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1
Os Últimos 50 anos da Pintura e Escultura Portuguesa do
Século XX
Os últimos cinquenta anos da pintura e escultura portuguesas, não podem ser
desvinculados de modo algum do que lhes precedeu. Evidentemente, não é possível em
virtude das limitações de espaço, abordar de forma muito complexa tudo quanto esteve
na génese deste período, no entanto, convirá para melhor explicitação, recuarmos um
pouco, e criarmos uma sinergia de modo a melhor relacionarmos os momentos
posteriores.
A incumbência deste trabalho levantou grandes dificuldades no que diz respeito
à escolha dos artistas. Não pretendemos criar uma hierarquia de nomes, nem, tampouco,
eleger grupos em detrimento de outros. Por outro lado, foi nossa intenção fazer
representar as atitudes, ou os movimentos, por alguns elementos que poderão não ser os
mais representativos do tema em causa, mas que enunciam suficientemente o fim
desejado, de modo plausível e clarificador. Não deixa de ser ingrato assumir a
responsabilidade da selecção dos artistas, por critérios que, evidentemente, são
subjectivos. Tal selecção assenta na firme convicção do nosso critério, aceitando desde
já a crítica da subjectividade optada.
Não poderia deixar de exprimir, os meus sinceros agradecimentos ao Dr. Telo de
Morais, pelas conversas que ajudaram na elaboração deste breviário.
2
Após a Segunda Guerra Mundial brotou um clima favorável a uma
fundamentação críptica das artes plásticas numa sociedade marcadamente progressista.
As Exposições Gerais de Artes Plásticas foram de 1946 a 1956 orientadas pelo
Movimento de Unidade Democrático, possuíam uma determinação artística próxima do
“realismo socialista”. O Neo-Realismo foi o movimento que mais fascinou os artistas1
em meados de 40. Com esta atitude, os artistas desejavam transmitir uma informação de
apoio ao povo, e pretendiam contribuir para o melhoramento da vida social, apoiando-se
na ambição da derrota de Salazar2
. A finalidade consistia numa transformação da
consciência da sociedade, mas sem grandes resultados político-sociais. Neste período
são organizadas várias Exposições Independentes3
, por várias cidades do país,
nomeadamente no Porto, Lisboa, Coimbra, etc. Este neo-realismo, denota uma grande
preocupação formal, como no conceituadíssimo Almoço do Trolha4
[1946-50] de Júlio
Pomar [1926- ]. Muitos artistas desvincularam-se deste caminho sob a égide de uma
nova formalização estética.
Júlio Pomar, O Almoço do Trolha, 1947.
Tornava-se imperioso romper a obsolescência da arte, e criar uma expressão que
se apresentasse como uma outra via de libertação. As primeiras obras surrealistas
surgiram com este desígnio. Estava esgotado o exercício “dimensionista” que António
1
Entre outros, Júlio Pomar [1926- ], Ribeiro de Pavia [1910-1957, Querubim Lapa [1925- ], Avelino
Cunhal, Rogério Ribeiro [1930- ].
2
Apesar da vitória de Salazar nas eleições de 1949, este não perdoou ao modernista António Ferro [1895-
1956], director do Secretariado de Propaganda Nacional, o facto de não lhe ter conseguido o apoio dos
artistas, demitindo-o das suas funções.
3
Nestas exposições participaram vários artistas, entre outros, Fernando Lanhas, Nadir Afonso, António
Lino, Arlindo Rocha, Júlio Pomar, Vítor Palla.
4
Considerado como o ponto referencial e mais representativo da pintura Neo-Realista portuguesa.
3
Pedro [1909-1966] tinha como preocupação, e era necessário ir mais além do seu
expressionismo. Este encontrou como aliado, António Dacosta [1941-1990], que o
ajudou nessa cisão, bem assim como Cândido Costa Pinto [1911-1976]. Estes três foram
os responsáveis pelo aparecimento em 1947 do surrealismo em Portugal fortemente
influenciado pelo ímpeto parisiense desse ano, que se fez sentir verdadeiramente como
grupo após o apoio de José Augusto França. Após este período outros se lhes juntaram,
tais como Alexandre O’Neill [1924-1986], Mário Cesariny [1923- ], Marcelino
Vespeira [1925-2002], Fernando Azevedo [1923-2002], e Moniz Pereira [1920-1988].
Cândido Costa Pinto, Decadência Outonal/
Fadista, 1943.
Por divergências de vária ordem, o grupo surrealista, divide-se em dois,
liderados respectivamente por António Pedro e Mário Cesariny. Ambos questionavam
os direitos de autenticidade surrealista. Os dois grupos duraram pouco tempo, mas
deixaram, porém, uma porta aberta para a criatividade que viria a ser explorada nas
décadas seguintes. O drama da guerra e as circunstâncias da época foram determinantes
para o trabalho do trio, Pedro, Dacosta, e Cândido, aos quais se lhes pode juntar um
quarto – Maria Helena Vieira da Silva [1908-1991]. Foram estes quatro os pintores mais
modernos do início da década, mas com dificuldade em prestarem aquilo a que se
propunham: tornar a arte esclarecida a um público lato. Não havia empenho político
nem social para se atingir tal desiderato. Isto veio reafirmar, já em meados do século
XX, a incompreensão e o “analfabetismo” estético, face à diminuta educação visual de
uma arte moral e formalmente provocatória. Estávamos perante um público que nutria
as convenções, dando-se a outro tipo de atitudes, digamos mais gratuitas, como os livros
da colecção policial “Vampiro” na qual Cândido Costa Pinto tinha como encargo a
4
realização das capas da referida revista. Na escultura, a estatuária neoclássica de
Francisco Franco [1885-1955] e Leopoldo de Almeida [1898-1975], deu lugar a vez no
final dos anos 40, a um modernismo com um sentido mais abstracto de Arlindo Rocha
[1921-1999], e uma liberdade surrealista de Jorge Vieira [1922-1997].
Jorge Vieira, sem título, 1949
Outra referência é Fernando Lanhas [1923- ] que preconizou uma primeira
forma de arte tendo como suporte o espaço geográfico5
. Convém também não esquecer
as suas intervenções geométricas de cor e forma sobre pedras, indiciando uma
expressiva forma poética. Nadir Afonso [1920- ], fortemente influenciado por Lanhas,
cede às suas ideias e desenvolve um abstraccionismo geométrico, recriando uma nova
visão espacial, desenvolvendo um novo conceito de espaço/tempo.
Até ao final da década de 40 coexistem, assim três tendências que se afirmam
com enorme força: o neo-realismo, o surrealismo, e o abstraccionismo geométrico.
A intelectualidade portuguesa, que estava dividida - de um lado tínhamos a
existência de uma clandestinidade, ou seja, de pessoas que viviam oprimidas e que
tinham como única solução para se exprimirem, a ocultação das suas ideias; por outro,
um grupo de pessoas parcialmente envolvidas no regime - foi fortemente influenciada
pela enorme evolução da cultura do mundo ocidental, sobretudo após o fim da segunda
Grande Guerra.
À demissão de António Ferro, seguiu-se no início da década de 50 uma
deficiente promoção da arte portuguesa no estrangeiro. Havia um desinteresse
generalizado pelas artes, e as participações nacionais em bienais estrangeiras
5
Em 1952 realiza algumas pinturas sobre rochedos da Serra de Valongo.
5
subordinavam-se a um ecletismo cada vez maior, e tinham uma orientação que seguia
determinados critérios estéticos extemporâneos, longe das desejadas correntes
vanguardistas6
. Assiste-se, pois, a uma separação entre o gosto oficial e a vanguarda
artística. O que de melhor se fazia culturalmente não tinha, em consequência, a chancela
do governo, mas sim a dos artistas e a dos críticos de entre os quais se destaca José
Augusto França. As encomendas públicas, e políticas eram maioritariamente dirigidas à
escultura e à tapeçaria, e reportavam-se essencialmente a temáticas patrióticas, tais
como o império ultramarino, e os heróis nacionais. Jorge Vieira vai iniciar aquilo que
caracterizou a escultura deste período. Ele cria uma sinergia entre as várias vertentes
que nos anos 40 estiveram em vanguarda, ou seja, ele articula associações entre a
abstracção com alguma dependência surrealista, aflorando em alguns momentos o neo-
realismo.
Até 1957 Júlio Pomar desenvolve o neo-realismo, ano em que dá por encerrado
este movimento, realizando o seu último trabalho paradigmático - “Maria da Fonte”.
Também Augusto Gomes [1910-1957] se aproximou na década de 50 do neo-realismo,
preconizando nas suas obras uma geometrização simplificada das formas, e uma
hermetização da cor. Em clara oposição a Augusto Gomes, surge Luís Dourdil [1914-
1989] com fluidez das figuras, e transparência da cor. Influenciado pela obra dos
nacionais Lanhas e Nadir Afonso, e pelo internacional Mondrian [1872-1944], Joaquim
Rodrigo [1912-1997] interessa-se pelo neoplasticismo, participando em 1954 no “1º
salão de Arte Abstracta” na Galeria de Março7
. A sua pintura baseava-se nas teorias
neoplasticistas, assente pois, na pureza das formas e das cores, subjugadas a regras de
construção.
Esta década não deixou de ter um franco predomínio de obras surrealistas e, por
isso, Fernando de Azevedo e Marcelino Vespeira8
, juntamente com Fernando Lemos
[1926- ] realizam na Casa Jalco uma exposição nesta corrente, atestando a existência do
movimento. Lemos, explora os limites da fotografia, imprimindo-lhe um cariz
surrealista, através da múltipla sensibilização do papel fotográfico por meio de vários
negativos.
6
Para a Bienal de São Paulo em 1951, o governo português enviou obras puramente naturalistas, o que
teve como consequência o desagrado da entidade anfitriã, elevando a nossa cultura ao ridículo.
7
Galeria criada em 1952 por Fernando Lemos e José Augusto França.
8
Estes autores que já na década anterior tinham expresso referências não-figurativas, nos anos 50,
reforçam-nas e assumem um papel actuante na abstracção lírica.
6
Outros nomes podem constituir referência desta década, como Carlos Calvet
[1928- ], com um forte poder metafísico, reportando-nos a Chirico [1888-1978]. Manuel
D’assumpção [1926-1969], que deixa as obras surrealistas para se fixar numa ambição
poética, muito próxima do espaço ambíguo promovido pela escola que abandonara, e
muito desenvolvido por Vieira da Silva9
. Lourdes Castro [1930- ], René Bertholo
[1935- ], Gonçalo Duarte [1935-1986], João Vieira [1934- ], Costa Pinheiro [1932- ], e
José Escada [1934-1980], estiveram muito perto daquilo que foi o “Nouveau
Réalisme”10
, criando o grupo “KWY”11
. Este grupo começou por expor em Munique e
em Paris juntamente com o alemão Jan Voss, e o Búlgaro Christo Javacheff [1935- ], o
qual neste período começava a esboçar os seus famosos “embrulhos”. Em 1960, o KWY
realiza na Sociedade Nacional de Belas Artes [SNBA], uma exposição de reacção à
cultura nacional, e marca o início de uma plurivocidade artística. Até ao momento a arte
estava presa a determinadas convenções, e este grupo abre as portas para o renovar e
equacionar de determinadas questões estéticas, desde logo substituindo a questão “isto é
belo?”, por outra ainda mais angustiante “isto é arte?”
