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Disciplina: Tópicos de Ética Contemporânea
RACIONALIDADE E AGIR MORAL
(prof. Giorgio Borghi)
A fundamentação do agir moral na racionalidade é uma problemática que atravessa toda a
filosofia ocidental e que tem a sua origem na elaboração socrático-platónica, que
equiparava virtude e saber, areté e logos. Ora, esta elaboração filosófica antiga encontra
no pensamento de Aristóteles um desenvolvimento de uma profundidade surpreendente,
que até hoje permanece referência no debate ético. Gadamer, em Verdade e Método,
dedica uma parte específica para analisar a “atualidade hermenêutica de Aristóteles” e é
levando em conta essas considerações de Gadamer, que quero retomar a questão da
fundamentação racional do agir moral na Ética a Nicômaco.
Uma primeira e importante consideração é que Aristóteles questiona a identificação entre
virtude e conhecimento de origem socrática e opera uma clara distinção entre o saber ético
da phronesis e o saber teórico da episteme. Logo no inicio da Ética a Nicômaco,
encontramos uma consideração metodológica importante. “Nossa discussão será
adequada se tiver a clareza compatível com o assunto, pois não se pode aspirar à mesma
precisão em todas as discussões, da mesma forma que não se pode atingi-la em todas as
profissões. [...] Os homens instruídos se caracterizam por buscar a precisão em cada classe
de coisas somente até onde a natureza do assunto permite, da mesma forma que é
insensato aceitar raciocínios apenas prováveis de um matemático e exigir de um orador
demonstrações rigorosas” (ÉN I,3).
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Esclarecido, portanto, que a fundamento do agir moral tem um tipo de racionalidade
específico, vamos acompanhar o raciocínio de Aristóteles, que parte da teoria da alma com
as suas funções vegetativa, sensitiva e racional, e conclui que “o bem para o homem vem
a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência, e se há
mais de uma excelência, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas” (ÉN
I,7).
Ora, a excelência moral, para Aristóteles, está relacionada com o exercício da nossa
faculdade racional, mas “nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência
moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta
capacidade se aperfeiçoa com o hábito” (ÉN II,1). “A excelência moral, então, é uma
disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta
consistente num meio-termo (o meio-termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão
graças à qual um homem dotado de discernimento o determinaria)” (ÉN II,6). “Por isto, ser
bom não é um intento fácil, pois em tudo não é um intento fácil determinar o meio – por
exemplo, determinar o meio de um circulo não é para qualquer pessoa, mas para as que
sabem; da mesma forma todos podem encolerizar-se, pois isto é fácil, ou dar ou gastar
dinheiro; mas proceder assim em relação à pessoa certa, até o ponto certo, no momento
certo, pelo motivo certo e da maneira certa, não é para qualquer um, nem é fácil; portanto,
agir bem é raro, louvável e nobilitante” (ÉN II,9).
Como se pode observar, a racionalidade que lida com o agir bem, o agir moral, é uma
racionalidade que se depara constantemente com casos particulares, singulares, portanto
se entende a importância que Aristóteles confere ao discernimento (Phronesis). No livro VI,
dedicado às virtudes dianoéticas, encontramos explicitada a distinção entre os saberes.
3
“Partamos do pressuposto de que há duas faculdades racionais: uma que nos permite
contemplar as coisas cujos primeiros princípios são invariáveis, e outra que nos permite
contemplar as coisas passíveis de variação; com efeito, no pressuposto de que o
conhecimento se baseia numa certa semelhança ou afinidade entre o sujeito e o objeto, as
partes da alma aptas a conhecer os objetos de espécies diferentes devem ser também
especificamente diferentes. Uma destas duas faculdades racionais pode ser chamada de
científica e a outra de calculativa, pois deliberar e calcular são a mesma coisa, mas ninguém
delibera sobre coisas invariáveis” (ÉN VI,1).
“O discernimento, por outro lado, relaciona-se com as ações humanas e coisas acerca das
quais é possível deliberar; de fato, dizemos que deliberar bem é acima de tudo a função
das pessoas de discernimento, mas ninguém delibera a respeito de coisas invariáveis, ou
de coisas cuja finalidade não seja um bem que possamos atingir mediante a ação. As
pessoas boas de um modo geral são capazes de visar calculadamente ao que há de melhor
para as criaturas humanas nas coisas passíveis de ser atingidas mediante a ação.
Tampouco o discernimento se relaciona somente com os universais; ele deve também levar
em conta os particulares, pois o discernimento é prático e a prática se relaciona com os
particulares” (ÉN VI,7). “É evidente que o discernimento não é conhecimento científico, pois
como já dissemos, ele se relaciona com o fato particular fundamental, já que a ação a ser
praticada é desta natureza” (ÉN VI,8).
Sendo que discernimento está relacionado com a capacidade de deliberar bem, Aristóteles
procura determinar a natureza da excelência na deliberação. Ela não é conhecimento
científico, não é capacidade de conjecturar, não é uma forma de opinião. “A alternativa
restante, então, é que a excelência na deliberação é pensar corretamente. De fato, o
pensamento ainda não é uma afirmação, porquanto, embora a própria opinião não seja
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investigação, mas já tenha chegado ao nível de afirmação, a pessoa que está deliberando,
quer delibere bem, quer delibere mal, está investigando e calculando algo” (ÉN VI,9).
Toda esta questão do relacionamento entre conhecimento científico e discernimento será
repensada na modernidade em termos de relação entre fato e valor. A elaboração da
dicotomia entre fato e valor (entre “é” e “deve ser”; ou ainda, como será usual em nossos
dias, entre objetivo e subjetivo) acompanha o avanço e a afirmação do individualismo
epistemológico e o abandono gradativo do princípio de autoridade, seja da ortodoxia
teológica tridentina, seja da filosofia natural aristotélica. Do ponto de vista histórico, é em
torno da dicotomia entre fato e valor que se constituiu o próprio campo da ciência natural
no interior da ampla modificação que conduziu ao nascimento da ciência moderna, no arco
temporal que vai, para o caso da ciência, de Copérnico a Newton e, para o caso da filosofia,
de Bacon a Hume.
No desenvolvimento posterior, com a consolidação da ciência e o êxito da civilização
ocidental em empreender a conquista da natureza (no domínio dos fatos) e com a crise do
autoritarismo (no domínio dos valores) tornou-se contemporaneamente dominante a
tendência de dar-lhes fundamento totalmente subjetivo. Os valores passam então a ser
entendidos como expressões dos gostos, das preferências, fundamentando-se, em última
instância, naquilo que David Hume chama de impressões sensíveis (emoções,
sentimentos), para referir-se “às nossas percepções mais fortes, tais como nossas
sensações, afetos e sentimentos” (Hume, 2001, p. 493; Thu, Livro III, Advertência). (Cfr.
MARICONDA, 2006, p.453-454) Para Hume isso é um progresso, como escreve na
Introdução ao Tratado da Natureza Humana: “Não é de espantar que a aplicação da filosofia
experimental às questões morais tenha tido que esperar todo um século desde sua
5
aplicação à ciência da natureza. Na verdade, sabemos que o mesmo intervalo separou a
origem dessas ciências: o tempo transcorrido entre TALES e SÓCRATES é quase igual ao
que transcorreu entre LORD BACON e alguns filósofos recentes da Inglaterra, que deram
inicio à construção de uma nova base para a ciência do homem” (Idem, p.22). [“Menciona,
nessa oportunidade, o Sr. Locke, Lord Shaftesbury, o Dr. Mandeville, o Sr. Hutcheson, o
Dr. Butler, que, embora difiram entre si em muitos pontos, parecem concordar em
fundamentar suas rigorosas investigações acerca da natureza humana exclusivamente na
experiência”. Sinopse, p.684] O subtítulo do Tratado de Hume é: “Uma tentativa de
introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais”.
A dicotomia entre fato e valor, explicitada no famoso princípio de Hume, que proíbe a
inferência dedutiva de normas a partir de descrições factuais, tem, portanto, um fundamento
epistemológico, relacionado com o nascimento da ciência moderna e que podemos
encontrar bem expresso na doutrina dos ídolos de Bacon. Os ídolos de Bacon podem ser
vistos como falsas valorações (epistêmicas e sociais) do processo de obtenção do
conhecimento e, para ele, circunscrevê-los de modo a eliminar seus efeitos distorsivos
envolve uma meticulosa eliminação das esferas do valor do âmbito da ciência. Isso porque
se pressupõe que nós podemos chegar ao conhecimento da verdade ou falsidade acerca
dos acontecimentos naturais (dos fatos) por meio de um método autônomo suficiente, que
não pode e não deve ser prejudicado por ‘antecipações da mente’ baseadas em valorações
para ele sem fundamento. Assim, se instaura na visão de Bacon uma dicotomia, que era
desconhecida anteriormente.
