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60 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
mente a legislação, e essas atividades eram "incompatíveis com uma dita-
dura";" Ele foi veementemente atacado por se afastar da doutrina marxista
ortodoxa, não apenas por Lenin, mas também pelos líderes do movimento
social-democrata alemão, especialmente pela revolucionária polonesa Rosa
Luxemburgo, membro proeminente da Segunda Internacional e ativa não
apenas na Polônia, mas principalmente na Alemanha. Karl Kautsky, cujos
pais eram tchecos mas que viveu a maior parte de sua vida na Alemanha,
também atacou Bernstein, mas de uma posição mais centrista que a da in-
flamada Luxemburgo. Kautsky havia sido durante algum tempo um teórico
marxista que admirava muito Lenin. Mas já em 1893 demonstrara uma
atitude mais simpática com o parlamentarismo, escrevendo que "um regime
parlamentar genuíno pode ser um instrumento tão bom para a ditadura
do proletariado quanto é para a ditadura da burguesia".» Mais tarde, não
apenas Kautsky, mas também a mais radical Luxemburgo - que atacara
duramente Bernstein por sua noção de socialismo evolucionário - apon-
tariam as implicações ditatoriais da tomada de poder na Rússia por Lenin
e os bolcheviques, Esse acontecimento e as revoluções da guerra mundial
que o precederam são o tema do próximo capítulo.
,: i·
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i
I
;
, :
3
As revoluções russas e a guerra civil
Nem todos os delegados do II Congresso do Partido Operário Social-Demo-
c~ata - discutido no capítulo anterior - estavam preparados para serem
"Iassificados por Lenin como mencheviques nem como bolcheviques. Um
'volucionário que claramente não se encaixava em nenhum dos dois campos
'a Leon Trotski. Embora mais próximo dos mencheviques, e identificado
~111-~í~~,i;ots'ki não se juntou realmente a eles depois da divisão de 1903.
anteve boas relações com mencheviques individualmente, mas entre 1903
.1917 foi "um revolucionário sem uma base revolucionária".' Enfatizava
rticularrnente a necessidade de o proletariado russo ter uma causa em
.~mum com o proletariado mais numeroso da Europa Ocidental, bem como
f';':apoiodeste. Também era a favor de reduzir a um mínimo o período entre
una "revolução burguesa" e uma revolução socialista. Em 1917, ele achou
ue Lenin poderia adotar sua opinião sobre essas duas grandes questões e
iu suas forças com os bolcheviques. Embora em seus poucos anos no po-
~r, depois da revolução bolchevique, tenha sido no mínimo tão autoritário
uanto seuscolegas, Trotski foi um observador precoce dos perigos inerentes
o modelo de organização de partido de Lenin, escrevendo em 1904: "Os
métodos de Lenin levam a isso: primeiro, a organização do partido substitui
~~~si própria pelo partido como um todo; depois, o Comitê Central substitui
':',a si próprio pela organização; e finalmente, um único 'ditador' substitui a si
. : próprio pelo Comitê Central.,"? Contrariando isso, a insistência de Lenin
:';na "importância da centralização, disciplina estrita e unidade ideológica
. dentro do partido" fazia algum sentido para um partido político que atuava
como organização clandestina em um Estado policiaJ.3 Quando, porém,
'.. até mesmo cinquenta ou sessenta anos depois de os Comunistas chegarem
ao poder, políticos soviéticos invocaram Lenin em busca de apoio 'a seu
partido estritamente disciplinado e rigidamente hieráquico, a implicação
de que Lenin teria desejado ou esperado que essa forma de organização
."prevalecesse por tanto tempo era dúbia.
62 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
Entretanto, dificilmente seria fanrasioso identificar aqui °que cientistas
políticos chamam de "dependência de caminho" - um padrão de aceitação
de escolhas institucionais anteriores, embora feitas em diferentes circuns-
tâncias e sob diferentes restrições. Houve uma lógica de desenvolvimento
pela qual °partido bolchevique centralizado (com uma liderança que muitas
vezes atuava em segredo) introduziu sua própria marca distintiva de governo
ainda mais autoritário, depois de suplantar o antigo regime e ocupar os
escritórios do Estado." Não apenas numerosos estudiosos mais tarde, mas
também muitos contemporâneos de Lenin -entre eles ex-carnaradas desen-
cantados - viram a antipatia de Lenin com "organizações de massa mais
frouxas, que permitiam maior diversidade e espontaneidade" não apenas
como uma questão de conveniência e necessidade tática, mas também como
um reflexo de uma mentalidade autoritária.' Um desses contemporâneos,
Nikolai Volski, que se juntara aos bolcheviques e se tornara leal a Lenin,
rompeu com este porque já não aguentava sua intolerância e intemperança
quando eles discutiam opiniões políticas que Lenin desaprovava.s De 1903
em diante, os mencheviques apontaram os perigos de uma ditadura inerentes
à certeza absoluta de Lenin de que estava correto, somada à sua insistência
em uma obediência disciplinada dentro do grupo bolchevique. A intolerân-
cia de Lenin estava evidente muito antes de ele se tornar o primeiro líder
da União Soviética. Nos últimos dois ou três anos de sua vida, ele estava
mais aberto às dúvidas do que havia sido durante toda a sua carreira de
revolucionário profissional."
Os bolcheviques e mencheviques estavam longe de serem as únicas fac-
ções em disputa no movimento revolucionário russo nas primeiras duas
décadas do século XX. O partido que gozava de maior apoio entre os cam-
poneses russos - que constituíam mais de 80 por cento da população - era
o Partido Ssocialista Revolucionário, conhecido simplesmente como SR.
Este surgiu nos anos 1890 como uma ramificação do movimento populista
russo. Seu líder e principal teórico era Viktor Chernov, que argumentava
que os camponeses precisavam formar o "principal exército" da revolução,
mesmo que o proletariado estivesse na vanguarda. Chernov não era mar-
xista. Queria evitar a chegada do capitalismo à Rússia. Assim como seus
precursores populistas nos anos 1860 e 1870, acreditava que as comunas
camponesas poderiam formar uma ponte para o socialismo na Rússia. Os
marxistas, ao contrário, discutiam sobre a extensão que o capitalismo já
alcançara no país.
AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 63
A revolução de 1905 e os últimos anos da RússiaCzarista
.A primeira das três revoluções que culminaram na tomada do poder pelos
bolcheviques, no fim de 1917, teve como cenário condições sociais terríveis
("'DáS cidades russas, pobreza no interior e falta de direitos e liberdade po-
,IP;"líticos básicos. Nas últimas décadas do século XIX, estava havendo uma
;'d:"jndustrialização bastante rápida na Rússia, não obstante a predominância
':: 'numérica dos camponeses. Em 1861, a abolição da servidão (uma forma de
.E:escravidão) envolveu concessões demais aos proprietários de terras - que
" eriam privados de suas propriedades em termos de pessoas, mas-mantendo
as terras - para que representasse um ajuste satisfatório para os campo-
ses." Significou, porém, que agora os camponeses podiam deixar o interior
procurar trabalho nas cidades, enquanto a indústria se desenvolvia. Assim,
rgiu a primeira geração do proletariado industrial, ainda que fosse uma
equena proporção da população total: um grupo social desorientado pela
toca da probreza rural pela miséria da cidade.
Uma depressão econômica, iniciada em 1899, trouxe mais motivos para
descontentamento nos grupos de trabalhadores em expansão, e houve
, andes greves (embora localizadas) em várias cidades russas nos primeiros
"os do século XX.9 Além desses problemas internos, em 1904-05 a Rússia
ravou uma guerra malsucedida com o Japão. Seu fracasso nesse conflito
oi um grande choque para a elite política, bem como para a população em
eral. Eles se consideravam uma grande potência europeia e, por definição,
" onômica e militarmente superiores a qualquer Estado asiático. Embora
"s dois lados fossem culpados pela explosão da guerra, os japoneses se
mostraram mais eficientes para conduzi-Ia. A guerra terminou com o Japão
assegurando mais espólios imperiais. Isso prejudicou a reputação do czar
Nicolau II e aprofundou a sensação de crise política na Rússia.!"
Um elemento curioso na luta política russa era conhecido como "so-
cialismo policial". Tratava-se de um movimento incentivado por algumas
autoridades, em parte por elas reconhecerem as reclamações populares
como genuínas e em parte para roubarem o impacto dos revolucionários.
Mas, paradoxalmente, foi uma marcha liderada por um misterioso líder do
socialismo policial, um padre chamado Georgy Gapon, que desencadeou a
Revolução Russa de 1905. No início de janeiro daquele ano, cerca de 120
mil trabalhadores estavam em greve em São Perersburgo e Gapon abraçou
a causa deles. Em uma petição ao czar, eles reivindicaram "justiça e pro-
teção", dizendo que estavam empobrecidos, oprimidos, sobrecarregados
64 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO
e sendo tratados com desdém." Gapon conduziu uma grande procissão
desarmada - muitos dos participantes eram trabalhadores em greve - em
direção ao Palácio de Inverno, para entregar a petição. A marcha - que
aconteceu em 9 de janeiro, de acordo com o calendário juliano usado na
Rússia até 1918 (e ainda usado pela Igreja Ortodoxa), e em 22 de janeiro,
de acordo com o calendário moderno - foi completamente pacífica, até
seus participantes serem atacados a tiros por soldados instruídos a impedir
que chegassem ao palácio. O czar não estava preocupado o bastante com
o protesto e passava o fim de semana fora de São Petersburgo. Aquele dia
ficou conhecido como o "Domingo Sangrento". Além da morte de muitos
participantes da marcha, outros manifestantes pacíficos foram massacradós
em diferentes áreas da cidade. Os rumores na época foram de que milhares
de pessoas haviam morrido. Os números verdadeiros - aproximadamente
duzentos mortos e oitocentos feridos - foram ruins o bastante.'?
Este foi o começo do fim da autocracia. A reputação do czar nunca se
recuperou completamente do Domingo Sangrento. Muitos que respeitavam
Nicolau II agora o consideravam responsável pelo assassinato a sangue-frio
de pessoas inocentes. O acontecimento deflagrou um ano de distúrbios revo-
lucionários. Ao longo de 1905, as greves, manifestações e saques em casas
de proprietários de terras foram diários. Os SR mataram um tio do czar,
o grão-duque Sergei, que se tornara especialmente impopular ao defender
a repressão. As pressões contra o governo vieram de vários setores - de
sindicatos do comércio, de um sindicato de camponeses criado em meados
de 1905 por incentivo dos SR e também de classes profissionais, que exi-
giam alguma participação no governo. Assim, houve pressão tanto liberal
quanto revolucionária. Uma fonte de pressão liberal foram os zemstvos,
autoridades de governos locais formados por Alexandre II como parte das
Grandes Reformas dos anos 1860. Mesmo com tantas forças voltadas contra
a autocracia em 1905, ainda havia uma diferença vital em relação a 1917.
Em 1905, grande parte do exército permaneceu firmemente ao lado das
autoridades. Em 1917, o exército estava desorganizado e em revolta aberta.
As greves constantes de 1905 culminaram em uma greve geral - a
primeira do tipo - em outubro. Diante disso, o governo fez concessões,
exortadas a Nicolau II por seu primeiro-ministro, o conde Sergey Witte,
um conservador moderado. O czar emitiu o que se tornou conhecido como
seu "Manifesto de Outubro", que concedeu liberdade pessoal à população
em geral e propôs a eleição de uma duma nacional com base em ampla vo-
tação. Mesmo em princípio, essa nova assembleia seria bem menos do que
AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 65
parlamento. Podia "participar" da supervisão da legalidade introduzida
pelo czar e seus ministros, mas não tinha uma supremacia legislativa clara.
E-nem o czar nem seu governo eram responsáveis por ela. O Manifesto
.erà um documento contraditório e refletia a confusão na própria mente de
. Nicolau. O czar achou que havia protegido a autocracia ilimitada, embora
",Manifesto incluísse uma promessa de que nenhuma lei teria efeito sem a
tprovação da Duma. A palavra "duma" deriva do verbo "pensar" em russo,
"'as era evidente a falta de um pensamento claro em seu projeto institucional.
'!Entre a eleição da primeira Duma, em 1906, e o ano de 1917, houve
; tro dumas, embora estas tenham representado uma restrição, e não uma
pliação do direito ao voto. Assim sendo, o crescente controle das autori-
es sobre a composição dessa assembleia legislativa reduziu o número de
icos radicais nas duas últimas dumas. Mesmo em 1905, o Manifesto
;Outubro do czar não satisfez os liberais que surgiam na Rússia e foi
fado com desprezo pelos revolucionários. Um dia depois da promulgação
;:Manifesto, dezenas de milhares de pessoas se concentraram em frente
niversidade de São Petersburgo, estimuladas, nas palavras de Trotski,
da luta e intoxicadas com a alegria de sua primeira vitória".J3 Trotski
.scenta: "Gritei para eles da sacada para não confiar em uma vitória
,ompleta; que o inimigo era teimoso, que havia armadilhas à frente;
guei o manifesto em pedaços e os espalhei ao vento."!"
:Trotski teria um papel importante em uma instituição bem diferente
; surgiu em 1905 e que mais tarde teria repercussão política: a formação
primeiro soviete. Embora "soviete" seja simplesmente a palavra russa
.:raconselho, este adquiriu desde o início uma conotação revolucionária
tido à sua origem, como uma comissão de greve em São Petersburgo, e
eu nome completo: Soviete de Representantes dos Trabalhadores. De-
1s da prisão do primeiro presidente do Soviete, uma "presidência" foi
.ita, sendo Trotski seu líder. Ele se tornou a principal força impulsora e
ptelectual do Soviete, uma organização que seria habilmente ressuscitada
m 1917. Trotski também estava formulando na época sua teoria da "revo-
ução permanente". Em parte, esta era sua opinião, já insinuada, de que as
,revoluções "burguesa" e "socialista" iriam interagir uma com a outra e de
que era preciso não perder tempo algum com a primeira antes de pressionar
pela segunda. Além do mais, na Rússia de 1905, argumentou ele, foram
"as greves dos trabalhadores que pela primeira vez puseram o czarismo de
joelhos", e isso o levou a tirar conclusões otimistas sobre o Ocidente. Se
I;
66 ASCENSAO E QUEDA DO COMUNISMO AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 67
"o proletariado jovem da Rússia pode ser tão formidável, como pode ser
imenso o poder do proletariado dos países mais avançados!"."
Quando, porém, Petr Stolypin foi nomeado ministro do Interior, em
1906, e quando, estando no cargo, tornou-se Presidente do Conselho
de Ministros (ou primeiro-ministro) no ano seguinte, os revolucionários
acharam que estavam diante de um opositor mais terrível do que a maioria
das figuras nomeadas pelo czar, Stolypin empreendeuurila forte repressão,
fechando jornais radicais e prendendo (e em alguns casos executando)
dezenas de milhares de opositores do regime. Ele combinou isso, porém,
com uma política de implementação de reformas. Em particular, instituiu
uma importante reforma agrária destinada a tornar o camponês algo
mais semelhante ao fazendeiro da Europa Ocidental. A política incluiu o
rompimento da velha comuna de vila, conhecida como obshchina ou miro,
que desde a abolição da servidão, em 1861, possuía coletivamente as terras
onde os camponeses trabalhavam. O objetivo era dar prosseguimento a um
movimento de delimitação e criar a propriedade de terra individual do cam-
ponês. A reforma preocupou inúmeros revolucionários, entre os quais Lenin.
Eles não acreditavam que esta poderia impedir que a revolução acabasse
acontecendo, mas temiam que pudesse adiá-Ia por décadas. Entretanto, a
reforma tardia foi menos bem-sucedida do que os liberais esperavam e do
que os revolucionários temiam. A maior parte da elite do país se opôs e
fez o máximo para miná-Ia. Os próprios camponeses inicialmente não se
animaram a aceitar o risco de cultivar terras por conta própria, perden-
do, assim, os recursos compartilhados (mesmo que de vez em quando
isso significasse miséria compartilhada), proporcionados pelas comunas.
Além disso, eles não confiaram na fonte ou nos motivos por trás daquela
"emancipação" renovada. No fim das contas, Stolypin teve o apoio apenas
de uma faixa estreita de conservadores liberais. Suas reformas foram longe
demais para os tradicionalistas, sua propensão a dispensar a Duma e mudar
o sistema eleitoral para obter uma assembleia mais complacente contrariou
os liberais e os revolucionários tiveram bons motivos para considerá-Io um
inimigo implacável.
Stolypin quase foi assassinado em 1906 - no atentado contra ele, várias
pessoas foram mortas e dois de seus filhos ficaram feridos. Embora 1906 e
1907 tenham sido considerados anos relativamente tranquilos em compara-
ção a 1905, os assassinatos de autoridades por revolucionários continuaram
em larga escala. Houve inúmeros assaltos a bancos, alguns deles liderados
por Ioseb Djugashvili, com o objetivo de financiar o movimento revolucio-
'~rio.16Esse bolchevique georgiano que estudara em um seminário religioso
é ser expulso em 1899) se tornaria mais conhecido como Stalin, nome que
eçou a usar no fim de 1912. O próprio Lenin aprovou vários assa ltos e
.r considerou uma parte legítima da luta contra o czarismo. Como explicou
a esposa, Nadezhda Krupskaya, "os bolcheviques achavam admissível
:iIiaro tesouro czarista e permitiam expropriações". Os mencheviques,
<~contraste,opunham-se fortemente aos assaltos a bancos."
'Em 1911, Stolypin acabou sendo assassinado, um destino que ele supu-
~,que teria desde a época em que se tornara presidente do Conselho de
"lstros.18A pessoa que.atirou nele - em um teatro em Kiev, durante
.'::apresentação comemorativa, na presença do czar - tinha ligações
'com socialistas revolucionários quanto com a polícia. Não ficou claro
_oca para qual dos lados ele estava agindo, embora alguns indícios
nrem na direção de membros da polícia secreta czarista insatisfeitos.
'bchefe daOkhrana de Kiev quem deu ao assassino, Dmitry Bogrov, o
resso para a ópera de Kiev no dia fatal. Bogrov foi enforcado sem um
amento público."