As décadas de 40 e 50 foram decisivas para o rumo das artes nos anos 60. A Pop
Art era o movimento que ao nível mundial se havia afirmado e influenciou grandemente
o panorama nacional. Este período proporciona grandes “aberturas” à arte nacional.
Verifica-se uma enorme quantidade de artistas que emigram para a Europa; dá-se a
abertura de novas galerias e é quando a SNBA começa a ser permeável, permitindo
exposições de alguns artistas modernos que até então encontravam para si as portas
fechadas.
Em Lourdes Castro, além das obras ligadas à assemblage, verifica-se uma
enorme preocupação com a sombra e com a materialização desse jogo de percepção
lumínica, mesmo que negra e virtual. Ela faz uma abordagem ao objecto, ou ao humano,
não os desvinculando da sua ausência, salientando-os por meio da silhueta, que se
traduz na uniformização da cor.
9
A influência da obra de Vieira da Silva e da Escola de Paris que representa, influenciou um grande
número de pintores. Para além D’Assumpção, também tocou Menez [1926-1995], Fernando de Azevedo,
e Marcelino Vespeira.
10
Segundo a Declaração Constitutiva do Nouveau Réalisme, redigida pelo crítico Pierre Restany, os
“Nouveaux Realistes tomaram consciência da sua singularidade colectiva. Nouveau Réalisme = novas
abordagens perceptivas do real.”
11
KWY eram as letras que não faziam parte do alfabeto português, e vieram significar neste contexto:
“Ká Wamos Yndo”.
7
Em 1960 Paula Rego [1935- ] apresenta uma sátira crítica à ditadura de Salazar:
“Salazar a vomitar a pátria”. Esta exposição foi uma promessa daquilo que viria a ser a
obra de Paula Rego no futuro, e mais concretamente a sua celebridade nos dias de hoje.
Grande estímulo para a arte nacional foi a atribuição em 1961 do prémio da
Bienal de São Paulo a Vieira da Silva. António Sena [1941- ] - artista de prestigiado
mérito no panorama artístico nacional, com uma obra que é em parte desconhecida na
actualidade12
- preocupou-se nas relações entre a escrita e a pintura, nas suas profundas
e perfeitas sinergias, entre a imagem e a forma dessa imagem enquanto signo de uma
realidade. A pintura e o desenho confrontam-se a partir da inscrição e de um conjunto
de formas sígnicas, representações de momentos objectivos de apropriação do
quotidiano. São os gestos tornados perenes. As suas grafias são diacrónicas, tendo como
princípio o Dadaísmo e terminando nas experiências letristas e informais do pós-guerra
e no contexto do Expressionismo Abstracto. Também com este ímpeto referimos Ana
Hatherly [1929- ] e Eurico Gonçalves [1932- ]. Por esta altura, Eduardo Nery [1938- ]
aproximava-se de uma realidade pop, com obras que graficamente suscitavam
enormemente a atenção do fruidor. A partir de 1965, Eduardo Nery decide explorar os
efeitos ópticos na pintura. Formas arquitectónicas apareciam sob o efeito de geometrias
que passavam a ser referenciais no seu trabalho, como espaços abstractos e indefinidos.
Eduardo Batarda [1943- ] começou a expor em 1966, com trabalhos que
causavam muita polémica, devido ao carácter sarcástico e erótico das suas produções.
As obras são sátiras sociais, utilizando um formato muito próximo da banda desenhada,
com narrativas jocosas nas quais são abordadas questões, quer sociais, quer culturais.
12
Grande parte da obra de Sena permaneceu escondida no seu atelier.
8
Eduardo Batarda, O Senhor Professor
CJP na Hora de Maior Movimento, 1965.
Por esta altura surgem as primeiras esculturas de Ângelo de Sousa [1938- ], e
Jorge Pinheiro [1931- ] que vinha mantendo as sua obra ligada a um expressionismo de
cromatismo tonal, apresentando as suas primeiras pinturas abstractas. A partir de 1966
começa a explorar o abstraccionismo geométrico, com um inspirado desígnio –
transformar a sua obra, em formas de resultado semelhante à sinalética de trânsito. Teve
como principal preocupação o impacto visual da obra no espaço real. Jorge Pinheiro é
hoje considerado um dos maiores coloristas portugueses. Ele também fez parte da
constituição do grupo “Os 4 vintes” em 1968, juntamente com, Ângelo de Sousa
Armando Alves [1935- ] e José Rodrigues [1936- ]. Também neste ano, Alberto
Carneiro [1937- ] altera de modo persistente o conceito de escultura convencional,
apresentando as obras “O canavial” e “Árvore dentro da escultura”. Deste modo,
adultera as normas pré-existentes, que estavam presas a conceitos de monumentalidade,
e de materialidade una, para passar a centrar-se numa interacção, e numa integração
espacial, em que o próprio espaço é uma componente estética. Podemos citá-lo como
um dos pioneiros – além de Lanhas – da instauração das primeiras manifestações da
Land Art [ou ecológica, como prefere chamar].
9
Alberto Carneiro, Canavial, 1968.
Júlio Pomar, ao abandonar as preocupações poéticas neo-realistas, envereda por
novos caminhos, tais como as collages e as pinturas-objecto, numa busca incessante da
especificidade objectual e detalhada da realidade.
No final da década de 60 e viragem para a década seguinte, não existia já uma
confluência nas escolas artísticas, mas antes um vasto alargamento de tendências que
auguravam uma abertura estética, despojada de preconceitos e de rivalidades internas.
Entrada resoluta no domínio da “não-espectacularidade” [tendo por referência os
princípios escolásticos da estética], que origina uma concentração pluridisciplinar
concertada, como é o caso do happening e da perfomance13
.
A década de 60 veio, sem sombra de dúvida, cimentar a década seguinte, naquilo
que viria a ser o início de uma arte plasticamente diferente. Apesar do governo de
Marcelo Caetano ter permitido o aparecimento de uma maior mercantilização artística,
comprovada pela abertura de inúmeras galerias em Lisboa e no Porto, não pôs fim à
marginalidade artística a que todos [quase] estavam forçados, levando à execução de
obras contra o regime. A massa artística constituía-se como um impedimento para a boa
prossecução do regime ditatorial, pelo que uma das medidas tomadas foi a perseguição à
intelectualidade, o que levou muitos artistas a ultrapassarem as nossas fronteiras,
emigrando para o estrangeiro.
Na década de 70, a poderosa influencia estrangeira14
tornou a arte portuguesa
interventiva, também afectada pela conjuntura política de então. A necessidade de
materializar os pensamentos e as ideias que vinham da Europa, encaixou-se
13
É em 1965, que a galeria Divulgação promove os primeiros happenings e performances, que se
realizaram em Portugal.
14
A partir de 1956 a Fundação Calouste Gulbenkian, começa a atribuir bolsas aos artistas portugueses
que pretendem fazer investigação no estrangeiro. Estes artistas traziam em primeira-mão novidades do
exterior para a massa artística nacional, que apesar de conhecedor da actualidade internacional, sentia-se
oprimida pelo regime político, que de certa forma controlava por meio de censura as “alfândegas”
culturais.
10
perfeitamente no sistema cultural português, como que numa complementaridade “mão-
luva”. Havia uma enorme vontade de aproximação da arte portuguesa à arte estrangeira,
não só para a criação de um homónimo, mas também para o reconhecimento e inserção
da arte nacional no contexto internacional. Formaram-se dois grandes grupos de
trabalho: os Abstractos e os Neo-Figurativos, e acentuam-se as performances e os
happenings.
Até ao 25 de Abril, a arte portuguesa estava fulgurante, com a instituição de
prémios; abertura de novas galerias; as instituições artísticas tinham extensos programas
que aliciavam o público e encontravam-se perfeitamente activas e empenhadas. Na
imprensa, a revista “Colóquio Artes” desempenhava um papel importante na veiculação
da produção nacional, bem assim como, a sua directa associação aos críticos como por
exemplo José Augusto França, Rui Mário Gonçalves, ou Fernando Pernes. A liberdade
de criar e de pensar surge finalmente com o 25 de Abril. A revolução ultrapassou tudo
aquilo que se conhecia, transportando o nosso país para uma dimensão social sem
precedentes15
. Após o golpe militar, surge a necessidade de reorganizar o sistema
vigente, e a vontade de festejar colectivamente, através de uma criação conjunta16
, no
sentido de combater a iliteracia cultural. Em Coimbra, o Círculo de Artes Plásticas17
foi
um dos dinamizadores destas actividades colectivas, bem assim como o surgimento de
grupos dos quais se destaca o grupo Acre18
composto por Clara Meneres [1943- ],
Alfredo Queiroz, e Lima de Carvalho [1940- ]; e o grupo Puzzle19
de que fizeram parte
João Dixo [1941- ], Armando Azevedo [1946- ], Albuquerque Mendes [1953- ], Carlos
Carreiro [1946- ], Graça Morais [1948- ], Dário Alves [1940- ], Jaime Silva [1947- ],
Pinto Coelho [1942- ], Gerardo Burmester [1953- ], e Pedro Rocha [1945- ].
A revolução de Abril atribuiu aos artistas, aos críticos e ao público de um modo
geral, um novo estatuto, numa democracia que se estava a iniciar, e numa sociedade
pujante de desejo interventivo.
15
Mesmo comparada com a instauração da Republica em 1910, ou com o final da segunda Grande
Guerra.
16
Procurou-se uma aproximação entre arte e sociedade, que não logrou grandes resultados, pois as acções
colectivas tinham escassa adesão por parte do público a que se destinavam. Uma consciência de
intervenção pública levou a que Várias pinturas murais fossem sendo executadas por todo o país.
17
Do qual Alberto Carneiro e Ângelo de Sousa foram amplos participantes e pedagógicos. O CAPC virá
na década de 90 a ser novamente lugar de referência positiva.
18
Este grupo, para além de intervenções em monumentos públicos, também intervinha com pinturas nos
pavimentos.
19
Com os seus festivais de performances, entre outras actividades.
11
As alterações à política artística foram muito reduzidas, não conseguindo
colmatar os défices existenciais antes da revolução. As transformações foram quase
inexistentes, e as actuações a que se referem, não passaram de esforços bem
intencionados.
Também economicamente a arte se alterou. O que antes da revolução se tinha
pautado por um crescente fervor mercantilista, modifica-se consideravelmente após o 25
de Abril. Os artistas começam a ter dificuldades em fazer escoar as suas obras, e
algumas galerias vêem-se obrigadas a encerrar portas. Esta considerável decadência de
mercado concilia os artistas, que unidos, criam grupos, dos quais se destacam, o
“Movimento Democrático dos Artistas Plásticos”20
, e no ano seguinte, a Associação
Portuguesa de Artistas Plásticos21
, com a finalidade de promoverem formas de
ultrapassar as sérias dificuldades, que estavam a passar.
painel realizado por 48 artistas do M.D.A.P. em
10/06/74, na Galeria de Belém.