A dicotomia epistemológica que aparece no pensamento de Bacon se reflete diretamente
na dicotomia entre fato e valor também no campo ético. É importante assinalar o claro
6
predomínio, na primeira modernidade, da concepção das ciências naturais como sendo
aquelas que aplicam a matemática ao conhecimento da natureza. Essas disciplinas
resultam, por força da suficiência do método científico, autônomas com relação às
disciplinas morais.
Essa dicotomia era desconhecida no pensamento filosófico anterior, particularmente o
aristotélico. “A comparação moderna entre a esfera da moralidade e a esfera das ciências
humanas é estranha ao aristotelismo porque [...] a distinção moderna entre fato e valor
também é estranha a ele. Quando, nos séculos XVII e XVIII, o entendimento aristotélico da
natureza foi repudiado, [...], a teoria aristotélica da ação também foi rejeitada. [...] Passa-se
a acreditar cada vez mais que a explicação do ato é questão de desnudar os mecanismos
fisiológicos e físicos subjacentes ao ato” (MacIntyre, 2001, p. 146).
“A ideia de ‘fato’ com relação aos seres humanos transforma-se, assim, na transição da
perspectiva aristotélica para a mecanicista. Na primeira perspectiva, a atividade humana,
por ter de ser explicada teleologicamente, tanto pode quanto deve ser caracterizada com
relação à hierarquia de bens que proporcionam os fins da atividade humana. Na segunda
perspectiva, a ação humana tanto pode quanto deve ser caracterizada sem qualquer
relação a tais bens. Na primeira, os fatos acerca da atividade humana abrangem os fatos
acerca do que tem valor para os seres humanos (e não só os fatos sobre o que pensam ter
valor); na segunda, não existem fatos acerca do que tem valor. O ‘fato’ torna-se desprovido
de valor, o ‘é’ torna-se alheio ao ‘deve’, e a explicação, bem com a avaliação, muda de
caráter em consequência desse divórcio entre o ‘é’ e o ‘deve’” (Idem, p.149).
7
Assim, para Hume, a distinção entre descrição e norma se impõe, toda vez que se trata de
avaliar as ações humanas. No último parágrafo do Livro III, Parte I, Seção I, do Tratado da
natureza humana, faz a seguinte observação endereçada ao leitor: “Não posso deixar de
acrescentar a esses raciocínios uma observação que talvez se mostre de alguma
importância. Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor
segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de
Deus, ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos, quando, de repente,
surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proposicionais usuais, como é e não é, não
encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não deve.
Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois, como esse deve ou não
deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao
mesmo tempo seria preciso que se desse uma razão para algo que parece inteiramente
inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente
diferentes. Mas já que os autores não costumam usar essa precaução, tomarei a liberdade
de recomendá-la aos leitores; estou persuadido de que essa pequena atenção seria
suficiente para subverter todos os sistemas correntes de moralidade, e nos faria ver que a
distinção entre vício e virtude não está fundada meramente nas relações dos objetos, nem
é percebida pela razão”. (Hume, 2001, p. 509).
E, com efeito, não poderia ter sido outra a conclusão de uma seção que se inicia com esta
pergunta: “Será por meio de nossas ideias ou impressões que distinguimos entre o vício e
a virtude, e declaramos que uma ação é condenável ou louvável?” (Idem, p.496) E sua
resposta é: “Como a moral, portanto, tem uma influência sobre as ações e os afetos, segue-
se que não pode ser derivada da razão, porque a razão sozinha [...] nunca poderia ter tal
influência. A moral desperta paixões, e produz ou impede ações. A razão, por si só, é
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inteiramente impotente quanto a esse aspecto. As regras da moral, portanto, não são
conclusões de nossa razão”. (Hume, 2001, p. 497).
Essa insistência em excluir a razão do domínio da moral, em declarar o caráter inerte da
razão no que diz respeito à moral, é uma consequência da separação estrita entre o domínio
dos fatos, regido pela razão, e o domínio do valor (da moral), regido pelas paixões, volições
e ações. A dicotomia é explicitamente formulada no § 9: “A razão é a descoberta da verdade
ou da falsidade. A verdade e a falsidade consistem no acordo e desacordo seja quanto à
relação real de ideias, seja quanto à existência e aos fatos reais. Portanto, aquilo que não
for suscetível desse acordo ou desacordo será incapaz de ser verdadeiro ou falso, e nunca
poderá ser objeto de nossa razão. Ora, é evidente que nossas paixões, volições e ações
são incapazes de tal acordo ou desacordo, já que são fatos e realidades originais,
completos em si mesmos, e que não implicam nenhuma referência a outras paixões,
volições e ações. É impossível, portanto, declará-las verdadeiras ou falsas, contrárias ou
conformes à razão”. (Hume, 2001, p. 498). E em relação ao vício, escreve: “O vício nos
escapa por completo, enquanto consideramos o objeto. Não o encontraremos até dirigirmos
nossa reflexão para nosso próprio íntimo e darmos com um sentimento de desaprovação,
que se forma em nós contra essa ação. Aqui há um fato, mas ele é objeto de sentimento
[feeling], não de razão. Está em nós, não no objeto” (p.508).
Segundo alguns comentadores, Kant seria um defensor da dicotomia entre fato e valor,
mundo da natureza e mundo dos costumes. Mas, na realidade, Kant rejeita a contraposição
humeana e mostra que tanto o mundo da natureza, como o mundo dos costumes são objeto
da racionalidade, embora de forma diferente, e a própria razão que se ocupa do mundo dos
fatos não é aquela que o empirismo pressupunha. Segundo Popper, foi o problema
9
cosmológico, como elaborado por Copérnico e Newton, que conduziu Kant à sua teoria do
conhecimento e à sua Crítica da Razão Pura. Kant acreditava que a teoria newtoniana era
inquestionável, mas que não era o simples resultado de uma acumulação de observações.
“Ainda que confirmada pelas observações, não era resultados delas, mas antes do nosso
próprio modo de pensar, das nossas tentativas de ordenar os nossos dados dos sentidos,
de os compreender e digerir intelectualmente. Não seria, pois, a esses dados dos sentidos,
mas sim ao nosso próprio intelecto, à organização do sistema digestivo da nossa mente,
que caberia a responsabilidade pelas nossas teorias. A Natureza, tal como a conhecemos,
com a sua ordem e as suas leis, seria assim, em larga medida, um produto da atividade
assimiladora e ordenadora das nossas mentes. [...] Temos de abandonar a ideia de que
somos observadores passivos, à espera que a natureza imprima em nós a sua
regularidade. Temos de adotar em vez disso a ideia de que, ao digerir os dados dos nossos
sentidos, nós imprimimos ativamente neles a ordem e as leis do nosso intelecto. O nosso
cosmo ostenta o cunho das nossas mentes”. (POPPER, 2006, p. 247-248)
A perspectiva empirista, tanto a ingênua de Bacon como a radical de Hume, é invalidada,
como podemos ler nesta passagem do Prefácio à Segunda Edição da CRP: “Quando
Galileu deixou as suas esferas rolar sobre o plano inclinado com um peso por ele mesmo
escolhido, ou quando Torricelli deixou o ar carregar um peso de antemão pensado como
igual ao de uma coluna de água conhecida por ele, ou quando ainda mais tarde Stahal
transformou metais em cal e esta de novo em metal retirando-lhes ou restituindo-lhes algo:
assim acendeu-se uma luz para todos os pesquisadores da natureza. Compreenderam que
a razão só discerne o que ela mesmo produz segundo seu projeto, que ela tem de ir à frente
com princípios dos seus juízos segundo leis constantes e obrigar a natureza a responder à
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suas perguntas, mas sem ter de deixar-se conduzir somente por ela como se estivesse
presa a um laço; pois do contrário observações casuais, feitas sem um plano previamente
projetado, não se interconectariam numa lei necessária, coisa que a razão todavia procura
e necessita”. (KANT, 1996, p.37) E na introdução da obra, anota: “Mas embora todo o nosso
conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da
experiência”. (Idem, p.53)
Modificando a teoria do conhecimento, se modifica também a teoria ética. Popper observa
que, na ética também, Kant opera uma revolução copernicana: “Pois Kant fez do homem o
legislador da moralidade, tal como o fizera legislador da Natureza. E, ao fazê-lo, devolveu
ao homem o seu lugar central, tanto no seu universo físico como moral. Kant humanizou a
ética, tal como tinha humanizado a Ciência”. (POPPER, 2006, p. 249)
A relação entre fato e valor, no pensamento kantiano, assume, portanto, novas
características. De um lado, se mantêm a distinção entre leis da natureza e leis da
liberdade, portanto entre física e ética, ou teoria da natureza e teoria dos costumes (Cfr,
Prólogo à Fundamentos da Metafísica dos costumes, p.25). Mas “A filosofia natural e a
filosofia moral têm cada uma sua parte empírica, porque aquela deve determinar as leis da
natureza como objeto da experiência, e esta, as da vontade do homem, enquanto o homem
for afetado pela natureza; as primeiras, considerando-as como leis pelas quais tudo sucede,
e as segundas, como leis segundo as quais tudo deve suceder” (Idem, p.26). Mas tanto o
‘é’, como o ‘deve’ está aqui determinado por um processo racional e é justamente a
importância que Kant confere à faculdade da razão (uma faculdade pela qual o homem “se
distingue de todas as demais coisas e ainda de si mesmo, enquanto é afetado por objetos”),
que relativiza a dicotomia entre fato e valor.