.ntre 1905 e 1917, o reformismo liberal na Rússia era representado
cipalmente pelos Democratas Constitucionais, um partido político
larmente conhecido como os Kadets (Cadetes), e por um partido li-
al ainda mais moderado, os Outubristas, assim chamados devido a seu
_cioao Manifesto de Outubro de 1905, do czar. À parte o liberalismo e
cialismo revolucionário, aqueles foram anos em que uma corrente de
",Íonalismo, xenofobia e antissemitismo também estiveram em evidência.
uve massacres de judeus e, como resultado, uma emigração judaica em
,rga escala do Império Russo para a Europa Ocidental e a América do
orte. A discriminação contra os judeus não tinha nada de novo na Rússia
rn em outras partes do império, especialmente na Ucrânia. EH~é um dos
otiv~~"'p"eLosquais os judeus _t:.ra~tªQJ?~nuee~esent_ados nosprincipais
stosdos partidos revolucionários -nã() tanto os Sk.com.suas orig~vs--
O l!listas, mas os mencheviques (em particular) eos bolcheviques.
,.' Á frente da perseguição aos judeus estava a nacionalista União do Povo
_Russo, ou Cem Negros, como os democratas russos a chamavam. Foi
::formada em 1905, com a bênção de Nicolau Il, para mobilizar a massa de
,-peSsoas contrárias aos revolucionários e aos reformistas radicais." Muitos
",dos próprios Cem Negros consideravam o czar demasiadamente fraco
,~e hesitante em seus esforços para reprimir os revolucionários. Qualquer
peSSoaconsiderada democrata e oponente da autocracia, estava sujeita a
L- ~~
68 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
ser espancada pelos Cem Negros, mas os judeus eram particularmente es-
colhidos. Vários milhares de pessoas foram assassinadas ao longo de 1905
- oitocentas só em Odessa, No fim de 1906, a Un ião do Povo Russo tinha
cerca de 300 mil membros." Algumas das organizações demagógicas e an-
tissemitas formadas na Rússia entre o início do século XX e 1917 pareciam
impressionantemente protótipos dos movimentos fascistas que floresceriam
em outros lugares da Europa nos anos 1920 e 1930. Seria ingênuo supor
que a única alternativa concebível à revoluçãosocialisraou comunista de
1917 era uma democracia liberal desenvolvida gradualmente, Os liberais
tinham bem menos apoio não apenas que os revolucionários, mas também
que os fanáticos do lado oposto do espectro político. Uma alternativa com-
pletamente possível à vitória dos Comunistas era o desenvolvimento de um
regime nacionalista de extrema direita.
A crise crescente na sociedade russa chegou a um clímax quando a Pri-
meira Guerra Mundial estourou. Lenin e muitos revoluciunários declararam
que aquela era uma guerra imperialista e que não tinham nada a ver com
ela. Entretanto, o advento da guerra dividiu o movimento socialista em
toda a Europa. Alguns de seus principais representantes (tais como Eduard
Bernstein na Alemanha e Keir Hardie na Grã-Bretanha) se opuseram ao
conflito por motivos pacifistas, outros principalmente pelo motivo político
de ser uma guerra imperialista. Mas muitos se uniram em defesa de sua
pátria particular. Todos os bolcheviques conhecidos que permaneceram no
país - inclusive membros da Duma - foram presos depois que a Rússia
entrou na gue~ra, em aliança com a França e a Grã-Bretanha, contra a
Alemanha e a Austria-Hungria.22 Marxistas russos se dividiram em termos
de apoio ao esforço de guerra russo. Lenin e Trotski se destacaram entre os
"derrotisras", não apenas se opondo à guerra por princípio mas também
acreditando que esta representava uma grande oportunidade. Estavam
convencidos de que uma derrota russa aceleraria o sucesso da revolução. Ao
contrário, Plekhanov acreditava que a causa do socialismo avançaria com a
vitória da Rússia e de seus aliados. Na realidade, a legitimidade do regime
era, àquela altura, tão fraca, que quando o exército sofreu grandes reveses,
os russos em geral não se uniram às autoridades do Estado em defesa da
pátria, como haviam feito ao serem atacados por Napoleão e pelo exército
francês em 1812, ou como fariam na Segunda Guerra Mundial, sob o ataque
violento da Alemanha de Hitler. A incompetência na condução da guerra,
as grandes perdas humanas e confiança cada vez menor nas autoridades
torn~ram o regime czarista mais vulnerável do que nunca.P
J:'~1~i;
fi;}. AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 69
I'll. A "posa de Nicolau 11,Alexandra, era neta da rainha britânica, Vitó·
f . o': 'a que ela reverenciava, mas sua origem étnica era principalmente alemã.,,' fi,
}. ;. Como resultado disso, foram levantadas dúvidas - bastante equivocadas
l~:o,.' :fS sobre seu comprometimento com a causa russa. Uma preocupação
'.. t' o
~':~4h~~inda maior entre alguns ministros do czar, bem como entre membros da
$r'':-~orte, era a influência exercida por Grigori Rasputin sobre a imperatriz,
~Camponês siberiano carismático e bissexual, Rasputin era ligado a uma
~ita que promovia orgias sexuais, misturadas a revelações religiosas. Foi,
:, ;ém, a influência que se acreditava que ele exercia o que mais agitou seus
;v~is, por causa da atenção do czar, Algumas pessoas - particularmente
.imperatriz Alexandra - sustentavam que ele possuía poderes místicos.
',asputin ganhou a confiança de Nicolau, e mais ainda de sua esposa, com
i'aparente capacidade de conter o sangramento de Alexei, o filho hemo-
kÜ deles e herdeiro do trono, em uma época em que a profissão médica
o era capaz de ajudá-Io.
'O impacto de Rasputin aumentou durante a Primeira Guerra Mundial,
incipalmente durante os períodos em que o czar estava fora da capital,
~frente de batalha. O fato de seus conselhos serem rapidamente aceitos
r Alexandra - que, por sua vez, exercia profunda influência sobre o
arido - revoltou muitas pessoas na corte e no governo. Em dezembro de
,16, Rasputin foi assassinado por um grupo que incluía um primo-irmão
czar, o grão-duque Dmitry, e um deputado ultraconservador da Duma,
:M.Purishkevich. Até mesmo o assassinato aumentou o status de lenda de
isputin. Beberrão inveterado, ele virou vários copos de vinho envenenado
tomeu bolo confeitado com cianeto sem sofrer qualquer efeito maléfico
bvio. Depois de esperar impacientemente durante uma hora que Rasputin
,t;>rresse,um dos conspiradores, o príncipe Felix Yusupov, atirou nele com
'i?1a pistola e, supondo que agora estava morto, deixou a sala por alguns
stantes. Quando voltou, Rasputin estava atravessando o pátio na direção
a barragem do rio Neva. Mais dois tiros finalmente o mataram e seu corpo
,esado foi jogado no Neva."
As revoluções de 1917
A remoção de Rasputin não serviu em nada, porém, para salvar o antigo
y~!egime. Na segunda metade de 1916 e no início de 1917, o fator crucial era
'.0 crescente descontentamento no exército russo. Os "camponeses de unifor-
l'I
70 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO AS REVOLUÇCES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 71
me", (Orno Lenin os chamou, estavam cansados da guerra. Em outubro de .
1916, ao serem enviados para reprimir uma greve em Petrogrado (como São
Petersburgo fora rebatizada em 1914), soldados atiraram na polícia, e não
nos trabalhadores. Na Primeira Guerra Mundial, bem mais de um milhão
de soldados russos foram mortos, mais de quatro milhões ficaram feridos
e cerca de 2,5 milhões foram feitos prisioneiros." A promessa bokhevique
de paz e terra tinha muito mais repercussão popular em 1917, mas a revo-
lução que pôs fim a mais de trezentos anos de dinastia Romanov (fundada ~
em 1613) foi uma completa surpresa para a maioria dos revolucionários
marxistas. Três dos mais famosos deles - Nikolay Bukharin, Leon Trotski
e uma mulher que se tornaria membro proeminente do primeiro governo
bolchevique, Alexandra Kollontai - estavam em Nova York na véspera,
da revolução de fevereiro." Como quase todos os principais bolcheviques,
Lenin também estava morando no exterior na época. Em janeiro de 1917,
em uma palestra para uma plateia escassa em Zurique, em comemoração
ao décimo segundo aniversário da revolução de 1905, ele claramente não
tinha o menor indício de que a revolução na Rússia era iminente, embora
não duvidasse de que acabaria acontecendo. Lenin disse: "Pode ser que nós,
mais velhos, não vivamos para ver as batalhas decisivas da revolução que
se aproxirna.?" Lenin estava, então, com 47 anos.
Em 12 de março, no calendário moderno, e 27 de fevereiro, no calen-
dário juliano, aconteceu a primeira das duas revoluções de 1917. O czar
ficou tão surpreso quanto Lenin. Em 7 de março, ele escrevera da frente
de batalha para sua esposa: "Sinto imensamente falta de minha meia hora de
jogo de paciência toda tarde. Vou recorrer novamente aos dominós em meu
tempo livre."2N Na véspera do dia decisivo do que ficaria conhecido como a
Revolução de Fevereiro, quase todas as fábricas de Petrogrado estavam em I
greve, houve saques generalizados e os motins se espalharam pelas guar-
nições posicionadas na capital russa." O clímax se deu quando a Duma
tentou tomar o poder em suas próprias mãos e formou uma comissão que se
tornou o núcleo de um governo provisório. Simultaneamente, um Soviete de
Representantes dos Trabalhadores foi formado em Petrogrado, tendo como
modelo a instituição que existira por um breve período em 1905. Combi-
nados, a Duma e o Soviete assumiram o comando. Percebendo que uma
grande parte do exército estava com ele, o Soviete se rebatizou de Soviere de
Representantes dos Trabalhadores e Soldados. A maioria dos ministros do
governo foi presa e quando o czar tentou voltar a Petrogrado, seu trem foi
desviado. Nicolau IIabdicou em 15 de março. Foi convencido por generais
:, D a assumira o controle e de que havia sérias dúvidas sobre a
l:}uea um , , ' .
, 'd d arnicões de Petrogrado se estas fossem solicitadas a agir em
~eU~ ~ , _ " "
'f O trono foi oferecido ao grão-duque Mikhail, que apoiara a
de esa- , , -
"I - de Fevereiro Ele teve o bom-senso de recusá-lo. Mas nao teve
, o uçao . " d
" ' - de Lenin para emigrar e fOI morto a tiros por um grupo e
, rffilSsao ,,' '
h," em junho de 1918 Um mês depois, Nicolau Il, a imperatrrz
,.evlques . , '
'andra, suas quatro filhas e o caçula, que era ~emofth(O, foram bru-
';' t assassinados em Ecaterimburgo, nos Urais, onde estavam sendo
en e , f 'I" '
"d m prisão domiciliar. A decisão de exrermmar a arni Ia mterra
I os e " -I ' L ' 3U
dela alta liderança dos bochevlques, na qual se me uia erun.a a p " _
.bolcheviques não haviam tido, porém, qualquer parucipaçao no
• pôs fim à dinastia dos Romanov. Os mencheviques - alguns
que I ' "
uais eram ativos no Soviete de Petrogrado - e os revo uClona~lOs
listas tiveram uma pequena participação na Revolução de Fevereiro.
;."importante foi a agitação espontânea, juntament~ com os esforços
berais da Duma para forçar o czar a sair e introduzir um governo efi-
t~. Na sucinta avaliação de um dos principais historiadores da Rússia
;culo XX, Sheila Fitzpatrick, "a autocracia ruiu em face das manifes-
es populares e da retirada do apoio da elite ao regi~e"Y O fato de que
ército não estava preparado para defender esse regime acabou sendo o
't:decisivo para pôr fim ao governo monárquico na Rússia. ,
Lenin conseguiu voltar à Rússia apenas por gentileza d:s autonda~es
, às, que ficaram satisfeitas por facilitar o retorno, da Suíça, de, a,lgue~
causaria problemas no campo inimigo e que se opunha à pa,rt~Clpaçao
§'a na guerra. A ideia de voltar à pátria de trem, cO,m ~ COOlvenCla do
o-comando alemão (e em um vagão trancado), havia Sido de Martov.
.in, por sua vez, ficou feliz por alguns mencheviques, assim ~omo ,os
cheviques, fazerem essa rota de volta à Rússia, uma vez que ISSOSl~-
cava que os mencheviques não conseguiriam utilizar sua colaboraçao
. d DL '
s alemães como uma arma para bater nele e em seus alia os. erun e
'grupo de revolucionários chegaram à Estação Finlândia, em, Petrogrado,
uco antes da meia-noite de 3 de abril de 1917. Durante a viagem, ele se
, , d ""r d Ab '" Estas
upara escrevendo um documento que chamana e leses e fi.
-:o pediam abertamente a derrubada do governo provisório recentemente
~tabelecido, mas implicitamente rejeitavam a ideia marxista ortod~xa de
ue deveria haver um longo período de regime burguês antes de a SOCiedade
, star pronta para a revolução socialista. E na chegada a Petrogrado, quando
•~iscursou para uma multidão de vários milhares de pessoas, em CIma do teto
72 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
de um carro blindado fornecido pelos bolcheviques locais, sua mensagem
foi de que não deveria ser oferecido apoio algum ao governo provisório e de
que a tarefa dos socialistas genuínos era pôr fim ao capitalismo na Rússia
e em toda a Europa."
O governo provisório da Rússia em 1917 foi chefiado primeiramente
pelo príncipe Georgi Lvov, membro do partido Cadete, e,a partir de julho,
por Alexander Ker~:~~x,~~ocialista politicamentemoderad6, de tempe-
ramento um tanto b,~is<Y. Sob seus dois líderes, o governo provisório
fracassou principalmente de três maneiras. Prirrieiro, prosseguiu com a
guerra em um momento de grande desgaste no conflito. Embora agora
a Alemanha e seus aliados estivessem perdendo a guerra, o progresso dos
aliados da Rússia era obscurecido pelo sucesso da propaganda bolchevi-
que. Segundo, o governo não conseguiu dissolver o exército privado - a
Guarda Vermelha - que os bolcheviques haviam rapidamente formado.
Terceiro, não conseguiu lidar com o problema das terras. Os camponeses
reivindicavam mais terras, e alguns deles ocuparam à força terras de grandes
proprietários. O governo provisório insistiu que não podia tomar qualquer
atitude nessa questão até que fosse formada uma Assembleia Constituinte ,
e adiou a convocação da assembleia, aumentando a impaciência pública.
Um Congresso de Sovietes foi realizado em junho de 1917, e logo depois
o Soviete de Petrogrado emitiu a Ordem N° 1, dirigida às forças armadas.
Esta instruía os soldados a obedecer ao governo provisório somente se as
ordens deste não divergissem das ordens do soviete. Foi claramente um ato
executivo do tipo que somente um governo deveria ter o direito de apro-
var. Entretanto, os sovietes estavam rapidamente adquirindo poder sem
autorização, enquanto o governo provisório, que tinha autorização, estava
rapidamente perdendo poder.
O período foi corretamente descrito como sendo de "poder dual" e,
como tal, não podia durar - e não durou. Não tinha nada em comum com
uma separação de poderes acordada, mas sim significava que havia dois
organismos competindo pelo pleno poder dentro de um Estado. Mais de
setenta anos depois, quando o Estado soviético chegava ao fim, em 1991,
uma forma de poder dual (com o presidente e o legislativo russos medindo
forças com o presidente e o legislativo soviéticos) teve novamente importante
participação no colapso de um regime. No segundo caso, porém, não havia
uma divisão ideológica aguda como no ano em que o governo Comunista
nasceu. Em 1917, Lenin e Trotski, as duas figuras-chaves na derrubada do
governo provisório, decidiram que os sovietes - que cresciam tanto em
AS REVOLUÇOES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 73
.'meros quanto em apoio popular - seriam um instrumento adequado
ira a próxima revolução. Além de seu slogan "Todo o poder aos sovie-
'" os boJcheviques prometiam "liberdade, pão e paz". Eles não queriam,
'Imente todo o poder nas mãos dos sovietes até que os controlassem,
:s progrediram nessa direção ao longo do ano. O partido dos Socialistas
'olucionários (SR) continuava sendo o mais popular entre os camponeses,
';os bolcheviques eram mais bem organizados.
sso não quer dizer que naquele ano de revoluções o partido bolchevique
'~s'ecom a disciplina que Lenin evocara em Que fazer? Pode-se dar - e
'do dada - ênfase demais na organização bolchevique para explicar
cesso em 1917. A disciplina rígida do partido viria mais tarde, mas
e era um momento de grande expansão nos números do partido e de
eSdivergências abertas entre seus líderes, inclusive na questão crucial
se os bolcheviques deveriam tomar o poder à força." Um exemplo
.da falta de unidade entre os bolcheviques foi o que aconteceu em
de 1917, quando uma multidão de marinheiros do porto de Krons-
, juntamente com soldados e trabalhadores de fábricas de Petrogrado,
jciparam de uma grande manifestação nas ruas sob a palavra de ordem
o poder aos sovietes", com a intenção de derrubar o governo provisório
;bponto de vista de Lenin, aquilo foi perigoso e prematuro. Levou
isão de vários bolcheviques, bem como de Trotski (que só integraria
,'ãlmente o partido bolchevique a partir do início de outubro). Foram
idas ordens para a prisão de Lenin e, como agora se espalhavam rumores
ue ele era um agente alemão, ele decidiu buscar segurança na Finlândia.
surreição de esquerda dos "Dias de Julho" foi seguida, em agosto, de
,tentativa da extremidade oposta do espectro político de assumir O
role. O general Lavr Kornilov tentou conduzir suas tropas a Petrogrado
; reprimir os sovietes e o perigo que ele via de uma revolução socialista.
~àvaque Kerensky receberia bem essa ajuda. Apesar de inicialmente ser
ivalente, a resposta de Kerensky acabou sendo hostil e, de qualquer
dó, ferroviários obstruíram e desviaram os trens de soldados. Kornilov
'preso, embora mais tarde tenha participado de uma guerra civil contra
bolcheviques, morrendo em uma batalha, em 1918.
.mbora longe de estarem unidos, em 1917 os bolcheviques eram orga-
'zacionalmente mais fortes que os SR e muito mais implacáveis que os
. ncheviqu~Sua insistência intransigente em condenar um compromisso- --I
m o governo provisório e sua "disposição para tomar o poder em nome
1:l revolu'ção proletária" ganharam a simpatia dos trabalhadores urbanos, . .
"
! j
74 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
AS REVOLUÇOES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 75
e de soldados e marinheiros insatisfeitos." Lenin e Trotski conquistaram
grande influência sobre o soviete de Petrogrado e sobre outros. Em 12 de
outubro, no calendário antigo, Trotski assumiu o comando da Comissão
Revolucionária Militar do Soviete de Petrogrado e, em 25 de outubro (7 de
novembro no calendário moderno), os bolcheviques tomaram o poder em .