Em 1977 Ernesto de Sousa [1921-1988], comissaria uma exposição intitulada
“Alternativa Zero”22
que serviu de modelo para outras mostras dos anos 80. O certame
incluía vários artistas, tais como, Alberto Carneiro, Clara Meneres, Helena Almeida
[1934- ], Ana Hatherly, Ângelo de Sousa, Ana Vieira [1940- ] e António Sena, entre
outros. Esta exposição foi considerada pelos críticos como o gonzo ao qual tudo girava,
o ponto de partida de uma arte que emergia, caracterizada por uma vontade de praticar
atitudes vanguardistas23
próximas do panorama internacional.
20
Criado em 1974 por artistas oriundos da Sociedade Nacional de Belas Artes.
21
A APAP é vulgarmente conhecida por os “papas”.
22
Realizada na Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, significou ser uma tradução exemplar
daquilo que constava ser o panorama artístico nacional, e reunia cerca de meia centena de artistas, de
vários quadrantes plásticos.
23
Esteve marcadamente ligada à inserção do conceptualismo, bem assim como se aliou à abertura de
outras actividades artísticas, como por exemplo o vídeo, e a música.
12
Esta época estava plenamente aberta às vanguardas europeias, tendo surgido
muito perto de nós o nome de Wolf Vostell24
[1932-1998], com quem João Vieira
privou, levando-o a explorar o campo experimental do happening. Neste período, Paula
Rego propõe-nos uma linguagem mais específica, deixando para trás a associação à
collage, a fragmentação das figuras, e a forte relação inicial com a art brut. Ela cria
ambientes ao mesmo tempo sinistros e encantadores, com perspectivas desajeitadas,
recorrendo algumas vezes à deturpação da escala, transportando-nos para mundos
nostálgicos e intemporais. A sua pintura sempre teve uma enorme carga expressionista,
ligada a uma grande sensibilidade estética, tendo grande influência no seu processo
criativo, as recordações de infância, a cultura portuguesa, e as suas experiências da vida
adulta.
Dentro do conceptualismo, Helena Almeida deixa as pinturas-objecto e aporta na
fotografia25
, auto-representando-se, quer de forma visível ou não visível, introduzindo
discursos sobre a condição feminina. Podemos considerar a sua obra como o resultado
de uma atitude performativa congelada. É a procura de uma irrealidade, questionando-a,
e tornando-a real. A pintura e o desenho invadem a fotografia, conferindo unidade à
obra.
Outro inconfundível artista desta época é Ângelo de Sousa, que explora a
abstracção geométrica, por meio de uma síntese formal e cromática, afastando a sua
obra de uma realidade/tema. Esta ausência [vazio] determinada por um rapprochement
ao minimalismo, sobretudo o de Robert Mangold [1937- ], envolve-a numa
simplificação, que emana um sentido de espaço e de calma, conferindo-lhe uma
natureza única.
Pedro Chorão [1945- ], tendo iniciado o seu interesse pela pintura através de
textos de Paul Klee, decide “disciplinar-se” procurando para seus mestres amigos do seu
pai26
, nomeadamente Luís Dourdil e António Dacosta. A relação que existe entre os
elementos sígnicos da sua obra e a própria realidade remetem-nos para uma teoria da
comunicação, onde todos os seus registos são tidos como auxiliares de visualização, e
em que a vivência do espectador auxilia a compreensão das realidades,
24
Em 1979 realiza-se em Lisboa a “Lisbon International Show”, uma bienal onde para além da presença
de Vostell, e de portugueses, estiveram outros estrangeiro, como Carl André, Luciano Castelli, e Jochen
Gerz.
25
Helena Almeida foi das primeiras a trabalhar a fotografia, tendo-a como suporte físico das suas obras.
Convirá referir que somente a partir da década de 60, a fotografia começa a ganhar o estatuto de arte, e
autonomia de afirmação.
26
Arquitecto Raul Chorão Ramalho.
13
Eduardo Nery em 1976 realiza uma exposição intitulada “A Arte na Sociedade
de Consumo”. Agrupava um conjunto de colagens, combinando uma imagem de uma
obra de arte consagrada, com uma imagem de publicidade. Esta associação de ideias
resultou da possibilidade de outro entendimento sobre a utilização da banalidade
publicitária. Esta acção esteve na origem de uma atitude do recém-chegado Director
Geral da Acção Cultural, Eduardo Prado Coelho, no sentido de contrariar a ideia
estatucional de arte. Por esta altura a arte era entendida como algo supérfluo e luxuoso,
conferindo-lhe, na comunicação social, uma imagem desastrosa que em nada a abonou.
Com o arrefecimento do espírito revolucionário, a individualidade torna-se mais
proeminente, e o experimentalismo artístico esvanece-se. Sem desconsiderar as
positivas implicações, quer artísticas, como também políticas, e sociais, convirá referir
que a revolução 25 de Abril que trouxe a democracia e expandiu a liberdade num prazo
muito curto, hermetizou as participações colectivas, levando inclusivamente a recuos
nas formas de expressão para um conservadorismo já há muito esquecido, consequência
da conjuntura comercial dos anos 80, sobretudo a partir de 1977.
Eduardo Nery, 1976.
Muitos grupos que se criaram com o fundamento de melhorar o sistema cultural
e que vivendo opressivamente tinham necessidade de se exprimirem, deixaram de ser
actuantes, em virtude de terem perdido toda a sua eficácia assumida inicialmente – a
transformação estava concretizada, e uma questão se colocava: que sentido teria a
continuidade de acções que estariam despidas de contexto?
Nesta conformidade podemos caracterizar a partir de 1977, mas com mais
evidência a partir de 1983, o período a partir do qual a arte portuguesa se pautou por um
14
individualismo. De referir que os anos 80, se caracterizaram como amplamente
positivos para a arte portuguesa. É nesta época que surge o Centro de Arte Moderna27
da
Fundação Calouste Gulbenkian; o mercado da arte se revitaliza; o governo instaura a lei
do mecenato e toma a resolução de ajudar os jovens artistas no financiamento dos seus
projectos. Estas facilidades estão na origem da individualidade atrás referida. Tais
factores contribuíram para que os artistas se projectassem individualmente. Ora, o
individualismo não deverá ser considerado consequência da personalidade artística,
mas, sim, do oportunismo de que estes dispunham, benesse da conjuntura de então.
Por volta da década de 80, António Dacosta, que tinha abandonado a pintura nos
anos 40, volta a pintar centrando o seu trabalho na memória individual e colectiva.
Também certos artistas que adquiriram alguma notoriedade nos anos 60, se vêem nos
anos 80 com preocupações de ordem conceptual. Em causa estão figuras como Pires
Vieira [1950- ] e Fernando Calhau [1948-2002].
Julião Sarmento [1948- ], que iniciou a sua carreira com ligações ao vídeo, à
fotografia e às instalações, retoma a pintura como base do seu trabalho. Primeiramente
com referência a uma bad-painting ligada a um erotismo conotado com a literatura.
Mais recentemente, adopta uma complexa linguagem dicotómica que oscila entre a
dissimulação e a revelação, através de imagens fragmentadas, sejam elas de carácter
figurativo ou abstracto. A sua obra é hesitante, com um pingo de humor, não se
podendo desprender do erotismo e uma nostalgia, que, de resto, são os temas centrais da
sua obra. Ele explora a sedução deixando na obra elementos sugestivos e deixando ao
critério do observador a livre possibilidade de significação da mesma.
Julião Sarmento, Emma (5), 1990.
Outra figura famosa da pintura portuguesa é Pedro Calapez [1953- ] que,
fortemente influenciado pela arquitectura, organiza o seu trabalho em função de
27
Inaugurado em 1983.
15
espaços, sejam eles cenográficos ou mais resignados, como o espaço do palco, por meio
de riscas que têm por base o desenho, ou, com maior acutilância a incisão gráfica dos
seus motivos. As obras variaram das monocromias, até às diferentes gradações de
múltiplas cromias.
Também especial preocupação com o espaço, revela a obra de José Pedro Croft
[1957- ]. O cuidado do escultor com cada peça é proveniente da relação das
delimitações espaciais das suas obras. Esta relação existencial entre o jogo do interior e
do exterior à peça resulta também no adicionar de uma busca da melhor situação do
espaço que a recebe. O alargamento da sua obra ao âmbito dos objecto de carácter
vulgar, trouxe um beneficio acrescido, sem, contudo deixar de criar uma confrontação
entre uma realidade pré-existente, e notoriamente reconhecida, entenda-se
paradigmática, e algo que se afigura complementar, mas estranho à obra, talvez mesmo
extemporâneo.
Rui Sanches [1954- ], com semelhantes preocupações, delimita o seu trabalho
entre o mundo da organicidade e a sua respectiva geometria. Explora complexos
conjuntos de formas, estruturadas de modo coerente e sistemático, não permitindo
qualquer fuga à desordenação do seu contexto, sob pena da obliteração textual de cada
obra. A referência ao orgânico remete-nos para a biologia e seus afins, e a sua
conjugação com elementos que se determinam pela sua maior rigidez da forma,
reportam-nos para um simulacro da vida, uma arquitectura que implica uma utilização,
um habitat versus habitação.
Rui Sanches, sem título, 1994.
16
Em 1985, Sílvia Chicó revaloriza o abstraccionismo, comissariando em Lisboa e
em Évora uma exposição intitulada “O Gesto, o Signo e a Escrita”. José Mouga [1942- ]
foi um dos artistas presentes nesta mostra. A sua obra era organizada segundo uma
geometria que orientava o aspecto cromático. Apesar da geometria estabilizante, a
linguagem pictórica do seu trabalho era fundamentada num dinamismo cromático e
compositivo. A referência à figuração surgida depois de 1984 foi tomada tendo sempre
em conta essa geometrização, criando uma fusão sinérgica entre os objectos e os
elementos que compõem a obra.
A obra de Leonel Moura [1948- ] caracteriza-se por um forte predomínio
conceptual, passando posteriormente pelas influências da cultura popular, em que ele se
projecta num cenário eminentemente pop a provar pelas suas obras referenciadas nas
identidades portuguesas, como o caso de Amália Rodrigues onde nos apercebemos de
uma aproximação à pop americana de Andy Warhol [1928-1987] indo até às suas obras
mais recentes de afirmação pública com grande intenção política. Também Júlia
Ventura28
[1952- ] se apropriou das técnicas serigráficas e desenvolveu o seu trabalho
en torno de referências warholianas, sobretudo na utilização da repetição das imagens.
O seu caso, diferente do de Leonel Moura, descreve-se pela preocupação da auto-
representação. Não é uma heteronomia pictórica que está em causa, mas sim uma
singularidade com subtis variações, sejam elas cromáticas ou de composição.
Também com a vontade de auto-representação consta grande parte da obra de
Mário Botas [1952-1983]. O narcisismo de Mário Botas é facilmente identificável nos
seus auto-retratos, por exemplo na colecção de Le Spleen de moi-même, onde o único
tema do pintor é efectivamente o “eu-mesmo”, mas que poderá sofrer mutações e
transformar-se no eu que é um outro: “Je est un autre”.
