Análise de "A carteira de meu tio", de Joaquim Manuel de Macedo
1. A carteira de meu tio,
Joaquim Manuel de Macedo
Manoel Neves
2. MACEDO E O ROMANTISMO
uma arte a serviço da burguesia
romance urbano
sentimental de costumes
História de amor impossível Observação realista da vida social e política
Narrativa tradicional Narrativa tradicional
O par amoroso supera dificuldades Sátira às Instituições e aos Costumes
A moreninha A carteira de meu tio
O moço loiro Memórias de um sobrinho do meu tio
As mulheres de mantilha A luneta mágica
3. O ESTILO DE MACEDO
simplicidade e engajamento
humor;
descrições minuciosas;
enredos mirabolantes;
caráter mais documental que ficcional.
4. MACEDO & A CRÍTICA LITERÁRIA I
“um admirável escritor superficial”
01. cronista demasiado ligado a seu tempo
02. não tem muita consciência do artesanato da escrita;
03. uso da linguagem coloquial e de trocadilhos;
04. filósofo do óbvio: aprofunda-se em conceitos moralizantes e alegorias.
Os aspectos apontados acima, que conferem à escrita de Macedo um caráter despojado,
simples e corrente, afastam-no da dita Literatura Oficial [canônica], mas, paradoxalmente,
podem ser tomados como índices de modernidade, na medida em que, guardadas as
devidas proporções, o Modernismo de 1922 tinha por objetivo justamente a
construção de uma literatura simples, direta e coloquial.
5. MACEDO & A CRÍTICA LITERÁRIA II
três apontamentos de Antonio Candido
A realidade, em Macedo, ocorre, mas tão-somente nos dados iniciais; seus sonhos são de rédea curta e
a linguagem é familiar espraiada.
Vale-se de uma via de comunicação fácil, isto é, “sua força não provém da singularidade do que
exprimem, mas do fato de saberem fornecer ao leitor mais ou menos o que ele espera, ou é capaz de
esperar.
A visão da sociedade, nesse autor, era estreita e superficial, embora elementos do paternalismo
escravocrata do Segundo Reinado, por alguns momentos, devam ter marcado a sua sensibilidade.
6. A CARTEIRA DE MEU TIO
literatura e sátira social
romance urbano de costumes
1855 alegoria satírica dos costumes políticos brasileiros de meados do século XIX
a alegoria
Trata-se de uma narrativa cujo enredo funciona como uma metáfora, ou seja, nela
temos distintos dois planos de significação: o primeiro, que resulta da significação dos
elementos formais da história que lemos, e o segundo, que é formado a partir da
leitura que se pode fazer dos significados construídos pelos campos semânticos
articulados pelo primeiro nível de significação.
um exemplo
tio aristocracia agrária
sobrinho classe política [inescrupuloso, defende apadrinhamento e falcatrua]
Compadre Paciência elemento popular dotado de alguma consciência
7. FICÇÃO, HISTÓRIA & POLÍTICA
em “A carteira de meu tio”
1824 1853
a I Constituição do Império é outorgada primeiro gabinete de Conciliação do Império
Dom Pedro I Marquês do Paraná
texto de caráter ambivalente uma mesma elite agrária se articula em dois partidos
TRAÇO AUTORITÁRIO: concentra poder na mão do Imperador CONSERVADOR: Saquaremas
TRAÇO LIBERAL: liberdade de imprensa e de culto LIBERAL: Luzias
política e literatura
Os dois partidos deste período, que congregavam os homens bons, representavam a
mesma aristocracia agrária [repressiva, conservadora e preconceituosa] e pouco se
distinguiam. Um político da época disse que o partido que sobe entrega ao partido que desce o
programa da oposição e dele recebe o programa de governo.
8. A CARTEIRA DE MEU TIO
apontamentos políticos de um “homem bom”
a ética do “bom selvagem”
caráter conservador nostalgia da [velha] ordem
pensamento da classe média estabilizada do séc. XIX mudanças políticas e urbanização ameaçam a moral
homem comum, o homem bom, o bom católico molda-se uma nova sociedade a partir de um modelo
essa é, segundo a crítica, a ética do “bom selvagem” função moralizante do romance romântico
9. A CARTEIRA DE MEU TIO
aspectos técnicos
analisando a narrativa
romance de costumes
sátira à política do início do II Império
narrativa de viagem
o narrador-protagonista anota num caderno [carteira] suas impressões de viagem
crônica de costumes
ao invés de ação, o que encontramos são impressões, digressões e opiniões; parte de eventos do real
narrativa alegórica
o fato de as personagens não terem nome dá a elas um caráter coletivo [representa um grupo social]
10. A CARTEIRA DE MEU TIO
aspectos técnicos
intertextualidades
prólogo
atribuído ao narrador, funciona como síntese de sua ideologia cínica:
Eu digo as coisas como elas são: há só uma verdade neste mundo, é o EU; isto de
pátria, filantropia, honra, dedicação, lealdade, tudo é peta, tudo é história, ficção,
parvoíce; ou (para me exprimir no dialeto dos grandes homens) tudo é poesia.
