modelo preconizado por Rogers, defendido em projeto elaborado para a área de Lu Zia Sui, no centro da cidade de Shangai: Figura 1 – Cidade Policêntrica de Richard Rogers (adaptado de ROGERS, 2000, p.47)
  • 34. 27 Para Bertaud (2003), este modelo de cidade parece constituir um paradoxo. Ele acredita que estes pequenos centros auto-suficientes contradizem a “única explicação válida” para o contínuo crescimento das áreas metropolitanas, baseado em uma crescente integração dos mercados, como já mencionado. A auto- suficiência destes centros constituiria mesmo a fragmentação dos mercados hoje interdependentes. Entende-se, pois, que o padrão das viagens diárias percorridas por uma determinada população depende diretamente da localização do maior índice de oferta de empregos. Dessa forma, na cidade policêntrica, fica claro que estas viagens parecem aleatórias e mais longas do que nas cidades monocêntricas. Segundo estudos de Bertaud (2003), a concentração pontual no centro da cidade permite viagens menores e mais rápidas para qualquer outro ponto da cidade (Figura 2).
  • 35. 28 Figura 2 – Representação esquemática de viagens padrão dentro em diferentes estruturas urbanas (BERTAUD, 2003, p.8)
  • 36. 29  Consumo da Terra ou Densidade Populacional. O consumo da terra (área de terra por pessoa) é calculado, via de regra, pelo seu inverso, ou seja, calcula-se a densidade populacional (número de pessoas por unidade de terra) dentro de uma área legalmente delimitada. Os limites impostos por critérios administrativos, no entanto, podem não corresponder ao que se entende por área urbana, uma vez que os padrões de consumo hoje adotados nas áreas rurais poderiam caracterizá-las como urbanas. Para as análises de Bertaud (2003), no entanto, foram consideradas aquelas áreas construídas para efetiva utilização urbana. Não seria possível definir, no escopo deste trabalho, o que seria exatamente a definição desta área, mas sabe-se que, para efeito de suas análises, ele não incluiu áreas ociosas, áreas de proteção ambiental e cursos d`água para a determinação da densidade populacional. Assim, não são consideradas, neste cálculo, as áreas abertas com mais de quatro hectares de comprimento, terras agrícolas, ou áreas apresentadas em seu estado natural, bem como aeroportos e rodovias não adjacentes à área urbana em questão. A partir destas considerações, Bertaud (2003) efetuou uma pesquisa entre 49 cidades ao redor do mundo, com o intuito de comparar a densidade populacional de cada uma delas. O resultado, demonstrado no Gráfico 1, permite inferir duas questões. A primeira delas é que cidades muito densas não têm correlação direta com o tamanho, e nem tampouco com a renda média da população de cada cidade estudada. A segunda é que existe uma forte relação da densidade populacional com
  • 37. 30 a posição e o grau de importância econômica de uma determinada cidade no continente em que se está inserido. Isto quer dizer que fatores culturais influenciam nos níveis de densidade da população, fazendo com que ela oscile para mais ou menos densa conforme sua suscetibilidade às forças de mercado atuantes naquela região ou país. Gráfico 1 – Comparação média da densidade populacional em áreas construídas em 49 áreas metropolitanas (BERTAUD, 2003, p.9) Dentre as cidades que compõe a amostra estudada, Brasília aparece como a segunda cidade menos densa da América Latina, ficando atrás apenas de Curitiba. A Cidade do México e Rio de Janeiro apresentam-se como as mais densas da
  • 38. 31 América Latina, apesar de estarem posicionadas em uma média mundial aproximada de 95 pessoas/ hectare.  Perfil da Densidade. Por meio de mapas e censos demográficos é possível traçar um perfil mais o menos fiel da densidade populacional de uma determinada área. A importância deste dado tem relação com a detecção do tipo, quantidade e forma das viagens diárias percorridas pela população da cidade que se ter como objeto de estudo. Portanto, é importante considerar, nesta avaliação, a localização desta população no período entre meia-noite e seis horas da manhã, período em que se pressupõe considerar as pessoas em casa e não no trabalho (BERTAUD, 2003). Desta forma, pode-se determinar os pontos de partida e chegada das viagens diárias, ou seja, a movimentação das pessoas no deslocamento de suas casas para o trabalho e vice-versa. O estudo de Bertaud (2003), disposto no Gráfico 2, contemplou diversas cidades distribuídas ao redor do mundo, e confirma que as maiores densidades populacionais estão localizadas nas áreas próximas ao CBD, onde está concentrada maior oferta de empregos. Na maioria das cidades monocêntricas, fica claro que as concentrações populacionais ao redor do CBD são ainda mais intensas do que naquelas policêntricas, onde a distribuição populacional tende a ser mais igualitária e distribuída nos espaços dispersos na periferia do centro.
