Esta sequência didática visa incentivar o aluno do 3º ano do Ensino Médio a ler obras literárias (contos, poemas, romances etc.) que o levem a despertar o sentimento de medo, a fim de que tal emoção aguce sua curiosidade e instigue, gradativamente, o gosto pela leitura, pois aquilo que nos repele, que nos causa desconforto, estranhamento, também nos atrai.
O Fantástico, o Estranho e o Maravilhoso na Literatura Brasileira: Sequência Didática
1. Universidade Federal de Sergipe
Campus Prof. Alberto Carvalho
Curso: Letras Português
Disciplina: Laboratório para o ensino de Língua Portuguesa
Profa. Dra. Márcia Regina Curado Pereira Mariano
Acadêmicos: José Humberto dos S. Santana
Evando Marcos dos Santos
2. “A emoção mais
forte e mais
antiga do mundo
é o medo, e,
dentro dessa
emoção, a mais
forte seria a do
medo do
desconhecido”
(GENS, 2010, p.
74).
3. • Conteúdos: Gêneros literários: fantástico, estranho e
maravilhoso
• Temática: O medo
• Duração: oito aulas (50min cada)
• Público-alvo: 3º ano do Ensino Médio
Sequência didática desenvolvida a partir do
conto “As formigas”, de Lygia Fagundes Telles
Sequência didática
4. Objetivo geral
• Incentivar o aluno a ler obras literárias (contos, poemas,
romances etc.) que o levem a despertar o sentimento
de medo, a fim de que tal emoção aguce sua
curiosidade e instigue, gradativamente, o gosto pela
leitura, pois aquilo que nos repele, que nos causa
desconforto, estranhamento, também nos atrai.
“Medos traçam um mapa dos valores da
sociedade; nós precisamos ter medo
para sabermos quem somos e o que não
queremos ser” (WARNER, 2007, p.
387).
5. Objetivos específicos
• Possibilitar ao aluno identificar o Fantástico, o
Maravilhoso e o Estranho em obras da literatura
brasileira pós-moderna;
• Instigar sua capacidade de realizar inferências por meio
de seus conhecimentos prévios (de mundo, textual e
linguístico), para que construa, “em uma relação
interativa entre ele, o texto e o autor,” o sentido ou os
sentidos possíveis do texto, bem como perceba a
intertextualidade e/ou a interdiscursividade temática
entre o texto lido e outros textos (verbais ou não
verbais).
6. Metodologia
• Aulas dialogadas (exposição de conteúdos com a
participação efetiva dos alunos);
• Atividades de compreensão textual;
• Exibição de filme;
• Produção textual escrita (texto dissertativo-
argumentativo).
7. Recursos
• Conto e poema impressos (cópias)
• Filme “Coração de Leão, o amor não tem tamanho”
(2014, dur. 1h49min), de Marcos Carnevale.
• Projetor Multimídia
• Notebook
• Caixas de som
9. 1ª Aula
• Conceituar e caracterizar o gênero literário fantástico;
• Citar autores brasileiros e estrangeiros de narrativas
fantásticas, como Lygia Fagundes Telles (As formigas
(1977)), Carlos Drummond de Andrade (Flor, telefone,
moça (1951)) e Edgar Allan Poe (O gato preto (1943)).
• Distinguir o gênero literário fantástico do estranho e
do maravilhoso
10. O gênero literário fantástico
• Para defini-lo, são necessárias três condições:
– Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a
considerar o mundo das personagens como um mundo
de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação
natural e uma explicação sobrenatural dos
acontecimentos evocados.
– Segundo, a hesitação pode ser igualmente
experimentada por uma personagem (...).
– Terceiro, é importante que o leitor adote uma certa
atitude para com o texto: ele recusará tanto a
interpretação alegórica quanto a interpretação “poética”
(TODOROV, 2004, p. 39).
11. • O fantástico é a hesitação do leitor em relação a
um fato estranho, sem admitir que aquilo é
sobrenatural ou possui uma explicação racional.
• Quando a história encerra com a ambiguidade,
estar-se diante do fantástico.
• Se há um desfecho sobrenatural, há o maravilhoso;
se a explicação é racional, há o estranho.