referências irônicas ao poeta e à poesia
o pragmatismo pequeno-burguês e a mediocridade política são incompatíveis com a poesia;
epígrafe
as epígrafes que aparecem antes de cada um dos 4 capítulos resumem o enredo a ser visto;
alusões
referências aos escritores: Tasso, Cervantes, Gonzaga, Gonçalves Dias, Garret, Dumas e outros.
retomada das novelas de cavalaria
o sobrinho é um anti-quixote; as epígrafes antes de cada capítulo tb são oriundas desse gênero
11. A CARTEIRA DE MEU TIO
enredo, capítulo 01
o sobrinho estudou em Paris às expensas do tio nunca frequentou uma biblioteca e decidiu ser político;
o tio estabelece uma condição: o sobrinho deveria viajar pelo país para conhecer os problemas nacionais
a viagem seria feita num cavalo ruço, lento e em companhia de uma defunta [a Constituição de 1824];
leva, tb, alguns livrinhos, as leis do Império, ridicularizadas durante a viagem; logo no início da viagem,
depara-se com estradas esburacadas e lamacentas; pensa que o presidente da província desconhece tais
condições; depois de ficar preso num atoleiro, outra personagem entra em cena; trata-se do Compadre
Paciência, amigo do tio do narrador, que ajuda o protagonista, indicando-lhe um atalho; conforme visto
anteriormente, esta personagem se opõe ao narrador-protagonista; conversam sobre política e o novo
personagem critica as assembleias provinciais, cujas leis não eram cumpridas; o sobrinho acredita que
o compadre era republicano; criticam os partidos políticos da época [Luzias e Saquaremas]
12. A CARTEIRA DE MEU TIO
enredo, capítulo 02
depois de sair do atoleiro e falar sobre atalho, desvio e estrada real, o locutor chega à casa de colonos
que estava pegando fogo; o responsável pela ação foi o próprio dono da fazenda; fizera aquilo porque
o morador não votara na chapa do governo; depois, na casa de um inspetor de quarteirão, a dupla
encontra uma criança que lê um trecho da Constituição que fala que a casa é um asilo inviolável.
o Compadre Paciência expõe uma alegoria acerca da política: vários porcos disputam o mesmo cocho
Quero dizer, repito, que a razão da gritaria e do espalhafato que fazem esses e outros que
tais glutões políticos, está em ser o cocho pequeno, e não poderem todos comer ao mesmo
tempo dentro dele. Em uma palavra, compadre, quero dizer que há entre nós uma certa
qualidade de gente para quem a política é o milho, a pátria é o milho, o futuro e a glória é o
milho; e está acabada da história.
cocho Assembléia ou Câmara
políticos porcos
milho verbas
MORAL: há pessoas que não veem a política como a busca do bem comum, mas como meio de vida
13. A CARTEIRA DE MEU TIO
enredo, capítulo 03
valendo-se da ironia, o narrador diz ser a constituição um poema em oito cantos, com cento e sessenta
e nove estrofes de metrificação variada que serve para entretenimento nas horas vagas; falam da
Política de Conciliação – vista como inútil; o único objetivo dos políticos era encher a barriga; e por falar
em encher a barriga, a dupla chega à estalagem do Sr. Constante [alegoria, governista ferrenho];
o sobrinho finge ser oposicionista; o estalajadeiro enrola-o e, quando traz a comida, ela é intragável;
faz-se então a conciliação – o narrador se diz governista e é bem atendido e bem alimentado; devido
ao fato de haver comido muito, o protagonista tem um pesadelo; trata-se de mais uma alegoria:
14. A CARTEIRA DE MEU TIO
enredo, capítulo 03
alegoria da progresso material
Pareceu-me que me achava em um lugar tão alto, que me considerei transportado ao
mundo da Lua, ou pelo menos encarapitado em cima da pedra do Corcovado; era enfim
um lugar muito alto, como a presunção e a vaidade daqueles que sendo há poucos anos
muito pouca coisa, transformaram-se em grandes coisas, por graça da Constituição, de
quem juram agora fazer a desgraça [...] e por diante de meus olhos foi passando
vagarosamente um vasto e rico império, como a esfera terrestre rodando ao olhar de um
estudante de geografia. Que império era esse? [...] Parecia-se com o Império do Brasil. [...]
Vi a impudência em pé, o servilismo de cócoras, o mérito atirado nos cantos. Vi a
imoralidade política vestida de casaca e a honra coberta de farrapos. Vi a corrupção armada
de uma espada de ouro espatifando grandes bandeiras, [...] vi o predomínio do
individualismo substituindo a luta dos princípios, e o poder das ideias. [...]