  • 39. 32 Gráfico 2 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades descrescentes) (BERTAUD, 2003, p.11) Em um primeiro momento, é possível imaginar que cidades com distribuição populacional constante são mais qualificadas do que àquelas que possuem
  • 40. 33 distribuição populacional com grandes diferenças numéricas. No entanto, não há pesquisa ou documento científico que comprove esta informação. De concreto, pode-se concluir que cidades com densidades decrescentes, ou seja, aquelas que possuem densidades maiores conforme proximidade com CBD possuem alguns benefícios de infra-estrutura e transporte que não são possíveis nas cidades com densidades crescentes, as quais possuem densidades menores conforme se afastam do CBD. A comparação entre três cidades com densidades crescentes, Brasília, Moscou e Joanensburgo, demonstra claramente a distribuição populacional em relação aos seus centros. É de se esperar que os custos com transporte e deslocamento entre os diversos pontos dessas cidades são maiores do que àquelas que possuem densidade decrescente, uma vez que os caminhos a serem percorridos diariamente são mais longos. (Gráfico 3) Independentemente da história de cada uma destas cidades, Bertaud (2003) acredita que a similaridade entre suas configurações urbanas se deve ao fato de que o mercado esteve ausente por um longo período em todas elas. “Whether the interruption was caused by Marxist ideology in Moscow, by a morbid cult of design in Brasília or by Apartheid in Johannesburg, is irrelevant, the spatial outcome is similar”. 20 De fato, o processo de formação da cidade de Brasília foi controlado por forças estritamente políticas ao longo dos anos, atuando no exercício de práticas 20 Se a interrupção foi causada pela ideologia marxista em Moscou, pelo lânguido culto ao desenho em Brasília ou pelo Apartheid em Johanensburgo, isto é irrelevante, o resultado espacial é o mesmo. (BERTAUD, Alain, 2003, tradução nossa)
  • 41. 34 abomináveis para a exclusão da população de menor renda, gerando bolsões de pobreza no entorno, enquanto as áreas centrais eram valorizadas. Para melhor entender este processo, faz-se necessário discutir as origens dos fatos que levaram Brasília à categoria de segunda cidade mais dispersa do mundo. Gráfico 3 – Relação entre densidade e distância do centro (densidades crescentes) (BERTAUD, 2003, p.12)
  • 42. 35 6. Brasília: Uma Breve História Brasília foi um grandioso gesto ideológico em dois sentidos: procurava reproduzir a imagem do Estado como uma instituição neutra acima das classes sociais por meio de um discurso nacionalista e, ao mesmo tempo, reafirmava o Estado brasileiro como algo completamente autônomo, merecendo, portanto, um espaço próprio. (HOLANDA, 2002, p.294) Holanda21 (2002) considera apenas duas grandes fases na formação do espaço brasileiro: a primeira iria até as primeiras décadas do século XX, tempos no qual predominava o cenário rural e a economia gerava em torno da exportação agrícola; a segunda é definida pela transição deste cenário à industrialização do país até os dias atuais. É importante lembrar que, mesmo à época da chegada dos portugueses ao Brasil, o país já traduzia, e com claros interesses lucrativos, uma sociedade cuja economia se voltava “para fora”. Engano concluir que os senhores da terra, produtores de matérias primas para exportação, possuíam algum poder sobre os interesses do Estado português, cuja preponderância política se firmava por meio das autoridades municipais e judiciárias aqui estabelecidas, e que nada mais eram do que a própria extensão de Portugal. Apesar da abolição da escravatura, e da incipiente industrialização decorrente da crise do setor cafeeiro em 1850, quando nasce uma burguesia urbana e um incipiente proletariado, as relações sociais até então estabelecidas permanecerão mais ou menos constantes até a década de 1930. A partir daí, a ideologia política de “integração nacional” começou a se manifestar, de forma tímida, em abertura de 21 HOLANDA, Frederico de. O Espaço de Exceção. Brasília: UnB, 2002.
  • 43. 36 estradas que partiam da Região Sudeste, a fim de romper com a estrutura histórica do espaço herdado dos tempos coloniais. (HOLANDA, 2002) No entanto, a ruptura somente ocorreria de fato em 1950, com a ascensão de Kubitschek à presidência do país. A “ruptura com o passado” ocorreria em função do “desenvolvimento nacional”, fomentando, na população brasileira, um forte sentimento de mudança, inclusive de suas posições sociais e condições de vida. A mudança da capital do Rio de Janeiro para o interior do país tinha forte imposição ideológica, uma vez que o Estado da Guanabara representava o Brasil português. Além disso, a nacionalização do mercado, notadamente concentrado na Região Sudeste, pela sua história e localização privilegiadas para o escoamento dos produtos de exportação, demandava investimentos para a integração do país, com aberturas de rodovias para escoamento da produção interna. Segundo Holanda: Brasília funcionou ideologicamente como um gesto compensatório: negava a concentração de poder no Sudeste, por meio da construção da própria sede do poder nacional num lugar “neutro” - o centro geográfico do país -, a quase trezentos quilômetros de qualquer centro econômico de alguma importância. (HOLANDA, 2002, p.293) Assim nasceu Brasília. Logicamente, outros fatores contribuíram para o seu surgimento. No entanto, interessa saber que a história da sua formação, bem como os propósitos políticos implícitos nela, é fator preponderante para o entendimento da sua estrutura espacial. A cidade é hoje testemunha concreta da política habitacional adotada para a cidade durante todo o seu processo de desenvolvimento, cujas conseqüências são percebidas e sentidas por todo e qualquer brasiliense atento às suas condições de vida atuais.