Petrogrado. Tropas bolcheviques ocuparam prédios públicos e prenderam.
ministros do governo provisório. Kerensky fugiu e viveu ate.1970, a maior'
parte do tempo nos Estados Unidos.
~!!lbora 7 de novembro tenha entrado para a história como o dia da
bem-sucedida revolução bolchevique, em muitos aspectos esta foi mais um
golp'~ue uma revolu窺,--Substituiu um regime estabelecido como re-
sultado da revolução anterior (em fevereiro), que inicialmente tivera amplo
apoio. Quando tomaram o poder, os bolcheviques não eram o partido mais '
popular da Rússia. Isso ficou bastante claro nas eleições para a Assembleia
Constituinte, realizadas em dezembro de 1917. Naquele ano, os bolchevi-
ques haviam apoiado - com objetivos de propaganda - a realização das
eleições, e permitiram que estas fossem adiante. Os SR conquistaram 299
cadeiras, contra 168 dos bolcheviques. Entre os outros partidos, os maiores
eram os SR de Esquerda com 39, os mencheviques com 18 e os Cadetes !
com 17.36
Quando a Assembleia Constituinte foi aberta, em 18 de janeiro,
os bolcheviques a dissolveram. O primeiro dia da Assembleia foi também
o último. Nas palavras de Lenin: "A dispersão da Assembleia Constituinte
pelo regime soviético é a eliminação total e aberta da democracia formal- ------
em nome da ditadura revolucionária.::J
o poder bolchevique e a guerra civil
Uma das figuras mais respeitadas do movimento marxista internacional,
Karl Kautsky - que na juventude conheceu pessoalmente Marx e Engels
- escreveu em 1918 um livro intitulado A ditadura do proletariado, ar-
gumentando que a "ditadura revolucionária" de Lenin estava muito longe
do que Marx tinha em mente ao usar (muito raramente) a expressão "di-
tadura do proletariado". Marx, escreveu Kautsky, não quisera dizer que
isso erá "uma forma de governo'v" Chegando mais tarde que socialistas
como Bernstein a uma compreensão sobre aonde as ideias de Lenin estavam
levando, Kautsky insistia agora:
;' .lutada classe proletária, como uma luta das massas, pressupõe democracia
:-..J. Massas não podem ser organizadas ~ecretamente e, sobretu,do, uma
. çâo secreta não pode ser democrática. Isso sempre leva a ditadu-
.~~ . . .
.a de um único homem, ou a um pequeno grupo de lideres. Os membros
i.> ns só conseguem se tornar instrumentos para cumprir ordens. Esse
omu irnid A'
:~todo pode ser considerado necessário a uma classe op~lml a naAausenCla
aemocracia, mas não promove o autogoverno e a independência das
í-~sas.Em vez disso, fomenta a consciência de Messias dos líderes e seus
,i~jtoSditatoriais.39
y também observou que, "bem apropriadamente", os bolcheviques
,.;parado de chamar a si próprios de sociais-democratas, e ag~ra "~e
. iam como Comunistas"." Lenin ficou indignado com a sóbria ana-
'autsky sobre o caráter antidemocrático da revolução bolchevique.
.já tivesse assumido as rédeas do governo, ele dedicou seu tempo
ver uma resposta cáustica, A revolução' proletária e o renegado
ky, na qual a injúria substitui o argumento fundamentado. Como
'y observou, os bolcheviques começaram a chamar a si próprios de
nistas em 1918. Dessa época em diante, o abismo entre os socialistas
'~itavam os princípios da democracia e os Comunistas que raciona-
.m a ditadura em nome do poder de classe do proletariado aumentou
ez mais.
t:•• bora os bolcheviques tivessem tomado o poder com surpreendente
.. de, sustentá-lo durante os anos que se seguiram foi muito mais difícil.
átamente depois da Revolução de Outubro, foi formado um governo
fdo Conselho dos Cornissãríos.do.Eczo.tou Sovnarkom no acrônimo
sSO).-1flü;º-Pr.esidia. ~rQt*i~~ y~rE.?~.comis~~!i?s.l~ relações-~x-
és e 5tal' inQme.ªg9-f_Ql;tli~sáriQ .p'ªrªlL"!,ÇWnalidad.es.- O primeiro
o Conselho foi'emitir um Decreto da Paz e um Decreto da Terra. O
éiro convocava os governos de todos os povos ainda em guerra a iniciar
;.iatamente negociações para uma paz sem anexação de territórios. Essa
osta não teve resposta alguma, mas com seu exército primeiramente
oralizado e em seguida dispersado, a Rússia não estava em condições
:'ontinuar a lutar. Trotski anunciou em feverereiro de 1918 que a guerra
·é. a Alemanha havia acabado e que o exército russo seria desmobilizado.
da naquele mês, o exército foi reconstituído com o nome de Exército Ver-
lho - o Exército dos Trabalhadores e Camponeses - mas sua primeira
;fa foi lidar com inimigos dentro do Estado, e não participar de uma
.'erra europeia. Os alemães haviam respóndido à declaração de Trotski
11'11,
l!
li'l
76 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
ordenando que suas tropas avançassem para a Rússia e, assim, no início de
março de 1918, o governo soviético foi obrigado a aceitar termos de paz
bastante desfavoráveis, que incluíam uma perda significativa do território
que pertencera ao Império Russo, e a assinar o Tratado de Brest-Lirovsk,
Entretanto, a reivindicação geral de fim da guerra fora atendida.
O Decreto da Terra também atendia a pelo menos uma parte substan-
cial da opinião dos camponeses. Abolia a propriedade privada da terra e .
estabelecia, em princípio, a propriedade conjunta desta por aqueles que:
trabalhavam na agricultura. Entretanto, seguiu-se uma luta de classes no ;4
interior, em que os camponeses pobres se voltaram contra os camponeses
mais ricos, com o incentivo dos bolcheviques. Os camponeses em geral
resistiam, porém, às tentativas do governo revolucionário de levar, em re-
quisições compulsórias, o alimento que eles produziam. Na guerra civil que
estourou na Rússia em meados de 1918, os camponeses às vezes apoiavam
o Exército Vermelho e às vezes o Exército Branco, mas a crueldade dos
dois lados rapidamente os isolou. Originalmente, os bolcheviques haviam
suposto que seu exército poderia ser composto em grande parte por volun-
tários, principalmente trabalhadores. Logo, isso provou ser insuficiente, e
então eles instituíram a convocação compulsória. Por iniciativa de Trotski,
eles também recrutaram oficiais do antigo exército imperial, mas puseram
comissários bolcheviques ao lado deles para assegurar que se lembrassem
de que lado estavam lutando.
Os Brancos eram um exército diferente de antibolcheviques, que natu-
ralmente incluía também oficiais do exército imperial, embora entre seus
voluntários mais entusiasmados estivessem os cossacos, que séculos antes
haviam conseguido escapar da servidão colonizando uma terra vazia no
sul da Rússia. Muitos deles lutavam para impedir que os bolcheviques inva-
dissem o território que cultivavam livremente. Considerando a composição
social da Rússia na época, não surpreende que a maioria dos soldados dos
dois lados fosse de camponeses. Enquanto a maioria dos operários das fábri-
cas era bolchevique, os camponeses eram profundamente ambivalentes em
relação à guerra civil. Os que podiam se manter fora do conflito o fizeram.
Às vezes, eles recebiam bem os Brancos, para em seguida descobrir que estes
queriam restaurar o antigo sistema de propriedade de terras arrendadas, o
que os levava a colaborar com os Vermelhos para expulsá-los. O que eles
queriam, conforme alguns explicaram, não era nem os Vermelhos nem os
Brancos, mas um governo Verde, o que para eles significava proteção aos
interesses distintos das comunidades rurais.
AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 77
)i. No interior da Rússia, as forças antibolcheviques foram reforçadas
'~" rn ajuda externa, principalmente dos tchecos. Pequenas forças brirâ-.co
~ icas desembarcaram no país, em parte para impedir que equipamentos
nl
{fuilitares que haviam sido fornecidos ao antigo governo russo caíssem nas
" ãos dos bolcheviques. Winston Churchill estava disposto a lançar uma
iI1siva total contra o novo regime soviético, mas David L10yd George, o
itheiro-ministro britânico na época, identificou o novo governo com o povo
'~so em geral e opinou que ninguém poderia derrotar a Rússia em solo
.~o.A identificação dos bolcheviques com a Rússia foi uma simplificação
essiva uma vez que o país continuava profundamente dividido, embora" . ,
'Cismo de Lloyd George em relação à viabilidade de uma intervenção
ar ocidental fosse sem dúvida justificado.
'epois de as forças britânicas desembarcarem na Rússia, pequenos
ngentes foram enviados também por França, Estados Unidos, Itália,
'dá e japão." Eles ajudaram, talvez, a adiar a derrota dos Brancos,
ªs'.não tiveram um papel decisivo. O elemento de intervenção externa
êgrlificativo durante algum tempo foi a Legião Tcheca. Cerca de 40 mil
'. fCOS - que haviam chegado para lutar contra a Áustria, já que seu
étivo era ter um Estado independente e, portanto, derrotar o Império
Jlstro-Húngaro - estavam na Rússia na época da revolução bolchevique.
"mudança de regime no país interrompeu sua participação na guerra
opeia e, ao viajar pela Rússia, eles se viam às vezes em conflito com o
ército Vermelho. Os tchecos tinham treinamento e equipamentos supe-
,es, e venceram inúmeras vezes essas escaramuças antes de voltarem para
, terra natal. Em contraste, os britânicos e outros soldados enviados à
issia para combater os bolcheviques eram muito poucos para influenciar
:tesultado final, embora a intervenção estrangeira na guerra civil tenha
nhado grande proeminência na historiografia soviética mais tarde.
~Já em dezembro de 1917 os bolcheviques criaram uma nova organiza-
p chamada Comissão Extraordinária de Toda a Rússia para Co~ºater
C<;mtra!~evoiução ~-_;'S_~bQtagem, ~ais c;~~d;Peia-fu~~~-;b;eviada
,5a, Cheka. Chefiada por Felix Dzerzhinsky, um revolucionário de origem
bre polonesa, a Cheka se tornou o principal instrumento do Terror Ver-
elho. Foi, na verdade, a sucessora da polícia política czarista, a Okhrana,
. c bora uma variante mais cruel. Era muito maior do que sua predecessora
arista e, nos anos em que existiu, enquanto Lenin ainda estava vivo, matou
·~ercade 140 mil pessoas." Em suas encarnaçôes posteriores, como OGPU
e, principalmente como NKVD, tornou-se um instrumento de prisões em
-
78 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
massa temido e uma máquina impiedosa de assassinatos. Na forma final
que assumiu na era soviética - a essa altura mais restrita politicamente
- era conhecida como KGB. A Cheka foi criada como uma organização
temporária, para lidar com a situação "extraordinária" que os bokheviques
enfrentavam quando tentavam se manter no poder, logo depois da revolução.
Entretanto, como muitas instituições supostamente temporárias, sobrevi-
veu e prosperou sob diversos nomes até o fim da UniâoSoviêtica.e-> e, de
certa forma, até mesmo depois desse fim. Durante o período Comunista, a
polícia política gostava de se referir a si própria como os "chekistas", uma
vez que isso lhe dava um certo elã revolucionário, mesmo quando atuava,
nos anos 1970, em defesa de uma elite política conservadora e envelhecida.
A guerra civil terminou em 1922, com os bolcheviques triunfantes. Como
comissário de guerra, Leon Trotski havia sido eficiente e implacável, e a
Cheka também tivera sua participação violenta. A organização bolchevique
era superior à dos Brancos. Lenin liderava o governo e Stalin desempenhava
um papel cada vez mais importante na organização do Partido Comunis-
ta. Os bolcheviques haviam se rebatizado de Partido Comunista em 1919 '
(embora a palavra "bolshevik" tenha sido mantida entre parênteses até
1952).:Mas a força e organização não produziram sozinhas a vitória dos
, Vermeflios na guerra civil. Embora nessa fase ainda houvesse uma briga
aberta dentro do partido, os bolcheviques possuíam uma ideologia mais
coerente que a dos Brancos. Estes não apenas não conseguiram conquistar
, a maioria camponesa do país, como não produziram nem um líder de des-
: taque nem uma ideia unificadora.]
4
"Construindo o socialismo": a Rússiae a
União Soviética, 1917-40
j'-
nre os meses de agosto e setembro de 1917, Lenin usara seu tempo na
,dia para escrever um livro, O Estado e a revolução, que não conseguiu
-'ar.Em um pós-escrito à primeira edição, ele escreveu que seu trabalho
",'interrompido' em decorrência de uma crise política - a véspera da
lução de Outubro de 1917", acrescentando que foi "mais agradável e útil
:pela 'experiência da revolução' do que escrever sobre ela".' Compara-
que se seguiria à tomada do poder pelos bolcheviques, a obra parece
'te da realidade. Mas Lenin ficou feliz por ser publicada mesmo depois
'overno bolchevique ter começado. É razoável considerá-Ia parte de seu
a de crenças, em vez de uma dissimulação por motivos táticos, já que
ve qualquer relevância imediata para a tarefa de se manter no poder.
tá claro que Lenin acreditava não apenas na ditadura do proletariado
. bora, como Kautsky sugeriu, em um sentido diferente de Marx -
"também no definhamento total do Estado. Mesmo que negue ser um
~ta, Lenin oferece provas do utopismo que acompanhava sua brutali-
escrevendo que "somente o comunismo torna o Estado absolutamente
ecessário, por não haver ninguém a ser suprimido - 'ninguém' no
:dode uma cla~se ..."2 Ele aceitava que pessoas fossem culpadas indivi-
mente por "excessos", mas nenhum dispositivo especial de supressão
.necessário para lidar com elas. Isso seria feito "pelas próprias pessoas
adas", Além do mais, "a exploração das massas, sua vontade e sua
'reza" é que eram a causa dos "excessos". Com a remoção dessa causa,
excessos inevitavelmente começariam a 'definhar'".' Se Marx falara de
:aprimeira - ou inferior - fase da sociedade comunista, Lenin preferia
,amar a primeira fase de "socialismo" e o estágio posterior de "comu-
mo".' Nessa fase posterior, a liberdade se combinaria à igualdade e a
.'tinçãoentre trabalho mental e físico desapareceria - juntail1ente com o
80 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
I,
I
i
Estado. "Enquanto o Estado existir", escreve Lenin, "não haverá liberdade.
Q~§!!:ldo houver liberdade, não haverá Estado algum."?
',,o Estado e a revolução de Lenin tem sido frequentemente considerado
urnà prova de um Lenin libertário ou democrático, e tem sido contrastado
com o Lenin de Que fazer?, com sua ênfase na hierarquia e na disciplina
dentro do partido revolucionário. Tem sido usado para sustentar a alegação
de que ele era um "humanista revolucionário", bem C9mO pOI: aqueles que
querem disranciá-lo da maneira como o sistema soviético s~desenvolveu
depois de sua morte." De maneiras contrastantes, tem sido avaliado como "o
alcance culminante do pensamento político de Lenin no período mais tardio
,de sua vida"? e como "o mais ingênuo e improvável de todos os famosos
panfletos políticos'Vt) argumento mais essencial é de que mesmo nessa obra
de reflexão sobre o Estado, com seu aparente apoio a uma democracia mais
plena e mais libertá ria do que até então se vira no planeta, Lenin rejeita
qualquer tipo de pluralismo político. Ele ignora o fato de oue as liberdades
dependem de instituições capazes de defendê-Ias. O Estado e a revolução
foi adicionado aos fundamentos doutrinários do que se tornou um regime
extremamente autoritário (e mais tarde totalitário). Como A.]. Polan obser-
vou corretamente: "A ausência central na política de Lenin é de uma teoria
de instituições políticas [...]. A forma do Estado de Lenin é unidimensional.
Não permite nenhuma distância, nenhum espaço, nenhuma apelação, ne-
nhuma verificação, nenhum equilíbrio, nenhum processo, nenhum atraso,
, nenhuma interrogação e, sobretudo, nenhuma distribuição de poder."?
A rejeição às instituições que sustentariam a responsabilização, as liber-
dades individuais e o pluralismo político se tornou uma característica dos
sistemas Comunistas. Mas as ideias e os objetivos utópicos dos Comunistas
exerceram sobre seus simpatizantes uma atração poderosa. A chegada dos
bolcheviques ao poder na Rússia, em 1917, não foi apenas uma questão de
disposição para usar a força contra o governo provisório. Não foi simples-
mente um resultado das dificuldades econômicas, e menos ainda algo que
tivesse sido economicamente determinado. Não foi também uma questão de
habilidade tática e força de vontade de Lenin e Trotski, embora isso tenha
_sido importante. !9i, além de todas essas coisas, uma vitória de ideias - da
- ideia de que o capitalismo estava condenado, da crença de que o proletariado
 estava destinado a suplantar a burguesia como classe dominante e construiria
. o socialismo antes de se fundir e formar uma sociedade sem classes, autoadrni-
! nistrada, ostentando o nome de "comunismo". Para uma parcela significativa
dos trabalhadores jovens, bem como dos intelectuais, esta foi uma doutrina.