Este “inventário” de artistas ficaria incompleto se não se fizesse referência a um
dos grandes representantes da performance portuguesa, que foi sem dúvida,
Albuquerque Mendes. Ele conseguiu internacionalizar as suas performances, nos
symposium de Lyon, e nos festivais de Beaubourg, tendo atingido grande visibilidade ao
lado de artistas como Joseph Beuys [1921-1986], e Vostell. O seu trabalho, apresentado
ao público sob a forma de acções “teatrais”, é constituído por rituais reminiscentes de
referências a procissões e das manifestações religiosas e profanas da cultura popular
portuguesa. Na sua pintura evidenciam-se temas e géneros que subsistem
28
Em 2004 esteve presente numa exposição no Museu de Serralves, intitulada “Marcar, Imprimir, Expor”
17
diacronicamente por toda a sua obra. Ele utiliza alusões a vários momentos históricos, a
várias gramáticas de representação, características do século XX, como a pintura
expressionista, a collage dadaísta, as linguagens do movimento fluxus, a bad-painting,
etc. Da sua passagem da performance até à pintura [e mesmo dentro desta] verifica-se
um iter de uma extroversão manifestacional para uma introspecção cada vez mais
íntima.
Os anos 80 também levantaram o véu da arte feminina, até então um pouco
esquecida. Realizaram-se algumas retrospectivas de Lourdes Castro e Helena Almeida,
como também se revalorizou a obra plástica de Ana Haterly. Outro nome da arte
feminina é Ilda David, que recria mundos pessoais repletos de memórias.
Os artistas que adquiriram consagração nos anos 80 reforçam-a na década de 90,
dando seguimento aos seus trabalhos de forma convincente. A pintura, escultura
desenho e fotografia intensificam-se e o aparecimento de novas tecnologias coloca, ao
dispor da arte, a possibilidade de se expandir, extrapolando os limites convencionais da
estética. As mixed media, são o resultado de uma incessante busca e consequente
descoberta de novas formas de linguagem. As abordagens temáticas - ao corpo [Post
Human], à espacialidade, o crossover que torna permeável os limites entre a cultura
popular e a arte, e o High and Low verificado a partir desta década, em virtude da
trivialidade cultural a que assistimos, por força das várias condições de inanidade
mental, existente em vários processos, designadamente o da comunicação social -
tornam a actualidade artística, por um lado, uma das mais ricas, e altissonantes; e por
outro inserem-na num contexto de dúvida, em permanente questionamento
idiossincrático, sobre a sua categorização estilística, e sobre a sua idoneidade com
referência às apropriações científicas29
.
Os artistas desta década diminuem o papel da estética no processo de
significação e valorização da obra de arte. A prática duchampiana é novamente
questionada, e determina a abertura da arte contemporânea, a uma plural e estonteante
interdisciplinaridade. Trata-se de uma fase que exporta para as obras e particularmente
para os artistas uma elevada complexidade de execução, o que, de certo modo, constitui
uma triagem da esteticização dos anos 90. Para além das dificuldades técnicas que se
29
O savoir-faire é aqui questionado com grande força. Este é questionado, ou pelo menos apenas se pensa
nele, quando entramos no mundo da arte, porque como facilmente entendemos, ninguém quando entra
num supermercado pensa como a massa esparguete é feita, mas quando se entra num museu, aí sim temos
uma predisposição para pensar na sua “confecção”. É bem mais facilmente entendível que uma cadeira
num museu não é arte, mas sim engenharia.
18
apresentam aos artistas, por causa da inadequada disponibilidade de oferta de meios
técnicos, também é exigido ao criador um know-how, dificilmente concebível no âmbito
nacional. Estamos, pois, ainda muito longe do realizado extra-fronteiras, talvez que até
se possa considerar tal período como o mais marcante, neste ponto, sobretudo se
estabelecermos comparações com algumas personalidades do âmbito internacional dos
quais Eduardo Kac e Stelarc, são apenas alguns exemplos.
A arte enquanto intervenção social e política estava muito reduzida, e a que
existia não mantinha uma boa visibilidade. A obra “Eucalipto/Homenagem – um
monumento ao Estado Laranja, homenagem àqueles que contribuem para o
embelezamento do nosso país,” de Pedro Portugal30
[1963- ] relança o questionamento
da nossa sociedade face às vicissitudes conjunturais da época, nomeadamente como
crítica política, visando importantes valores ecológicos.
Pedro Portugal, Eucalipto/Homenagem
Nessa obra existe uma apropriação do conceito de monumento, não só pelas suas
dimensões, mas também pela utilização do espaço público31
, criada na vontade de
confrontar a obra com a sociedade.
Portugal não soube acompanhar o cenário internacional que há pelo menos 200
anos seguia. Na década de 90, a arte portuguesa encontra-se na retaguarda internacional,
seguindo o caminho dos já afirmados meios de comunicação social, com apenas
30
Fundador em 1983 do grupo Homeoestética, movimento característico de uma certa modernidade que
se desdobrou pela produção de textos, e manifestos teóricos, por performances, pela produção de filmes, e
pelos registos fotográficos de carácter memorialista.
31
A rotunda do Aeroporto de Lisboa.
19
pequenas flexões nos seus contextos. Algumas atitudes que nos anos 80 estiveram
afastadas da realidade nacional32
, são retomada e desenvolvidas. Em 1993, e como
forma de aproximar a arte portuguesa ao contexto externo, realizam-se no Porto as
segundas jornadas de Arte Contemporânea, onde são apresentadas33
obras de artistas
britânicos emergentes, tais como Douglas Gordon [1966- ] e Jane & Louise [1967- ].
A comprovar a inadequação da arte portuguesa relativamente à do estrangeiro,
alertou a crítica extremamente negativa de Alexandre Pomar, acerca da exposição
“imagens para os anos 90”, realizada na Casa de Serralves em 1993. Em resposta às
afirmações contundentes de Pomar, alguns dos artistas visados34
publicaram um artigo
apelidado de “Oito Novos Fora”, o qual entre outras coisas, se fundava na ausência de
uma crítica coerente e plausível, que, de resto, se viria a confirmar anos mais tarde.
A fotografia e a escultura foram-se autonomizando e ganham mais relevo na
selecção desses modos de expressão por parte dos artistas, como também por parte do
público, que começa a atribuir-lhes um maior valor de mercado. Na fotografia
destacam-se Jorge Molder [1947- ], Paulo Nozolino [1955- ], João Tabarra [1976- ],
Luís Palma [1960- ], e Albano da Silva Pereira35
[1950- ]. No domínio da escultura,
podemos referir alguns exemplos já anteriormente citados, que na década de 90
confirmam o teor do seu trabalho: Manuel Rosa [1953- ], Rui Sanches, José Pedro
Croft, ou Rui Chafes36
[1966- ], que em 2004 apresentou a obra “Comer o Coração”,
representando Portugal na 26ª Bienal de São Paulo, em co-participação com a
coreógrafa Vera Mantero [1966- ]. Convirá não esquecer que determinados pintores
influenciados pela escultura, também realizaram algumas peças escultóricas, ou pelo
menos com a aproximação ao objecto. É o caso de Pedro Cabrita Reis [1956- ] e
Gerardo Burmester, como se pôde constatar da presença destes dois últimos na
exposição “Depois de Amanhã”37
, aquando da Lisboa 94, Capital europeia da Cultura,
levada a efeito no Centro Cultural de Belém.
32
Por várias razões, desde logo por um excessivo tradicionalismo imposto.
33
Esta exposição intitulava-se “A Pasta de Walter Benjamin, e foi comissariada por Andrew Renton.
34
João Paulo Feliciano, Paulo Mendes, Rui Serra, Carlos Vidal, Fernando Brito, João Louro, Miguel
Palma, e João Tabarra.
35
Dinamizador dos Encontros Fotográficos de Coimbra.
36
Juntamente com José Pedro Croft, e Pedro Cabrita Reis, representou Portugal em 1995, na Bienal de
Veneza.
37
Nesta exposição estiveram presentes além destes dois, Pedro Calapez, Rui Sanches, Baltazar Torres,
Frank Thiel, José Pedro Croft, Xana, Wim Delvoye, Julião Sarmento, Augusto Alves da Silva, James
Turrel, Narrele Jubelin, João Paulo Feliciano, Miguel Palma, João Penalva, Stephan Balkenhol, Marie Jo
Lafontaine, Olaf Metzel, Ângela Ferreira, Miguel Ângelo Rocha, Taro Chiezo, e Cathy de Monchaux.
20
Rui Chafes, e Vera Mantero, Comer o Coração, 2004.
A arte dos anos noventa é site-specific, logo puramente consagrada às práticas
próximas da instalação. João Paulo Feliciano [1963- ] é um dos autores que se permitiu
a este tipo de linguagem. A sua obra é associativa, quer isto significar, que ele coloca
em feliz conjunção, a escultura, a luz e os aspectos tecnológicos, numa perfeita
harmonia. O seu trabalho “The Big Red Puff Sound Site”, realizado para a Lisboa 94,
Capital Europeia da Cultura, constitui exemplo desta complexa sinergia. Outros autores
podem aqui ser destacados como: Pedro Tudela [1962- ] e a sua obra “Rastos”,
Francisco Tropa [1968- ] com “Buda”, Cristina Mateus [1966- ], a criação “Engenho”
de Miguel Palma [1964- ], Miguel Leal [1967- ], Fernando Brito [1958- ], entre outros.
No final do século, acentua-se a singularidade artística, pulverizados os poucos
grupos que mantinham actividade conjunta. Esta reacção foi a consequência de uma
política internacional que se repercutiu no nosso país. Uma nova geração de artistas
começa a emergir, subjugada às novas exigências, sociais, políticas e culturais e de
intenções artísticas, que são agora definidas por uma esteticização cultural que todos
conhecem, reconhecem e aceitam, fruto de um espírito amplamente renovado. O maior
desafio está lançado a esta geração, num tempo em que se relembra, e reclama o fim da
arte.
Chuva Vasco,
Figueira da Foz, 2005
21
Bibliografia
− Chicó, M. Tavares [et. al.] – Dicionário da Pintura Portuguesa. Lisboa: Editorial Estúdios, 1973. 3 vol.
− França, José Augusto – A Arte em Portugal no Século XX. Lisboa: Bertrand Editores, 1990.
− França, José Augusto – O Modernismo na Arte Portuguesa. Lisboa: Ed. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa,
1983. (Biblioteca Breve; 43).
− França, José Augusto – A arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX (1910-2000). Lisboa: Livros Horizonte, 2000.
− Gonçalves, Rui Mário – O Fantástico na Arte Portuguesa Contemporânea. Lisboa: FCG [Fundação Calouste
Gulbenkian], 1986.
− Gonçalves, Rui Mário – A Arte Portuguesa do Século XX. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998.
− Melo, Alexandre – As Artes Plásticas em Portugal – dos Anos 70 aos Nossos Dias, Lisboa: Difel, 1998. (Memória e
Sociedade).
− Pereira, Paulo – História da Arte em Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995.
− Pinto de Almeida, Bernardo – Pintura Portuguesa no Século XX. 2ª ed. Porto: Lello Editores, 1996.
− AA. VV - História da Arte em Portugal. Lisboa: Publicações Alfa, 1993. Vol. 12 e 13.