  • 44. 37 De fato, atualmente existe um expressivo número de pessoas morando em núcleos urbanos na periferia de Brasília, muitos deles criados por uma política de erradicação de favelas, ou “invasões”, que se deu ao longo de todo o processo de sua formação. A mais visível conseqüência desta política se traduz nas grandes distâncias a serem percorridas, diariamente, por esta população, a qual possui sua situação agravada pelas altas tarifas do transporte público. Assim, é possível detectar, ao longo da existência de Brasília, momentos e ações governamentais que contribuíram, facilitaram ou mesmo direcionaram seus esforços para uma política de exclusão social, que culmina hoje com a problemática da dispersão urbana no Distrito Federal. Consoante com a idéia de Bertaud (2003) sobre os agentes formadores do espaço urbano, Gouvêa22 (1995, p.21) evidencia as relações entre Estado-Capital-Força de Trabalho, onde o “Estado, dependendo do momento político, mostra-se cúmplice de uma ou de outra classe”. Este fato é comprovado em muitos casos na história não só do Brasil, mas do mundo. Talvez um dos exemplos mais claros deste tipo de atuação governamental pode ser identificada na política haussmaniana de “limpeza urbana”. Muito mais do que apenas visibilidade política frente aos franceses, Luís Napoleão conferiu especial interesse às obras públicas, em particular nas transformações urbanas propostas por Haussman, que propunha grandes boulevards retilíneos, com os quais seria possível deter as barricadas populares, até então constantes pela facilidade estratégica fornecida pelas estreitas ruas medievais. O espaço urbano é, pois, objeto da ação direta, ou indireta, do Estado. 22 GOUVÊA, Luiz Alberto de C. Brasília: A Capital da Segregação e do Controle Social: Uma avaliação da ação governamental na área de habitação. São Paulo: ANNABLUME, 1995.
  • 45. 38 No caso de Brasília, a política habitacional adotada em todo o período de formação da cidade configura-se como um instrumento de gestão do Estado para manipular e organizar o espaço urbano para os interesses de uma elite política. Apesar da maior parte da bibliografia sobre a construção de Brasília pregar um clima de igualdade de fraternidade entre candangos (trabalhadores vindos de diversas partes do Brasil exclusivamente para a construção da cidade), técnicos, servidores públicos e políticos, a verdade é que existia uma clara distinção entre estes agentes, ainda à época do início da construção da cidade, facilmente percebida pela simples comparação entre as condições de moradia de cada um deles. Para os candangos, a proximidade da casa com o trabalho não significava, necessariamente, índice de qualidade de vida, mas sim condição favorável ao controle da polícia local, que por vezes usou a força para manter o sistema de “viradas”, que além de levar o trabalhador à exaustão total, fazia com que, quantitativamente, o número de acidentes nas obras dobrasse. De fato, a exclusão social no Distrito Federal se tornaria mais evidente ao longo da sua formação, por meio de uma política habitacional altamente excludente, iniciando-se por meio de erradicação de favelas das áreas centrais para a periferia. (Figura 3)
  • 46. 39 Figura 3 – Governador em visita à Comissão de Erradicação de Favelas (Arquivo Público do Distrito Federal) Esta política de erradicação de favelas inicia, assim, um processo longo e duradouro de segregação social, constituindo mesmo em processo inverso daquele que se queria acreditar ou pressupor. O socialismo implícito em suas linhas cuidadosamente desenhadas jamais poderia deter ou contornar questões sociologicamente premeditadas. Como já dito, Brasília era o progresso, o novo Brasil, ideologicamente criada com a idéia precípua de negar e substituir toda uma história de dependência externa. Hoje se sabe que esta dependência nunca deixou de existir, mas se apresenta de outras formas, menos óbvias. Apesar do Núcleo Bandeirante, não previsto no Plano Original, ter sido o exemplo mais representativo de resistência popular que se tem notícia, o caso de erradicação mais dramático e impactante é a dissolução da Vila do Iapi. Composta de doze mil barracos e uma população de oitenta e duas mil pessoas, esta vila foi sumariamente demolida, e seus moradores removidos para uma área 30 quilômetros
  • 47. 40 distante do Plano Piloto, hoje a cidade de Ceilândia, cuja origem do nome vem de Campanha de Erradicação de Invasões (C.E.I). (Figura 4) Nesta época, a área não possuía qualquer tipo de infra-estrutura urbana, mas o argumento do governo para a erradicação da vila foi sumariamente creditado, uma vez que elaborou “laudos técnicos” que justificassem o perigo que ela gerava aos córregos mais próximos. (GOUVÊA, 1995) Figura 4 – Distância a ser percorrida de Ceilândia para o Plano Piloto em 1971 (Arquivo Público do Distrito Federal) Segundo Gouvêa (1995), é curioso notar que o próprio governo reconhecia qualidades urbanísticas na Vila do Iapi, como consta nos relatórios do Plano de Erradicação de Favelas: “ruas bem traçadas, lotes cercados em alguns setores um processo espontâneo de fixação, uma verdadeira comunidade de vivência e serviço”. (Figura 5)