12. Estranho
“O leitor decide explicar
os fenômenos por meio
de leis da realidade
(coincidência, sonho,
loucura, drogas, etc.)”
(TODOROV, 1970, p.
156).
13. Maravilhoso
“O leitor decide que se deve
admitir novas leis da natureza,
pelas quais o fenômeno pode
ser explicado, como ocorre nos
contos de fada, nos quais os
animais e as plantas podem
falar, e outros fatos também
são aceitos pelo próprio leitor”
(TODOROV, 1970, p. 156).
15. 2ª Aula
• Expor sucintamente a biografia da contista e romancista
brasileira Lygia Fagundes Telles, citando suas principais obras
literárias e enfatizando seu estilo e as temáticas mais
recorrentes em suas obras.
• Ler o conto “As formigas”, de Lygia Fagundes Telles, inserido
no livro “O Seminário dos ratos” (1977), discutir sua temática
e classificá-lo no que tange ao gênero literário;
• Descrever os elementos que a autora emprega para construir
a atmosfera de suspense, a fim de despertar a sensação de
desconforto e repulsa, o sentimento de medo e, ao mesmo
tempo, a curiosidade do leitor.
16. • Escritora brasileira
membro da Academia
Paulista de Letras, da
Academia Brasileira de
Letras e da Academia de
Ciências de Lisboa.
• Nasceu em São Paulo, no
dia 19 de abril de 1923.
• Em 2005, foi galardoada
com o Prêmio Camões de
Literatura
Biografia
Lygia Fagundes Telles
https://mazarine111.files.wordpress.com/2011/02/lygia011
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17. Principais obras
Antes do Baile Verde
(1969)
Contos
Ciranda de Pedra (1954)
Romance
As Meninas (1973)
Romance
Seminário dos Ratos
(1977)
Contos
18. Temáticas recorrentes
• Solidão
• Loucura
• Morte
• Egoísmo
• Ciúme
• Inveja
• Choque de gerações
• Mudança de costumes
“Lygia escreve expondo nossos medos e desejos, às
vezes sombrios, perversos, mas necessários para
mostrar que somos capazes dos atos mais grandiosos e
cruéis” (LUCENA, 2008, p. 168).
19. Seminário dos Ratos (1977)
“São quatorze textos que
giram em torno de temas que
me envolvem desde que
comecei a escrever: a solidão,
o amor e o desamor. O medo.
A loucura. A morte – tudo isso
que aí está em redor”. (In:
Clarice Lispector entrevista Lygia.
Disponível em:
<http://comunidadelft.blogspot.com.br
/2008/09/clarice-lispector-entrevista-
lygia.html>. Acesso em: 07 dez. 2014).
20. Lygia Fagundes Telles sobre
Seminário dos Ratos (1977)
“Procurei uma renovação de linguagem em cada conto desse
meu livro, quis dar um tratamento adequado a cada ideia:
um conto pode dar assim a impressão de ser um mero
retrato que se vê e em seguida esquece. Mas ninguém vai
esquecer esse conto-retrato se nesse retrato houver algo
mais além da imagem estática. O retrato de uma árvore é o
retrato de uma árvore. Contudo, se a gente sentir que há
alguém atrás dessa árvore, que detrás dela alguma coisa está
acontecendo ou vai acontecer, se a gente sentir, intuir que
na aparente imobilidade está a vida palpitando no chão de
insetos, ervas – então esse será um retrato inesquecível”. (In:
Clarice Lispector entrevista Lygia. Disponível em:
<http://comunidadelft.blogspot.com.br/2008/09/clarice-lispector-
entrevista-lygia.html>. Acesso em: 07 dez. 2014).
21. Classificação do conto “As formigas”
Quanto ao gênero literário, trata-se de uma narrativa
fantástica, porque, embora certos acontecimentos
possam ser explicados racionalmente (alguns podem
ser considerados oníricos) e o sobrenatural possa ser
aceito pelo leitor (a metamorfose do anão, por
exemplo), no desfecho, não se tem certeza de que as
formigas reconstruíram todo o anão (faltavam o fêmur
e os ossinhos da mão esquerda (TELLES, 2009, p. 16)),
nem se sabe o porquê de uma das protagonistas (a
estudante de direito) viajar com um gravura de
Grassmann e o que ela retrata.