, i'
1,1
'I
il~;. ·CONSTRUINDO O SOCIALISMO·, A RÚSSl.... 81
~J~~~,linspiradora. Aqueles que a adotaram acharam fácil desprezar as instituições
:t~}fJ~~r1amentares e judiciais ne.ces~árias p,ara proteger as Iibe~dades individuais
:';'~,~;i:i~;;comose elas fossem meras ilusões de otica da "democracia burguesa". I
Yi:~'~r(A democracia efêrnera, e de algum modo anárquica, inauguradapela
, ."::'? ~RevoluçãO de Fevereiro poderia muito bem - considerando o descontenta-
:iliento na sociedade russa - ter levado também a uma mudança com di-
.nsão revolucionária, mesmo na ausência de Lenin e Trotski. Se a eleição
Assembleia Constituinte, em que os bolcheviques obtiveram apenas
'quarto dos votos, tivesse tido permissão para vigorar, um governo
I.ialista não Comunista teria surgido. Suas ideias teriam sido diferentes,
'~ém, daquelas que, após a morte de Lenin, tornar-se-iam conhecidas
o marxismo-Ieninismo. As próprias ideias de Lenin não permaneceram
'ticas, e em seus últimos anos ele teve que modificar algumas delas à luz
(brcunsrâncias. Mas mesmo quando fez um grande recuo na política
nômica, na tentativa de rranquilizar o maior grupo social do país-
~~mponeses - ele não apenas intensificou a repressão aos opositores
~~icos como rotulou pejorativamente a dissidência dentro do Partido
munista de oposição, e no X Congresso do partido, em março de 1921,
larou que era hora de "pôr a tampa" nessa oposição. lU
,;O Congresso de março aconteceu quase imediatamente depois da Re-
- e Krons,!.,a_Qt,uma rebelião de marinheiros na base naval que estivera
:ianguarda da militância bolchevique em 1917. Em 1921, os anseios
. .manifestantes eram essencialmente democráticos, e nem um pouco
,ráveis à restauração do antigo regime, como sugeriu a propaganda
hevique contra eles. As principais reivindicações dos marinheiros de
-nstadt eram uma reeleição imediata dos sovietes por voto secreto, liber-
.e de expressão e de reunião, sindicatos livres, rações iguais para todos
,ermissão aos camponeses para fazer o que quisessem com as terras,
esde que não usem nenhum trabalho contratado"." Em um momento de
:nqueza no Congresso de março de 1921, Lenin chegou a admitir que
.rebeldes de Kronstadt "não querem os Guardas Brancos e não querem
mbérn nosso poder"." Ele estava também cada vez mais preocupado com
:grupos do Partido Comunista que questionavam o modo como as coisas
avam indo, entre os quais o Oposição dos Trabalhadores, liderado por
,lexander Shlyapnikov. Não era bem uma facção organizada, mas aqueles
..,;e pertenciam a esse grupo queriam que sindicatos e representantes dos
~balhadores controlassem a indústria. Foram recebidos com a alegação
',e que somente o Partido Comunista podia estar na vanguarda do prole-
82 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
tariado, do contrário as "massas trabalhadoras" não conseguiriam resistir
às "pequenas vacilações burguesas" e seriam vítimas dos "preconceitos
sindicais"." Discordar de políticas importantes era algo essencialmente
classificado como facciosismo ou oposição. Facções organizadas eram
identificadas quando mal existiam, e uma resolução sobre a "unidade do
partido" deslegitimou a dissidência dentro de suas linhas, embora só nos 'I
anos 1930 isso passasse a ser considerado traição. 14 .
Lenin, a NEP e a ascensão de Stalin
oaperto de parafusos político no X Congresso foi acompanhado, porém,
de uma liberalização econômica. A tentativa, feita logo depois da revolução
bolchevique, de nacionalizar toda a indústria e negar aos camponeses o
direito de comercializar havia sido desastrosa. Havia famintos em muitas
partes do país e uma inquietação crescente. Consequentemente, Lenin
lançou a Nova Política Econômica - logo conhecida como NEP* - no
Congresso de março de 1921. Em maio daquele ano, o decreto que na-
cionalizara toda a indústria de pequena escala foi revogado. O Partido
manteve o "alto-comando" da economia - a indústria de grande escala,
o sistema bancário e o comércio exterior - mas, em um recuo de grandes
proporções, introduzia agora "uma forma de economia mista, com uma
agricultura predominantemente privada, além de comércio privado e pro-
dução privada em pequena escala legalizados".'! Ao longo dos anos 1920,
a economia se recuperou, com a agricultura em particular se beneficiando
das novas liberdades. Entretanto, aqueles que lucraram com a restauração
parcial do capitalismo em escala pequena se tornaram conhecidos como
homens da NEP e ficaram em geral ressentidos.
O ano de 1922 foi especialmente significativo. Em abril, ]osif Stalin foi •
escolhido, com aprovação plena de Lenin, para ocupar o novo cargo de
secretário-geral do Partido Comunista. Na época isso não pareceu ser um
acontecimento tão monumental, mas Stalin se tornou a única pessoa a ser
membro dos três principais organismos executivos do partido: o Escritório
Político, ou Politburo; o Escritório Organizacional, ou Orgburo; e o Secreta-
riado. O Orgburo foi fundido com o Secretariado em 1952, mas o importante
é que a partir de 1922 Stalin chefiou o Estado-Maior do partido, liderando
"Sigla em inglês para New Economic Policy. [N. do R. T.]
'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA ... 83
t.~.:~i.{~~jO· Orgburo quanto o Secretariado. Como o Politburo - do qual Lenin<0.<., ãríto
. :·5:.J;:;:: .membro com maior autoridade - era, em princípio, um órgão mais
. J'<''-éfl:' o .
~~. "~oecomo grande pa rte da política era elaborada no Sovnarkom, presid ido
,':~ ':ó;Lenin, não ficou imediatamente óbvio em 1922 quais eram as alavancas
~~'~pôderde grande potencial que estavam sendo postas nas mãos de Stalin.
(,itibtanto, o poder já estava sendo transferido do Sovnarkom para os ór- .
;Y~ó~.dopartido. O autor de um importante estudo sobre os primeiros cinco
'do Sovnarkom observa que "em 1921, o Comitê Central e seus órgãos
;'~osestavam a caminho de se tornar o verdadeiro governo da República
'tca, enquanto a hierarquia dos funcionários do partido despontava
'o instrumento-chave de domínio em todo o país"."
;'ótencial que o Secretariado-Geral representava teve uma oporruni-
'inda maior de se tornar realidade quando, em maio de 1922, Lenin
. m derrame. Este foi o segundo dos três acontecimentos com imensas
uências de longo prazo que ocorreram naquele mesmo ano, sendo o
'iro a ascensão de Stalin ao cargo de secretário-geral. Lenin reassumiu
brigações no outono, e no fim do ano se tornara tão crítico da arro-
'a de Stalin que concluiu que fora um erro pôr nas mãos do georgiano
eres substanciais do Secretariado-Geral. Ele não era contra esses
S, mas contra o contínuo exercício destes por Stalin.'? Não consegu iu,
rti, fazer o que queria: afastar Stalin do cargo. Sua saúde enfraquecera
llíke um novo derrame em março de 1923 pôs fim efetivamente à sua
ira política. Morreu em janeiro de 1924. Com Lenin fora do caminho,
;':passou o resto dos anos 1920 desacreditando seus rivais (muitos
tais haviam subestimado tanto sua habilidade quanto sua ambição)
,solidando seu poder. Trotski - embora tivesse desempenhado um
}mais importante do que Stalin em 1917 e na guerra civil, período
nte o qual os dois entraram em choque com frequência - destacou-se
eaqueles que cometeram o erro de ignorar a inteligência e a habilidade
rica de Stalin, bem como de subestimar a importância da base política
. este adquirira no Secretariado."
~Oterceiro acontecimento de grande importância a longo prazo aconteceu
:fimde1922....>quando as quatro repúblicas sob governos comunistas - a
'blica russa, a Ucrânia, a Bielorrússia e a Transcaucásia - juntaram-se
, a formar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - a URSS, ou
pião Soviétic~,-~~;;-õ's~tornõu mais co~heci.d~JYõõiTie1õideliberadamente
.'',blhidopara evitar a menção de qualquer nacionalidade específica, uma vez
•ue a ideia por trás do nome era de que aos poucos outros países se tornassem
; I
I
I.
84 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO
parte da nova entidade socialista. A URSS foi criada como uma federação"
embora ao longo de quase toda a era soviética tenha sido um Estado altam€nte:'
centralizado, longe de corresponder aos critérios normalmente associados ao
federalismo. Entretanto, dentro dessa federação formal que, nas palavras de
Stalin, seria "nacional na forma, socialista no conteúdo", abriram-se novas
possibilidades para o florescimento de culturas e línguas nacionais."
~.Esse último acontecimento teve um significado a longo prazo. Antes de
1917, por exemplo, no caso importante da Ucrânia-,o nisso era a língua .
de alfabetização - até onde isso era possível, -já que em 1920 apenas 24 "
por cento da população ucraniana eram alfaberizados.ê" Apesar da falta
de livros escolares e de outras dificuldades, essa realidade mudou nos anos,
1920. Em 1927, 76 por cento dos alunos da república ucraniana frequen- ~
tavam escolas de língua ucraniana." Alguns dos muitos idiomas falados!
na Rússia só receberam uma forma escrita na primeira década depois da •.
guerra civil. A política soviética, principalmente de 1922-23 em diante, era,
reconhecer os numerosos territórios nacionais onde predominava uma ou !
outra das muitas nacionalidades diferentes do país e treinar e promover
a posições de liderança pessoas que pertenciam à nacionalidade local. Ao J
mesmo tempo, foram tomadas medidas para estabelecer a língua local como i
língua oficial nos territórios." As duas medidas tiveram consequências im- :
portantes a longo prazo. Embora a partir do início dos anos 1930 e até pelo
menos a morte de Stalin fosse haver uma reversão substancial na política
de "indigenização" dos anos 1920, o Estado comunista haviaplantado .
.as primeiras s@e.ºg!~<!e_§~.a.jerradeira destruição, tanto 'p~o~ovend~ a
disseminação da educação qua-õrõ-iõserlnâoestruturas nacionais em seu
sistema institucional a partir da constituição de 1922 em diarife.:
Stalin havia sido comissário para nacionalidades no governode Lenin e se
considerava - e era considerado - um especialista nessa questão. Ao longo
do tempo, porém, suas opiniões tomaram uma direção próxima ao chauvi-
nismo russo. Conforme observado anteriormente, Stalin era um georgiano
cujo nome original era Djugashvili, sendo o nome Stalin apenas um de seus
pseudônimos pré-revolucionários, derivado da palavra russa para aço (stal').
Ele se tornou um admirador dos mais fortes e severos czares, que haviam
governado com mão de ferro o território russo e o expandido, principalmente
Ivan, o Terrível e Pedro, o Grande. Em outros aspectos também, Stalin se
afastou das ideias e práticas de Lenin. Diferentemente de Lenin - bastante
disposto a empregar a arma do terror contra opositores da revolução bol-
chevique, mas contente por vencer discussões com seus opositores dentro do
"CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA _ 85
r.i;h' -"'d Stall'n na época em que se sentia suficientemente poderoso, em
~.~" 'rtl 0- , "
')j~i'P~, danos 1930 usou o terror contra seuscompanheiros bolcheviques.
*.0'." eados os' .
_ ~'~L"bém acabaria permitindo que um culto à sua personaltdade chegasse a
r~;Ip No fim dos anos 1930 isso incluiu até a atitude de as pessoas se
tremos. ' ._ " ~',
.' ,.. prontamente em reuruoes publicas e conferenCias, cada vez que
'~vantarem , , ' ' " dos nc
'. . ra mencionado. Era "uma especie de cultura física que to os nos
,orne: disse Nikita Kruschev, sucessor de Stalin como líder soviético."
tamos , , I XV11 . " d
'rentemente de Pedro, o Grande, que no final do secu o ,.e II11CIOo
I buscou ideias avançadas na Europa, Stalin, em seus últimos anos,
tivou a propagação de uma versão absurda ,da história rus,~as~gu~do
'!todas as principais invenções científicas - normalme~te, atnbUld~s
~os marxistas ortodoxos esperariam) a países de economia e educaçao
- vançadas - haviam sido previstas por u~ russo.,. . .
rante a maior parte dos anos 1920, porem, Stalin fOIum leninista
inte ortodoxo. Embora Lenin tivesse sido pragmático o bastante para
Qf. um bocado do poder pós-revolução nas mãos do novo governo ~ o
ynarkom, como algo diferente do Partido C~mul1lsta.- ~~ucos marxls.tas
.',de 1917 haviam concedido um papel maior, em pnncipio, a um partido
,linado e revolucionário do que o próprio Lenin. Assim, o fato de o
o se revelar como um instrumento mais poderoso de domínio do que
erno (no sentido soviético do termo), como aconteceu nos anos 1920,
-.dificilmente estranho à tradição bolchevique. O que se tornou uma
ura do Partido Comunista não era chamado como tal pelos líderes
RSS. Eles descreviam seu governo tanto como um "poder soviético"
nto como uma "ditadura do proletariado". Também alegavam cada
'&ais, principalmente a partir da época da adoção da "Constituição de
h" em 1936 que o regime era democrático., , .
enhuma dessas três atribuições fazia muito sentido. Os sovietes tive-
, ,'alguma importância no ano revolucionário de 1917, mas ainda .assi~
()i.ó partido bolchevique que tomou o poder em novembro. A partir dai,
ovietes nunca foram os principais órgãos de poder político. Durante
primeiros anos pós-revolução, os ministérios (ou comissariad~s, como
im conhecidos) foram talvez ainda mais importantes do que a liderança
9partido nas decisões políticas, mas isso mudou em 1921. Nos anos sub-
:quentes, ficou especialmente claro que a liderança do Partido Comunista
n,ha poder e autoridade superiores aos do Sovnarkom (que em 1946 se
'.fnou Conselho de Ministros).
"."Ditadura do proletariado" também não era um nome apropriado. ?
.rOletariado em geral não podia ditar. Era o Partido Comunista que fazia
86 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
isso em nome do proletariado. A liderança do partido simplesmente assumiu
que representava a vontade dos trabalhadores - ou, pelo menos, a "verdn.
deira vontade" deles, se pelo menos reconheciam os verdadeiros interesses
deles - e substituiu o verdadeiro proletariado por ela própria. Para uma
"ditadu ra do proletariado" ser compatível com uma noção mínima de de-
mocracia, seria preciso presumir, primeiro, que 00 proletariado constituía a
maioria absoluta da população, o que na URSS dos anos 1"920 estava longe
de ser verdade (em 1926, os moradores urbanos ieprésentavamapenas 18
por cento da população), e, segundo, que dentro do proletariado não havia '
diferenças de opinião reais e persistentes, algo que nunca foi verdade na
Rússia nem em qualquer outro lugar.iK"noção de unidade de opinião den-
tro de qualquer classe trabalhadora, não importa como ela seja definida, é
dificilmente menos fantasiosa do que a ideia de que um consenso universal
seria alcançado na sociedade comunista do futu~~~4
~_.. --.:.
A revolução de Stalin
As concessões feitas aos camponeses pela Nova Política Econômica não
foram populares entre muitos cidadãos comuns Comunistas. A partir de
meados dos anos 1920, Stalin assumiu duas posições importantes criadas
por ele mesmo. A primeira delas era a possibilidade do "Socialismo em um
só país". Ou seja, ele argumentou que mesmo sem revoluções em países
industriais avançados, a URSS poderia prosperar de maneira independente.
Isso lhe deu uma arma política para atacar Trotski, cujo internacionalismo
podia ser representado como uma falta de patriotismo. A linha de Stalin foi
bem aceita entre os trabalhadores do partido que não gostavam da ênfase
de Trotski na necessidade de os comunistas tomarem o poder em outros
grandes países europeus.o A segunda - e intimamente ligada _ ênfase de
Stalin foi na importância primordial de uma industrialização veloz, acom-
panhada de uma coletivização forçada da agricultura. Entre 1928 e 1932,
cerca de 12 milhões de pessoas deixaram suas vilas, principalmente homens
jovens.w Algumas foram enviadas para trabalhos forçados por resistirem
à coletivização, ou foram presas como kulaks, nome dado aos camponeses
mais ricos. "Kulak" era, porém, algo tão imprecisamente definido, que
qualquer pessoa que se opunha à incorporação compulsória de sua vila,
juntamente com outras vilas, a uma única e vasta fazenda coletiva podia ser
enquadrada nessa categoria. Outros camponeses migraram voluntariamente
para as cidades visando a indústria em desenvolvimento.
·CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIAo_o 87
'. d c ndeu uma guerra indiscriminada contra os kulaks e a im-alto ele _ ~ _
;ão de uma coletivizaçâo brutal- até a resistencia dos camponeses
al
ç
fazer um recuo tático. Em muitas regiões, os camponeses.pre-- O a I __
;' atar os animais de suas fazendas a colerivizá- os. Nos primeiros
;> IDs de 1930, houve mais de 1.600 casos de resistência armada." Em
ese I' - d to -"bro de 1929, Stalin disse: "Passamos de uma po itica e imitar as o
. xploradoras do kulak para uma política de eliminar o kulakelas e
lâsse." No início de março de 1930, ele já estava adotando uma
lferenre, escrevendo um artigo para o principal jornal comunista,
,o qual dizia que alguns camaradas, em sua busca de coletivização,
''cado "tontos com o sucesso". Hipocritamente, ele reclamou que
. usado a força de maneira inapropriada na criação de fazendas
fi vez de permitir aos camponeses uma escolha."
tíivização forçada e a revolta maciça no interior tiveram consequên-
í~eis. Milhões de camponeses foram arrancados de suas terras e, no
':930, pelo menos 63 mil "chefes de família" haviam sido presos e
'dos. Muito mais de um milhão de "kulaks" foram deportados entre
'início de 1932.29
A coletivização aconteceu mais rapidamente na
.do que na república russa, e quando a fome atacou, como resulta~o
ísição de grãos pelo Estado e dos tumultos no interior, a Ucrânia
iialmente atingida. No verão de 1933, cerca de cinco milhões de
.haviam morrido. Corpos jaziam à beira das estradas e houve ca-
:anibalismo. A fome atingiu seriamente o norte do Cáucaso e o
istão, além da Ucrânia, e foi resultado direto das políticas adotadas
b5.cou - a combinação de coletivização compulsória e apreensão
~os por autoridades centrais para alimentar as cidades e até para
ação, enquanto as pessoas no interior soviético morriam de fome;!!]
dicalização dá política foi acompanhada pela consolidação do po-
"·Secretariado-Geral. Por ordem de Stalin, Trotski foi enviado para
[io interno na União Soviética em 1927 e expulso do país em 1928.
fio resto de Sua vida no exterior, escrevendo críticas eloquentes ao que
~:oude "a Revolução Traída" e "a Escola de Falsificação de Stalin"."
'ora grande parte do que escreveu sobre a União Soviética fosse verdade,
algumas profecias bastante erradas. Por. exemplo: no fim dos anos
acreditava que se a União Soviética se envolvesse em uma grande
a, isso levaria à derrubada do regime de Stalin, quando na verdade a
nda Guerra Mundial fortaleceu a ordem política stalinista. Embora
Ún tivesse muito mais coisas para pensar do que em Trotski, o fato de
88 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
que este estava fora do alcance de sua visão nunca significou que estivesse
fora ~~ sua cabeça. Com a ajuda de seus espiões, ele monitorou de perto
as atividades de seu rival derrotado durante as diversas viagens deste n
. o
extenor. Em 1940, a polícia secreta soviética conseguiu se infiltrar no am-
biente de Trotski no México, e um dos assassinos da polícia o matou Com
um golpe de picareta de gelo. .
