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Problema do Livre-arbítrio
Antes de entrar em contacto com a Filosofia acreditamos
tipicamente que a maioria das pessoas, a maioria do tempo,
escolhe as suas acções livremente e é, por isso, moralmente
responsável por elas. Por exemplo, pensamos habitualmente que
os assassinos condenados não são apenas responsáveis pelos
seus crimes, mas que o são também do ponto de vista moral,
quer dizer, merecem ter sido condenados. Ou quando olhamos
para as nossas acções e para a nossa personalidade com orgulho
ou com vergonha, é por considerarmos que somos moralmente
responsáveis por elas. Na realidade, vemo-nos como pessoas
exactamente por considerarmos que somos responsáveis. Mas
para sermos responsáveis pelas nossas acções e pela nossa
personalidade, é necessário que elas resultem de escolhas
nossas e que sejam livres. É injusto responsabilizar as pessoas
por algo que fizeram sem o escolherem livremente. Portanto, a
verdade de sermos moralmente responsáveis depende da
verdade de sermos livres, quer dizer, de realizarmos escolhas
livres. No problema do livre-arbítrio, os filósofos perguntam se
existe liberdade nas nossas escolhas para saberem se podemos
ser responsabilizados pelos nossos comportamentos e se
podemos justificadamente expressar remorso ou culpa ou
castigo.
Que tipo de problema é o problema do livre arbítrio?
É um problema de Filosofia da Mente, mas também é um
problema de Ética. É ainda um problema de Filosofia da Ciência,
pois envolve questões relacionadas com a verdade do
determinismo. Mas as perguntas sobre a liberdade de acção
fazem surgir questões sobre o que é possível fazermos e
questões sobre a possibilidade e a necessidade da acção, o que
nos transporta imediatamente para a Metafísica. Além disso,
como há versões do problema do livre-arbítrio que resultam da
reflexão sobre a compatibilidade da liberdade humana com o
facto de Deus saber a priori o que vamos fazer, as questões
levantadas pelo livre-arbítrio podem levar-nos para a
Epistemologia e para a Filosofia da Religião. Finalmente, como é
presumível que seja errado punir alguém que não seja
responsável pelos seus actos, o livre-arbítrio é uma questão
central na Filosofia do Direito, e, portanto, na Filosofia Política.
Para que os meus apelos constantes à autonomia sejam
aceitáveis, deve ser possível que as pessoas sejam responsáveis
© Areal Editores
pelas suas decisões e, dessa forma, pelas suas vidas.
Ainda assim, importa sublinhar que o problema do livre-arbítrio
não é um problema de Filosofia Política. Apenas tem ramificações
na Filosofia Política. Mas tal não quer dizer que a liberdade não
ocupe um lugar central nesta área da filosofia. Simplesmente o
que interessa em Filosofia Política não são as questões
descritivas acerca da liberdade, mas as questões normativas
acerca da liberdade, quer dizer, não se trata de saber que
liberdade temos, mas de saber que liberdade devemos ter.
Quando a liberdade é encarada como um problema de Filosofia
Política, são abordados problemas como os seguintes:
- A que liberdades têm as pessoas direito?
- Terão as pessoas liberdades particulares que não podem ser
postas em causa pelas outras pessoas ou pelo Estado (por
exemplo, liberdade de expressão, liberdade de culto, liberdade
sexual, …)? Ou será que o Estado tem o poder de determinar, por
exemplo, o que as pessoas podem dizer, ou em que Deus
acreditar, ou ainda qual a orientação sexual?
O problema do livre arbítrio é um problema acerca do tipo de
entidade que o ser humano é e, em função disso, é um problema
acerca de saber se tem ou não tem a capacidade de escolher
entre cursos/possibilidades de acção alternativos (A ou B ou C ou
…). Podemos supor, para exemplificar, um mundo possível em
que o sujeito A vive num regime democrático cujo estado
interfere minimamente na sua vida e que, quando o faz, é
apenas para garantir as suas liberdades particulares (por
exemplo, de expressão, de culto, etc), mas ainda assim não tem
livre-arbítrio, isto é, não tem liberdade de escolha já que é
deficiente mental. O problema do livre-arbítrio é, por isso, um
problema metafísico central que entronca com a Filosofia da
Mente e com a Ética, o que o torna num dos problemas mais
intrigantes e complexos da Filosofia.
O problema do livre-arbítrio, embora seja bastante complexo,
pode formular-se de uma forma bastante simples, a saber: se
tudo o que fazemos é causado por coisas anteriores que não
fizemos, como é que podemos ser moralmente responsáveis
pelas nossas acções? Ou ainda: se não somos livres como
podemos ser responsáveis?