− AA. VV - História da Arte Ocidental e Portuguesa das Origens ao Final do Século XX. Porto: Porto Editora, 2001.
− AA. VV - Panorama Arte Portuguesa no Século XX. Porto: Campo das Letras, 1999.
Para citar este artigo utilize a seguinte referência:
CHUVA VASCO, Nuno - Os últimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do
século XX. [Em linha]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005.
Disponível em WWW:<URL:http://www.chuvavasco.com/50anos.pdf>.

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50anos

  • 1. 1 Os Últimos 50 anos da Pintura e Escultura Portuguesa do Século XX Os últimos cinquenta anos da pintura e escultura portuguesas, não podem ser desvinculados de modo algum do que lhes precedeu. Evidentemente, não é possível em virtude das limitações de espaço, abordar de forma muito complexa tudo quanto esteve na génese deste período, no entanto, convirá para melhor explicitação, recuarmos um pouco, e criarmos uma sinergia de modo a melhor relacionarmos os momentos posteriores. A incumbência deste trabalho levantou grandes dificuldades no que diz respeito à escolha dos artistas. Não pretendemos criar uma hierarquia de nomes, nem, tampouco, eleger grupos em detrimento de outros. Por outro lado, foi nossa intenção fazer representar as atitudes, ou os movimentos, por alguns elementos que poderão não ser os mais representativos do tema em causa, mas que enunciam suficientemente o fim desejado, de modo plausível e clarificador. Não deixa de ser ingrato assumir a responsabilidade da selecção dos artistas, por critérios que, evidentemente, são subjectivos. Tal selecção assenta na firme convicção do nosso critério, aceitando desde já a crítica da subjectividade optada. Não poderia deixar de exprimir, os meus sinceros agradecimentos ao Dr. Telo de Morais, pelas conversas que ajudaram na elaboração deste breviário.
  • 2. 2 Após a Segunda Guerra Mundial brotou um clima favorável a uma fundamentação críptica das artes plásticas numa sociedade marcadamente progressista. As Exposições Gerais de Artes Plásticas foram de 1946 a 1956 orientadas pelo Movimento de Unidade Democrático, possuíam uma determinação artística próxima do “realismo socialista”. O Neo-Realismo foi o movimento que mais fascinou os artistas1 em meados de 40. Com esta atitude, os artistas desejavam transmitir uma informação de apoio ao povo, e pretendiam contribuir para o melhoramento da vida social, apoiando-se na ambição da derrota de Salazar2 . A finalidade consistia numa transformação da consciência da sociedade, mas sem grandes resultados político-sociais. Neste período são organizadas várias Exposições Independentes3 , por várias cidades do país, nomeadamente no Porto, Lisboa, Coimbra, etc. Este neo-realismo, denota uma grande preocupação formal, como no conceituadíssimo Almoço do Trolha4 [1946-50] de Júlio Pomar [1926- ]. Muitos artistas desvincularam-se deste caminho sob a égide de uma nova formalização estética. Júlio Pomar, O Almoço do Trolha, 1947. Tornava-se imperioso romper a obsolescência da arte, e criar uma expressão que se apresentasse como uma outra via de libertação. As primeiras obras surrealistas surgiram com este desígnio. Estava esgotado o exercício “dimensionista” que António 1 Entre outros, Júlio Pomar [1926- ], Ribeiro de Pavia [1910-1957, Querubim Lapa [1925- ], Avelino Cunhal, Rogério Ribeiro [1930- ]. 2 Apesar da vitória de Salazar nas eleições de 1949, este não perdoou ao modernista António Ferro [1895- 1956], director do Secretariado de Propaganda Nacional, o facto de não lhe ter conseguido o apoio dos artistas, demitindo-o das suas funções. 3 Nestas exposições participaram vários artistas, entre outros, Fernando Lanhas, Nadir Afonso, António Lino, Arlindo Rocha, Júlio Pomar, Vítor Palla. 4 Considerado como o ponto referencial e mais representativo da pintura Neo-Realista portuguesa.
  • 3. 3 Pedro [1909-1966] tinha como preocupação, e era necessário ir mais além do seu expressionismo. Este encontrou como aliado, António Dacosta [1941-1990], que o ajudou nessa cisão, bem assim como Cândido Costa Pinto [1911-1976]. Estes três foram os responsáveis pelo aparecimento em 1947 do surrealismo em Portugal fortemente influenciado pelo ímpeto parisiense desse ano, que se fez sentir verdadeiramente como grupo após o apoio de José Augusto França. Após este período outros se lhes juntaram, tais como Alexandre O’Neill [1924-1986], Mário Cesariny [1923- ], Marcelino Vespeira [1925-2002], Fernando Azevedo [1923-2002], e Moniz Pereira [1920-1988]. Cândido Costa Pinto, Decadência Outonal/ Fadista, 1943. Por divergências de vária ordem, o grupo surrealista, divide-se em dois, liderados respectivamente por António Pedro e Mário Cesariny. Ambos questionavam os direitos de autenticidade surrealista. Os dois grupos duraram pouco tempo, mas deixaram, porém, uma porta aberta para a criatividade que viria a ser explorada nas décadas seguintes. O drama da guerra e as circunstâncias da época foram determinantes para o trabalho do trio, Pedro, Dacosta, e Cândido, aos quais se lhes pode juntar um quarto – Maria Helena Vieira da Silva [1908-1991]. Foram estes quatro os pintores mais modernos do início da década, mas com dificuldade em prestarem aquilo a que se propunham: tornar a arte esclarecida a um público lato. Não havia empenho político nem social para se atingir tal desiderato. Isto veio reafirmar, já em meados do século XX, a incompreensão e o “analfabetismo” estético, face à diminuta educação visual de uma arte moral e formalmente provocatória. Estávamos perante um público que nutria as convenções, dando-se a outro tipo de atitudes, digamos mais gratuitas, como os livros da colecção policial “Vampiro” na qual Cândido Costa Pinto tinha como encargo a
  • 4. 4 realização das capas da referida revista. Na escultura, a estatuária neoclássica de Francisco Franco [1885-1955] e Leopoldo de Almeida [1898-1975], deu lugar a vez no final dos anos 40, a um modernismo com um sentido mais abstracto de Arlindo Rocha [1921-1999], e uma liberdade surrealista de Jorge Vieira [1922-1997]. Jorge Vieira, sem título, 1949 Outra referência é Fernando Lanhas [1923- ] que preconizou uma primeira forma de arte tendo como suporte o espaço geográfico5 . Convém também não esquecer as suas intervenções geométricas de cor e forma sobre pedras, indiciando uma expressiva forma poética. Nadir Afonso [1920- ], fortemente influenciado por Lanhas, cede às suas ideias e desenvolve um abstraccionismo geométrico, recriando uma nova visão espacial, desenvolvendo um novo conceito de espaço/tempo. Até ao final da década de 40 coexistem, assim três tendências que se afirmam com enorme força: o neo-realismo, o surrealismo, e o abstraccionismo geométrico. A intelectualidade portuguesa, que estava dividida - de um lado tínhamos a existência de uma clandestinidade, ou seja, de pessoas que viviam oprimidas e que tinham como única solução para se exprimirem, a ocultação das suas ideias; por outro, um grupo de pessoas parcialmente envolvidas no regime - foi fortemente influenciada pela enorme evolução da cultura do mundo ocidental, sobretudo após o fim da segunda Grande Guerra. À demissão de António Ferro, seguiu-se no início da década de 50 uma deficiente promoção da arte portuguesa no estrangeiro. Havia um desinteresse generalizado pelas artes, e as participações nacionais em bienais estrangeiras 5 Em 1952 realiza algumas pinturas sobre rochedos da Serra de Valongo.
  • 5. 5 subordinavam-se a um ecletismo cada vez maior, e tinham uma orientação que seguia determinados critérios estéticos extemporâneos, longe das desejadas correntes vanguardistas6 . Assiste-se, pois, a uma separação entre o gosto oficial e a vanguarda artística. O que de melhor se fazia culturalmente não tinha, em consequência, a chancela do governo, mas sim a dos artistas e a dos críticos de entre os quais se destaca José Augusto França. As encomendas públicas, e políticas eram maioritariamente dirigidas à escultura e à tapeçaria, e reportavam-se essencialmente a temáticas patrióticas, tais como o império ultramarino, e os heróis nacionais. Jorge Vieira vai iniciar aquilo que caracterizou a escultura deste período. Ele cria uma sinergia entre as várias vertentes que nos anos 40 estiveram em vanguarda, ou seja, ele articula associações entre a abstracção com alguma dependência surrealista, aflorando em alguns momentos o neo- realismo. Até 1957 Júlio Pomar desenvolve o neo-realismo, ano em que dá por encerrado este movimento, realizando o seu último trabalho paradigmático - “Maria da Fonte”. Também Augusto Gomes [1910-1957] se aproximou na década de 50 do neo-realismo, preconizando nas suas obras uma geometrização simplificada das formas, e uma hermetização da cor. Em clara oposição a Augusto Gomes, surge Luís Dourdil [1914- 1989] com fluidez das figuras, e transparência da cor. Influenciado pela obra dos nacionais Lanhas e Nadir Afonso, e pelo internacional Mondrian [1872-1944], Joaquim Rodrigo [1912-1997] interessa-se pelo neoplasticismo, participando em 1954 no “1º salão de Arte Abstracta” na Galeria de Março7 . A sua pintura baseava-se nas teorias neoplasticistas, assente pois, na pureza das formas e das cores, subjugadas a regras de construção. Esta década não deixou de ter um franco predomínio de obras surrealistas e, por isso, Fernando de Azevedo e Marcelino Vespeira8 , juntamente com Fernando Lemos [1926- ] realizam na Casa Jalco uma exposição nesta corrente, atestando a existência do movimento. Lemos, explora os limites da fotografia, imprimindo-lhe um cariz surrealista, através da múltipla sensibilização do papel fotográfico por meio de vários negativos. 6 Para a Bienal de São Paulo em 1951, o governo português enviou obras puramente naturalistas, o que teve como consequência o desagrado da entidade anfitriã, elevando a nossa cultura ao ridículo. 7 Galeria criada em 1952 por Fernando Lemos e José Augusto França. 8 Estes autores que já na década anterior tinham expresso referências não-figurativas, nos anos 50, reforçam-nas e assumem um papel actuante na abstracção lírica.