Na fase da Nova Política Econômica de concessões aos -campones-g .
Stalin tivera o apoio de uma das outras grandes figuras da liderança bol-:
chevique, Nikolay Bukharin, que era, porém, um entusiasta muito mais'
autêntico da NEP. Lenin havia visto essa mudança de rumo como um
recuo estratégico, e não tático - consequentemente, como algo que pre-
cisaria durar várias décadas. Bukharin compartilhava essa opinião. Com'
sua disposição para tolerar concessões à iniciativa privada, Bukharin era:
considerado, no fim dos anos 1920, uma pessoa que estava à "direita" do'
partido. Ele fora um aliado de Stalin na luta contra Trotski, que chefiava.
a "oposição de esquerda". Stalin, em contraste, conseguira se caracterizar:
durante grande parte dos anos 1920 como "cenrrista" e, depois de derrotar
a "esquerda", voltou-se para a "direita".
Isso envolveu uma mudança fundamental da política, não apenas o
acerto de contas com potenciais rivais. As mudanças foram tão radicais
que têm sido alternadamente descritas como uma "revolução de cima para
baixo", "revolução de Stalin", "a segunda revolução", ou (sem fundir as
revoluções de fevereiro e outubro) a "terceira revolução". Simultaneamente,
com a dramática mudança na economia, houve uma "revolução cultural"
envolvendo uma revolta maciça de profissionais liberais e um esvaziamento
de estudantes e professores de origem burguesa em instituições de ensino"
, 32 O fi d .supenor. m os anos 1920 fOI marcado não apenas pelo abandono da
NEP e pelo início da coletivização forçada da agricultura, mas também, em ,
1928, pela introdução do Primeiro Plano Quinquenal, criado para acelerar
dramaticamente a industrialização da Rússia. Stalin não teve dificuldade "'
alguma para reduzir a influência de seu outrora aliado Bukharin, afastado do .
Polit~~ro em 1929. Embora Bukharin tenha mantido uma posição frágil no ,
Comitê Central do partido até meados dos anos 1930, Stalin o prendeu em ,1
1937 e em seguida, depois de um julgamento teatral, executou-o, em 1938 ..
Para comunistas reformistas posteriores, inclusive alguns em meados dos
anos 1980, Bukharin se tornou um símbolo de uma maneira não stalinista
de "co~str~ir o socialismo'Lv Embora pessoalmente honesto e corajoso,
Bukhann ajudara a construir um sistema fortemente autoritário que tornou
incontrolável o poder bolchevique (que se transformou no poder de Stalin).
.CONSTRUINDO o SOCIALISMO": A RÚSSIA .. , 89
'::ndiscurso em 1931 muito citado, Stalin, depois de se referir à URSS
~ossa pátria socialista", falou da necessidade de "desenvolver um
:bolchevique genuíno na construção da economia socialista", porque
i~~'que ficam para trás são derrotados" e "nós nos recusamos a ser
, os". Ele declarou: "Estarnos cinquenta ou cem anos atrás dos países
os. Precisamos cumprir essa distância em dez anos. Ou fazemos
,tindaremos."34 Como foi feita precisamente uma década antes de
oviética ser atacada por alemães nazistas, em 1941, a referência
, .avançar meio século, ou mesmo um século, em dez anos tem
tas vezes celebrada como um tributo a sua visão de futuro. Dez
:ais, a URSS de fato tinha uma base industrial que podia atender
i ;pIa indústria de armamentos, bem como recursos para vencer
ír'desesperada e longa contra a Alemanha.
o pago pela industrialização foi, porém, terrível. E Stalin não
:tão longe quanto acreditavam seus admiradores comunistas em
·~Wtdo.Ingenuamente, ele fez um pacto com Hitler em 1939 que não
que este rompesse com um ataque surpresa, como fez em junho de
despreparo da União Soviética para a guerra havia sido imensamente
o pelos expurgos de Stalin. Por algum motivo, ele confiou em Hitler
ue confiou em muitos altos oficiais que haviam lutado no Exército
o durante a guerra civil. No fim dos anos 1930, eliminou grande
sunidades de oficiais do Exército. Assim, a União Soviética sofreu
aiores nas primeiras fases da guerra no front russo do que teria
:,seuexército estivesse preparado e liderado de maneira profissional.
Transformação social e repressão .polltica
,mudanças políticas e sociais diferenciaram a União Soviética dos
30 daquela dos anos 1920. Na década de 20, Stalin, por meio de
..80S apelos aos membros comuns do partido, bem como por meio
e recursos do Secretariado, derrotou politicamente seus potenciais
'o Partido Comunista. Na década de 30, ele os destruiu fisicamente.
, rção da carnificina será mais comentada logo adiante, mas o regime
iveu não apenas devido ao brutal emprego do terror contra os inimi-
ssem eles reais ou imaginários. Prevaleceu também porque parecia
'.r a esperança de um futuro melhor, fazendo as pessoas acreditarem
istória estava do lado delas. Além disso, consolidou-se porque mesmo
Ó prazo houve muitos vencedores, bem como perdedores.
l
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! ti
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i
f~~' .90 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMOf~t!,jj,~,j , 'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA,." 91
Os Comunistas no poder empreenderam um grande programa educaJ(t~·::~..i' cllrsoS superiores e setornar profissionais em diversas ocupações - tais
'li; ''' ..,/,' j'Jjizer '
cional. Na época da eclosão da Primeira Guerra Mundial, menos de 40~'} '~:~;;c~moengenheiros, arquitetos, médicos e muitas outras especialIzações. O
por cent~ da população do Império Russo.era alfabetizada. Em 1926, eSSa ,;i:{,':i~normeimpulso à industrialização foi po_rsi só res.ponsá~el.r0r grande parte
proporçao aumentara para um pouco mais de 50 por cento, embora hou, ·lt~.;;F~ssamobilidade SOCIal- modernização ao estilo stalinista , Os aspectos
vesse grandes discrepâncias entre áreas urbanas e rurais e entre homens e ':aisterríveis do sralinismo também contribuíram a seu próprio modo para
mulheres. No interior - onde o grosso da população ainda vivia em meados ',.obilidade social. O expurgo de centenas de milhares de pessoas (muitas
dos anos 1920 - dois terços das mulheres eram analfabetàs:'s O início dos: ías mortas, outras enviadas para campos de trabalho forçado) produziu um
anos 1930 foi marcado por uma ênfase ainda maior do que a dos anos 1920 irieroequivalente de vagas. Na medida em que um número muito maior
no crescimento dos níveis de alfabetização. Estendeu-se o número de anos! ..'nte!ectuais e colarinhos-brancos do que de trabalhadores manuais era
que as crianças passavam na escola e foram criadas mais turmas de alfabe.·'inado nos expurgos, as perspectivas de ascensão dos novos beneficiá rios
tização de adultos. Enquanto em 1926 apenas 39 por cento das mulheres. ' ucação soviética aumentavam de maneira correspondente.
e 73 por cento dos homens na Rússia rural sabiam ler e escrever, em 1939, ' ~:1exanderZinoviev, que ganhou renome como estudioso no campo da
de acordo com fontes oficiais soviéticas, esses percentuais (possivelmente ta formal, e depois uma fama muito maior como autor de um relato
inflados, embora não se possa averiguar o quanto) haviam se tornado 79 astadoramente brilhante e satírico sobre a política e a sociedade so-
por cento no caso das mulheres e 95 por cento no caso dos homens." Nos icas, The Yauming Heights (cuja publicação no Ocidente, durante o
anos 1920, havia enormes diferenças nos níveis de alfabetização entre uma " 'Ódo de Brejnev, levou à sua demissão do trabalho acadêmico e à sua
nacionalidade e outra. Nessa época, 45% dos russos sabiam ler e escrever,'equente emigração para a Alemanha), descreveu o que aconteceu em
mas na outra extremidade da escala estavam quirguizes, uzbeques, cheche- ' própria família:
nos, turcomanos e tadjiques, que tinham índices de alfabetização inferiores '
a 5 por cento. Havia, em outras palavras, uma enorme divisão leste-oeste . ntes da Revolução,80 porcento, se não 90 por cento, da população russa
dentro do país, bem como uma divisão por sexo." 'a decamponesesqueviviamemnívelde subsistência,na baseda pirâmide
Juntamente com uma sociedade industrializada, o Partido Comunista' 'cial. Elestinham vidasmiseráveis,apenas um pouquinho acima do nível
. d . 'o·~s servos.A Revolução produziu mudanças. "o mecornoexemplo minha
estava mteressa o em errar sua própria nova elite, promovendo trabalha- .,. l'
d d
.i;Ópriafamília, queeradecamponeses.Comoresultadodacoletivizaçãoda
ores e camponeses e e ucando a eles e seus filhos. Nisso, o partido teve
sucesso. A União Soviética teve sete líderes em sete décadas, e somente o ' gricultura, meus pais perderamtudo o que tinham. Mas meuirmão mais
~1,i1Oacabou subindo e se tornando gerente de fábrica; o segundo irmão
primeiro tinha profissionais instruídos entre seus antepassados. O pai de Ifihegouà patente de coronel;outros três irmãos se qua i caram como en-
Lenin, conforme observado no capítulo 2, teve uma carreira tão bem-su- , h . . f d U' id d de M scou Ao mesmoen erros,e eu me tornei pro essor a nrversi a e 1 o .
cedida na Rússia czarista, que foi promovido à nobreza. Stalin era filho . empo, milhões de camponesesrussos receberam uma educação formal e
de um sapateiro beberrão que durante algum tempo trabalhou por conta. )lguns delesse tornaram profissionais,homens e mulheres.P
própria e depois em uma fábrica de sapatos. Dos quatro líderes soviéticos ':
restantes - Nikita Kruschev, Leonid Brejnev, Yuri Andropov, Konstantin .
Chernenko e Mikhail Gorbachev - apenas Andropov (filho de um funcio- .
nário administrativo da ferrovia) não vinha de uma família de camponeses
ou operários." Milhares de p~ssoas de origem modesta ocuparam cargos
em todos os níveis da hierarquia do partido.
De maneira mais geral, camponeses se tornaram operários e muitos ope-
rários se tornaram gerentes. Filhos de operários e, em menor proporção, de
camponeses tiveram a chance, em uma proporção até então impensável, de '
esar do terrível sofrimento infligido aos camponeses, muitos beneficiá-
':'sda rápida mobilidade social, inclusive o próprio Zinoviev, chegaram à
nclusão de que aquilo tudo valera a pena. Houve aqueles que tiraram um
Jhete menos afortunado na loteria da vida sob o regime de Stalin e tiveram
'a opinião diferente. Entretanto, o sucesso na construção da imagem de
!;:tlincomo uma figura rígida mas paternal foi tanto, que inúmeras vítimas à
'~~perada execução, ou realizando trabalhos forçados nos campo~, acharam
que ele interviria em benefício delas se ao menos soubesse o quanto elas
92 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO 'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA ... 93
estavam sendo tratadas injustamente. A maioria não culpou nem Stalin nem
o sistema, interpretando seu destino como uma falha no funcionamento do '
sistema, e não como uma característica do próprio sistema.
O enorme número de pessoas que foram vítimas do terror do Estado
nos anos 1930 excedeu muito o dos anos 1920. Nos característicos "jul-
gamentos teatrais", as vítimas eram espancadas para recitar um roteiro
preparado pela polícia política, admitindo crimes que não 'poderiam ter'
imaginado, e menos ainda cometido. Estes eram~ma invenção d~ era do'
"alto stalinismo" - o período que vai de meados dos anos 1930 até a ,;
morte de Stalin. Mas naquela época, até mesmo um indício de oposição I
a suas políticas por parte de membros do Partido Comunista governanrs
levava à prisão e, geralmente, à execução. Embora a ideia de assassinar
seus camaradas do partido tenha sido impensável para Lenin, foi ele quem!
serviu de instrumento para acionar a brutal máquina mortífera que Stalin .
"criativamente desenvolveu".
Em dezembro de 1917, uma reunião do Sovnarkom presidida por Lenin f
estabeleceu a Cheka. Não houve sequer um decreto criando essa predecessora ;
do NKVD e do KGB. A rigor, a Cheka não tinha uma base legal, mas isso não I
inibiu seu funcionamento. Os principais propulsores da fundação desse braço
político e punitivo da polícia do Estado foram o próprio Lenin e o revolucio-
nário polonês que se tornou o primeiro chefe da Cheka, Felix Dzerzhinsky.t"
A disposição de Lenin para usar a violência de maneira brutal é ilustrada em .
uma carta enviada por ele a Vyacheslav Molotov, que mais tarde se tornaria
um dos aliados mais próximos de Stalin, presidente do Sovnarkom e ministro '
do Exterior soviético. Escrevendo em 19 de março de 1922, Lenin declarou:
"Quanto mais representantes do clero reacionário e da burguesia reacionária
conseguirmos matar, melhor. Neste exato momento, precisamos ensinar a
esse público [essa lição], para que durante várias décadas eles sequer ousem
sonhar em qualquer resistência.?" Ainda assim, o uso do terror por Lenin
foi muito mais seletivo do que por Stalin, e foi direcionado contra opositores
da revolução bolchevique, e não contra aqueles que a apoiavam (como foi o
caso de dezenas de milhares de vítimas de Stalinj.?
O primeiro julgamento de pessoas que realmente haviam colaborado I
com autoridades soviéticas foi o de engenheiros de origem "burguesa" con-
siderados culpados desabotagem, em 1928, no que ficou conhecido como
Julgamento de Shakhty. Mais de cinquenta engenheiros e técnicos que í
trabalhavam na bacia de Donetsk (Donbass), na Ucrânia, foram acusados
de sabotagem. O julgamento marcou o lançamento de uma campanha
~ada contra "destruidores", embora a maioria das provas de sabo-
': ~deliberada contra os acusados de Shakhty fosse frágil. Aqueles que
'~~~ram o crime o fizeram sob pressão. Cinco dos réus de Shakhty
"leXecutados em julho de 1928 e a maioria dos outros ficou presa.
"foram libertados.43
Comparados ao período entre 1928 e 1931, os
"uatro anos que se seguiram - entre 1932 e o primeiro semestre
.~foram uma espécie de pausa para respiração antes dos Grandes'
&~de 1937-38.
'.
MULHERES NA SOCIEDADE SOVIÉTICA
·asmuitas transformações sociais ocorridas nesse período da história
.~,uma das maiores foi a da posição das mulheres. Essa transfor-
'tai,rflIonge de ser a autêntica libertação das mulheres proclamada
. aganda soviética, mas um dos primeiro atos dos bolcheviques
, foi pô-Ias em pé de igualdade legal com os homens. Embora as
tenham sido levadas para a força de trabalho industrial e espe-
.~ da União Soviética em uma proporção muito maior do que na
'pré-revolução, a maioria delas, que era de camponesas, há muito
,desempenhava um papel importante na economia rural- partici-
~da ceifa, da limpeza dos terrenos e do enfardamento do feno, bem
cuidando da horta, além de assumir praticamente todas as tarefas
tjcas, incluindo cuidar dos filhos." Mas, fosse casada ou não, a
'n~o tinha direito a heranças - exceto seus dotes de noiva e alguns
s domésticos - enquanto um parente do sexo masculino vivesse
'a.em algumas regiões tenha havido exceções para viúvas]." Mudar
utura legal ajudou - ainda que devagar e muito parcialmente - a
r profundamente atitudes sociais enraizadas.
os primeiros anos do governo Comunista, o controle religioso sobre
rnento e o divórcio foi abolido, apenas o casamento civil era reco-
ido e o divórcio se tornou fácil e barato. O aborto foi legalizado em
,I embora fosse visto não como parte da libertação das mulheres, mas
q um mal necessário e temporário. O aborto sancionado pelo Estado
brigatório para ajudar a reduzir a grande incidência de mortes asso-
}.as a abortos ilegais." As mulheres sob o governo soviético hão apenas
~~am direito a um trabalho remunerado, como eram solicitadas a integrar
:9rça de trabalho, o que a grande maioria delas fez. Até a guerra estourar
tempo de guerra, as condições se tornaram devastadoramente piores),
I'
'I,
I
94 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO .CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA ... 95
as mulheres na União Soviética tinham que cumprir a famosa jornada du-
pla, combinando o trabalho em horário integral em fábricas, campos ou
escritórios com a responsabilidade total (mais frequentemente do que não)
pelas tarefas domésticas. E elas tinham que fazer isso sem os instrumentos
facilitadores do trabalho - cada vez mais disponíveis às mulheres ociden_,
tais - ao mesmo tempo que enfrentavam filas e escassez de produtos, o;'
que era parte indissociável da economia soviética. Isso, não simplesmente"
porque a URSS tinha uma economia de comando, e ~ão' de mercado.
. "
mas porque as prioridades políticas dos planejadores estavam na esfera da ,:
indústria pesada e de defesa, com um concomitante subdesenvolvimento do
setor de serviços e da produção de bens de consumo." O aspecto positivo
foi que a rápida melhoria das oportunidades de educação para as mulheres'
permitiu a uma minoria significativa delas obter qualificações profissionais e .
oportunidades de carreira que antes de 1917 estavam disponíveis a poucas.
Outras, porém, viram-se realizando pesados trabalhos braçais que antes
não eram desempenhados por mulheres, pelo menos no ambiente urbano. ,
Nos anos 1930, outras mudanças legais e sociais ocorreram na posição '
das mulheres na sociedade soviética. Paradoxalmente, Stalin - à luz de ,
sua notável contribuição para reduzir o número de cidadãos soviéticos por
meio de execuções - ficou preocupado com o tamanho insuficiente da
população. As condições de vida eram tais - apartamentos comunitários '
apertados nas cidades, em conjunção com a jornada dupla das mulheres
- que para os moradores urbanos era extremamente difícil ter famílias
grandes. As autoridades soviéticas decidiram que a resposta a esse problema :
era tornar o divórcio mais difícil, o aborto ilegal e celebrar a família como
instituição. Um decreto de junho de 1936 proibiu o aborto, exceto quando
houvesse fortes motivos médicos, e em novembro do mesmo ano as exce-
ções se tornaram sujeitas a critérios mais rigorosos. Essas medidas foram !
acompanhadas de uma ampla campanha de propaganda sobre os perigos
do aborto, sem qualquer referência aos riscos ainda maiores de interromper
a gravidez com praticantes de aborto ilegais. Foram oferecidos incentivos
financeiros a famílias grandes, sendo o bônus especialmente alto para cada
filho além dos primeiros dez de uma família. Os beneficiários dessa genero-
sidade do Estado eram predominantemente camponeses, e não moradores
de cidades. Os últimos, no entanto, se beneficiaram de uma ampliação das
creches e clínicas pediátricas, como parte do incentivo à natalidade." Na '
mídia soviética, havia uma nova ênfase à santidade da família. Como ob-
servou David L. Hoffmann, "Em meados dosanos 1930, a percepção das
.~, idades soviéticas sobre as famílias evoluíra. Elas não apenas viam as
~ias fortes como um meio de maximizar o índice de natalidade como
:aram a achar que a família devia incutir os valores e a disciplina so-
os nos filhos e, portanto, atuar como um instrumento do Esrado.?"