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“Um ser racional deve considerar a si mesmo como inteligência (isto é, não pela parte de
suas potências inferiores) e como pertencente, não ao mundo sensível, mas ao inteligível;
portanto, tem dois pontos de vista sob os quais pode considerar-se a si próprio e conhecer
leis do uso de suas forças e, por conseguinte, de todas as suas ações: o primeiro, enquanto
pertence ao mundo sensível, debaixo de leis naturais (heteronomia), e o segundo, como
pertencente ao mundo inteligível, sob o domínio de leis que, independentes da natureza,
não são empíricas, mas se fundamentam somente na razão. [...] Agora já observamos que,
quando nos julgamos livres, incluímo-nos no mundo inteligível, como membros dele, e
conhecemos a autonomia da vontade com sua consequência, que é a moralidade; mas se
nos julgamos obrigados, consideramo-nos como pertencentes ao mundo sensível e,
contudo, ao mesmo tempo, também, ao mundo inteligível” (Idem, p.108-109).
Em Prolegómenos a toda a Metafísica futura, falando das ideias transcendentais, escreve:
“As ideias transcendentais servem, pois, se não para nos instruir positivamente, pelo menos
para eliminar as afirmações audaciosas do materialismo, do naturalismo e do fatalismo, que
estreitam o campo da razão, e para criar assim um espaço, fora do domínio da especulação,
para as ideias morais; isto explicaria de certo modo, parece-me, essa disposição natural”
(KANT, s/d1, p.160). Uma rígida distinção entre fato e valor estreita o campo da razão.
Kant aplica estes princípios quando se trata de avaliar o realismo político tal como teorizado,
por exemplo, por Maquiavel em O Príncipe: “Como é meu intento escrever coisa útil para
os que se interessam, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das
coisas, do que pelo que delas se possa imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e
principados que nunca se viram nem jamais foram reconhecidos como verdadeiros. Vai
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tanta diferença entre como se vive e como se deveria viver, que quem se preocupar com o
que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo
de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se
arruíne entre tantos que são maus. [...] Eu sei que cada qual reconhecerá que seria muito
de louvar que um príncipe possuísse, entre todas as qualidades referidas, as que são tidas
como boas; mas a condição humana é tal, que não consente a posse completa de todas
elas, nem ao menos a sua prática consistente” (MAQUIAVEL, 1996, p. 91-92).
Em uma resposta à distância, Kant elabora uma interessante reflexão, no apêndice ao
escrito sobre a Paz Perpétua, com o título “Sobre a discrepância entre a moral e a política
a respeito da Paz perpétua”, onde se esplicita a questão fundamental que está em jogo, e
que é justamente a relação entre moral e política. Vamos retomar algumas passagens deste
texto, para analisar como Kant articula fato e valor, tratando de política e moral.
“Ora, o prático (para quem a moral é pura teoria) funda sua desconsoladora negação de
nossa bondosa esperança (mesmo admitindo o dever e o poder) propriamente naquilo que
ele pretende prever partindo da natureza do homem, a saber, que este nunca quererá aquilo
que é exigido para realizar o fim que conduz à paz perpétua. [...] Sem dúvida, quando não
existe liberdade nem lei moral fundada nela, mas tudo que acontece, ou pode acontecer, é
puro mecanismo da natureza, a política (enquanto arte de utilizar este mecanismo para o
governo dos homens) equipara-se à sabedoria prática inteira e o conceito de direito é uma
ideia desprovida de conteúdo” (KANT, 2009, p. 80-81).
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“Para fazer a filosofia prática concordar consigo mesma é necessário em primeiro lugar
resolver a questão de saber se nos problemas da razão prática deve-se tomar como ponto
de partida o princípio material dela, a finalidade (como objeto da livre vontade), ou partir do
princípio formal, isto é, daquele (estabelecido somente com relação à liberdade nas
relações externas) assim enunciado: age de tal maneira que possas querer que tua máxima
se torne uma lei universal (qualquer que seja a finalidade desejada por ti).” (Idem, p. 86-
87).
Em Fundamentos da metafísica dos costumes, Kant explica a possibilidade do imperativo
categórico mostrando que o homem pertence contemporaneamente ao mundo inteligível e
ao mundo sensível. “Na qualidade de membro ocasional do mundo inteligível, seriam todas
as minhas ações perfeitamente conformes ao princípio da autonomia da vontade pura;
como simples parte do mundo sensível, teriam de ser tomadas inteiramente de acordo com
a lei natural dos apetites e inclinações e, portanto, da heteronomia da natureza. [...] Mas
como o mundo inteligível contém o fundamento do mundo sensível, e portanto das leis do
mesmo [...] as leis do mundo inteligível deverei considera-las como imperativos, e as ações
concordantes com este princípio como deveres” (KANT, s/d1, p. 110).
Assim, a articulação entre fato e valor, em Kant, corresponde às duas principais fontes de
inspiração de toda a sua filosofia: a cosmologia de Newton e a ética da liberdade – a dupla
inspiração a que Kant se referia quando falava do céu estrelado acima de nós e da lei moral
em nós.
“Duas coisas enchem-me o espírito de admiração e reverência sempre novas e crescentes,
quanto mais frequente e longamente o pensamento nelas se detém: o céu estrelado acima
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de mim e a lei moral em mim. Não tenho que buscar essas duas coisas fora do alcance da
minha vista, envolvidas em obscuridade, ou no transcendente. Nem devo, simplesmente,
presumi-las. Eu as vejo diante de mim e as vinculo imediatamente à consciência da minha
existência. A primeira começa do lugar que ocupo no mundo sensível externo e estende a
conexão em que me encontro a grandezas imensuráveis, com mundos sobre mundos e
sistemas de sistemas e, além disso, aos tempos sem fronteiras do seu movimento
periódico, do seu início e da sua duração. A segunda parte do meu Eu invisível, da minha
personalidade, representando-me em um mundo que tem uma infinitude verdadeira, mas
que só é perceptível pelo intelecto, com o qual (mas, por isso e ao mesmo tempo, com
todos aqueles mundos visíveis) me reconheço em uma conexão não simplesmente
acidental, como no primeiro caso, mas universal e necessária. A primeira visão, de um
conjunto inumerável de mundos, aniquila, por assim dizer, a minha importância de criatura
animal, que deverá restituir a matéria de que é feita ao planeta (um simples ponto no
universo), depois de ter sido dotada por breve tempo (não se sabe como) de força vital. A
segunda, ao contrário, eleva infinitamente o meu valor, como valor de uma inteligência,
graças à minha personalidade, na qual a lei moral me revela uma vida independente da
animalidade e até mesmo de todo o mundo sensível, pelo menos por aquilo que se pode
deduzir da destinação final de minha existência em virtude dessa lei, destinação que não
se limita às condições e às fronteiras desta vida, mas que vai até o infinito”. (KANT, Crítica
da Razão Prática).
Gadamer pensa poder extrair da análise aristotélica da phronesis uma série de elementos
que ajudam a entender como a racionalidade que orienta o agir moral é diferente da
racionalidade científico/técnica.
“1. Uma tekne se aprende, e pode-se esquecer. Por outro lado, o saber ético não pode ser
aprendido e nem esquecido. Não nos confrontamos com ele de maneira que dele possamos
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nos apropriar ou não nos apropriar, da mesma forma que se pode eleger um saber objetivo,
uma tekne. Pelo contrário, encontramo-nos sempre na situação de quem tem de atuar (caso
desconsideremos a fase da menoridade, na qual a obediência ao educador substitui as
nossas próprias decisões) e, por conseguinte, temos de já sempre possuir e aplicar o saber
ético” (GADAMER, 1997, p. 472).
“2. Nisso se torna patente uma modificação fundamental da relação conceitual entre meios
e fins, que é a que constitui a diferença entre o saber ético e o saber técnico. [...] Quando
há uma tekne, é preciso que a aprendamos, e com isso saber-se-á também eleger os meios
idôneos. Pelo contrário, o saber ético requer sempre, ineludivelmente, esse buscar
conselho consigo próprio. Ainda que se pensasse esse saber em um estado de perfeição
ideal, esta seria a perfeição desse aconselhamento consigo próprio (euboulia), e não num
saber do tipo técnico. [...] O saber ético é verdadeiramente um saber peculiar. Abrange de
uma maneira particular os meios e os fins e com isso diferencia-se do saber técnico. Por
isso não tem demasiado sentido distinguir aqui entre saber e experiência, o que, de outra
parte, convém perfeitamente à tekne” (Idem, p.477-479).