  • 6. 6 Outros nomes podem constituir referência desta década, como Carlos Calvet [1928- ], com um forte poder metafísico, reportando-nos a Chirico [1888-1978]. Manuel D’assumpção [1926-1969], que deixa as obras surrealistas para se fixar numa ambição poética, muito próxima do espaço ambíguo promovido pela escola que abandonara, e muito desenvolvido por Vieira da Silva9 . Lourdes Castro [1930- ], René Bertholo [1935- ], Gonçalo Duarte [1935-1986], João Vieira [1934- ], Costa Pinheiro [1932- ], e José Escada [1934-1980], estiveram muito perto daquilo que foi o “Nouveau Réalisme”10 , criando o grupo “KWY”11 . Este grupo começou por expor em Munique e em Paris juntamente com o alemão Jan Voss, e o Búlgaro Christo Javacheff [1935- ], o qual neste período começava a esboçar os seus famosos “embrulhos”. Em 1960, o KWY realiza na Sociedade Nacional de Belas Artes [SNBA], uma exposição de reacção à cultura nacional, e marca o início de uma plurivocidade artística. Até ao momento a arte estava presa a determinadas convenções, e este grupo abre as portas para o renovar e equacionar de determinadas questões estéticas, desde logo substituindo a questão “isto é belo?”, por outra ainda mais angustiante “isto é arte?” As décadas de 40 e 50 foram decisivas para o rumo das artes nos anos 60. A Pop Art era o movimento que ao nível mundial se havia afirmado e influenciou grandemente o panorama nacional. Este período proporciona grandes “aberturas” à arte nacional. Verifica-se uma enorme quantidade de artistas que emigram para a Europa; dá-se a abertura de novas galerias e é quando a SNBA começa a ser permeável, permitindo exposições de alguns artistas modernos que até então encontravam para si as portas fechadas. Em Lourdes Castro, além das obras ligadas à assemblage, verifica-se uma enorme preocupação com a sombra e com a materialização desse jogo de percepção lumínica, mesmo que negra e virtual. Ela faz uma abordagem ao objecto, ou ao humano, não os desvinculando da sua ausência, salientando-os por meio da silhueta, que se traduz na uniformização da cor. 9 A influência da obra de Vieira da Silva e da Escola de Paris que representa, influenciou um grande número de pintores. Para além D’Assumpção, também tocou Menez [1926-1995], Fernando de Azevedo, e Marcelino Vespeira. 10 Segundo a Declaração Constitutiva do Nouveau Réalisme, redigida pelo crítico Pierre Restany, os “Nouveaux Realistes tomaram consciência da sua singularidade colectiva. Nouveau Réalisme = novas abordagens perceptivas do real.” 11 KWY eram as letras que não faziam parte do alfabeto português, e vieram significar neste contexto: “Ká Wamos Yndo”.
  • 7. 7 Em 1960 Paula Rego [1935- ] apresenta uma sátira crítica à ditadura de Salazar: “Salazar a vomitar a pátria”. Esta exposição foi uma promessa daquilo que viria a ser a obra de Paula Rego no futuro, e mais concretamente a sua celebridade nos dias de hoje. Grande estímulo para a arte nacional foi a atribuição em 1961 do prémio da Bienal de São Paulo a Vieira da Silva. António Sena [1941- ] - artista de prestigiado mérito no panorama artístico nacional, com uma obra que é em parte desconhecida na actualidade12 - preocupou-se nas relações entre a escrita e a pintura, nas suas profundas e perfeitas sinergias, entre a imagem e a forma dessa imagem enquanto signo de uma realidade. A pintura e o desenho confrontam-se a partir da inscrição e de um conjunto de formas sígnicas, representações de momentos objectivos de apropriação do quotidiano. São os gestos tornados perenes. As suas grafias são diacrónicas, tendo como princípio o Dadaísmo e terminando nas experiências letristas e informais do pós-guerra e no contexto do Expressionismo Abstracto. Também com este ímpeto referimos Ana Hatherly [1929- ] e Eurico Gonçalves [1932- ]. Por esta altura, Eduardo Nery [1938- ] aproximava-se de uma realidade pop, com obras que graficamente suscitavam enormemente a atenção do fruidor. A partir de 1965, Eduardo Nery decide explorar os efeitos ópticos na pintura. Formas arquitectónicas apareciam sob o efeito de geometrias que passavam a ser referenciais no seu trabalho, como espaços abstractos e indefinidos. Eduardo Batarda [1943- ] começou a expor em 1966, com trabalhos que causavam muita polémica, devido ao carácter sarcástico e erótico das suas produções. As obras são sátiras sociais, utilizando um formato muito próximo da banda desenhada, com narrativas jocosas nas quais são abordadas questões, quer sociais, quer culturais. 12 Grande parte da obra de Sena permaneceu escondida no seu atelier.
  • 8. 8 Eduardo Batarda, O Senhor Professor CJP na Hora de Maior Movimento, 1965. Por esta altura surgem as primeiras esculturas de Ângelo de Sousa [1938- ], e Jorge Pinheiro [1931- ] que vinha mantendo as sua obra ligada a um expressionismo de cromatismo tonal, apresentando as suas primeiras pinturas abstractas. A partir de 1966 começa a explorar o abstraccionismo geométrico, com um inspirado desígnio – transformar a sua obra, em formas de resultado semelhante à sinalética de trânsito. Teve como principal preocupação o impacto visual da obra no espaço real. Jorge Pinheiro é hoje considerado um dos maiores coloristas portugueses. Ele também fez parte da constituição do grupo “Os 4 vintes” em 1968, juntamente com, Ângelo de Sousa Armando Alves [1935- ] e José Rodrigues [1936- ]. Também neste ano, Alberto Carneiro [1937- ] altera de modo persistente o conceito de escultura convencional, apresentando as obras “O canavial” e “Árvore dentro da escultura”. Deste modo, adultera as normas pré-existentes, que estavam presas a conceitos de monumentalidade, e de materialidade una, para passar a centrar-se numa interacção, e numa integração espacial, em que o próprio espaço é uma componente estética. Podemos citá-lo como um dos pioneiros – além de Lanhas – da instauração das primeiras manifestações da Land Art [ou ecológica, como prefere chamar].
  • 9. 9 Alberto Carneiro, Canavial, 1968. Júlio Pomar, ao abandonar as preocupações poéticas neo-realistas, envereda por novos caminhos, tais como as collages e as pinturas-objecto, numa busca incessante da especificidade objectual e detalhada da realidade. No final da década de 60 e viragem para a década seguinte, não existia já uma confluência nas escolas artísticas, mas antes um vasto alargamento de tendências que auguravam uma abertura estética, despojada de preconceitos e de rivalidades internas. Entrada resoluta no domínio da “não-espectacularidade” [tendo por referência os princípios escolásticos da estética], que origina uma concentração pluridisciplinar concertada, como é o caso do happening e da perfomance13 . A década de 60 veio, sem sombra de dúvida, cimentar a década seguinte, naquilo que viria a ser o início de uma arte plasticamente diferente. Apesar do governo de Marcelo Caetano ter permitido o aparecimento de uma maior mercantilização artística, comprovada pela abertura de inúmeras galerias em Lisboa e no Porto, não pôs fim à marginalidade artística a que todos [quase] estavam forçados, levando à execução de obras contra o regime. A massa artística constituía-se como um impedimento para a boa prossecução do regime ditatorial, pelo que uma das medidas tomadas foi a perseguição à intelectualidade, o que levou muitos artistas a ultrapassarem as nossas fronteiras, emigrando para o estrangeiro. Na década de 70, a poderosa influencia estrangeira14 tornou a arte portuguesa interventiva, também afectada pela conjuntura política de então. A necessidade de materializar os pensamentos e as ideias que vinham da Europa, encaixou-se 13 É em 1965, que a galeria Divulgação promove os primeiros happenings e performances, que se realizaram em Portugal. 14 A partir de 1956 a Fundação Calouste Gulbenkian, começa a atribuir bolsas aos artistas portugueses que pretendem fazer investigação no estrangeiro. Estes artistas traziam em primeira-mão novidades do exterior para a massa artística nacional, que apesar de conhecedor da actualidade internacional, sentia-se oprimida pelo regime político, que de certa forma controlava por meio de censura as “alfândegas” culturais.
  • 10. 10 perfeitamente no sistema cultural português, como que numa complementaridade “mão- luva”. Havia uma enorme vontade de aproximação da arte portuguesa à arte estrangeira, não só para a criação de um homónimo, mas também para o reconhecimento e inserção da arte nacional no contexto internacional. Formaram-se dois grandes grupos de trabalho: os Abstractos e os Neo-Figurativos, e acentuam-se as performances e os happenings. Até ao 25 de Abril, a arte portuguesa estava fulgurante, com a instituição de prémios; abertura de novas galerias; as instituições artísticas tinham extensos programas que aliciavam o público e encontravam-se perfeitamente activas e empenhadas. Na imprensa, a revista “Colóquio Artes” desempenhava um papel importante na veiculação da produção nacional, bem assim como, a sua directa associação aos críticos como por exemplo José Augusto França, Rui Mário Gonçalves, ou Fernando Pernes. A liberdade de criar e de pensar surge finalmente com o 25 de Abril. A revolução ultrapassou tudo aquilo que se conhecia, transportando o nosso país para uma dimensão social sem precedentes15 . Após o golpe militar, surge a necessidade de reorganizar o sistema vigente, e a vontade de festejar colectivamente, através de uma criação conjunta16 , no sentido de combater a iliteracia cultural. Em Coimbra, o Círculo de Artes Plásticas17 foi um dos dinamizadores destas actividades colectivas, bem assim como o surgimento de grupos dos quais se destaca o grupo Acre18 composto por Clara Meneres [1943- ], Alfredo Queiroz, e Lima de Carvalho [1940- ]; e o grupo Puzzle19 de que fizeram parte João Dixo [1941- ], Armando Azevedo [1946- ], Albuquerque Mendes [1953- ], Carlos Carreiro [1946- ], Graça Morais [1948- ], Dário Alves [1940- ], Jaime Silva [1947- ], Pinto Coelho [1942- ], Gerardo Burmester [1953- ], e Pedro Rocha [1945- ]. A revolução de Abril atribuiu aos artistas, aos críticos e ao público de um modo geral, um novo estatuto, numa democracia que se estava a iniciar, e numa sociedade pujante de desejo interventivo. 15 Mesmo comparada com a instauração da Republica em 1910, ou com o final da segunda Grande Guerra. 16 Procurou-se uma aproximação entre arte e sociedade, que não logrou grandes resultados, pois as acções colectivas tinham escassa adesão por parte do público a que se destinavam. Uma consciência de intervenção pública levou a que Várias pinturas murais fossem sendo executadas por todo o país. 17 Do qual Alberto Carneiro e Ângelo de Sousa foram amplos participantes e pedagógicos. O CAPC virá na década de 90 a ser novamente lugar de referência positiva. 18 Este grupo, para além de intervenções em monumentos públicos, também intervinha com pinturas nos pavimentos. 19 Com os seus festivais de performances, entre outras actividades.