  • 48. 41 Figura 5 – Vista área da Vila do Iapi (Arquivo Público do Distrito Federal) Para se ter uma idéia do que representou a campanha de erradicação de invasões (C.E.I) para a população do DF, somente entre 1970 e 1976, foram erradicadas aproximadamente 118.453 pessoas de favelas e áreas do Plano Piloto, as quais foram relocadas para 43.985 novos lotes do entorno. Nesta época, restaram apenas 3.456 famílias morando em favelas. Essa “limpeza social”, no entanto, não foi suficiente para preservar o Plano Piloto de novos surtos migratórios, fazendo com que o crescimento demográfico passasse de 9,7% em 1976 para 36,1% em 1977. (GOUVÊA, 1995) A regulação da terra começa a tomar rumos efetivamente excludentes quando a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), criada para substituir a até então a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), passa a deter 57% das terras públicas do Distrito Federal, com a função de gerir estas terras e controlar
  • 49. 42 seus usos. O poder decisório desta empresa, pública, conferiu à população de média e alta renda privilégios para a compra de terrenos centrais, próximos à Esplanada dos Ministérios, enquanto as possibilidades de compra do entorno atendiam à população de baixa renda. O caráter privado com que se revestia a Terracap deixa claro as prerrogativas exclusivas de controle da terra: Como é o Estado em Brasília, o agente que detém o controle da oferta destas terras e destina a sua ocupação por meio de um plano urbanístico, onde os padrões desta ocupação estão previamente especificados, ele controlará o momento de transformação do uso do solo, realizando desta maneira os lucros provenientes das rendas fundiárias, constituindo-se num agente que acumula diretamente o capital imobiliário no processo de expansão urbana. (CAMPOS, 1988 apud GOUVÊA, 1995, p.76) Em termos práticos, isto quer dizer que o controle da terra pela Terracap possibilitou a condição para valorização de determinados terrenos pré- estabelecidos, majoritariamente próximos ao centro do poder federativo, por meio da adoção de diferentes formas de venda ou mesmo por meio da doação de imóveis; ou seja, nas áreas que se pretendia de melhor valor, aplicava-se o regime de licitação pública com valores de mercado além daqueles que o cidadão de menor renda jamais poderia pagar. Nas áreas mais afastadas aplicaram-se os regimes de regularização de terras invadidas, com cessão de direitos, e doação, regimes atraentes para aqueles que não podiam comprar um imóvel. Assim, durante a década de 1970, já havia, na periferia do DF, inúmeros núcleos urbanos, todos economicamente dependentes do Plano Piloto, que por sua vez abrigava essencialmente servidores públicos federais e distritais. Levando-se
  • 50. 43 em conta os conceitos elencados por Bertaud (2003), inicia-se, então, a formação de uma configuração urbana que se pode denominar monocêntrica com densidade crescente. O Plano Piloto passa a abrigar grande parte dos empregos ofertados no Distrito Federal, enquanto a periferia recebe um contingente cada vez maior de sua população total. Pode-se dizer que já se inicia aí o fenômeno denominado “dispersão urbana”.
  • 51. 44 7. Dispersão Urbana no Distrito Federal “O processo de produção e a estrutura resultante do espaço urbano refletem a cultura que o produz e organiza. Entretanto, este é apenas um olhar possível: uma vez pronto, o espaço urbano transforma-se, mais ou menos, em inteligível e apropriável, segundo os interesses e as possibilidades de cada indivíduo ou grupo de indivíduos.” (RIBEIRO, 2008, p.26) Diante da particularidade histórica de Brasília, é possível traçar, juntamente com a referência teórica de Bertaud (2003), a performance da cidade no que diz respeito à qualidade de vida de grande parte de sua população, levando-se em conta a busca por uma cidade sustentável. Em uma definição simplificada, entende- se por cidade sustentável aquela que, grosso modo, oferece condições de vida iguais para todos. Subentende-se aqui não somente o acesso à infra-estrutura básica, mas também o acesso a um ambiente propício ao gozo de direitos humanos fundamentais e à qualidade de vida. Para efeito deste trabalho, entende-se “qualidade de vida” como as condições propostas por Nahas23 (2002) com o intuito de se buscar cidadania, justiça, segurança e representação política. Para isto, são consideradas cinco dimensões, que, conjuntamente analisadas, gera uma metodologia de pesquisa baseada no Índice de Vulnerabilidade Social24 (IVS). Estas dimensões são assim definidas: - DIMENSÃO AMBIENTAL: acesso a uma moradia com qualidade, do ponto de vista da densidade do domicílio, da qualidade da edificação e da infra- estrutura urbana disponível. 23 NAHAS, 2000 apud RIBEIRO, 2008, p.44-45. 24 Este índice varia de 0 a 1, sendo o maior valor (1) corresponde à pior situação, e o menor valor (0) corresponde à melhor situação. Os resultados são obtidos através de médias ponderadas de todas as dimensões consideradas como garantias na busca da qualidade de vida.