“3. O saber-se da reflexão ética possui, de fato, uma relação consigo mesmo muito
característica. As modificações que Aristóteles apresenta no contexto de sua análise da
phronesis são uma boa demonstração disso. Junto à phronesis, pois, a virtude da
ponderação reflexiva, aparece o entendimento. O entendimento é introduzido como uma
modificação da virtude do saber ético, na medida em que aqui já não se trata do eu-mesmo,
que deve agir. Segundo isso ‘synesis’ significa, inequivocamente, a capacidade de
julgamento ético. Elogia-se, portanto, a compreensão de alguém, quando ele, julgando,
consegue deslocar-se completamente para a plena concreção da situação em que o outro
tem de atuar” (Idem, p. 479-480). “Também aqui se torna claro que o homem compreensivo
não sabe nem julga a partir de um simples estar postado frente ao outro de modo que não
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é afetado, mas a partir de uma pertença específica que o une com o outro, de modo que é
afetado com ele e pensa com ele” (Idem, p.480).
Querendo relacionar estas reflexões com o debate atual sobre racionalidade e agir moral,
retomo algumas provocações do livro de Alasdair MacIntyre, “Depois da Virtude”. Para ele,
o discurso e a prática modernos da moral só podem ser compreendidos como uma série de
vestígios fragmentários de um passado mais remoto, que tem na ética de Aristóteles a sua
estrutura fundamental. “Dentro desse esquema teleológico há uma diferença fundamental
entre o ‘homem como ele é’ e o ‘homem como poderia ser se realizasse sua natureza
essencial’. A ética é a ciência que pretende capacitar o homem a entender como se dá a
transição daquele para este estado. A ética, portanto, nesta tese, pressupõe alguma
explicação de potência e ato, alguma explicação da essência do homem enquanto animal
racional e, sobretudo, algum conhecimento do telos humano” (MACINTYRE, 2001, p. 99).
Em lugar disso, hoje nos deparamos muitas vezes com o emotivismo. “Emotivismo é a
doutrina segundo a qual todos os juízos valorativos e, mais especificamente, todos os juízos
morais não passam de expressões de preferência, expressões de sentimento ou atitudes,
na medida que são de caráter moral ou valorativo. [...] Mas os juízos morais, por serem
expressões de atitudes ou sentimentos, não são nem verdadeiros nem falsos; e não se
chega a um acordo no juízo moral por meio de algum método racional, pois não existe
nenhum. Chega-se ao acordo, caso se chegue, ao se produzir certos resultados não-
racionais sobre as emoções ou o comportamento dos que discordam” (Idem, p. 30-31).
Este emotivismo, que questiona a fundamentação do agir moral, tem sua origem no
pensamento de Nietzsche. O primeiro capítulo de “Além do bem e do mal” começa com
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esta palavras: “A vontade de verdade, que ainda nos fará correr não poucos riscos, a
célebre veracidade que até agora todos os filósofos reverenciaram: que questões essa
vontade de verdade já não nos colocou! Estranhas, graves, discutíveis questões! [...] Nós
questionamos o valor dessa vontade. Certo, queremos a verdade: mas por que não, de
preferência, a inverdade? Ou a incerteza? Ou mesmo a insciência?” (NIETZSCHE, 2000,
p. 9). E continua: “Por trás de toda lógica e de sua aparente soberania de movimentos
existem valorações, ou falando mais claramente, exigências fisiológicas para a preservação
de uma determinada espécie de vida. Por exemplo, que o determinado tenha mais valor
que o indeterminado, a aparência menos valor que a ‘verdade’” (Idem, p.11). “Reconhecer
a inverdade como condição de vida: isto significa, sem dúvida, enfrentar de maneira
perigosa os habituais sentimentos de valor; e uma filosofia que se atreve a fazê-lo se coloca,
apenas por isso, além do bem e do mal” (Idem, p. 12).
Na obra de MacIntyre encontramos um capítulo intitulado “Nietzsche ou Aristóteles?”. “Num
sentido muito mais forte, a filosofia moral de Nietzsche se contrapõe especificamente à de
Aristóteles devido ao papel histórico de cada um dos dois. Como argumentei anteriormente,
foi devido ao fato de uma tradição moral, da qual o pensamento de Aristóteles foi o principal
núcleo intelectual, ter sido repudiada durante as transições entre os séculos XV e XVII, que
foi preciso empreender o projeto iluminista de descobrir novos fundamentos racionais
seculares para a moralidade. E foi porque esse projeto falhou, porque as opiniões
expressas por seus protagonistas de maior importância intelectual, e em especial por Kant,
não puderam ser sustentadas diante da crítica racional, que Nietzsche e todos os seus
sucessores existencialistas e emotivistas conseguiram elaborar sua crítica claramente bem-
sucedida de toda moralidade anterior. Por conseguinte, a possibilidade de defesa da
18
postura nietzscheana volta-se, no fim, para a resposta à pergunta: será que estava certo
rejeitar Aristóteles?” (MACINTYRE, 2001, p. 202-203).
No último capítulo, MacIntyre retoma a questão. “No capítulo 9, apresentei uma pergunta
clara: Nietzsche ou Aristóteles? A argumentação que levou à pergunta tinha duas
premissas principais. A primeira era que a linguagem – e, portanto, em grande parte, a
prática – da moralidade atualmente está num estado de grave desordem. Essa desordem
provém do poder cultural predominante de um jargão no qual fragmentos conceituais
incompatíveis de várias partes do nosso passado são aplicados juntos em debates públicos
e privados que são notáveis pelo caráter insolúvel das controvérsias neles envolvidas e
pela clara arbitrariedade de cada participante do debate. A segunda era que, desde que a
teleologia aristotélica foi desacreditada, os filósofos morais vêm tentando oferecer alguma
teoria racional secular alternativa da natureza e do status da moralidade, mas que todas
essas tentativas, por mais diversificadas e diversamente impressionantes, na verdade,
fracassaram, um fracasso percebido mais claramente por Nietzsche” (Idem, p. 429).
Estas duas premissas que levaram MacIntyre a colocar a pergunta situam também a
tentativa da ética do discurso de Habermas e Apel. Habermas estrutura os componentes
do mundo vivido como “pano de fundo” para o entendimento linguístico entre sujeitos
comunicativos, mas a legitimidade das pretensões de validez se estrutura e se reproduz
comunicativamente e é fruto de um entendimento entre sujeitos competentes. Será que,
para que os sujeitos sejam competentes e, portanto, a ética do discurso se efetive, não
precisa recuperar de novo Aristóteles?
19
Segundo Tugendhat, “A objeção mais imediata contra uma teoria consensual da verdade
consiste no fato de que um consenso qualquer não pode ser considerado como critério de
verdade, mas somente um consenso qualificado. [...] A situação ideal de fala é definida por
Habermas através de uma série de regras básicas cuja observação é condição para que
se possa falar de um autêntico discurso. [...] As regras válidas para o discurso autêntico
consistiriam no fato delas garantirem que a situação inter-humana não perturbe a
argumentação” (TUGENDHAT, 1999, p.174-175).
Estas condições são:
1. Todos os participantes devem ter as mesmas chances de participar no diálogo;
2. Todos devem ter chances iguais para a crítica;
3. Todos devem ter chances iguais para expressar suas atitudes, sentimentos e
intenções;
4. São apenas admitidos ao discurso falantes que tenham as mesmas chances,
enquanto agentes, para dar ordens e se opor, permitir e proibir.
Comenta Tugenthad: “Uma tal definição de discurso autêntico possui, naturalmente, um
bom sentido, só que ela termina por definir: nós queremos apenas denominar discurso
autêntico aquele discurso que ocorre entre pessoas em situação igual, sob condições
igualitárias. As condições são agora não apenas igualitárias do ponto de vista de
participação no discurso, mas pressupõe-se que as pessoas sejam postas em situação
igual na vida prática. Mas isto quer dizer que sejam pressupostas regras morais bem
determinadas, a saber, regras igualitárias universalísticas” (p.176)
20
REFERÊNCIAS
 ARISTÒTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo : Nova Cultural, 1996. (Os
Pensadores)
 BACON, Francis. Nuvum Organum. Tradução de José Aluysio Reis de Andrade.
São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Pensadores)
 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. Tradução: Flávio Paulo Meurer. - Petrópolis, RJ : Vozes,
1997.
 HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Tradução D. Danowski. São Paulo:
Editora Unesp/Imprensa Oficial, 2001.
 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de V. Rohden e U. Baldur
Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores)
 ______________. Prolegómenos a toda a metafísica futura. Tradução de Artur
Morão. Lisboa: Edições 70, s/d1.