22. O OLHO E O MEDO EM “AS
FORMIGAS” E “O MORCEGO”
http://4.bp.blogspot.com/-G0USasm2pb0/TVOxG7Vz1wI/AAAAAAAAA2o/U9adlp48GL0/s1600/olhar.jpg
23. 3ª aula
• Ler o poema “O Morcego”, de Augusto dos Anjos, e
discutir a temática do texto;
• Aplicar atividade de compreensão textual e discutir as
questões propostas e as respostas dos alunos.
Uma cópia do referido poema deve ser entregue a cada
aluno; e o texto, exposto em slides (caso disponha de
Projetor Multimídia).
A leitura será realizada por um dos alunos.
24. O debate acerca da temática do poema objetiva levar o
aluno a perceber, por meio de inferências (fazendo uso de
seus conhecimentos prévios: de mundo, linguístico, textual),
que o poema e o conto abordam a temática do medo, seja
do desconhecido (do inexplicável racionalmente), seja das
consequências dos próprios atos.
A atividade proposta objetiva possibilitar ao aluno perceber
quais recursos (procedimentos) poéticos o poeta empregou
para construir uma atmosfera de aprisionamento e revelar,
por conseguinte, o sentimento de medo do eu lírico:
figuras de linguagem (pensamento, construção ou
sintaxe)
elementos estruturais e suas funções
constantes e variantes
25. O Morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
26. Compreensão textual
1. O poema “O Morcego” e o conto “As formigas”, embora
sejam gêneros literários distintos, têm um elemento
estrutural comum: o olho. Qual a função exercida por esse
elemento nos referidos textos?
R: Criar uma atmosfera de apreensão, suspense e angústia
a fim de despertar o medo no leitor.
2. Quais os recursos estilísticos usados pelo poeta para criar o
clima de suspense em “O morcego”?
R: A repetição do vocábulo “olho” e o emprego de sons
vocálicos fechados (assonância).
27. GRASSMANN E O FANTÁSTICO EM
“AS FORMIGAS”
http://marcelograssmann.blogspot.com.br/2010/06/sala-quatro.html
28. 4ª Aula – 1º momento
• Apresentar, em slides, dez gravuras do artista plástico
Marcello Grassmann, inseridas no Album Pachello
(1968), a fim de que os alunos conheçam seu estilo e as
temáticas recorrentes em suas obras, e consigam inferir
acerca da função da gravura de Grassmann no conto “As
formigas” e de sua relevância para a construção do
sentido do texto.
29. A função da gravura é fortalecer a dúvida do leitor em
relação aos fatos ocorridos no velho sobrado de janelas
ovaladas:
Por que uma jovem universitária viajaria com uma obra
de Grassmann e expô-la-ia na parede de seu quarto?
Fascinação pelo inexplicável racionalmente?
Que gravura a personagem fixou na parede? A que
retrata um anão ao lado de uma jovem seminua?
Eis algumas dúvidas.
31. Fortuna Crítica
“Retratando quimeras, cavaleiros, donzelas medievais e
personagens fantásticos, desde a década de 1950, o
artista Marcello Grassmann é um dos maiores talentos da
gravura no Brasil e seu trabalho ultrapassou fronteiras,
tornando-se reconhecido em todo o mundo. Seu interesse
por esse tipo de personagens vem desde a infância, a
partir do universo das histórias em quadrinhos. Também
reverenciado por sua atuação como desenhista” (In:
Caderno de Desenhos. Disponível em:
<http://marcelograssmann.blogspot.com.br/2010/06/caderno-de-
desenhos.html>. Acesso em: 07 dez. 2014).
44. 4ª Aula – 2º momento
• Discutir a intertextualidade (por alusão) entre o conto
“As formigas” e os Contos de fadas: “A bela e a fera” e
“Branca de Neve e os sete anões”.
• Para tanto, o professor solicitará aos alunos que, usando
seus conhecimentos textuais e de mundo, identifiquem,
no conto “As formigas”, elementos que são típicos dos
contos de fadas como: o castelo abandonado (sobrado)
com escadas em caracol, o sótão, a bruxa (a velha
proprietária do sobrado), o príncipe (o anão), a princesa
(a protagonista), animais fabulosos (as formigas) e,
sobretudo, a aceitação de situações e personagens que,
da perspectiva da razão, são consideradas incomuns.