  • 52. 45 - DIMENSÃO CULTURAL: acesso à educação formal que permita inserção em processos políticos, sociais e econômicos de caráter mais globais. - DIMENSÃO ECONÔMICA: acesso à ocupação, preferencialmente formal, e a um nível de renda. - DIMENSÃO JURÍDICA: acesso à assistência jurídica de qualidade, aqui considerada como sendo a assistência privada. - DIMENSÃO SEGURANÇA DE SOBREVIVÊNCIA: acesso a serviços de saúde, garantia de segurança alimentar e acesso aos benefícios da previdência social. (RIBEIRO, 2008, p.44) Nesse sentido, acredita-se que a dispersão urbana no DF apresenta-se como um dos entraves mais consideráveis para se atingir uma cidade mais justa e igualitária, que ofereça efetivamente qualidade de vida para sua população, uma vez que o espraiamento físico advindo de sua história subentende uma desigualdade não só de renda, mas principalmente, social. Segundo Ribeiro (2008), “a análise urbana deve considerar a cidade como um sistema”25 , ou seja, como um conjunto no qual as partes se interagem e se modificam. A análise parcial não permite avaliar comparativamente os diversos núcleos urbanos, implicando, portanto, em análise superficial. Para o estudo da dispersão urbana é fundamental considerar o comportamento espacial da população, sua distribuição e configuração como um todo. Para isto, foi necessário definir, dentro dos limites do DF, grupos demográficos representativos de uma determinada área, a fim de compactar e simplificar esta pesquisa, visto que este trabalho não objetivou estudar as 25 RIBEIRO, R.J.C. Índice Composto de Qualidade de Vida Urbana – Aspectos de Configuração Espacial, Socioeconômicos e Ambientais Urbanos. Brasília: UnB, 2008.
  • 53. 46 particularidades de cada uma das cidades que compõem o entorno do DF, mas sim verificar como este entorno se relaciona com o Plano Piloto, centro de serviços e empregos. Para critério de análise dessa dispersão, adotou-se como base um índice fornecido por Bertaud (2003), qual seja: o padrão de viagens diárias adotadas pela população local, levando em conta os pontos de partida e chegada dos locais de moradia para o trabalho e vice-versa. Uma vez que contínuo e repetitivo, entende-se que este movimento, pendular, forneça números significativos e aproximados de uma realidade hoje existente. Vale salientar ainda que, contrariamente ao que foi previsto pelo Plano Urbanístico de Lúcio Costa, que previa 8 Cidades-Satélites ao redor do Plano Piloto, atualmente o Distrito Federal é composto por 29 Regiões Administrativas (RAs), as quais possuem prerrogativas legais para elaboração de seus próprios Planos de Desenvolvimento Locais, além de independência administrativa em relação ao Plano Piloto. Dentre as 29 RAs existentes (Figura 6), apenas 19 são contempladas para efeito deste trabalho, uma vez que somente estas possuem poligonal definida. O restante das RAs possui apenas lei de formação, estando locadas sem limites definidos dentro deste conjunto.
  • 54. 47 Figura 6 – Localização espacial das Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal e suas respectivas distâncias em relação à Brasília - Esplanada dos Ministérios. (adaptado de http://www.geocities.com/augusto_areal/ra_big.jpg)
  • 55. 48 Outra observação pertinente ao entendimento dos dados aqui apresentados diz respeito à divisão que se faz entre “Brasília” e “Distrito Federal”. O Distrito Federal engloba todas as RAs, excetuando-se o Plano Piloto (RA I), o Lago Sul (RA XVI) e o Lago Norte (RA XVIII), os quais, em conjunto, compõe atualmente a cidade de Brasília, que representa o conjunto das RAs com maior concentração de renda do DF. Diante das bases de pesquisa apresentadas, é necessário fazer algumas observações acerca das informações obtidas como fonte para este trabalho. A primeira delas diz respeito à divisão por grupos representativos de uma determinada área, a qual teve a colaboração do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (DIEESE), que considerou como parte de um mesmo grupo parcelas da população com rendas similares. O problema aqui reside no fato de que a classificação por renda não constitui, necessariamente, parâmetro para análise da qualidade de vida de uma população. Esta variável demanda estudos mais profundos para o seu pleno entendimento, e não será possível tratá-la de forma abrangente. Assim, pretende-se avaliar somente parte desta variável, uma vez que o custo social gerado pela dispersão urbana influencia na relação do ser humano com seu entorno, e conseqüentemente, com a cidade. Portanto, a classificação por grupos feita pelo DIEESE não permite concluir sobre a totalidade das condições de sustentabilidade da população considerada, mas sim uma análise parcial das condições de vida de um conjunto de pessoas pertencente a um mesmo grupo, por meio do deslocamento diário desta população. Os grupos são assim definidos:
  • 56. 49 - Grupo 1: Grupo de Regiões Administrativas de renda mais alta (Brasília26 , Lago Sul e Lago Norte); - Grupo 2: Grupo de Regiões Administrativas de renda intermediária (Gama, Taguatinga, Sobradinho, Planaltina, Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro, Candangolândia e Riacho Fundo); - Grupo 3: Grupo de Regiões Administrativas de renda mais baixa (Brazlândia, Ceilândia, Samambaia, Paranoá, São Sebastião, Santa Maria e Recanto das Emas). Por meio do Gráfico 4 fica claro que existem grandes disparidades de renda entre as cidades do DF, e que, para simplificação da pesquisa, não foram consideradas. Tomando-se como referência as cidades de Taguatinga e Planaltina, é possível perceber grande diferença de renda entre essas duas cidades. Enquanto a renda domiciliar mensal da primeira gira em torno de 9,6 salários mínimos, a segunda apresenta um valor de 3,2. 26 Aqui, entende-se Brasília como Plano Piloto (Asa Sul e Asa Norte)
  • 57. 50 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Brasília Gama Taguatinga Brazlândia Sobradinho Planaltina Paranoá NúcleoBandeirante Ceilândia Guará Cruzeiro Samambaia SantaMaria SãoSebastião RecantodasEmas LagoSul RiachoFundo LagoNorte Candangolândia ÁguasClaras RiachoFundoII Sudoeste/Octogonal Varjão ParkWay SCIA(Estrutural) SobradinhoII Itapoã Regiões Administrativas Renda(SM) Gráfico 4 – Renda domiciliar per capita mensal segundo as Regiões Administrativas (RAs) (CODEPLAN, 2006) Isto quer dizer que a divisão por grupos ora apresentada permite gerar distorções nas análises que se seguem pela generalização e simplificação dos dados fornecidos. Outra generalização feita no levantamento dos grupos diz respeito à localização das cidades consideradas em um mesmo grupo. Uma vez que a análise da dispersão leva em consideração o tempo gasto entre o local de moradia e trabalho, o local de partida sofre alterações significativas em relação ao centro de serviços e empregos, o Plano Piloto. Gama e Planaltina, por exemplo, são cidades que se encontram fisicamente opostas, mas, contraditoriamente, pertencem a um mesmo grupo (Grupo 2).
  • 58. 51 Idealmente, deveria se trabalhar com dados referentes a cada uma das cidades, tomando como ponto de partida seus centros demográficos, ou seja, as áreas de maior concentração populacional de cada uma das cidades consideradas. Dessa forma, seria possível avaliar as relações intra e inter-urbanas existentes dentro do DF, possibilitando, inclusive, concluir sobre qual das cidades do entorno possui pior ou melhor índice de dispersão urbana em relação ao Centro de Comércio e Serviços (CCS27 ) do DF. Para a análise de dados desta pesquisa, entretanto, foram adotados os centros demográficos de maior peso dentre as cidades pertencentes a um mesmo grupo, ou seja, a área de maior atração populacional dentre todas constituintes de um grupo. A figura 6 demonstra, por meio de distintos pontos vermelhos, o centro demográfico considerado para cada um dos três grupos propostos pelo DIEESE, assim divididos: 27 CCS (Centro de Comércio e Serviços ) = CBD (Central Business District)
  • 59. 52 Figura 7 – Distribuição espacial dos agrupamentos definidos pelo DIEESE e seus respectivos CDBs.
  • 60. 53 - Grupo 1: CDB corresponde à Esplanada dos Ministérios; - Grupo 2: CDB corresponde ao Pistão Sul (Avenida EPCT), Taguatinga; - Grupo 3 : CDB corresponde à Avenida Hélio Prates, centro de Ceilândia. No caso do grupo 3, o centro de Ceilândia configura-se como a região de maior concentração de empregos dentre todas as cidades constituintes deste grupo, assim como ocorre com Taguatinga no grupo 2 e Esplanada dos Ministérios no grupo 1. Ceilândia e Taguatinga são as cidades que possuem o comércio mais expressivo, o qual contribui em termos médios com 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do DF (CODEPLAN, 2006). Em virtude do Distrito Federal não ter se desenvolvido nas atividades do setor primário (agropecuária e extrativismo), sua atividade econômica se baseia principalmente pelas funções institucional-administrativas, localizadas de forma preponderante no Grupo 1. Importante saber que a atividade econômica da população do DF está dividida em prestação de serviços (55,8%), administrações federal e distrital (19,3%), comércio (16,9%), e indústria (7,1%). As atividades agropecuárias não chegam a contabilizar 1% (Gráfico 5).