© Areal Editores

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  • 1. Problema do Livre-arbítrio Antes de entrar em contacto com a Filosofia acreditamos tipicamente que a maioria das pessoas, a maioria do tempo, escolhe as suas acções livremente e é, por isso, moralmente responsável por elas. Por exemplo, pensamos habitualmente que os assassinos condenados não são apenas responsáveis pelos seus crimes, mas que o são também do ponto de vista moral, quer dizer, merecem ter sido condenados. Ou quando olhamos para as nossas acções e para a nossa personalidade com orgulho ou com vergonha, é por considerarmos que somos moralmente responsáveis por elas. Na realidade, vemo-nos como pessoas exactamente por considerarmos que somos responsáveis. Mas para sermos responsáveis pelas nossas acções e pela nossa personalidade, é necessário que elas resultem de escolhas nossas e que sejam livres. É injusto responsabilizar as pessoas por algo que fizeram sem o escolherem livremente. Portanto, a verdade de sermos moralmente responsáveis depende da verdade de sermos livres, quer dizer, de realizarmos escolhas livres. No problema do livre-arbítrio, os filósofos perguntam se existe liberdade nas nossas escolhas para saberem se podemos ser responsabilizados pelos nossos comportamentos e se podemos justificadamente expressar remorso ou culpa ou castigo. Que tipo de problema é o problema do livre arbítrio? É um problema de Filosofia da Mente, mas também é um problema de Ética. É ainda um problema de Filosofia da Ciência, pois envolve questões relacionadas com a verdade do determinismo. Mas as perguntas sobre a liberdade de acção fazem surgir questões sobre o que é possível fazermos e questões sobre a possibilidade e a necessidade da acção, o que nos transporta imediatamente para a Metafísica. Além disso, como há versões do problema do livre-arbítrio que resultam da reflexão sobre a compatibilidade da liberdade humana com o facto de Deus saber a priori o que vamos fazer, as questões levantadas pelo livre-arbítrio podem levar-nos para a Epistemologia e para a Filosofia da Religião. Finalmente, como é presumível que seja errado punir alguém que não seja responsável pelos seus actos, o livre-arbítrio é uma questão central na Filosofia do Direito, e, portanto, na Filosofia Política. Para que os meus apelos constantes à autonomia sejam aceitáveis, deve ser possível que as pessoas sejam responsáveis © Areal Editores
  • 2. pelas suas decisões e, dessa forma, pelas suas vidas. Ainda assim, importa sublinhar que o problema do livre-arbítrio não é um problema de Filosofia Política. Apenas tem ramificações na Filosofia Política. Mas tal não quer dizer que a liberdade não ocupe um lugar central nesta área da filosofia. Simplesmente o que interessa em Filosofia Política não são as questões descritivas acerca da liberdade, mas as questões normativas acerca da liberdade, quer dizer, não se trata de saber que liberdade temos, mas de saber que liberdade devemos ter. Quando a liberdade é encarada como um problema de Filosofia Política, são abordados problemas como os seguintes: - A que liberdades têm as pessoas direito? - Terão as pessoas liberdades particulares que não podem ser postas em causa pelas outras pessoas ou pelo Estado (por exemplo, liberdade de expressão, liberdade de culto, liberdade sexual, …)? Ou será que o Estado tem o poder de determinar, por exemplo, o que as pessoas podem dizer, ou em que Deus acreditar, ou ainda qual a orientação sexual? O problema do livre arbítrio é um problema acerca do tipo de entidade que o ser humano é e, em função disso, é um problema acerca de saber se tem ou não tem a capacidade de escolher entre cursos/possibilidades de acção alternativos (A ou B ou C ou …). Podemos supor, para exemplificar, um mundo possível em que o sujeito A vive num regime democrático cujo estado interfere minimamente na sua vida e que, quando o faz, é apenas para garantir as suas liberdades particulares (por exemplo, de expressão, de culto, etc), mas ainda assim não tem livre-arbítrio, isto é, não tem liberdade de escolha já que é deficiente mental. O problema do livre-arbítrio é, por isso, um problema metafísico central que entronca com a Filosofia da Mente e com a Ética, o que o torna num dos problemas mais intrigantes e complexos da Filosofia. O problema do livre-arbítrio, embora seja bastante complexo, pode formular-se de uma forma bastante simples, a saber: se tudo o que fazemos é causado por coisas anteriores que não fizemos, como é que podemos ser moralmente responsáveis pelas nossas acções? Ou ainda: se não somos livres como podemos ser responsáveis? © Areal Editores