  • 11. 11 As alterações à política artística foram muito reduzidas, não conseguindo colmatar os défices existenciais antes da revolução. As transformações foram quase inexistentes, e as actuações a que se referem, não passaram de esforços bem intencionados. Também economicamente a arte se alterou. O que antes da revolução se tinha pautado por um crescente fervor mercantilista, modifica-se consideravelmente após o 25 de Abril. Os artistas começam a ter dificuldades em fazer escoar as suas obras, e algumas galerias vêem-se obrigadas a encerrar portas. Esta considerável decadência de mercado concilia os artistas, que unidos, criam grupos, dos quais se destacam, o “Movimento Democrático dos Artistas Plásticos”20 , e no ano seguinte, a Associação Portuguesa de Artistas Plásticos21 , com a finalidade de promoverem formas de ultrapassar as sérias dificuldades, que estavam a passar. painel realizado por 48 artistas do M.D.A.P. em 10/06/74, na Galeria de Belém. Em 1977 Ernesto de Sousa [1921-1988], comissaria uma exposição intitulada “Alternativa Zero”22 que serviu de modelo para outras mostras dos anos 80. O certame incluía vários artistas, tais como, Alberto Carneiro, Clara Meneres, Helena Almeida [1934- ], Ana Hatherly, Ângelo de Sousa, Ana Vieira [1940- ] e António Sena, entre outros. Esta exposição foi considerada pelos críticos como o gonzo ao qual tudo girava, o ponto de partida de uma arte que emergia, caracterizada por uma vontade de praticar atitudes vanguardistas23 próximas do panorama internacional. 20 Criado em 1974 por artistas oriundos da Sociedade Nacional de Belas Artes. 21 A APAP é vulgarmente conhecida por os “papas”. 22 Realizada na Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, significou ser uma tradução exemplar daquilo que constava ser o panorama artístico nacional, e reunia cerca de meia centena de artistas, de vários quadrantes plásticos. 23 Esteve marcadamente ligada à inserção do conceptualismo, bem assim como se aliou à abertura de outras actividades artísticas, como por exemplo o vídeo, e a música.
  • 12. 12 Esta época estava plenamente aberta às vanguardas europeias, tendo surgido muito perto de nós o nome de Wolf Vostell24 [1932-1998], com quem João Vieira privou, levando-o a explorar o campo experimental do happening. Neste período, Paula Rego propõe-nos uma linguagem mais específica, deixando para trás a associação à collage, a fragmentação das figuras, e a forte relação inicial com a art brut. Ela cria ambientes ao mesmo tempo sinistros e encantadores, com perspectivas desajeitadas, recorrendo algumas vezes à deturpação da escala, transportando-nos para mundos nostálgicos e intemporais. A sua pintura sempre teve uma enorme carga expressionista, ligada a uma grande sensibilidade estética, tendo grande influência no seu processo criativo, as recordações de infância, a cultura portuguesa, e as suas experiências da vida adulta. Dentro do conceptualismo, Helena Almeida deixa as pinturas-objecto e aporta na fotografia25 , auto-representando-se, quer de forma visível ou não visível, introduzindo discursos sobre a condição feminina. Podemos considerar a sua obra como o resultado de uma atitude performativa congelada. É a procura de uma irrealidade, questionando-a, e tornando-a real. A pintura e o desenho invadem a fotografia, conferindo unidade à obra. Outro inconfundível artista desta época é Ângelo de Sousa, que explora a abstracção geométrica, por meio de uma síntese formal e cromática, afastando a sua obra de uma realidade/tema. Esta ausência [vazio] determinada por um rapprochement ao minimalismo, sobretudo o de Robert Mangold [1937- ], envolve-a numa simplificação, que emana um sentido de espaço e de calma, conferindo-lhe uma natureza única. Pedro Chorão [1945- ], tendo iniciado o seu interesse pela pintura através de textos de Paul Klee, decide “disciplinar-se” procurando para seus mestres amigos do seu pai26 , nomeadamente Luís Dourdil e António Dacosta. A relação que existe entre os elementos sígnicos da sua obra e a própria realidade remetem-nos para uma teoria da comunicação, onde todos os seus registos são tidos como auxiliares de visualização, e em que a vivência do espectador auxilia a compreensão das realidades, 24 Em 1979 realiza-se em Lisboa a “Lisbon International Show”, uma bienal onde para além da presença de Vostell, e de portugueses, estiveram outros estrangeiro, como Carl André, Luciano Castelli, e Jochen Gerz. 25 Helena Almeida foi das primeiras a trabalhar a fotografia, tendo-a como suporte físico das suas obras. Convirá referir que somente a partir da década de 60, a fotografia começa a ganhar o estatuto de arte, e autonomia de afirmação. 26 Arquitecto Raul Chorão Ramalho.
  • 13. 13 Eduardo Nery em 1976 realiza uma exposição intitulada “A Arte na Sociedade de Consumo”. Agrupava um conjunto de colagens, combinando uma imagem de uma obra de arte consagrada, com uma imagem de publicidade. Esta associação de ideias resultou da possibilidade de outro entendimento sobre a utilização da banalidade publicitária. Esta acção esteve na origem de uma atitude do recém-chegado Director Geral da Acção Cultural, Eduardo Prado Coelho, no sentido de contrariar a ideia estatucional de arte. Por esta altura a arte era entendida como algo supérfluo e luxuoso, conferindo-lhe, na comunicação social, uma imagem desastrosa que em nada a abonou. Com o arrefecimento do espírito revolucionário, a individualidade torna-se mais proeminente, e o experimentalismo artístico esvanece-se. Sem desconsiderar as positivas implicações, quer artísticas, como também políticas, e sociais, convirá referir que a revolução 25 de Abril que trouxe a democracia e expandiu a liberdade num prazo muito curto, hermetizou as participações colectivas, levando inclusivamente a recuos nas formas de expressão para um conservadorismo já há muito esquecido, consequência da conjuntura comercial dos anos 80, sobretudo a partir de 1977. Eduardo Nery, 1976. Muitos grupos que se criaram com o fundamento de melhorar o sistema cultural e que vivendo opressivamente tinham necessidade de se exprimirem, deixaram de ser actuantes, em virtude de terem perdido toda a sua eficácia assumida inicialmente – a transformação estava concretizada, e uma questão se colocava: que sentido teria a continuidade de acções que estariam despidas de contexto? Nesta conformidade podemos caracterizar a partir de 1977, mas com mais evidência a partir de 1983, o período a partir do qual a arte portuguesa se pautou por um
  • 14. 14 individualismo. De referir que os anos 80, se caracterizaram como amplamente positivos para a arte portuguesa. É nesta época que surge o Centro de Arte Moderna27 da Fundação Calouste Gulbenkian; o mercado da arte se revitaliza; o governo instaura a lei do mecenato e toma a resolução de ajudar os jovens artistas no financiamento dos seus projectos. Estas facilidades estão na origem da individualidade atrás referida. Tais factores contribuíram para que os artistas se projectassem individualmente. Ora, o individualismo não deverá ser considerado consequência da personalidade artística, mas, sim, do oportunismo de que estes dispunham, benesse da conjuntura de então. Por volta da década de 80, António Dacosta, que tinha abandonado a pintura nos anos 40, volta a pintar centrando o seu trabalho na memória individual e colectiva. Também certos artistas que adquiriram alguma notoriedade nos anos 60, se vêem nos anos 80 com preocupações de ordem conceptual. Em causa estão figuras como Pires Vieira [1950- ] e Fernando Calhau [1948-2002]. Julião Sarmento [1948- ], que iniciou a sua carreira com ligações ao vídeo, à fotografia e às instalações, retoma a pintura como base do seu trabalho. Primeiramente com referência a uma bad-painting ligada a um erotismo conotado com a literatura. Mais recentemente, adopta uma complexa linguagem dicotómica que oscila entre a dissimulação e a revelação, através de imagens fragmentadas, sejam elas de carácter figurativo ou abstracto. A sua obra é hesitante, com um pingo de humor, não se podendo desprender do erotismo e uma nostalgia, que, de resto, são os temas centrais da sua obra. Ele explora a sedução deixando na obra elementos sugestivos e deixando ao critério do observador a livre possibilidade de significação da mesma. Julião Sarmento, Emma (5), 1990. Outra figura famosa da pintura portuguesa é Pedro Calapez [1953- ] que, fortemente influenciado pela arquitectura, organiza o seu trabalho em função de 27 Inaugurado em 1983.
  • 15. 15 espaços, sejam eles cenográficos ou mais resignados, como o espaço do palco, por meio de riscas que têm por base o desenho, ou, com maior acutilância a incisão gráfica dos seus motivos. As obras variaram das monocromias, até às diferentes gradações de múltiplas cromias. Também especial preocupação com o espaço, revela a obra de José Pedro Croft [1957- ]. O cuidado do escultor com cada peça é proveniente da relação das delimitações espaciais das suas obras. Esta relação existencial entre o jogo do interior e do exterior à peça resulta também no adicionar de uma busca da melhor situação do espaço que a recebe. O alargamento da sua obra ao âmbito dos objecto de carácter vulgar, trouxe um beneficio acrescido, sem, contudo deixar de criar uma confrontação entre uma realidade pré-existente, e notoriamente reconhecida, entenda-se paradigmática, e algo que se afigura complementar, mas estranho à obra, talvez mesmo extemporâneo. Rui Sanches [1954- ], com semelhantes preocupações, delimita o seu trabalho entre o mundo da organicidade e a sua respectiva geometria. Explora complexos conjuntos de formas, estruturadas de modo coerente e sistemático, não permitindo qualquer fuga à desordenação do seu contexto, sob pena da obliteração textual de cada obra. A referência ao orgânico remete-nos para a biologia e seus afins, e a sua conjugação com elementos que se determinam pela sua maior rigidez da forma, reportam-nos para um simulacro da vida, uma arquitectura que implica uma utilização, um habitat versus habitação. Rui Sanches, sem título, 1994.