Engodo defensor do progresso material
garotas provocadoras [levam bandeiras] Estradas de Ferro, Navegação a Vapor, Cia. de Iluminação
outras personagens Agiotagem, Hipocrisia, Imoralidade, Traição, Escândalo, Covardia
para Paciência, o progresso material deveria vir acompanhado de progresso moral e político
15. A CARTEIRA DE MEU TIO
enredo, capítulo 04
no início da madrugada, os protagonistas discutem política; falam da necessidade de acordar cedo;
Paciëncia diz: quem mais cedo anda, depressa chega; o sobrinho, para contestar, cita Tiradentes:
apressou-se em libertar a pátria e morreu enforcado; antes de partirem, ouvem o estalajadeiro fazer
um discurso em defesa do progresso material; o protagonista conta seu sonho a Paciência, este afirmar
ser aquela visão um quadro fiel da realidade; defende, ainda, o progresso moral; para provar que o
governo só age quando lhe convém, cita a proibição ao tráfico escravo; o sobrinho defende o nepotismo
e o despotismo da polícia; chegam a outra cidadezinha, param numa estalagem e ficam sabendo que
haverá um júri naquele dia; os viajantes visitam a cadeia, onde cada preso respirava por sua vez a porção
de ar j[a respirado mil vezes por todos os outros; Paciência faz um discurso contra a imunda carceragem
q, segundo ele, estraga o homem, o protagonista tropeça nas leis atiradas no chão da cadeia; lê, então,
as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas [dá-lhe verossimilhança!!!]; Paciëncia defende o júri
e deseja assistir à disputa; o sobrinho diz ser o júri uma lei estúpida; diz, ainda, que o bom senso é
raro e relativo; começa o julgamento; segundo o locutor, cada um dos presentes estava preocupado
com questões pessoais: o juiz querendo fumar, o promotor desenhava ou escrevia versos, todos estavam
16. A CARTEIRA DE MEU TIO
enredo, capítulo 04
descontentes; eis que o escrivão toma a palavra e xinga o júri; Paciëncia desanca-o, afirmando ser tal
instituição uma das mais sagradas do país; o culpado da impunidade não era o júri, era o governo:
A causa da impunidade é a mania de fazer deputados e senadores que têm o governo: olhe,
meu caro escrivão, se quer que eu lhe conceda que o júri é mau; há de me conceder
primeiro que o nosso governo é péssimo.
ante isso, o escrivão brada morra o júri e esmurra o Compadre Paciência; os dois se atracam; aparece
o subdelegado e prende o Compadre Paciência, que é escarnecido pelo escrivão ao ser preso; o narrador
nada faz para defender o companheiro de viagem, pois acha que o castigo foi merecido:
Os tais senhores liberais e preconizadores do progresso são verdadeiros condutores da
peste, e devem por isso mesmo ser recolhidos à cadeia, espécie de lazaretos muito
convenientes para se guardarem em quarentena os patriotas.
o conservador protagonista que terá de dar soltura ao seu vetusto companheiro antes de seguir viagem
faz ainda um último comentário: além dos poderes instituídos, o Império possui mais três: o Patronato,
o Fisco e a Polícia.
17. A CARTEIRA DE MEU TIO
aspectos técnicos
narrador
narrador-protagonista, de primeira pessoa, não-confiável
personagens
planas, previsíveis e caricaturais, como se pode constatar pela apresentação do estalajadeiro
Era um marquinha-de-judas, de pés pequenos, enorme barriga saliente, cabeça enterrada
entre os ombros, cara chata e vermelha, boca rasgada e sempre a rir, bochechudo, olhos
vesgos, nariz piramidal, tendo o ápice da pirâmide coroado por um volumoso calombo cor
de camarão torrado: testa de menos de polegada, e abundante cabeladura muito
desprezada.
tempo
início da segunda metade do século XIX, tempo do Gabinete de Conciliação do Marquês do Paraná
espaço
interior do país, nas proximidades da capital do Império [RJ]
18. A CARTEIRA DE MEU TIO
aspectos técnicos
a linguagem
diálogos pontuados pela ironia e pelo sarcasmo
– O que queres ser então?
– Político, meu tio.
Com efeito, do mesmo modo que sucede a todos os vadios de certa classe, a primeira ideia
que me sorria, tinha sido a política!
– Mas olha que a política não é meio de vida – observou o velho.
– Engano, meu tio! A pátria deve pagar bem a quem quer fazer o enorme sacrifício de viver
à custa dela.
linguagem coloquial, adágios e provérbios
ficar de orelha em pé rua da amargura dente de coelho
dizer cobras e lagartos andar de Herodes para Pilatos lá nas botas de Judas
chorar pelas cebolas do Egito dar cavaco tempo do onça
19. A CARTEIRA DE MEU TIO
aspectos técnicos
a linguagem
alegorias
alegoria dos porcos
alegoria do progresso material
alegoria do acordar cedo
metalinguagem
Vou descrever este importante animal, mas, bem entendido, há de ser em prosa,
primeiramente, porque abomino a poesia, e dou ao diabo os poetas; e em segundo lugar,
porque, a despeito de todo o meu desmarcado gênio, este miserável cavalo não seria capaz
de me inspirar mesmo um verso de pé quebrado!
símiles
a Constituição é comparada a uma defunta e a sorvete suas montarias são dois animais conservadores
trocadilhos
Descartes descartou-se com asseverar que a alma estava encarapitada na glândula pineal.