.bora tivessem alguma coisa em comum com as políticas pró-natali-
de outros países, as políticas soviéticas para promover uma taxa de
idade maior tinham também características distintas. As mulheres
incentivadas a continuar trabalhando durante a gravidez e a voltar ao
lho depois do parto. Em 1936, o Politburo aprovou um decreto que
'ti·delito criminal recusar trabalho a uma mulher grávida ou reduzir
'fgamento durante a gravidez. E "em nenhum momento, durante a
ha para aumentar a família, as autoridades soviéticas sugeriram
gar da mulher era em casa"."
.lÍtica cultural mudou em vários aspectos nos anos 1930, inclusive na
. ntação visual das mulheres. A mulher musculosa e totalmente vestida
'da em cartazes e na mídia durante o Primeiro Plano Quinquenal
igar, em filmes e jornais, a imagens de mulheres que enfatizavam a
Üidade.51 De maneira mais geral, os anos 1930 tiveram alguma reabi-
. dos aspectos da vida burguesa, entre os quais as danças nos salões.
to os anos 1920 produziram mais uma "alta cultura" marcante, o
o de 1932-36 teve uma expansão da cultura popular. O folclore -
vezes um pseudofolclore - foi oficialmente incentivado, sem, porém,
'"gredientes religiosos. A título de contraste, esta foi também a "era
lha do jazz", em que bandas ocidentais e soviéticas visitaram muitas
~S.52Apesar da doutrina do "realismo socialista", que deveria permear
'arte - e que na prática significava expor a degradação do capitalis-
lorificando a vida soviética e sustentando um otimismo obrigatório
'elação ao futuro da sociedade - houve alguma arte popular de massa
,,'te o período soviético. Nos anos 1930, aumentou muito o número
-lnemas na União Soviética, mas à medida que a década avançou, os
.es estrangeiros mais populares eram vistos cada vez menos. A virada
em 1936, quando a repressão aumentou. A cultura de massa soviética
ornou mais completamente "foldorizada" e as importações se tornaram
is profundamente suspeitas.P Os cidadãos soviéticos também foram
,resentados a uma versão artisticamente aprimorada e esterilizada de sua
~pria experiência pós-revolução. Como observou, porém, o historiador do
'ema soviético Richard Taylor, entre as duas guerras mundiais, as plateias
'URSS preferiam Charlie Chaplin, Buster Keaton, Douglas Fairbanks e
1__ --------------------------------------------
96 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO
Mary Pickford a "tratores e a história do que deveria ser, afinal de contas,
sua Revolução. Em outras palavras, preferiam escapar do realismo, pOr
mais irreal que o realismo pudesse, de fato, ser"."
A ditadura pessoal de Stalin
Em diversos aspectos, no fim dos anos 1920, e principalmente depois do
início dos anos 1930, houve um grande salto para trás, assim como para
a frente." A celebração da data oficial do quinquagésimo aniversário de
Stalin - 21 de dezembro de 1929 - foi marcada pelo lançamento do que
mais tarde seria chamado de "culto à personalidade". Embora isso tenha
ajudado a sustentar o poder exagerado de Stalin, ele achava que isso também '
se adequava à psique russa. Pode-se argumentar que estava, pelo menos, '
de acordo com uma forte tradição russa. As revoluções de 1917 "haviam
expulsado em rápida sucessão tanto o czar quanto Deus, esses antigos
apoios e focos de devoção". 56 Com a morte de Lenin, seguida rapidamente
da remoção de Trotski do poder e de seu subsequente exílio, o regime foi
privado de seus líderes mais inspiradores, embora fortemente autoritários.
Não era desejável recorrer à democracia como uma base de sua legitimidade,
já que isso teria levado à rejeição eleitoral e à derrota do projeto leninista,
conforme interpretado por Stalin. Dessa forma, como explica o historiador
britânico john Gooding:
[...] o regime sob Stalin tomou um rumo antibolchevique, mas profunda-
mente russo, de restauração do elemento carismático. Stalin fez isso com
tanto sucesso, que no fim dos anos 1930 grande parte da população se tor-
nara miseravelmente dependente dele. O objetivo de Lenin de um genuíno
apoio maciço e de uma ligação verdadeira entre o povo e os governantes foi,
assim, alcançado, mas alcançado por meios que nada tinham a ver com o
socialismo ou com as ambições originais dos bolcheviques.F
o XVII Congresso do Partido Comunista, realizado no início de 1934, foi
chamado de "o Congresso dos Vitoriosos". Aparentemente, os inimigos
internos haviam sido derrotados, a coletivização da agricultura fora con-
sumada e a rápida industrialização estava indo bem. O clima mudou com
o assassinato de Sergey Kirov, chefe do Partido Comunista em Leningrado
(nome dado à antiga capital, São Petersburgo - rebatizada de Petrogrado
durante a Primeira Guerra Mundial- depois da morte de Lenin). A morte
'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA." 97
.' de Kirov, em dezembro de 1<134, levou a uma onda de prisões. Tem
,~s. I do que o próprio Stalin foi responsável pela ordem de assas-
especu a , '
fo tanto porque talvez o temesse como potencial rival, quanto talvez
'o~ma desculpa para iniciar uma novaonda de terro:. ~enhuma prova
timplicidade de Stalin (fortemente insinuada ~or Nlkl~~ ,Kruschev em.
" o no XX Congresso do Partido Comunista Soviético, em 1956)
~~ ,
.~ém! apresentada, mesmo depois da abertura parcial dos arqul~os
ícos no fim dos anos 1980 e início dos 1990. Certamente, porem,
"e ~proveitou plenamente da atmosfera cri,ada pelo ass~ssinato de
ara acertar muitas contas. Alguns dos antigos bolcheviques mars
entes, que haviam se oposto a ele nos anos 1920 e antes, entre
'igory Zinoviev e Lev Kamenev, foram presos, embora não tivessem
~fálguma com a morte de Kirov. Ambos foram executados em 1936.
<':tigo bolchevique Zinoviev não tinha relação alguma com o escritor
der Zinoviev, cujo relato positivo sobre a ascensão profissional de sua
. já foi citado. O nome tipicamente ruSSO deste último era original,
rigory Zinoviev e Kamenev haviam trocado seus sobrenomes judeus
;~t'ros, russos. Embora a suspeita de Stalin sobre os judeus fosse se
'[ mais evidente nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, já nos
1930 a origem judaica não era recomendável aos seus olhos. Kamenev
~r~muito as coisas tanto por se casar com a irmã de Trotski quanto
a ocasião, oscilar na disputa entre Stalin e Trorski. No início dos anos
,ele apoiara Stalin contra Trotski, porém mais tarde, naquela década,
'imou-se da "oposição de esquerda". Foi expulso três vezes do Partido
'~(~ista, e nas duas primeiras readmitido. Sua última expulsão, em 1?34,
prelúdio de sua prisão, em 1935, e de sua execução no ano seguinte.
'"poder pessoal de Stalin aumentara durante a primeira metade dos
1930, mas foi com seus expurgos em massa, entre 1936 e 1938, que
ltimos vestígios do regime oligárquico deram lugar à ditadura pessoal.
tn0 observa o historiador russo (e veterano pesquisador dos arquivos do
;ado russo) Oleg Khlevniuk:

I


A tese do papel decisivo do "Grande Terror" na consolidação da ditadura
, pessoal de Stalin tem sido aceita há muito tempo na historiografia, e novOS
documentos a confirmam completamente. Valendo-se de órgãos punitivos,
. Stalin fezcom que vários membros do Politburo fossem executados e subor-
dinou seus colegas restantes com ameaças de violência a eles e suas famílias.
[...] Líderes mais jovens levados para o Politburo por Stalin ascenderam [..,]
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Revolucao e guerra civil na Russia

  • 1. 60 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO mente a legislação, e essas atividades eram "incompatíveis com uma dita- dura";" Ele foi veementemente atacado por se afastar da doutrina marxista ortodoxa, não apenas por Lenin, mas também pelos líderes do movimento social-democrata alemão, especialmente pela revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo, membro proeminente da Segunda Internacional e ativa não apenas na Polônia, mas principalmente na Alemanha. Karl Kautsky, cujos pais eram tchecos mas que viveu a maior parte de sua vida na Alemanha, também atacou Bernstein, mas de uma posição mais centrista que a da in- flamada Luxemburgo. Kautsky havia sido durante algum tempo um teórico marxista que admirava muito Lenin. Mas já em 1893 demonstrara uma atitude mais simpática com o parlamentarismo, escrevendo que "um regime parlamentar genuíno pode ser um instrumento tão bom para a ditadura do proletariado quanto é para a ditadura da burguesia".» Mais tarde, não apenas Kautsky, mas também a mais radical Luxemburgo - que atacara duramente Bernstein por sua noção de socialismo evolucionário - apon- tariam as implicações ditatoriais da tomada de poder na Rússia por Lenin e os bolcheviques, Esse acontecimento e as revoluções da guerra mundial que o precederam são o tema do próximo capítulo. ,: i· . , i I ; , : 3 As revoluções russas e a guerra civil Nem todos os delegados do II Congresso do Partido Operário Social-Demo- c~ata - discutido no capítulo anterior - estavam preparados para serem "Iassificados por Lenin como mencheviques nem como bolcheviques. Um 'volucionário que claramente não se encaixava em nenhum dos dois campos 'a Leon Trotski. Embora mais próximo dos mencheviques, e identificado ~111-~í~~,i;ots'ki não se juntou realmente a eles depois da divisão de 1903. anteve boas relações com mencheviques individualmente, mas entre 1903 .1917 foi "um revolucionário sem uma base revolucionária".' Enfatizava rticularrnente a necessidade de o proletariado russo ter uma causa em .~mum com o proletariado mais numeroso da Europa Ocidental, bem como f';':apoiodeste. Também era a favor de reduzir a um mínimo o período entre una "revolução burguesa" e uma revolução socialista. Em 1917, ele achou ue Lenin poderia adotar sua opinião sobre essas duas grandes questões e iu suas forças com os bolcheviques. Embora em seus poucos anos no po- ~r, depois da revolução bolchevique, tenha sido no mínimo tão autoritário uanto seuscolegas, Trotski foi um observador precoce dos perigos inerentes o modelo de organização de partido de Lenin, escrevendo em 1904: "Os métodos de Lenin levam a isso: primeiro, a organização do partido substitui ~~~si própria pelo partido como um todo; depois, o Comitê Central substitui ':',a si próprio pela organização; e finalmente, um único 'ditador' substitui a si . : próprio pelo Comitê Central.,"? Contrariando isso, a insistência de Lenin :';na "importância da centralização, disciplina estrita e unidade ideológica . dentro do partido" fazia algum sentido para um partido político que atuava como organização clandestina em um Estado policiaJ.3 Quando, porém, '.. até mesmo cinquenta ou sessenta anos depois de os Comunistas chegarem ao poder, políticos soviéticos invocaram Lenin em busca de apoio 'a seu partido estritamente disciplinado e rigidamente hieráquico, a implicação de que Lenin teria desejado ou esperado que essa forma de organização ."prevalecesse por tanto tempo era dúbia.
  • 2. 62 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO Entretanto, dificilmente seria fanrasioso identificar aqui °que cientistas políticos chamam de "dependência de caminho" - um padrão de aceitação de escolhas institucionais anteriores, embora feitas em diferentes circuns- tâncias e sob diferentes restrições. Houve uma lógica de desenvolvimento pela qual °partido bolchevique centralizado (com uma liderança que muitas vezes atuava em segredo) introduziu sua própria marca distintiva de governo ainda mais autoritário, depois de suplantar o antigo regime e ocupar os escritórios do Estado." Não apenas numerosos estudiosos mais tarde, mas também muitos contemporâneos de Lenin -entre eles ex-carnaradas desen- cantados - viram a antipatia de Lenin com "organizações de massa mais frouxas, que permitiam maior diversidade e espontaneidade" não apenas como uma questão de conveniência e necessidade tática, mas também como um reflexo de uma mentalidade autoritária.' Um desses contemporâneos, Nikolai Volski, que se juntara aos bolcheviques e se tornara leal a Lenin, rompeu com este porque já não aguentava sua intolerância e intemperança quando eles discutiam opiniões políticas que Lenin desaprovava.s De 1903 em diante, os mencheviques apontaram os perigos de uma ditadura inerentes à certeza absoluta de Lenin de que estava correto, somada à sua insistência em uma obediência disciplinada dentro do grupo bolchevique. A intolerân- cia de Lenin estava evidente muito antes de ele se tornar o primeiro líder da União Soviética. Nos últimos dois ou três anos de sua vida, ele estava mais aberto às dúvidas do que havia sido durante toda a sua carreira de revolucionário profissional." Os bolcheviques e mencheviques estavam longe de serem as únicas fac- ções em disputa no movimento revolucionário russo nas primeiras duas décadas do século XX. O partido que gozava de maior apoio entre os cam- poneses russos - que constituíam mais de 80 por cento da população - era o Partido Ssocialista Revolucionário, conhecido simplesmente como SR. Este surgiu nos anos 1890 como uma ramificação do movimento populista russo. Seu líder e principal teórico era Viktor Chernov, que argumentava que os camponeses precisavam formar o "principal exército" da revolução, mesmo que o proletariado estivesse na vanguarda. Chernov não era mar- xista. Queria evitar a chegada do capitalismo à Rússia. Assim como seus precursores populistas nos anos 1860 e 1870, acreditava que as comunas camponesas poderiam formar uma ponte para o socialismo na Rússia. Os marxistas, ao contrário, discutiam sobre a extensão que o capitalismo já alcançara no país. AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 63 A revolução de 1905 e os últimos anos da RússiaCzarista .A primeira das três revoluções que culminaram na tomada do poder pelos bolcheviques, no fim de 1917, teve como cenário condições sociais terríveis ("'DáS cidades russas, pobreza no interior e falta de direitos e liberdade po- ,IP;"líticos básicos. Nas últimas décadas do século XIX, estava havendo uma ;'d:"jndustrialização bastante rápida na Rússia, não obstante a predominância ':: 'numérica dos camponeses. Em 1861, a abolição da servidão (uma forma de .E:escravidão) envolveu concessões demais aos proprietários de terras - que " eriam privados de suas propriedades em termos de pessoas, mas-mantendo as terras - para que representasse um ajuste satisfatório para os campo- ses." Significou, porém, que agora os camponeses podiam deixar o interior procurar trabalho nas cidades, enquanto a indústria se desenvolvia. Assim, rgiu a primeira geração do proletariado industrial, ainda que fosse uma equena proporção da população total: um grupo social desorientado pela toca da probreza rural pela miséria da cidade. Uma depressão econômica, iniciada em 1899, trouxe mais motivos para descontentamento nos grupos de trabalhadores em expansão, e houve , andes greves (embora localizadas) em várias cidades russas nos primeiros "os do século XX.9 Além desses problemas internos, em 1904-05 a Rússia ravou uma guerra malsucedida com o Japão. Seu fracasso nesse conflito oi um grande choque para a elite política, bem como para a população em eral. Eles se consideravam uma grande potência europeia e, por definição, " onômica e militarmente superiores a qualquer Estado asiático. Embora "s dois lados fossem culpados pela explosão da guerra, os japoneses se mostraram mais eficientes para conduzi-Ia. A guerra terminou com o Japão assegurando mais espólios imperiais. Isso prejudicou a reputação do czar Nicolau II e aprofundou a sensação de crise política na Rússia.!" Um elemento curioso na luta política russa era conhecido como "so- cialismo policial". Tratava-se de um movimento incentivado por algumas autoridades, em parte por elas reconhecerem as reclamações populares como genuínas e em parte para roubarem o impacto dos revolucionários. Mas, paradoxalmente, foi uma marcha liderada por um misterioso líder do socialismo policial, um padre chamado Georgy Gapon, que desencadeou a Revolução Russa de 1905. No início de janeiro daquele ano, cerca de 120 mil trabalhadores estavam em greve em São Perersburgo e Gapon abraçou a causa deles. Em uma petição ao czar, eles reivindicaram "justiça e pro- teção", dizendo que estavam empobrecidos, oprimidos, sobrecarregados