  • 61. 54 0 100 200 300 400 500 600 Industria de Transformação Construção Civil Comércio Serviços Administração Pública Outros(1) Setor de Atividades Ocupados(emmil) Gráfico 5 – Perfil ocupacional da população ocupada segundo os setores de atividades. (CODEPLAN, 2006) Visto os problemas inerentes aos dados utilizados, em um primeiro momento talvez fosse possível concluir que o Distrito Federal possui uma configuração urbana policêntrica do ponto de vista de sua organização espacial, uma vez que podem ser considerados outros pontos de atração populacional. Entretanto, faz-se necessário enfatizar a diferença entre cidade dispersa e cidade descentralizada, as quais possuem conceitos completamente diversos. A cidade descentralizada é uma cidade policêntrica; a cidade dispersa não. A diferença entre uma e outra está basicamente no fato de na primeira existir, além do CCS, outros pólos de serviços e empregos, com diferentes pesos de atração. Na segunda, existe apenas um CCS com peso suficiente para concentrar grande parte
  • 62. 55 das oportunidades de emprego, o qual atende a maioria da população localizada de forma dispersa e irracional. Este é o caso do DF. O grupo 1 possui maior influência para a análise da dispersão, uma vez que detém mais de 190 mil ocupados trabalhando na Administração Pública. Isto significa que a Esplanada dos Ministérios, centro do poder administrativo federal e distrital, recebe um contingente populacional maior do que os CCS dos grupos 2 e 3, ou seja, as viagens diárias percorridas pela população do DF acontece de sua periferia para o seu interior. Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN), em 2004, Brasília (Grupo 1) contava com apenas 11% do total da população do DF, sendo que 74% da população economicamente ativa, representada pelos Grupos 2 e 3 , trabalhava no Grupo 1. Em termos práticos, isto significa que 74% da população do DF deveria se deslocar, aproximadamente, 20 quilômetros de suas moradias para os locais de trabalho diariamente. Em 1992 a situação desta migração diária já ocorria, porém com um contingente de 64%, menor do que no ano de 2004. Em 2008, essa parcela subiu para 79%. Isto significa que o número de pessoas que moram no entorno (Grupos 2 e 3) e trabalham no Grupo 1 vem aumentando nos últimos 16 anos (Quadro 1) Em números relativos, é possível inferir, ainda, que a população residente no Grupo 2 possui uma maior dependência do CCS do Grupo 1 do que o Grupo 3. A parcela de moradores do Grupo 2 que trabalha no Grupo 1 é maior do que os
  • 63. 56 moradores do Grupo 3, independentemente da densidade populacional de cada um dos grupos. É possível perceber ainda que, entre 1992 e 2008, os moradores do Grupo 1 que trabalham neste mesmo grupo diminuiu ao longo deste anos. Com os dados disponíveis para esta pesquisa, não seria possível o entendimento dos motivos pelos quais isto ocorreu, visto que os CCS dos Grupos 2 e 3 não receberam contribuição desta população em seus postos de trabalho. Uma suposição para a interpretação deste fato seria o incremento de atividades autônomas e informais na população do Grupo 1, as quais não foram computadas na avaliação de atividades econômicas da CODEPLAN. No entanto, para a verificação desta suposição seria necessário estudo mais específico, cuja abordagem não é o foco deste trabalho. Fica claro que a população de maior renda possui condições de acessibilidade mais privilegiadas do que àquela com menor renda. Isto porque as distâncias percorridas entre os seus locais de moradia e trabalho são menores e, portanto, mais próximas, o que demanda custos operacionais mais baixos. Paradoxalmente, a população de menor renda deve percorrer caminhos mais longos entre seus locais de moradia e trabalho, absorvendo não somente o custo operacional, mas também o custo incidente sobre sua qualidade de vida.
  • 64. 57 Quadro 1 – Distribuição das pessoas ocupadas segundo o local onde trabalha 28 . (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE, 2009) Ano Local onde Trabalha Local onde Mora - Grupos de Regiões Administrativas Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Total 1992 Grupo 1 35,0 39,0 25,0 100,0 Grupo 2 3,0 75,0 23,0 100,0 Grupo 3 (D) 13,0 87,0 100,0 Várias-DF(B) (D) 46,0 54,0 100,0 Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D) Entorno(C) (D) (D) (D) (D) 1996 Grupo 1 32,0 40,0 28,0 100,0 Grupo 2 2,0 74,0 24,0 100,0 Grupo 3 (D) 15,0 84,0 100,0 Várias-DF(B) (D) 42,0 53,0 100,0 Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D) Entorno(C) (D) (D) (D) (D) 2000 Grupo 1 29,0 41,0 30,0 100,0 Grupo 2 2,0 73,0 26,0 100,0 Grupo 3 (D) 13,0 87,0 100,0 Várias-DF(B) (D) 44,0 50,0 100,0 Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D) Entorno(C) (D) (D) (D) 100,0 2004 Grupo 1 26,0 42,0 32,0 100,0 Grupo 2 2,0 70,0 29,0 100,0 Grupo 3 (D) 12,0 87,0 100,0 Várias-DF(B) (D) 38,0 57,0 100,0 Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D) Entorno(C) (D) (D) (D) 100,0 2008 Grupo 1 21,0 43,0 36,0 100,0 Grupo 2 1,0 67,0 31,0 100,0 Grupo 3 (D) 11,0 89,0 100,0 Várias-DF(B) (D) 41,0 59,0 100,0 Nem Ras e nem Entorno (D) (D) (D) (D) Entorno(C) (D) 45,0 55,0 100,0 28 Notas: Grupo (A): A amostra desagregada não compreende a categoria. Grupo (B): Pessoas que trabalham em mais de uma RA (Região Administrativa). Grupo (C): Cidade do entorno: Unaí (MG), Água Fria (GO), Alexânia (GO), Cabeceiras (GO), Cristalina (GO), Corumbá de Goiás (GO), Formosa (GO), Luziânia (GO), Cidade Ocidental (GO), Novo Gama (GO), Pedregal (GO), Céu Azul (GO), Padre Bernardo (GO), Planaltina (GO), Santo Antônio do Descoberto (GO), Valparaiso (GO), Águas Lindas (GO). Grupo (D): A amostra estatística desagregada não comporta a categoria.