  • 16. 16 Em 1985, Sílvia Chicó revaloriza o abstraccionismo, comissariando em Lisboa e em Évora uma exposição intitulada “O Gesto, o Signo e a Escrita”. José Mouga [1942- ] foi um dos artistas presentes nesta mostra. A sua obra era organizada segundo uma geometria que orientava o aspecto cromático. Apesar da geometria estabilizante, a linguagem pictórica do seu trabalho era fundamentada num dinamismo cromático e compositivo. A referência à figuração surgida depois de 1984 foi tomada tendo sempre em conta essa geometrização, criando uma fusão sinérgica entre os objectos e os elementos que compõem a obra. A obra de Leonel Moura [1948- ] caracteriza-se por um forte predomínio conceptual, passando posteriormente pelas influências da cultura popular, em que ele se projecta num cenário eminentemente pop a provar pelas suas obras referenciadas nas identidades portuguesas, como o caso de Amália Rodrigues onde nos apercebemos de uma aproximação à pop americana de Andy Warhol [1928-1987] indo até às suas obras mais recentes de afirmação pública com grande intenção política. Também Júlia Ventura28 [1952- ] se apropriou das técnicas serigráficas e desenvolveu o seu trabalho en torno de referências warholianas, sobretudo na utilização da repetição das imagens. O seu caso, diferente do de Leonel Moura, descreve-se pela preocupação da auto- representação. Não é uma heteronomia pictórica que está em causa, mas sim uma singularidade com subtis variações, sejam elas cromáticas ou de composição. Também com a vontade de auto-representação consta grande parte da obra de Mário Botas [1952-1983]. O narcisismo de Mário Botas é facilmente identificável nos seus auto-retratos, por exemplo na colecção de Le Spleen de moi-même, onde o único tema do pintor é efectivamente o “eu-mesmo”, mas que poderá sofrer mutações e transformar-se no eu que é um outro: “Je est un autre”. Este “inventário” de artistas ficaria incompleto se não se fizesse referência a um dos grandes representantes da performance portuguesa, que foi sem dúvida, Albuquerque Mendes. Ele conseguiu internacionalizar as suas performances, nos symposium de Lyon, e nos festivais de Beaubourg, tendo atingido grande visibilidade ao lado de artistas como Joseph Beuys [1921-1986], e Vostell. O seu trabalho, apresentado ao público sob a forma de acções “teatrais”, é constituído por rituais reminiscentes de referências a procissões e das manifestações religiosas e profanas da cultura popular portuguesa. Na sua pintura evidenciam-se temas e géneros que subsistem 28 Em 2004 esteve presente numa exposição no Museu de Serralves, intitulada “Marcar, Imprimir, Expor”
  • 17. 17 diacronicamente por toda a sua obra. Ele utiliza alusões a vários momentos históricos, a várias gramáticas de representação, características do século XX, como a pintura expressionista, a collage dadaísta, as linguagens do movimento fluxus, a bad-painting, etc. Da sua passagem da performance até à pintura [e mesmo dentro desta] verifica-se um iter de uma extroversão manifestacional para uma introspecção cada vez mais íntima. Os anos 80 também levantaram o véu da arte feminina, até então um pouco esquecida. Realizaram-se algumas retrospectivas de Lourdes Castro e Helena Almeida, como também se revalorizou a obra plástica de Ana Haterly. Outro nome da arte feminina é Ilda David, que recria mundos pessoais repletos de memórias. Os artistas que adquiriram consagração nos anos 80 reforçam-a na década de 90, dando seguimento aos seus trabalhos de forma convincente. A pintura, escultura desenho e fotografia intensificam-se e o aparecimento de novas tecnologias coloca, ao dispor da arte, a possibilidade de se expandir, extrapolando os limites convencionais da estética. As mixed media, são o resultado de uma incessante busca e consequente descoberta de novas formas de linguagem. As abordagens temáticas - ao corpo [Post Human], à espacialidade, o crossover que torna permeável os limites entre a cultura popular e a arte, e o High and Low verificado a partir desta década, em virtude da trivialidade cultural a que assistimos, por força das várias condições de inanidade mental, existente em vários processos, designadamente o da comunicação social - tornam a actualidade artística, por um lado, uma das mais ricas, e altissonantes; e por outro inserem-na num contexto de dúvida, em permanente questionamento idiossincrático, sobre a sua categorização estilística, e sobre a sua idoneidade com referência às apropriações científicas29 . Os artistas desta década diminuem o papel da estética no processo de significação e valorização da obra de arte. A prática duchampiana é novamente questionada, e determina a abertura da arte contemporânea, a uma plural e estonteante interdisciplinaridade. Trata-se de uma fase que exporta para as obras e particularmente para os artistas uma elevada complexidade de execução, o que, de certo modo, constitui uma triagem da esteticização dos anos 90. Para além das dificuldades técnicas que se 29 O savoir-faire é aqui questionado com grande força. Este é questionado, ou pelo menos apenas se pensa nele, quando entramos no mundo da arte, porque como facilmente entendemos, ninguém quando entra num supermercado pensa como a massa esparguete é feita, mas quando se entra num museu, aí sim temos uma predisposição para pensar na sua “confecção”. É bem mais facilmente entendível que uma cadeira num museu não é arte, mas sim engenharia.
  • 18. 18 apresentam aos artistas, por causa da inadequada disponibilidade de oferta de meios técnicos, também é exigido ao criador um know-how, dificilmente concebível no âmbito nacional. Estamos, pois, ainda muito longe do realizado extra-fronteiras, talvez que até se possa considerar tal período como o mais marcante, neste ponto, sobretudo se estabelecermos comparações com algumas personalidades do âmbito internacional dos quais Eduardo Kac e Stelarc, são apenas alguns exemplos. A arte enquanto intervenção social e política estava muito reduzida, e a que existia não mantinha uma boa visibilidade. A obra “Eucalipto/Homenagem – um monumento ao Estado Laranja, homenagem àqueles que contribuem para o embelezamento do nosso país,” de Pedro Portugal30 [1963- ] relança o questionamento da nossa sociedade face às vicissitudes conjunturais da época, nomeadamente como crítica política, visando importantes valores ecológicos. Pedro Portugal, Eucalipto/Homenagem Nessa obra existe uma apropriação do conceito de monumento, não só pelas suas dimensões, mas também pela utilização do espaço público31 , criada na vontade de confrontar a obra com a sociedade. Portugal não soube acompanhar o cenário internacional que há pelo menos 200 anos seguia. Na década de 90, a arte portuguesa encontra-se na retaguarda internacional, seguindo o caminho dos já afirmados meios de comunicação social, com apenas 30 Fundador em 1983 do grupo Homeoestética, movimento característico de uma certa modernidade que se desdobrou pela produção de textos, e manifestos teóricos, por performances, pela produção de filmes, e pelos registos fotográficos de carácter memorialista. 31 A rotunda do Aeroporto de Lisboa.
  • 19. 19 pequenas flexões nos seus contextos. Algumas atitudes que nos anos 80 estiveram afastadas da realidade nacional32 , são retomada e desenvolvidas. Em 1993, e como forma de aproximar a arte portuguesa ao contexto externo, realizam-se no Porto as segundas jornadas de Arte Contemporânea, onde são apresentadas33 obras de artistas britânicos emergentes, tais como Douglas Gordon [1966- ] e Jane & Louise [1967- ]. A comprovar a inadequação da arte portuguesa relativamente à do estrangeiro, alertou a crítica extremamente negativa de Alexandre Pomar, acerca da exposição “imagens para os anos 90”, realizada na Casa de Serralves em 1993. Em resposta às afirmações contundentes de Pomar, alguns dos artistas visados34 publicaram um artigo apelidado de “Oito Novos Fora”, o qual entre outras coisas, se fundava na ausência de uma crítica coerente e plausível, que, de resto, se viria a confirmar anos mais tarde. A fotografia e a escultura foram-se autonomizando e ganham mais relevo na selecção desses modos de expressão por parte dos artistas, como também por parte do público, que começa a atribuir-lhes um maior valor de mercado. Na fotografia destacam-se Jorge Molder [1947- ], Paulo Nozolino [1955- ], João Tabarra [1976- ], Luís Palma [1960- ], e Albano da Silva Pereira35 [1950- ]. No domínio da escultura, podemos referir alguns exemplos já anteriormente citados, que na década de 90 confirmam o teor do seu trabalho: Manuel Rosa [1953- ], Rui Sanches, José Pedro Croft, ou Rui Chafes36 [1966- ], que em 2004 apresentou a obra “Comer o Coração”, representando Portugal na 26ª Bienal de São Paulo, em co-participação com a coreógrafa Vera Mantero [1966- ]. Convirá não esquecer que determinados pintores influenciados pela escultura, também realizaram algumas peças escultóricas, ou pelo menos com a aproximação ao objecto. É o caso de Pedro Cabrita Reis [1956- ] e Gerardo Burmester, como se pôde constatar da presença destes dois últimos na exposição “Depois de Amanhã”37 , aquando da Lisboa 94, Capital europeia da Cultura, levada a efeito no Centro Cultural de Belém. 32 Por várias razões, desde logo por um excessivo tradicionalismo imposto. 33 Esta exposição intitulava-se “A Pasta de Walter Benjamin, e foi comissariada por Andrew Renton. 34 João Paulo Feliciano, Paulo Mendes, Rui Serra, Carlos Vidal, Fernando Brito, João Louro, Miguel Palma, e João Tabarra. 35 Dinamizador dos Encontros Fotográficos de Coimbra. 36 Juntamente com José Pedro Croft, e Pedro Cabrita Reis, representou Portugal em 1995, na Bienal de Veneza. 37 Nesta exposição estiveram presentes além destes dois, Pedro Calapez, Rui Sanches, Baltazar Torres, Frank Thiel, José Pedro Croft, Xana, Wim Delvoye, Julião Sarmento, Augusto Alves da Silva, James Turrel, Narrele Jubelin, João Paulo Feliciano, Miguel Palma, João Penalva, Stephan Balkenhol, Marie Jo Lafontaine, Olaf Metzel, Ângela Ferreira, Miguel Ângelo Rocha, Taro Chiezo, e Cathy de Monchaux.
  • 20. 20 Rui Chafes, e Vera Mantero, Comer o Coração, 2004. A arte dos anos noventa é site-specific, logo puramente consagrada às práticas próximas da instalação. João Paulo Feliciano [1963- ] é um dos autores que se permitiu a este tipo de linguagem. A sua obra é associativa, quer isto significar, que ele coloca em feliz conjunção, a escultura, a luz e os aspectos tecnológicos, numa perfeita harmonia. O seu trabalho “The Big Red Puff Sound Site”, realizado para a Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura, constitui exemplo desta complexa sinergia. Outros autores podem aqui ser destacados como: Pedro Tudela [1962- ] e a sua obra “Rastos”, Francisco Tropa [1968- ] com “Buda”, Cristina Mateus [1966- ], a criação “Engenho” de Miguel Palma [1964- ], Miguel Leal [1967- ], Fernando Brito [1958- ], entre outros. No final do século, acentua-se a singularidade artística, pulverizados os poucos grupos que mantinham actividade conjunta. Esta reacção foi a consequência de uma política internacional que se repercutiu no nosso país. Uma nova geração de artistas começa a emergir, subjugada às novas exigências, sociais, políticas e culturais e de intenções artísticas, que são agora definidas por uma esteticização cultural que todos conhecem, reconhecem e aceitam, fruto de um espírito amplamente renovado. O maior desafio está lançado a esta geração, num tempo em que se relembra, e reclama o fim da arte. Chuva Vasco, Figueira da Foz, 2005
  • 21. 21 Bibliografia − Chicó, M. Tavares [et. al.] – Dicionário da Pintura Portuguesa. Lisboa: Editorial Estúdios, 1973. 3 vol. − França, José Augusto – A Arte em Portugal no Século XX. Lisboa: Bertrand Editores, 1990. − França, José Augusto – O Modernismo na Arte Portuguesa. Lisboa: Ed. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1983. (Biblioteca Breve; 43). − França, José Augusto – A arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX (1910-2000). Lisboa: Livros Horizonte, 2000. − Gonçalves, Rui Mário – O Fantástico na Arte Portuguesa Contemporânea. Lisboa: FCG [Fundação Calouste Gulbenkian], 1986. − Gonçalves, Rui Mário – A Arte Portuguesa do Século XX. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998. − Melo, Alexandre – As Artes Plásticas em Portugal – dos Anos 70 aos Nossos Dias, Lisboa: Difel, 1998. (Memória e Sociedade). − Pereira, Paulo – História da Arte em Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995. − Pinto de Almeida, Bernardo – Pintura Portuguesa no Século XX. 2ª ed. Porto: Lello Editores, 1996. − AA. VV - História da Arte em Portugal. Lisboa: Publicações Alfa, 1993. Vol. 12 e 13. − AA. VV - História da Arte Ocidental e Portuguesa das Origens ao Final do Século XX. Porto: Porto Editora, 2001. − AA. VV - Panorama Arte Portuguesa no Século XX. Porto: Campo das Letras, 1999. Para citar este artigo utilize a seguinte referência: CHUVA VASCO, Nuno - Os últimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do século XX. [Em linha]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. Disponível em WWW:<URL:http://www.chuvavasco.com/50anos.pdf>.