  • 3. 64 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO e sendo tratados com desdém." Gapon conduziu uma grande procissão desarmada - muitos dos participantes eram trabalhadores em greve - em direção ao Palácio de Inverno, para entregar a petição. A marcha - que aconteceu em 9 de janeiro, de acordo com o calendário juliano usado na Rússia até 1918 (e ainda usado pela Igreja Ortodoxa), e em 22 de janeiro, de acordo com o calendário moderno - foi completamente pacífica, até seus participantes serem atacados a tiros por soldados instruídos a impedir que chegassem ao palácio. O czar não estava preocupado o bastante com o protesto e passava o fim de semana fora de São Petersburgo. Aquele dia ficou conhecido como o "Domingo Sangrento". Além da morte de muitos participantes da marcha, outros manifestantes pacíficos foram massacradós em diferentes áreas da cidade. Os rumores na época foram de que milhares de pessoas haviam morrido. Os números verdadeiros - aproximadamente duzentos mortos e oitocentos feridos - foram ruins o bastante.'? Este foi o começo do fim da autocracia. A reputação do czar nunca se recuperou completamente do Domingo Sangrento. Muitos que respeitavam Nicolau II agora o consideravam responsável pelo assassinato a sangue-frio de pessoas inocentes. O acontecimento deflagrou um ano de distúrbios revo- lucionários. Ao longo de 1905, as greves, manifestações e saques em casas de proprietários de terras foram diários. Os SR mataram um tio do czar, o grão-duque Sergei, que se tornara especialmente impopular ao defender a repressão. As pressões contra o governo vieram de vários setores - de sindicatos do comércio, de um sindicato de camponeses criado em meados de 1905 por incentivo dos SR e também de classes profissionais, que exi- giam alguma participação no governo. Assim, houve pressão tanto liberal quanto revolucionária. Uma fonte de pressão liberal foram os zemstvos, autoridades de governos locais formados por Alexandre II como parte das Grandes Reformas dos anos 1860. Mesmo com tantas forças voltadas contra a autocracia em 1905, ainda havia uma diferença vital em relação a 1917. Em 1905, grande parte do exército permaneceu firmemente ao lado das autoridades. Em 1917, o exército estava desorganizado e em revolta aberta. As greves constantes de 1905 culminaram em uma greve geral - a primeira do tipo - em outubro. Diante disso, o governo fez concessões, exortadas a Nicolau II por seu primeiro-ministro, o conde Sergey Witte, um conservador moderado. O czar emitiu o que se tornou conhecido como seu "Manifesto de Outubro", que concedeu liberdade pessoal à população em geral e propôs a eleição de uma duma nacional com base em ampla vo- tação. Mesmo em princípio, essa nova assembleia seria bem menos do que AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 65 parlamento. Podia "participar" da supervisão da legalidade introduzida pelo czar e seus ministros, mas não tinha uma supremacia legislativa clara. E-nem o czar nem seu governo eram responsáveis por ela. O Manifesto .erà um documento contraditório e refletia a confusão na própria mente de . Nicolau. O czar achou que havia protegido a autocracia ilimitada, embora ",Manifesto incluísse uma promessa de que nenhuma lei teria efeito sem a tprovação da Duma. A palavra "duma" deriva do verbo "pensar" em russo, "'as era evidente a falta de um pensamento claro em seu projeto institucional. '!Entre a eleição da primeira Duma, em 1906, e o ano de 1917, houve ; tro dumas, embora estas tenham representado uma restrição, e não uma pliação do direito ao voto. Assim sendo, o crescente controle das autori- es sobre a composição dessa assembleia legislativa reduziu o número de icos radicais nas duas últimas dumas. Mesmo em 1905, o Manifesto ;Outubro do czar não satisfez os liberais que surgiam na Rússia e foi fado com desprezo pelos revolucionários. Um dia depois da promulgação ;:Manifesto, dezenas de milhares de pessoas se concentraram em frente niversidade de São Petersburgo, estimuladas, nas palavras de Trotski, da luta e intoxicadas com a alegria de sua primeira vitória".J3 Trotski .scenta: "Gritei para eles da sacada para não confiar em uma vitória ,ompleta; que o inimigo era teimoso, que havia armadilhas à frente; guei o manifesto em pedaços e os espalhei ao vento."!" :Trotski teria um papel importante em uma instituição bem diferente ; surgiu em 1905 e que mais tarde teria repercussão política: a formação primeiro soviete. Embora "soviete" seja simplesmente a palavra russa .:raconselho, este adquiriu desde o início uma conotação revolucionária tido à sua origem, como uma comissão de greve em São Petersburgo, e eu nome completo: Soviete de Representantes dos Trabalhadores. De- 1s da prisão do primeiro presidente do Soviete, uma "presidência" foi .ita, sendo Trotski seu líder. Ele se tornou a principal força impulsora e ptelectual do Soviete, uma organização que seria habilmente ressuscitada m 1917. Trotski também estava formulando na época sua teoria da "revo- ução permanente". Em parte, esta era sua opinião, já insinuada, de que as ,revoluções "burguesa" e "socialista" iriam interagir uma com a outra e de que era preciso não perder tempo algum com a primeira antes de pressionar pela segunda. Além do mais, na Rússia de 1905, argumentou ele, foram "as greves dos trabalhadores que pela primeira vez puseram o czarismo de joelhos", e isso o levou a tirar conclusões otimistas sobre o Ocidente. Se
  • 4. I; 66 ASCENSAO E QUEDA DO COMUNISMO AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 67 "o proletariado jovem da Rússia pode ser tão formidável, como pode ser imenso o poder do proletariado dos países mais avançados!"." Quando, porém, Petr Stolypin foi nomeado ministro do Interior, em 1906, e quando, estando no cargo, tornou-se Presidente do Conselho de Ministros (ou primeiro-ministro) no ano seguinte, os revolucionários acharam que estavam diante de um opositor mais terrível do que a maioria das figuras nomeadas pelo czar, Stolypin empreendeuurila forte repressão, fechando jornais radicais e prendendo (e em alguns casos executando) dezenas de milhares de opositores do regime. Ele combinou isso, porém, com uma política de implementação de reformas. Em particular, instituiu uma importante reforma agrária destinada a tornar o camponês algo mais semelhante ao fazendeiro da Europa Ocidental. A política incluiu o rompimento da velha comuna de vila, conhecida como obshchina ou miro, que desde a abolição da servidão, em 1861, possuía coletivamente as terras onde os camponeses trabalhavam. O objetivo era dar prosseguimento a um movimento de delimitação e criar a propriedade de terra individual do cam- ponês. A reforma preocupou inúmeros revolucionários, entre os quais Lenin. Eles não acreditavam que esta poderia impedir que a revolução acabasse acontecendo, mas temiam que pudesse adiá-Ia por décadas. Entretanto, a reforma tardia foi menos bem-sucedida do que os liberais esperavam e do que os revolucionários temiam. A maior parte da elite do país se opôs e fez o máximo para miná-Ia. Os próprios camponeses inicialmente não se animaram a aceitar o risco de cultivar terras por conta própria, perden- do, assim, os recursos compartilhados (mesmo que de vez em quando isso significasse miséria compartilhada), proporcionados pelas comunas. Além disso, eles não confiaram na fonte ou nos motivos por trás daquela "emancipação" renovada. No fim das contas, Stolypin teve o apoio apenas de uma faixa estreita de conservadores liberais. Suas reformas foram longe demais para os tradicionalistas, sua propensão a dispensar a Duma e mudar o sistema eleitoral para obter uma assembleia mais complacente contrariou os liberais e os revolucionários tiveram bons motivos para considerá-Io um inimigo implacável. Stolypin quase foi assassinado em 1906 - no atentado contra ele, várias pessoas foram mortas e dois de seus filhos ficaram feridos. Embora 1906 e 1907 tenham sido considerados anos relativamente tranquilos em compara- ção a 1905, os assassinatos de autoridades por revolucionários continuaram em larga escala. Houve inúmeros assaltos a bancos, alguns deles liderados por Ioseb Djugashvili, com o objetivo de financiar o movimento revolucio- '~rio.16Esse bolchevique georgiano que estudara em um seminário religioso é ser expulso em 1899) se tornaria mais conhecido como Stalin, nome que eçou a usar no fim de 1912. O próprio Lenin aprovou vários assa ltos e .r considerou uma parte legítima da luta contra o czarismo. Como explicou a esposa, Nadezhda Krupskaya, "os bolcheviques achavam admissível :iIiaro tesouro czarista e permitiam expropriações". Os mencheviques, <~contraste,opunham-se fortemente aos assaltos a bancos." 'Em 1911, Stolypin acabou sendo assassinado, um destino que ele supu- ~,que teria desde a época em que se tornara presidente do Conselho de "lstros.18A pessoa que.atirou nele - em um teatro em Kiev, durante .'::apresentação comemorativa, na presença do czar - tinha ligações 'com socialistas revolucionários quanto com a polícia. Não ficou claro _oca para qual dos lados ele estava agindo, embora alguns indícios nrem na direção de membros da polícia secreta czarista insatisfeitos. 'bchefe daOkhrana de Kiev quem deu ao assassino, Dmitry Bogrov, o resso para a ópera de Kiev no dia fatal. Bogrov foi enforcado sem um amento público." .ntre 1905 e 1917, o reformismo liberal na Rússia era representado cipalmente pelos Democratas Constitucionais, um partido político larmente conhecido como os Kadets (Cadetes), e por um partido li- al ainda mais moderado, os Outubristas, assim chamados devido a seu _cioao Manifesto de Outubro de 1905, do czar. À parte o liberalismo e cialismo revolucionário, aqueles foram anos em que uma corrente de ",Íonalismo, xenofobia e antissemitismo também estiveram em evidência. uve massacres de judeus e, como resultado, uma emigração judaica em ,rga escala do Império Russo para a Europa Ocidental e a América do orte. A discriminação contra os judeus não tinha nada de novo na Rússia rn em outras partes do império, especialmente na Ucrânia. EH~é um dos otiv~~"'p"eLosquais os judeus _t:.ra~tªQJ?~nuee~esent_ados nosprincipais stosdos partidos revolucionários -nã() tanto os Sk.com.suas orig~vs-- O l!listas, mas os mencheviques (em particular) eos bolcheviques. ,.' Á frente da perseguição aos judeus estava a nacionalista União do Povo _Russo, ou Cem Negros, como os democratas russos a chamavam. Foi ::formada em 1905, com a bênção de Nicolau Il, para mobilizar a massa de ,-peSsoas contrárias aos revolucionários e aos reformistas radicais." Muitos ",dos próprios Cem Negros consideravam o czar demasiadamente fraco ,~e hesitante em seus esforços para reprimir os revolucionários. Qualquer peSSoaconsiderada democrata e oponente da autocracia, estava sujeita a L- ~~
  • 5. 68 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO ser espancada pelos Cem Negros, mas os judeus eram particularmente es- colhidos. Vários milhares de pessoas foram assassinadas ao longo de 1905 - oitocentas só em Odessa, No fim de 1906, a Un ião do Povo Russo tinha cerca de 300 mil membros." Algumas das organizações demagógicas e an- tissemitas formadas na Rússia entre o início do século XX e 1917 pareciam impressionantemente protótipos dos movimentos fascistas que floresceriam em outros lugares da Europa nos anos 1920 e 1930. Seria ingênuo supor que a única alternativa concebível à revoluçãosocialisraou comunista de 1917 era uma democracia liberal desenvolvida gradualmente, Os liberais tinham bem menos apoio não apenas que os revolucionários, mas também que os fanáticos do lado oposto do espectro político. Uma alternativa com- pletamente possível à vitória dos Comunistas era o desenvolvimento de um regime nacionalista de extrema direita. A crise crescente na sociedade russa chegou a um clímax quando a Pri- meira Guerra Mundial estourou. Lenin e muitos revoluciunários declararam que aquela era uma guerra imperialista e que não tinham nada a ver com ela. Entretanto, o advento da guerra dividiu o movimento socialista em toda a Europa. Alguns de seus principais representantes (tais como Eduard Bernstein na Alemanha e Keir Hardie na Grã-Bretanha) se opuseram ao conflito por motivos pacifistas, outros principalmente pelo motivo político de ser uma guerra imperialista. Mas muitos se uniram em defesa de sua pátria particular. Todos os bolcheviques conhecidos que permaneceram no país - inclusive membros da Duma - foram presos depois que a Rússia entrou na gue~ra, em aliança com a França e a Grã-Bretanha, contra a Alemanha e a Austria-Hungria.22 Marxistas russos se dividiram em termos de apoio ao esforço de guerra russo. Lenin e Trotski se destacaram entre os "derrotisras", não apenas se opondo à guerra por princípio mas também acreditando que esta representava uma grande oportunidade. Estavam convencidos de que uma derrota russa aceleraria o sucesso da revolução. Ao contrário, Plekhanov acreditava que a causa do socialismo avançaria com a vitória da Rússia e de seus aliados. Na realidade, a legitimidade do regime era, àquela altura, tão fraca, que quando o exército sofreu grandes reveses, os russos em geral não se uniram às autoridades do Estado em defesa da pátria, como haviam feito ao serem atacados por Napoleão e pelo exército francês em 1812, ou como fariam na Segunda Guerra Mundial, sob o ataque violento da Alemanha de Hitler. A incompetência na condução da guerra, as grandes perdas humanas e confiança cada vez menor nas autoridades torn~ram o regime czarista mais vulnerável do que nunca.P J:'~1~i; fi;}. AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 69 I'll. A "posa de Nicolau 11,Alexandra, era neta da rainha britânica, Vitó· f . o': 'a que ela reverenciava, mas sua origem étnica era principalmente alemã.,,' fi, }. ;. Como resultado disso, foram levantadas dúvidas - bastante equivocadas l~:o,.' :fS sobre seu comprometimento com a causa russa. Uma preocupação '.. t' o ~':~4h~~inda maior entre alguns ministros do czar, bem como entre membros da $r'':-~orte, era a influência exercida por Grigori Rasputin sobre a imperatriz, ~Camponês siberiano carismático e bissexual, Rasputin era ligado a uma ~ita que promovia orgias sexuais, misturadas a revelações religiosas. Foi, :, ;ém, a influência que se acreditava que ele exercia o que mais agitou seus ;v~is, por causa da atenção do czar, Algumas pessoas - particularmente .imperatriz Alexandra - sustentavam que ele possuía poderes místicos. ',asputin ganhou a confiança de Nicolau, e mais ainda de sua esposa, com i'aparente capacidade de conter o sangramento de Alexei, o filho hemo- kÜ deles e herdeiro do trono, em uma época em que a profissão médica o era capaz de ajudá-Io. 'O impacto de Rasputin aumentou durante a Primeira Guerra Mundial, incipalmente durante os períodos em que o czar estava fora da capital, ~frente de batalha. O fato de seus conselhos serem rapidamente aceitos r Alexandra - que, por sua vez, exercia profunda influência sobre o arido - revoltou muitas pessoas na corte e no governo. Em dezembro de ,16, Rasputin foi assassinado por um grupo que incluía um primo-irmão czar, o grão-duque Dmitry, e um deputado ultraconservador da Duma, :M.Purishkevich. Até mesmo o assassinato aumentou o status de lenda de isputin. Beberrão inveterado, ele virou vários copos de vinho envenenado tomeu bolo confeitado com cianeto sem sofrer qualquer efeito maléfico bvio. Depois de esperar impacientemente durante uma hora que Rasputin ,t;>rresse,um dos conspiradores, o príncipe Felix Yusupov, atirou nele com 'i?1a pistola e, supondo que agora estava morto, deixou a sala por alguns stantes. Quando voltou, Rasputin estava atravessando o pátio na direção a barragem do rio Neva. Mais dois tiros finalmente o mataram e seu corpo ,esado foi jogado no Neva." As revoluções de 1917 A remoção de Rasputin não serviu em nada, porém, para salvar o antigo y~!egime. Na segunda metade de 1916 e no início de 1917, o fator crucial era '.0 crescente descontentamento no exército russo. Os "camponeses de unifor-
  • 6. l'I 70 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO AS REVOLUÇCES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 71 me", (Orno Lenin os chamou, estavam cansados da guerra. Em outubro de . 1916, ao serem enviados para reprimir uma greve em Petrogrado (como São Petersburgo fora rebatizada em 1914), soldados atiraram na polícia, e não nos trabalhadores. Na Primeira Guerra Mundial, bem mais de um milhão de soldados russos foram mortos, mais de quatro milhões ficaram feridos e cerca de 2,5 milhões foram feitos prisioneiros." A promessa bokhevique de paz e terra tinha muito mais repercussão popular em 1917, mas a revo- lução que pôs fim a mais de trezentos anos de dinastia Romanov (fundada ~ em 1613) foi uma completa surpresa para a maioria dos revolucionários marxistas. Três dos mais famosos deles - Nikolay Bukharin, Leon Trotski e uma mulher que se tornaria membro proeminente do primeiro governo bolchevique, Alexandra Kollontai - estavam em Nova York na véspera, da revolução de fevereiro." Como quase todos os principais bolcheviques, Lenin também estava morando no exterior na época. Em janeiro de 1917, em uma palestra para uma plateia escassa em Zurique, em comemoração ao décimo segundo aniversário da revolução de 1905, ele claramente não tinha o menor indício de que a revolução na Rússia era iminente, embora não duvidasse de que acabaria acontecendo. Lenin disse: "Pode ser que nós, mais velhos, não vivamos para ver as batalhas decisivas da revolução que se aproxirna.?" Lenin estava, então, com 47 anos. Em 12 de março, no calendário moderno, e 27 de fevereiro, no calen- dário juliano, aconteceu a primeira das duas revoluções de 1917. O czar ficou tão surpreso quanto Lenin. Em 7 de março, ele escrevera da frente de batalha para sua esposa: "Sinto imensamente falta de minha meia hora de jogo de paciência toda tarde. Vou recorrer novamente aos dominós em meu tempo livre."2N Na véspera do dia decisivo do que ficaria conhecido como a Revolução de Fevereiro, quase todas as fábricas de Petrogrado estavam em I greve, houve saques generalizados e os motins se espalharam pelas guar- nições posicionadas na capital russa." O clímax se deu quando a Duma tentou tomar o poder em suas próprias mãos e formou uma comissão que se tornou o núcleo de um governo provisório. Simultaneamente, um Soviete de Representantes dos Trabalhadores foi formado em Petrogrado, tendo como modelo a instituição que existira por um breve período em 1905. Combi- nados, a Duma e o Soviete assumiram o comando. Percebendo que uma grande parte do exército estava com ele, o Soviete se rebatizou de Soviere de Representantes dos Trabalhadores e Soldados. A maioria dos ministros do governo foi presa e quando o czar tentou voltar a Petrogrado, seu trem foi desviado. Nicolau IIabdicou em 15 de março. Foi convencido por generais :, D a assumira o controle e de que havia sérias dúvidas sobre a l:}uea um , , ' . , 'd d arnicões de Petrogrado se estas fossem solicitadas a agir em ~eU~ ~ , _ " " 'f O trono foi oferecido ao grão-duque Mikhail, que apoiara a de esa- , , - "I - de Fevereiro Ele teve o bom-senso de recusá-lo. Mas nao teve , o uçao . " d " ' - de Lenin para emigrar e fOI morto a tiros por um grupo e , rffilSsao ,,' ' h," em junho de 1918 Um mês depois, Nicolau Il, a imperatrrz ,.evlques . , ' 'andra, suas quatro filhas e o caçula, que era ~emofth(O, foram bru- ';' t assassinados em Ecaterimburgo, nos Urais, onde estavam sendo en e , f 'I" ' "d m prisão domiciliar. A decisão de exrermmar a arni Ia mterra I os e " -I ' L ' 3U dela alta liderança dos bochevlques, na qual se me uia erun.a a p " _ .bolcheviques não haviam tido, porém, qualquer parucipaçao no • pôs fim à dinastia dos Romanov. Os mencheviques - alguns que I ' " uais eram ativos no Soviete de Petrogrado - e os revo uClona~lOs listas tiveram uma pequena participação na Revolução de Fevereiro. ;."importante foi a agitação espontânea, juntament~ com os esforços berais da Duma para forçar o czar a sair e introduzir um governo efi- t~. Na sucinta avaliação de um dos principais historiadores da Rússia ;culo XX, Sheila Fitzpatrick, "a autocracia ruiu em face das manifes- es populares e da retirada do apoio da elite ao regi~e"Y O fato de que ército não estava preparado para defender esse regime acabou sendo o 't:decisivo para pôr fim ao governo monárquico na Rússia. , Lenin conseguiu voltar à Rússia apenas por gentileza d:s autonda~es , às, que ficaram satisfeitas por facilitar o retorno, da Suíça, de, a,lgue~ causaria problemas no campo inimigo e que se opunha à pa,rt~Clpaçao §'a na guerra. A ideia de voltar à pátria de trem, cO,m ~ COOlvenCla do o-comando alemão (e em um vagão trancado), havia Sido de Martov. .in, por sua vez, ficou feliz por alguns mencheviques, assim ~omo ,os cheviques, fazerem essa rota de volta à Rússia, uma vez que ISSOSl~- cava que os mencheviques não conseguiriam utilizar sua colaboraçao . d DL ' s alemães como uma arma para bater nele e em seus alia os. erun e 'grupo de revolucionários chegaram à Estação Finlândia, em, Petrogrado, uco antes da meia-noite de 3 de abril de 1917. Durante a viagem, ele se , , d ""r d Ab '" Estas upara escrevendo um documento que chamana e leses e fi. -:o pediam abertamente a derrubada do governo provisório recentemente ~tabelecido, mas implicitamente rejeitavam a ideia marxista ortod~xa de ue deveria haver um longo período de regime burguês antes de a SOCiedade , star pronta para a revolução socialista. E na chegada a Petrogrado, quando •~iscursou para uma multidão de vários milhares de pessoas, em CIma do teto