 ______________. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Tradução de
Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d2.
 ______________. Textos seletos. 5ª ed.- Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
 MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. Um estudo em teoria moral. Tradução:
Jussara Simões. – Bauru, SP: EDUSC, 2001.
 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução: Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural,
1996. (Os Pensadores)
 MARICONDA, Pablo Rúben. O controle da natureza e as origens da dicotomia
entre fato e valor. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 453-472, 2006.
21
 NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro.
Tradução: Paulo César de Souza. – 2ª Ed. – São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
 POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações. Tradução: Benedita Bettencourt. –
Coimbra: Almedina, 2006.
 TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre ética. Tradução: grupo de doutorandos de
filosofia da Universidade do RS. – 3ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1999

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Racionalidade e agir moral giorgio

  • 1. 1 Disciplina: Tópicos de Ética Contemporânea RACIONALIDADE E AGIR MORAL (prof. Giorgio Borghi) A fundamentação do agir moral na racionalidade é uma problemática que atravessa toda a filosofia ocidental e que tem a sua origem na elaboração socrático-platónica, que equiparava virtude e saber, areté e logos. Ora, esta elaboração filosófica antiga encontra no pensamento de Aristóteles um desenvolvimento de uma profundidade surpreendente, que até hoje permanece referência no debate ético. Gadamer, em Verdade e Método, dedica uma parte específica para analisar a “atualidade hermenêutica de Aristóteles” e é levando em conta essas considerações de Gadamer, que quero retomar a questão da fundamentação racional do agir moral na Ética a Nicômaco. Uma primeira e importante consideração é que Aristóteles questiona a identificação entre virtude e conhecimento de origem socrática e opera uma clara distinção entre o saber ético da phronesis e o saber teórico da episteme. Logo no inicio da Ética a Nicômaco, encontramos uma consideração metodológica importante. “Nossa discussão será adequada se tiver a clareza compatível com o assunto, pois não se pode aspirar à mesma precisão em todas as discussões, da mesma forma que não se pode atingi-la em todas as profissões. [...] Os homens instruídos se caracterizam por buscar a precisão em cada classe de coisas somente até onde a natureza do assunto permite, da mesma forma que é insensato aceitar raciocínios apenas prováveis de um matemático e exigir de um orador demonstrações rigorosas” (ÉN I,3).
  • 2. 2 Esclarecido, portanto, que a fundamento do agir moral tem um tipo de racionalidade específico, vamos acompanhar o raciocínio de Aristóteles, que parte da teoria da alma com as suas funções vegetativa, sensitiva e racional, e conclui que “o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência, e se há mais de uma excelência, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas” (ÉN I,7). Ora, a excelência moral, para Aristóteles, está relacionada com o exercício da nossa faculdade racional, mas “nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito” (ÉN II,1). “A excelência moral, então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio-termo (o meio-termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem dotado de discernimento o determinaria)” (ÉN II,6). “Por isto, ser bom não é um intento fácil, pois em tudo não é um intento fácil determinar o meio – por exemplo, determinar o meio de um circulo não é para qualquer pessoa, mas para as que sabem; da mesma forma todos podem encolerizar-se, pois isto é fácil, ou dar ou gastar dinheiro; mas proceder assim em relação à pessoa certa, até o ponto certo, no momento certo, pelo motivo certo e da maneira certa, não é para qualquer um, nem é fácil; portanto, agir bem é raro, louvável e nobilitante” (ÉN II,9). Como se pode observar, a racionalidade que lida com o agir bem, o agir moral, é uma racionalidade que se depara constantemente com casos particulares, singulares, portanto se entende a importância que Aristóteles confere ao discernimento (Phronesis). No livro VI, dedicado às virtudes dianoéticas, encontramos explicitada a distinção entre os saberes.
  • 3. 3 “Partamos do pressuposto de que há duas faculdades racionais: uma que nos permite contemplar as coisas cujos primeiros princípios são invariáveis, e outra que nos permite contemplar as coisas passíveis de variação; com efeito, no pressuposto de que o conhecimento se baseia numa certa semelhança ou afinidade entre o sujeito e o objeto, as partes da alma aptas a conhecer os objetos de espécies diferentes devem ser também especificamente diferentes. Uma destas duas faculdades racionais pode ser chamada de científica e a outra de calculativa, pois deliberar e calcular são a mesma coisa, mas ninguém delibera sobre coisas invariáveis” (ÉN VI,1). “O discernimento, por outro lado, relaciona-se com as ações humanas e coisas acerca das quais é possível deliberar; de fato, dizemos que deliberar bem é acima de tudo a função das pessoas de discernimento, mas ninguém delibera a respeito de coisas invariáveis, ou de coisas cuja finalidade não seja um bem que possamos atingir mediante a ação. As pessoas boas de um modo geral são capazes de visar calculadamente ao que há de melhor para as criaturas humanas nas coisas passíveis de ser atingidas mediante a ação. Tampouco o discernimento se relaciona somente com os universais; ele deve também levar em conta os particulares, pois o discernimento é prático e a prática se relaciona com os particulares” (ÉN VI,7). “É evidente que o discernimento não é conhecimento científico, pois como já dissemos, ele se relaciona com o fato particular fundamental, já que a ação a ser praticada é desta natureza” (ÉN VI,8). Sendo que discernimento está relacionado com a capacidade de deliberar bem, Aristóteles procura determinar a natureza da excelência na deliberação. Ela não é conhecimento científico, não é capacidade de conjecturar, não é uma forma de opinião. “A alternativa restante, então, é que a excelência na deliberação é pensar corretamente. De fato, o pensamento ainda não é uma afirmação, porquanto, embora a própria opinião não seja
  • 4. 4 investigação, mas já tenha chegado ao nível de afirmação, a pessoa que está deliberando, quer delibere bem, quer delibere mal, está investigando e calculando algo” (ÉN VI,9). Toda esta questão do relacionamento entre conhecimento científico e discernimento será repensada na modernidade em termos de relação entre fato e valor. A elaboração da dicotomia entre fato e valor (entre “é” e “deve ser”; ou ainda, como será usual em nossos dias, entre objetivo e subjetivo) acompanha o avanço e a afirmação do individualismo epistemológico e o abandono gradativo do princípio de autoridade, seja da ortodoxia teológica tridentina, seja da filosofia natural aristotélica. Do ponto de vista histórico, é em torno da dicotomia entre fato e valor que se constituiu o próprio campo da ciência natural no interior da ampla modificação que conduziu ao nascimento da ciência moderna, no arco temporal que vai, para o caso da ciência, de Copérnico a Newton e, para o caso da filosofia, de Bacon a Hume. No desenvolvimento posterior, com a consolidação da ciência e o êxito da civilização ocidental em empreender a conquista da natureza (no domínio dos fatos) e com a crise do autoritarismo (no domínio dos valores) tornou-se contemporaneamente dominante a tendência de dar-lhes fundamento totalmente subjetivo. Os valores passam então a ser entendidos como expressões dos gostos, das preferências, fundamentando-se, em última instância, naquilo que David Hume chama de impressões sensíveis (emoções, sentimentos), para referir-se “às nossas percepções mais fortes, tais como nossas sensações, afetos e sentimentos” (Hume, 2001, p. 493; Thu, Livro III, Advertência). (Cfr. MARICONDA, 2006, p.453-454) Para Hume isso é um progresso, como escreve na Introdução ao Tratado da Natureza Humana: “Não é de espantar que a aplicação da filosofia experimental às questões morais tenha tido que esperar todo um século desde sua
  • 5. 5 aplicação à ciência da natureza. Na verdade, sabemos que o mesmo intervalo separou a origem dessas ciências: o tempo transcorrido entre TALES e SÓCRATES é quase igual ao que transcorreu entre LORD BACON e alguns filósofos recentes da Inglaterra, que deram inicio à construção de uma nova base para a ciência do homem” (Idem, p.22). [“Menciona, nessa oportunidade, o Sr. Locke, Lord Shaftesbury, o Dr. Mandeville, o Sr. Hutcheson, o Dr. Butler, que, embora difiram entre si em muitos pontos, parecem concordar em fundamentar suas rigorosas investigações acerca da natureza humana exclusivamente na experiência”. Sinopse, p.684] O subtítulo do Tratado de Hume é: “Uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais”. A dicotomia entre fato e valor, explicitada no famoso princípio de Hume, que proíbe a inferência dedutiva de normas a partir de descrições factuais, tem, portanto, um fundamento epistemológico, relacionado com o nascimento da ciência moderna e que podemos encontrar bem expresso na doutrina dos ídolos de Bacon. Os ídolos de Bacon podem ser vistos como falsas valorações (epistêmicas e sociais) do processo de obtenção do conhecimento e, para ele, circunscrevê-los de modo a eliminar seus efeitos distorsivos envolve uma meticulosa eliminação das esferas do valor do âmbito da ciência. Isso porque se pressupõe que nós podemos chegar ao conhecimento da verdade ou falsidade acerca dos acontecimentos naturais (dos fatos) por meio de um método autônomo suficiente, que não pode e não deve ser prejudicado por ‘antecipações da mente’ baseadas em valorações para ele sem fundamento. Assim, se instaura na visão de Bacon uma dicotomia, que era desconhecida anteriormente. A dicotomia epistemológica que aparece no pensamento de Bacon se reflete diretamente na dicotomia entre fato e valor também no campo ético. É importante assinalar o claro
  • 6. 6 predomínio, na primeira modernidade, da concepção das ciências naturais como sendo aquelas que aplicam a matemática ao conhecimento da natureza. Essas disciplinas resultam, por força da suficiência do método científico, autônomas com relação às disciplinas morais. Essa dicotomia era desconhecida no pensamento filosófico anterior, particularmente o aristotélico. “A comparação moderna entre a esfera da moralidade e a esfera das ciências humanas é estranha ao aristotelismo porque [...] a distinção moderna entre fato e valor também é estranha a ele. Quando, nos séculos XVII e XVIII, o entendimento aristotélico da natureza foi repudiado, [...], a teoria aristotélica da ação também foi rejeitada. [...] Passa-se a acreditar cada vez mais que a explicação do ato é questão de desnudar os mecanismos fisiológicos e físicos subjacentes ao ato” (MacIntyre, 2001, p. 146). “A ideia de ‘fato’ com relação aos seres humanos transforma-se, assim, na transição da perspectiva aristotélica para a mecanicista. Na primeira perspectiva, a atividade humana, por ter de ser explicada teleologicamente, tanto pode quanto deve ser caracterizada com relação à hierarquia de bens que proporcionam os fins da atividade humana. Na segunda perspectiva, a ação humana tanto pode quanto deve ser caracterizada sem qualquer relação a tais bens. Na primeira, os fatos acerca da atividade humana abrangem os fatos acerca do que tem valor para os seres humanos (e não só os fatos sobre o que pensam ter valor); na segunda, não existem fatos acerca do que tem valor. O ‘fato’ torna-se desprovido de valor, o ‘é’ torna-se alheio ao ‘deve’, e a explicação, bem com a avaliação, muda de caráter em consequência desse divórcio entre o ‘é’ e o ‘deve’” (Idem, p.149).