  • 65. 58 Grupo1 Grupo1 Grupo1 Grupo1 Grupo1 Grupo2 Grupo2 Grupo2 Grupo2 Grupo2 Grupo3 Grupo3 Grupo3 Grupo3 Grupo3 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 1992 1996 2000 2004 2008 Ano Porcentagem Gráfico 6 – Comportamento das viagens diárias entre os locais de moradia (Grupos 1,2,3) e o CCS do DF (Grupo 1)
  • 66. 59 8. Considerações Finais Diante dos dados disponibilizados, fica claro o caráter excludente com que se revestiu a política habitacional no Distrito Federal durante toda a sua formação. Ainda que parcial, a análise ora apresentada permite concluir que Brasília imprime em sua população altos custos sociais e econômicos, visto que a cidade dispersa segrega e exclui. Não seria possível pensar em sustentabilidade sem integração e socialização, uma vez que este conceito vai além da questão ambiental, trazendo consigo valores e hábitos condizentes com a busca da qualidade de vida. Para Ojima29 (2006), além da ocupação do espaço, a dispersão urbana implica também na resolução de problemas sociais, os quais deveriam ser analisados de forma conjunta com a ocupação urbana. Problemas de ordem social, no entanto, não cabem ao planejador urbano. O Estado é que deveria agir na busca de sociedades mais justas e igualitárias, tendo isto como foco de atuação em sua gestão pública. Para o caso de Brasília, acreditava-se que a distância física seria suficiente para afastar a pobreza e os problemas sociais existentes no país aos olhos de uma burguesia política. Nos últimos anos, no entanto, a pobreza e a violência no DF têm se agravado, muito em função da própria segregação espacial a que a população do entorno está sujeita. Conforme Bertaud (2003), o poder do planejador urbano está essencialmente no fato de buscar aquilo que a cidade se propõe ser. Assim, ele está também sujeito às prioridades de atuação do Estado. 29 OJIMA (2006) apud RIBEIRO (2008), p.14-15
  • 67. 60 Portanto, pensar Brasília em uma cidade sustentável suscita inúmeros questionamentos quanto à possibilidade de isto efetivamente ocorrer. Poder-se-ia pensar, no entanto, em como torná-la menos segregada e excludente do ponto de vista espacial, ainda que observados os limites de seu tombamento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). A pergunta que se faz é se as áreas de expansão urbana hoje presentes no DF, predominantemente representada pela Estrada Parque de Indústria e Abastecimento (EPIA), contribui ou não para o aumento desta segregação. O estudo relativo a este problema deveria contemplar análises de legislações vigentes, e possibilidades de ocupação mais condizentes com uma cidade sustentável que permita a interação entre as pessoas. O estudo aproximado das áreas com potencial integrador permite direcionar as ações públicas para a sustentabilidade no seu sentido mais amplo, se assim for a vontade do Estado. De fato, a cidade sustentável, porquanto possível, somente será realmente atingida com os esforços de todos os segmentos da sociedade.
  • 68. 61 9. Referências Bibliográficas: - BERTAUD, Alain. The Spatial Organization of the Cities: Deliberate outcome or unforessen consequence? Institute of Urban & Regional Development (IURD), 2004. Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/iurd/wps/WP-2004-01> Acesso em: 20 mar. 2009. - CODEPLAN. Distrito Federal: Síntese de Informações Sócio-Econômicas. Brasília, 2006. - Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano. Disponível em: <http://unced1992.wordpress.com/about.htm> Acesso em: 10 jun. 2009. - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Distribuição das pessoas ocupadas segundo o local onde trabalha, 2009. - FERREIRA, J.S.W. O Mito da Cidade Global: o papel da ideologia na produção do espaço urbano. São Paulo: Vozes/ Unesp, 2007. - FUNARI, Pedro Paulo e PELEGRINI, Sandra C.A. Patrimônio Histórico e Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. - GOUVÊA, Luiz Alberto de C. Brasília: A Capital da Segregação e do Controle Social: Uma avaliação da ação governamental na área de habitação. São Paulo: ANNABLUME, 1995. - GUTIÉRREZ, Ramón. Arquitetura Latino-Americana: Textos para Reflexão e Polêmica. São Paulo: Nobel, 1989. - HISSA, E.V.; Cássio (Coord). Saberes Ambientais: Desafios para o conhecimento disciplinar. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
  • 69. 62 - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/popmunic2007la youtTCU14112007.pdf>Acesso em 07 set. 2009. - HOLANDA, Frederico de. O Espaço de Exceção. Brasília: UnB, 2002. - PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília em Questão: Ideologia e Realidade. São Paulo, Projeto, 1995. - REIS, Nestor G. (Org.). Dispersão Urbana: Diálogo sobre pesquisas Brasil – Europa. São Paulo: FAU-USP, 2007. - RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Índice Composto de Qualidade de Vida Urbana – Aspectos de Configuração Espacial, Socioeconômicos e Ambientes Urbanos. Brasilia: UnB, 2008. - ROGERS, Richard. Ciudades para un pequeño planeta. Barcelona: Gustavo Gili, S.A, 2000. - SANTOS, José Luiz dos Santos. O que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. - SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Paulo: USP, 2008.