45. Síntese
Nesta aula, o professor deve levar os alunos a
perceberem a função das intertextualidades (explícita e
alusiva) no conto, para que possam identificar o
Maravilhoso.
Ao identificarem o Maravilhoso, os alunos conseguirão
associar “As formigas” com “A bela e a fera”, porque
verão que, em ambos os contos, um dos obstáculos que
impedem a realização do amor entre o príncipe e a
princesa é a forma física daquele, forma essa que não se
enquadra nos padrões de beleza impostos pela
sociedade.
46. 5ª e 6ª Aulas
• Assistir ao filme argentino “Coração de Leão – o amor
não tem tamanho” (2014, dur. 1h49min), de Marcos
Carnevale, cujos protagonistas são: Julieta Diaz
e Guillermo Francella.
• Discutir acerca da temática social abordada no filme
(preconceito contra a pessoa de baixa estatura),
relacionado-a com o Maravilhoso em “As formigas” e o
Conto de Fadas “A bela e a fera”.
47.
48.
49. 7ª Aula
• Produzir um texto argumentativo-dissertativo que discuta o
lugar do indivíduo “diferente” (o anão, o negro, o
homoafetivo ou o portador de necessidades especiais (o
autista, o cego, o surdo etc.)) na sociedade contemporânea,
levando em consideração o slogan (também título do texto):
“SER DIFERENTE É NORMAL”.
• Nesta atividade, o professor avaliará:
• Capacidade argumentativa (defesa de um ponto de vista) do
aluno, levando em consideração seus conhecimentos prévios
e os construídos durante a execução desta sequência didática.
• Coesão e coerência textuais;
• Adequação à norma padrão escrita;
50. 8ª Aula
• Discutir os principais pontos de vista defendidos
pelos alunos no texto dissertativo, respeitando o
direito à liberdade de expressão de cada aluno e
salvaguardando os direitos humanos.
• Reescrever (caso necessite) o texto argumentativo
adequando-o à norma padrão escrita.
51. “É impensável o pouco que seríamos se não
tivéssemos sentido medo. É peculiar ao
homem a tendência de sempre se expor ao
medo. Nenhum sentimento de medo se
perde, mas seus esconderijos são
misteriosos. De todos os sentimentos,
talvez seja este o que menos se
transforma” (CANETTI, 1987, p. 65, apud
GENS, 2010, p. 73).
52. Referências
• ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998.
• CANETTI, E. A língua absolvida: história de uma juventude. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987. In: GENS, R. Leitura(s) do
medo. In: ______ et al. (Orgs.). Literatura infantil e juvenil na
prática docente. Rio de janeiro: Ao Livro Técnico, 2010. p. 71-85.
• GENS, R. Leitura(s) do medo. In: ______ et al. (Orgs.). Literatura
infantil e juvenil na prática docente. Rio de janeiro: Ao Livro
Técnico, 2010. p. 71-85.
• LOPES, T. M. A. Realismo Mágico: uma problematização do
conceito. Vocábulo, Ribeirão Preto, v. 5, n. 1, p. 1-15, 2012.
• LUCENA, S. C. Alguns temas em Lygia Fagundes Telles.
Interdisciplinar, Itabaiana , v. 3, n. 1, p. 155-168, jan/jun. 2008.
53. • SILVA, L. C. F; LOURENÇO, D. S. O gênero literário fantástico:
considerações teóricas e leituras de obras estrangeiras e
brasileiras. In: ENCONTRO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E
TECNOLÓGICA, 5., 2010, Campo Mourão, PR. Anais... Campo
Mourão: FECILCAM/NUPEM, 2010. p. 1-12.
• TELLES, L. F. Seminário dos ratos: contos. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009 [1977].
• TODOROV, T. As Estruturas Narrativas. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1970.
• ______. Introdução à Literatura Fantástica. 3. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2004.
• WARNEN, M. Monsters of our own making: the peculiar
pleasures of fear. Estados Unidos: University Press of Kentuchy,
2007.