  • 7. 7 Assim, para Hume, a distinção entre descrição e norma se impõe, toda vez que se trata de avaliar as ações humanas. No último parágrafo do Livro III, Parte I, Seção I, do Tratado da natureza humana, faz a seguinte observação endereçada ao leitor: “Não posso deixar de acrescentar a esses raciocínios uma observação que talvez se mostre de alguma importância. Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de Deus, ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos, quando, de repente, surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proposicionais usuais, como é e não é, não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois, como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo seria preciso que se desse uma razão para algo que parece inteiramente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes. Mas já que os autores não costumam usar essa precaução, tomarei a liberdade de recomendá-la aos leitores; estou persuadido de que essa pequena atenção seria suficiente para subverter todos os sistemas correntes de moralidade, e nos faria ver que a distinção entre vício e virtude não está fundada meramente nas relações dos objetos, nem é percebida pela razão”. (Hume, 2001, p. 509). E, com efeito, não poderia ter sido outra a conclusão de uma seção que se inicia com esta pergunta: “Será por meio de nossas ideias ou impressões que distinguimos entre o vício e a virtude, e declaramos que uma ação é condenável ou louvável?” (Idem, p.496) E sua resposta é: “Como a moral, portanto, tem uma influência sobre as ações e os afetos, segue- se que não pode ser derivada da razão, porque a razão sozinha [...] nunca poderia ter tal influência. A moral desperta paixões, e produz ou impede ações. A razão, por si só, é
  • 8. 8 inteiramente impotente quanto a esse aspecto. As regras da moral, portanto, não são conclusões de nossa razão”. (Hume, 2001, p. 497). Essa insistência em excluir a razão do domínio da moral, em declarar o caráter inerte da razão no que diz respeito à moral, é uma consequência da separação estrita entre o domínio dos fatos, regido pela razão, e o domínio do valor (da moral), regido pelas paixões, volições e ações. A dicotomia é explicitamente formulada no § 9: “A razão é a descoberta da verdade ou da falsidade. A verdade e a falsidade consistem no acordo e desacordo seja quanto à relação real de ideias, seja quanto à existência e aos fatos reais. Portanto, aquilo que não for suscetível desse acordo ou desacordo será incapaz de ser verdadeiro ou falso, e nunca poderá ser objeto de nossa razão. Ora, é evidente que nossas paixões, volições e ações são incapazes de tal acordo ou desacordo, já que são fatos e realidades originais, completos em si mesmos, e que não implicam nenhuma referência a outras paixões, volições e ações. É impossível, portanto, declará-las verdadeiras ou falsas, contrárias ou conformes à razão”. (Hume, 2001, p. 498). E em relação ao vício, escreve: “O vício nos escapa por completo, enquanto consideramos o objeto. Não o encontraremos até dirigirmos nossa reflexão para nosso próprio íntimo e darmos com um sentimento de desaprovação, que se forma em nós contra essa ação. Aqui há um fato, mas ele é objeto de sentimento [feeling], não de razão. Está em nós, não no objeto” (p.508). Segundo alguns comentadores, Kant seria um defensor da dicotomia entre fato e valor, mundo da natureza e mundo dos costumes. Mas, na realidade, Kant rejeita a contraposição humeana e mostra que tanto o mundo da natureza, como o mundo dos costumes são objeto da racionalidade, embora de forma diferente, e a própria razão que se ocupa do mundo dos fatos não é aquela que o empirismo pressupunha. Segundo Popper, foi o problema
  • 9. 9 cosmológico, como elaborado por Copérnico e Newton, que conduziu Kant à sua teoria do conhecimento e à sua Crítica da Razão Pura. Kant acreditava que a teoria newtoniana era inquestionável, mas que não era o simples resultado de uma acumulação de observações. “Ainda que confirmada pelas observações, não era resultados delas, mas antes do nosso próprio modo de pensar, das nossas tentativas de ordenar os nossos dados dos sentidos, de os compreender e digerir intelectualmente. Não seria, pois, a esses dados dos sentidos, mas sim ao nosso próprio intelecto, à organização do sistema digestivo da nossa mente, que caberia a responsabilidade pelas nossas teorias. A Natureza, tal como a conhecemos, com a sua ordem e as suas leis, seria assim, em larga medida, um produto da atividade assimiladora e ordenadora das nossas mentes. [...] Temos de abandonar a ideia de que somos observadores passivos, à espera que a natureza imprima em nós a sua regularidade. Temos de adotar em vez disso a ideia de que, ao digerir os dados dos nossos sentidos, nós imprimimos ativamente neles a ordem e as leis do nosso intelecto. O nosso cosmo ostenta o cunho das nossas mentes”. (POPPER, 2006, p. 247-248) A perspectiva empirista, tanto a ingênua de Bacon como a radical de Hume, é invalidada, como podemos ler nesta passagem do Prefácio à Segunda Edição da CRP: “Quando Galileu deixou as suas esferas rolar sobre o plano inclinado com um peso por ele mesmo escolhido, ou quando Torricelli deixou o ar carregar um peso de antemão pensado como igual ao de uma coluna de água conhecida por ele, ou quando ainda mais tarde Stahal transformou metais em cal e esta de novo em metal retirando-lhes ou restituindo-lhes algo: assim acendeu-se uma luz para todos os pesquisadores da natureza. Compreenderam que a razão só discerne o que ela mesmo produz segundo seu projeto, que ela tem de ir à frente com princípios dos seus juízos segundo leis constantes e obrigar a natureza a responder à
  • 10. 10 suas perguntas, mas sem ter de deixar-se conduzir somente por ela como se estivesse presa a um laço; pois do contrário observações casuais, feitas sem um plano previamente projetado, não se interconectariam numa lei necessária, coisa que a razão todavia procura e necessita”. (KANT, 1996, p.37) E na introdução da obra, anota: “Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência”. (Idem, p.53) Modificando a teoria do conhecimento, se modifica também a teoria ética. Popper observa que, na ética também, Kant opera uma revolução copernicana: “Pois Kant fez do homem o legislador da moralidade, tal como o fizera legislador da Natureza. E, ao fazê-lo, devolveu ao homem o seu lugar central, tanto no seu universo físico como moral. Kant humanizou a ética, tal como tinha humanizado a Ciência”. (POPPER, 2006, p. 249) A relação entre fato e valor, no pensamento kantiano, assume, portanto, novas características. De um lado, se mantêm a distinção entre leis da natureza e leis da liberdade, portanto entre física e ética, ou teoria da natureza e teoria dos costumes (Cfr, Prólogo à Fundamentos da Metafísica dos costumes, p.25). Mas “A filosofia natural e a filosofia moral têm cada uma sua parte empírica, porque aquela deve determinar as leis da natureza como objeto da experiência, e esta, as da vontade do homem, enquanto o homem for afetado pela natureza; as primeiras, considerando-as como leis pelas quais tudo sucede, e as segundas, como leis segundo as quais tudo deve suceder” (Idem, p.26). Mas tanto o ‘é’, como o ‘deve’ está aqui determinado por um processo racional e é justamente a importância que Kant confere à faculdade da razão (uma faculdade pela qual o homem “se distingue de todas as demais coisas e ainda de si mesmo, enquanto é afetado por objetos”), que relativiza a dicotomia entre fato e valor.
  • 11. 11 “Um ser racional deve considerar a si mesmo como inteligência (isto é, não pela parte de suas potências inferiores) e como pertencente, não ao mundo sensível, mas ao inteligível; portanto, tem dois pontos de vista sob os quais pode considerar-se a si próprio e conhecer leis do uso de suas forças e, por conseguinte, de todas as suas ações: o primeiro, enquanto pertence ao mundo sensível, debaixo de leis naturais (heteronomia), e o segundo, como pertencente ao mundo inteligível, sob o domínio de leis que, independentes da natureza, não são empíricas, mas se fundamentam somente na razão. [...] Agora já observamos que, quando nos julgamos livres, incluímo-nos no mundo inteligível, como membros dele, e conhecemos a autonomia da vontade com sua consequência, que é a moralidade; mas se nos julgamos obrigados, consideramo-nos como pertencentes ao mundo sensível e, contudo, ao mesmo tempo, também, ao mundo inteligível” (Idem, p.108-109). Em Prolegómenos a toda a Metafísica futura, falando das ideias transcendentais, escreve: “As ideias transcendentais servem, pois, se não para nos instruir positivamente, pelo menos para eliminar as afirmações audaciosas do materialismo, do naturalismo e do fatalismo, que estreitam o campo da razão, e para criar assim um espaço, fora do domínio da especulação, para as ideias morais; isto explicaria de certo modo, parece-me, essa disposição natural” (KANT, s/d1, p.160). Uma rígida distinção entre fato e valor estreita o campo da razão. Kant aplica estes princípios quando se trata de avaliar o realismo político tal como teorizado, por exemplo, por Maquiavel em O Príncipe: “Como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessam, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem jamais foram reconhecidos como verdadeiros. Vai
  • 12. 12 tanta diferença entre como se vive e como se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus. [...] Eu sei que cada qual reconhecerá que seria muito de louvar que um príncipe possuísse, entre todas as qualidades referidas, as que são tidas como boas; mas a condição humana é tal, que não consente a posse completa de todas elas, nem ao menos a sua prática consistente” (MAQUIAVEL, 1996, p. 91-92). Em uma resposta à distância, Kant elabora uma interessante reflexão, no apêndice ao escrito sobre a Paz Perpétua, com o título “Sobre a discrepância entre a moral e a política a respeito da Paz perpétua”, onde se esplicita a questão fundamental que está em jogo, e que é justamente a relação entre moral e política. Vamos retomar algumas passagens deste texto, para analisar como Kant articula fato e valor, tratando de política e moral. “Ora, o prático (para quem a moral é pura teoria) funda sua desconsoladora negação de nossa bondosa esperança (mesmo admitindo o dever e o poder) propriamente naquilo que ele pretende prever partindo da natureza do homem, a saber, que este nunca quererá aquilo que é exigido para realizar o fim que conduz à paz perpétua. [...] Sem dúvida, quando não existe liberdade nem lei moral fundada nela, mas tudo que acontece, ou pode acontecer, é puro mecanismo da natureza, a política (enquanto arte de utilizar este mecanismo para o governo dos homens) equipara-se à sabedoria prática inteira e o conceito de direito é uma ideia desprovida de conteúdo” (KANT, 2009, p. 80-81).
  • 13. 13 “Para fazer a filosofia prática concordar consigo mesma é necessário em primeiro lugar resolver a questão de saber se nos problemas da razão prática deve-se tomar como ponto de partida o princípio material dela, a finalidade (como objeto da livre vontade), ou partir do princípio formal, isto é, daquele (estabelecido somente com relação à liberdade nas relações externas) assim enunciado: age de tal maneira que possas querer que tua máxima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finalidade desejada por ti).” (Idem, p. 86- 87). Em Fundamentos da metafísica dos costumes, Kant explica a possibilidade do imperativo categórico mostrando que o homem pertence contemporaneamente ao mundo inteligível e ao mundo sensível. “Na qualidade de membro ocasional do mundo inteligível, seriam todas as minhas ações perfeitamente conformes ao princípio da autonomia da vontade pura; como simples parte do mundo sensível, teriam de ser tomadas inteiramente de acordo com a lei natural dos apetites e inclinações e, portanto, da heteronomia da natureza. [...] Mas como o mundo inteligível contém o fundamento do mundo sensível, e portanto das leis do mesmo [...] as leis do mundo inteligível deverei considera-las como imperativos, e as ações concordantes com este princípio como deveres” (KANT, s/d1, p. 110). Assim, a articulação entre fato e valor, em Kant, corresponde às duas principais fontes de inspiração de toda a sua filosofia: a cosmologia de Newton e a ética da liberdade – a dupla inspiração a que Kant se referia quando falava do céu estrelado acima de nós e da lei moral em nós. “Duas coisas enchem-me o espírito de admiração e reverência sempre novas e crescentes, quanto mais frequente e longamente o pensamento nelas se detém: o céu estrelado acima
  • 14. 14 de mim e a lei moral em mim. Não tenho que buscar essas duas coisas fora do alcance da minha vista, envolvidas em obscuridade, ou no transcendente. Nem devo, simplesmente, presumi-las. Eu as vejo diante de mim e as vinculo imediatamente à consciência da minha existência. A primeira começa do lugar que ocupo no mundo sensível externo e estende a conexão em que me encontro a grandezas imensuráveis, com mundos sobre mundos e sistemas de sistemas e, além disso, aos tempos sem fronteiras do seu movimento periódico, do seu início e da sua duração. A segunda parte do meu Eu invisível, da minha personalidade, representando-me em um mundo que tem uma infinitude verdadeira, mas que só é perceptível pelo intelecto, com o qual (mas, por isso e ao mesmo tempo, com todos aqueles mundos visíveis) me reconheço em uma conexão não simplesmente acidental, como no primeiro caso, mas universal e necessária. A primeira visão, de um conjunto inumerável de mundos, aniquila, por assim dizer, a minha importância de criatura animal, que deverá restituir a matéria de que é feita ao planeta (um simples ponto no universo), depois de ter sido dotada por breve tempo (não se sabe como) de força vital. A segunda, ao contrário, eleva infinitamente o meu valor, como valor de uma inteligência, graças à minha personalidade, na qual a lei moral me revela uma vida independente da animalidade e até mesmo de todo o mundo sensível, pelo menos por aquilo que se pode deduzir da destinação final de minha existência em virtude dessa lei, destinação que não se limita às condições e às fronteiras desta vida, mas que vai até o infinito”. (KANT, Crítica da Razão Prática). Gadamer pensa poder extrair da análise aristotélica da phronesis uma série de elementos que ajudam a entender como a racionalidade que orienta o agir moral é diferente da racionalidade científico/técnica. “1. Uma tekne se aprende, e pode-se esquecer. Por outro lado, o saber ético não pode ser aprendido e nem esquecido. Não nos confrontamos com ele de maneira que dele possamos
  • 15. 15 nos apropriar ou não nos apropriar, da mesma forma que se pode eleger um saber objetivo, uma tekne. Pelo contrário, encontramo-nos sempre na situação de quem tem de atuar (caso desconsideremos a fase da menoridade, na qual a obediência ao educador substitui as nossas próprias decisões) e, por conseguinte, temos de já sempre possuir e aplicar o saber ético” (GADAMER, 1997, p. 472). “2. Nisso se torna patente uma modificação fundamental da relação conceitual entre meios e fins, que é a que constitui a diferença entre o saber ético e o saber técnico. [...] Quando há uma tekne, é preciso que a aprendamos, e com isso saber-se-á também eleger os meios idôneos. Pelo contrário, o saber ético requer sempre, ineludivelmente, esse buscar conselho consigo próprio. Ainda que se pensasse esse saber em um estado de perfeição ideal, esta seria a perfeição desse aconselhamento consigo próprio (euboulia), e não num saber do tipo técnico. [...] O saber ético é verdadeiramente um saber peculiar. Abrange de uma maneira particular os meios e os fins e com isso diferencia-se do saber técnico. Por isso não tem demasiado sentido distinguir aqui entre saber e experiência, o que, de outra parte, convém perfeitamente à tekne” (Idem, p.477-479). “3. O saber-se da reflexão ética possui, de fato, uma relação consigo mesmo muito característica. As modificações que Aristóteles apresenta no contexto de sua análise da phronesis são uma boa demonstração disso. Junto à phronesis, pois, a virtude da ponderação reflexiva, aparece o entendimento. O entendimento é introduzido como uma modificação da virtude do saber ético, na medida em que aqui já não se trata do eu-mesmo, que deve agir. Segundo isso ‘synesis’ significa, inequivocamente, a capacidade de julgamento ético. Elogia-se, portanto, a compreensão de alguém, quando ele, julgando, consegue deslocar-se completamente para a plena concreção da situação em que o outro tem de atuar” (Idem, p. 479-480). “Também aqui se torna claro que o homem compreensivo não sabe nem julga a partir de um simples estar postado frente ao outro de modo que não
  • 16. 16 é afetado, mas a partir de uma pertença específica que o une com o outro, de modo que é afetado com ele e pensa com ele” (Idem, p.480). Querendo relacionar estas reflexões com o debate atual sobre racionalidade e agir moral, retomo algumas provocações do livro de Alasdair MacIntyre, “Depois da Virtude”. Para ele, o discurso e a prática modernos da moral só podem ser compreendidos como uma série de vestígios fragmentários de um passado mais remoto, que tem na ética de Aristóteles a sua estrutura fundamental. “Dentro desse esquema teleológico há uma diferença fundamental entre o ‘homem como ele é’ e o ‘homem como poderia ser se realizasse sua natureza essencial’. A ética é a ciência que pretende capacitar o homem a entender como se dá a transição daquele para este estado. A ética, portanto, nesta tese, pressupõe alguma explicação de potência e ato, alguma explicação da essência do homem enquanto animal racional e, sobretudo, algum conhecimento do telos humano” (MACINTYRE, 2001, p. 99). Em lugar disso, hoje nos deparamos muitas vezes com o emotivismo. “Emotivismo é a doutrina segundo a qual todos os juízos valorativos e, mais especificamente, todos os juízos morais não passam de expressões de preferência, expressões de sentimento ou atitudes, na medida que são de caráter moral ou valorativo. [...] Mas os juízos morais, por serem expressões de atitudes ou sentimentos, não são nem verdadeiros nem falsos; e não se chega a um acordo no juízo moral por meio de algum método racional, pois não existe nenhum. Chega-se ao acordo, caso se chegue, ao se produzir certos resultados não- racionais sobre as emoções ou o comportamento dos que discordam” (Idem, p. 30-31). Este emotivismo, que questiona a fundamentação do agir moral, tem sua origem no pensamento de Nietzsche. O primeiro capítulo de “Além do bem e do mal” começa com
  • 17. 17 esta palavras: “A vontade de verdade, que ainda nos fará correr não poucos riscos, a célebre veracidade que até agora todos os filósofos reverenciaram: que questões essa vontade de verdade já não nos colocou! Estranhas, graves, discutíveis questões! [...] Nós questionamos o valor dessa vontade. Certo, queremos a verdade: mas por que não, de preferência, a inverdade? Ou a incerteza? Ou mesmo a insciência?” (NIETZSCHE, 2000, p. 9). E continua: “Por trás de toda lógica e de sua aparente soberania de movimentos existem valorações, ou falando mais claramente, exigências fisiológicas para a preservação de uma determinada espécie de vida. Por exemplo, que o determinado tenha mais valor que o indeterminado, a aparência menos valor que a ‘verdade’” (Idem, p.11). “Reconhecer a inverdade como condição de vida: isto significa, sem dúvida, enfrentar de maneira perigosa os habituais sentimentos de valor; e uma filosofia que se atreve a fazê-lo se coloca, apenas por isso, além do bem e do mal” (Idem, p. 12). Na obra de MacIntyre encontramos um capítulo intitulado “Nietzsche ou Aristóteles?”. “Num sentido muito mais forte, a filosofia moral de Nietzsche se contrapõe especificamente à de Aristóteles devido ao papel histórico de cada um dos dois. Como argumentei anteriormente, foi devido ao fato de uma tradição moral, da qual o pensamento de Aristóteles foi o principal núcleo intelectual, ter sido repudiada durante as transições entre os séculos XV e XVII, que foi preciso empreender o projeto iluminista de descobrir novos fundamentos racionais seculares para a moralidade. E foi porque esse projeto falhou, porque as opiniões expressas por seus protagonistas de maior importância intelectual, e em especial por Kant, não puderam ser sustentadas diante da crítica racional, que Nietzsche e todos os seus sucessores existencialistas e emotivistas conseguiram elaborar sua crítica claramente bem- sucedida de toda moralidade anterior. Por conseguinte, a possibilidade de defesa da
  • 18. 18 postura nietzscheana volta-se, no fim, para a resposta à pergunta: será que estava certo rejeitar Aristóteles?” (MACINTYRE, 2001, p. 202-203). No último capítulo, MacIntyre retoma a questão. “No capítulo 9, apresentei uma pergunta clara: Nietzsche ou Aristóteles? A argumentação que levou à pergunta tinha duas premissas principais. A primeira era que a linguagem – e, portanto, em grande parte, a prática – da moralidade atualmente está num estado de grave desordem. Essa desordem provém do poder cultural predominante de um jargão no qual fragmentos conceituais incompatíveis de várias partes do nosso passado são aplicados juntos em debates públicos e privados que são notáveis pelo caráter insolúvel das controvérsias neles envolvidas e pela clara arbitrariedade de cada participante do debate. A segunda era que, desde que a teleologia aristotélica foi desacreditada, os filósofos morais vêm tentando oferecer alguma teoria racional secular alternativa da natureza e do status da moralidade, mas que todas essas tentativas, por mais diversificadas e diversamente impressionantes, na verdade, fracassaram, um fracasso percebido mais claramente por Nietzsche” (Idem, p. 429). Estas duas premissas que levaram MacIntyre a colocar a pergunta situam também a tentativa da ética do discurso de Habermas e Apel. Habermas estrutura os componentes do mundo vivido como “pano de fundo” para o entendimento linguístico entre sujeitos comunicativos, mas a legitimidade das pretensões de validez se estrutura e se reproduz comunicativamente e é fruto de um entendimento entre sujeitos competentes. Será que, para que os sujeitos sejam competentes e, portanto, a ética do discurso se efetive, não precisa recuperar de novo Aristóteles?
  • 19. 19 Segundo Tugendhat, “A objeção mais imediata contra uma teoria consensual da verdade consiste no fato de que um consenso qualquer não pode ser considerado como critério de verdade, mas somente um consenso qualificado. [...] A situação ideal de fala é definida por Habermas através de uma série de regras básicas cuja observação é condição para que se possa falar de um autêntico discurso. [...] As regras válidas para o discurso autêntico consistiriam no fato delas garantirem que a situação inter-humana não perturbe a argumentação” (TUGENDHAT, 1999, p.174-175). Estas condições são: 1. Todos os participantes devem ter as mesmas chances de participar no diálogo; 2. Todos devem ter chances iguais para a crítica; 3. Todos devem ter chances iguais para expressar suas atitudes, sentimentos e intenções; 4. São apenas admitidos ao discurso falantes que tenham as mesmas chances, enquanto agentes, para dar ordens e se opor, permitir e proibir. Comenta Tugenthad: “Uma tal definição de discurso autêntico possui, naturalmente, um bom sentido, só que ela termina por definir: nós queremos apenas denominar discurso autêntico aquele discurso que ocorre entre pessoas em situação igual, sob condições igualitárias. As condições são agora não apenas igualitárias do ponto de vista de participação no discurso, mas pressupõe-se que as pessoas sejam postas em situação igual na vida prática. Mas isto quer dizer que sejam pressupostas regras morais bem determinadas, a saber, regras igualitárias universalísticas” (p.176)
  • 20. 20 REFERÊNCIAS  ARISTÒTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo : Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores)  BACON, Francis. Nuvum Organum. Tradução de José Aluysio Reis de Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Pensadores)  GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução: Flávio Paulo Meurer. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1997.  HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Tradução D. Danowski. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial, 2001.  KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de V. Rohden e U. Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores)  ______________. Prolegómenos a toda a metafísica futura. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, s/d1.  ______________. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Tradução de Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d2.  ______________. Textos seletos. 5ª ed.- Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.  MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. Um estudo em teoria moral. Tradução: Jussara Simões. – Bauru, SP: EDUSC, 2001.  MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução: Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores)  MARICONDA, Pablo Rúben. O controle da natureza e as origens da dicotomia entre fato e valor. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 453-472, 2006.
  • 21. 21  NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução: Paulo César de Souza. – 2ª Ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2000.  POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações. Tradução: Benedita Bettencourt. – Coimbra: Almedina, 2006.  TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre ética. Tradução: grupo de doutorandos de filosofia da Universidade do RS. – 3ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1999