  • 7. 72 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO de um carro blindado fornecido pelos bolcheviques locais, sua mensagem foi de que não deveria ser oferecido apoio algum ao governo provisório e de que a tarefa dos socialistas genuínos era pôr fim ao capitalismo na Rússia e em toda a Europa." O governo provisório da Rússia em 1917 foi chefiado primeiramente pelo príncipe Georgi Lvov, membro do partido Cadete, e,a partir de julho, por Alexander Ker~:~~x,~~ocialista politicamentemoderad6, de tempe- ramento um tanto b,~is<Y. Sob seus dois líderes, o governo provisório fracassou principalmente de três maneiras. Prirrieiro, prosseguiu com a guerra em um momento de grande desgaste no conflito. Embora agora a Alemanha e seus aliados estivessem perdendo a guerra, o progresso dos aliados da Rússia era obscurecido pelo sucesso da propaganda bolchevi- que. Segundo, o governo não conseguiu dissolver o exército privado - a Guarda Vermelha - que os bolcheviques haviam rapidamente formado. Terceiro, não conseguiu lidar com o problema das terras. Os camponeses reivindicavam mais terras, e alguns deles ocuparam à força terras de grandes proprietários. O governo provisório insistiu que não podia tomar qualquer atitude nessa questão até que fosse formada uma Assembleia Constituinte , e adiou a convocação da assembleia, aumentando a impaciência pública. Um Congresso de Sovietes foi realizado em junho de 1917, e logo depois o Soviete de Petrogrado emitiu a Ordem N° 1, dirigida às forças armadas. Esta instruía os soldados a obedecer ao governo provisório somente se as ordens deste não divergissem das ordens do soviete. Foi claramente um ato executivo do tipo que somente um governo deveria ter o direito de apro- var. Entretanto, os sovietes estavam rapidamente adquirindo poder sem autorização, enquanto o governo provisório, que tinha autorização, estava rapidamente perdendo poder. O período foi corretamente descrito como sendo de "poder dual" e, como tal, não podia durar - e não durou. Não tinha nada em comum com uma separação de poderes acordada, mas sim significava que havia dois organismos competindo pelo pleno poder dentro de um Estado. Mais de setenta anos depois, quando o Estado soviético chegava ao fim, em 1991, uma forma de poder dual (com o presidente e o legislativo russos medindo forças com o presidente e o legislativo soviéticos) teve novamente importante participação no colapso de um regime. No segundo caso, porém, não havia uma divisão ideológica aguda como no ano em que o governo Comunista nasceu. Em 1917, Lenin e Trotski, as duas figuras-chaves na derrubada do governo provisório, decidiram que os sovietes - que cresciam tanto em AS REVOLUÇOES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 73 .'meros quanto em apoio popular - seriam um instrumento adequado ira a próxima revolução. Além de seu slogan "Todo o poder aos sovie- '" os boJcheviques prometiam "liberdade, pão e paz". Eles não queriam, 'Imente todo o poder nas mãos dos sovietes até que os controlassem, :s progrediram nessa direção ao longo do ano. O partido dos Socialistas 'olucionários (SR) continuava sendo o mais popular entre os camponeses, ';os bolcheviques eram mais bem organizados. sso não quer dizer que naquele ano de revoluções o partido bolchevique '~s'ecom a disciplina que Lenin evocara em Que fazer? Pode-se dar - e 'do dada - ênfase demais na organização bolchevique para explicar cesso em 1917. A disciplina rígida do partido viria mais tarde, mas e era um momento de grande expansão nos números do partido e de eSdivergências abertas entre seus líderes, inclusive na questão crucial se os bolcheviques deveriam tomar o poder à força." Um exemplo .da falta de unidade entre os bolcheviques foi o que aconteceu em de 1917, quando uma multidão de marinheiros do porto de Krons- , juntamente com soldados e trabalhadores de fábricas de Petrogrado, jciparam de uma grande manifestação nas ruas sob a palavra de ordem o poder aos sovietes", com a intenção de derrubar o governo provisório ;bponto de vista de Lenin, aquilo foi perigoso e prematuro. Levou isão de vários bolcheviques, bem como de Trotski (que só integraria ,'ãlmente o partido bolchevique a partir do início de outubro). Foram idas ordens para a prisão de Lenin e, como agora se espalhavam rumores ue ele era um agente alemão, ele decidiu buscar segurança na Finlândia. surreição de esquerda dos "Dias de Julho" foi seguida, em agosto, de ,tentativa da extremidade oposta do espectro político de assumir O role. O general Lavr Kornilov tentou conduzir suas tropas a Petrogrado ; reprimir os sovietes e o perigo que ele via de uma revolução socialista. ~àvaque Kerensky receberia bem essa ajuda. Apesar de inicialmente ser ivalente, a resposta de Kerensky acabou sendo hostil e, de qualquer dó, ferroviários obstruíram e desviaram os trens de soldados. Kornilov 'preso, embora mais tarde tenha participado de uma guerra civil contra bolcheviques, morrendo em uma batalha, em 1918. .mbora longe de estarem unidos, em 1917 os bolcheviques eram orga- 'zacionalmente mais fortes que os SR e muito mais implacáveis que os . ncheviqu~Sua insistência intransigente em condenar um compromisso- --I m o governo provisório e sua "disposição para tomar o poder em nome 1:l revolu'ção proletária" ganharam a simpatia dos trabalhadores urbanos, . .
  • 8. " ! j 74 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO AS REVOLUÇOES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 75 e de soldados e marinheiros insatisfeitos." Lenin e Trotski conquistaram grande influência sobre o soviete de Petrogrado e sobre outros. Em 12 de outubro, no calendário antigo, Trotski assumiu o comando da Comissão Revolucionária Militar do Soviete de Petrogrado e, em 25 de outubro (7 de novembro no calendário moderno), os bolcheviques tomaram o poder em . Petrogrado. Tropas bolcheviques ocuparam prédios públicos e prenderam. ministros do governo provisório. Kerensky fugiu e viveu ate.1970, a maior' parte do tempo nos Estados Unidos. ~!!lbora 7 de novembro tenha entrado para a história como o dia da bem-sucedida revolução bolchevique, em muitos aspectos esta foi mais um golp'~ue uma revolu窺,--Substituiu um regime estabelecido como re- sultado da revolução anterior (em fevereiro), que inicialmente tivera amplo apoio. Quando tomaram o poder, os bolcheviques não eram o partido mais ' popular da Rússia. Isso ficou bastante claro nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em dezembro de 1917. Naquele ano, os bolchevi- ques haviam apoiado - com objetivos de propaganda - a realização das eleições, e permitiram que estas fossem adiante. Os SR conquistaram 299 cadeiras, contra 168 dos bolcheviques. Entre os outros partidos, os maiores eram os SR de Esquerda com 39, os mencheviques com 18 e os Cadetes ! com 17.36 Quando a Assembleia Constituinte foi aberta, em 18 de janeiro, os bolcheviques a dissolveram. O primeiro dia da Assembleia foi também o último. Nas palavras de Lenin: "A dispersão da Assembleia Constituinte pelo regime soviético é a eliminação total e aberta da democracia formal- ------ em nome da ditadura revolucionária.::J o poder bolchevique e a guerra civil Uma das figuras mais respeitadas do movimento marxista internacional, Karl Kautsky - que na juventude conheceu pessoalmente Marx e Engels - escreveu em 1918 um livro intitulado A ditadura do proletariado, ar- gumentando que a "ditadura revolucionária" de Lenin estava muito longe do que Marx tinha em mente ao usar (muito raramente) a expressão "di- tadura do proletariado". Marx, escreveu Kautsky, não quisera dizer que isso erá "uma forma de governo'v" Chegando mais tarde que socialistas como Bernstein a uma compreensão sobre aonde as ideias de Lenin estavam levando, Kautsky insistia agora: ;' .lutada classe proletária, como uma luta das massas, pressupõe democracia :-..J. Massas não podem ser organizadas ~ecretamente e, sobretu,do, uma . çâo secreta não pode ser democrática. Isso sempre leva a ditadu- .~~ . . . .a de um único homem, ou a um pequeno grupo de lideres. Os membros i.> ns só conseguem se tornar instrumentos para cumprir ordens. Esse omu irnid A' :~todo pode ser considerado necessário a uma classe op~lml a naAausenCla aemocracia, mas não promove o autogoverno e a independência das í-~sas.Em vez disso, fomenta a consciência de Messias dos líderes e seus ,i~jtoSditatoriais.39 y também observou que, "bem apropriadamente", os bolcheviques ,.;parado de chamar a si próprios de sociais-democratas, e ag~ra "~e . iam como Comunistas"." Lenin ficou indignado com a sóbria ana- 'autsky sobre o caráter antidemocrático da revolução bolchevique. .já tivesse assumido as rédeas do governo, ele dedicou seu tempo ver uma resposta cáustica, A revolução' proletária e o renegado ky, na qual a injúria substitui o argumento fundamentado. Como 'y observou, os bolcheviques começaram a chamar a si próprios de nistas em 1918. Dessa época em diante, o abismo entre os socialistas '~itavam os princípios da democracia e os Comunistas que raciona- .m a ditadura em nome do poder de classe do proletariado aumentou ez mais. t:•• bora os bolcheviques tivessem tomado o poder com surpreendente .. de, sustentá-lo durante os anos que se seguiram foi muito mais difícil. átamente depois da Revolução de Outubro, foi formado um governo fdo Conselho dos Cornissãríos.do.Eczo.tou Sovnarkom no acrônimo sSO).-1flü;º-Pr.esidia. ~rQt*i~~ y~rE.?~.comis~~!i?s.l~ relações-~x- és e 5tal' inQme.ªg9-f_Ql;tli~sáriQ .p'ªrªlL"!,ÇWnalidad.es.- O primeiro o Conselho foi'emitir um Decreto da Paz e um Decreto da Terra. O éiro convocava os governos de todos os povos ainda em guerra a iniciar ;.iatamente negociações para uma paz sem anexação de territórios. Essa osta não teve resposta alguma, mas com seu exército primeiramente oralizado e em seguida dispersado, a Rússia não estava em condições :'ontinuar a lutar. Trotski anunciou em feverereiro de 1918 que a guerra ·é. a Alemanha havia acabado e que o exército russo seria desmobilizado. da naquele mês, o exército foi reconstituído com o nome de Exército Ver- lho - o Exército dos Trabalhadores e Camponeses - mas sua primeira ;fa foi lidar com inimigos dentro do Estado, e não participar de uma .'erra europeia. Os alemães haviam respóndido à declaração de Trotski
  • 9. 11'11, l! li'l 76 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO ordenando que suas tropas avançassem para a Rússia e, assim, no início de março de 1918, o governo soviético foi obrigado a aceitar termos de paz bastante desfavoráveis, que incluíam uma perda significativa do território que pertencera ao Império Russo, e a assinar o Tratado de Brest-Lirovsk, Entretanto, a reivindicação geral de fim da guerra fora atendida. O Decreto da Terra também atendia a pelo menos uma parte substan- cial da opinião dos camponeses. Abolia a propriedade privada da terra e . estabelecia, em princípio, a propriedade conjunta desta por aqueles que: trabalhavam na agricultura. Entretanto, seguiu-se uma luta de classes no ;4 interior, em que os camponeses pobres se voltaram contra os camponeses mais ricos, com o incentivo dos bolcheviques. Os camponeses em geral resistiam, porém, às tentativas do governo revolucionário de levar, em re- quisições compulsórias, o alimento que eles produziam. Na guerra civil que estourou na Rússia em meados de 1918, os camponeses às vezes apoiavam o Exército Vermelho e às vezes o Exército Branco, mas a crueldade dos dois lados rapidamente os isolou. Originalmente, os bolcheviques haviam suposto que seu exército poderia ser composto em grande parte por volun- tários, principalmente trabalhadores. Logo, isso provou ser insuficiente, e então eles instituíram a convocação compulsória. Por iniciativa de Trotski, eles também recrutaram oficiais do antigo exército imperial, mas puseram comissários bolcheviques ao lado deles para assegurar que se lembrassem de que lado estavam lutando. Os Brancos eram um exército diferente de antibolcheviques, que natu- ralmente incluía também oficiais do exército imperial, embora entre seus voluntários mais entusiasmados estivessem os cossacos, que séculos antes haviam conseguido escapar da servidão colonizando uma terra vazia no sul da Rússia. Muitos deles lutavam para impedir que os bolcheviques inva- dissem o território que cultivavam livremente. Considerando a composição social da Rússia na época, não surpreende que a maioria dos soldados dos dois lados fosse de camponeses. Enquanto a maioria dos operários das fábri- cas era bolchevique, os camponeses eram profundamente ambivalentes em relação à guerra civil. Os que podiam se manter fora do conflito o fizeram. Às vezes, eles recebiam bem os Brancos, para em seguida descobrir que estes queriam restaurar o antigo sistema de propriedade de terras arrendadas, o que os levava a colaborar com os Vermelhos para expulsá-los. O que eles queriam, conforme alguns explicaram, não era nem os Vermelhos nem os Brancos, mas um governo Verde, o que para eles significava proteção aos interesses distintos das comunidades rurais. AS REVOLUÇÕES RUSSAS E A GUERRA CIVIL 77 )i. No interior da Rússia, as forças antibolcheviques foram reforçadas '~" rn ajuda externa, principalmente dos tchecos. Pequenas forças brirâ-.co ~ icas desembarcaram no país, em parte para impedir que equipamentos nl {fuilitares que haviam sido fornecidos ao antigo governo russo caíssem nas " ãos dos bolcheviques. Winston Churchill estava disposto a lançar uma iI1siva total contra o novo regime soviético, mas David L10yd George, o itheiro-ministro britânico na época, identificou o novo governo com o povo '~so em geral e opinou que ninguém poderia derrotar a Rússia em solo .~o.A identificação dos bolcheviques com a Rússia foi uma simplificação essiva uma vez que o país continuava profundamente dividido, embora" . , 'Cismo de Lloyd George em relação à viabilidade de uma intervenção ar ocidental fosse sem dúvida justificado. 'epois de as forças britânicas desembarcarem na Rússia, pequenos ngentes foram enviados também por França, Estados Unidos, Itália, 'dá e japão." Eles ajudaram, talvez, a adiar a derrota dos Brancos, ªs'.não tiveram um papel decisivo. O elemento de intervenção externa êgrlificativo durante algum tempo foi a Legião Tcheca. Cerca de 40 mil '. fCOS - que haviam chegado para lutar contra a Áustria, já que seu étivo era ter um Estado independente e, portanto, derrotar o Império Jlstro-Húngaro - estavam na Rússia na época da revolução bolchevique. "mudança de regime no país interrompeu sua participação na guerra opeia e, ao viajar pela Rússia, eles se viam às vezes em conflito com o ército Vermelho. Os tchecos tinham treinamento e equipamentos supe- ,es, e venceram inúmeras vezes essas escaramuças antes de voltarem para , terra natal. Em contraste, os britânicos e outros soldados enviados à issia para combater os bolcheviques eram muito poucos para influenciar :tesultado final, embora a intervenção estrangeira na guerra civil tenha nhado grande proeminência na historiografia soviética mais tarde. ~Já em dezembro de 1917 os bolcheviques criaram uma nova organiza- p chamada Comissão Extraordinária de Toda a Rússia para Co~ºater C<;mtra!~evoiução ~-_;'S_~bQtagem, ~ais c;~~d;Peia-fu~~~-;b;eviada ,5a, Cheka. Chefiada por Felix Dzerzhinsky, um revolucionário de origem bre polonesa, a Cheka se tornou o principal instrumento do Terror Ver- elho. Foi, na verdade, a sucessora da polícia política czarista, a Okhrana, . c bora uma variante mais cruel. Era muito maior do que sua predecessora arista e, nos anos em que existiu, enquanto Lenin ainda estava vivo, matou ·~ercade 140 mil pessoas." Em suas encarnaçôes posteriores, como OGPU e, principalmente como NKVD, tornou-se um instrumento de prisões em -
  • 10. 78 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO massa temido e uma máquina impiedosa de assassinatos. Na forma final que assumiu na era soviética - a essa altura mais restrita politicamente - era conhecida como KGB. A Cheka foi criada como uma organização temporária, para lidar com a situação "extraordinária" que os bokheviques enfrentavam quando tentavam se manter no poder, logo depois da revolução. Entretanto, como muitas instituições supostamente temporárias, sobrevi- veu e prosperou sob diversos nomes até o fim da UniâoSoviêtica.e-> e, de certa forma, até mesmo depois desse fim. Durante o período Comunista, a polícia política gostava de se referir a si própria como os "chekistas", uma vez que isso lhe dava um certo elã revolucionário, mesmo quando atuava, nos anos 1970, em defesa de uma elite política conservadora e envelhecida. A guerra civil terminou em 1922, com os bolcheviques triunfantes. Como comissário de guerra, Leon Trotski havia sido eficiente e implacável, e a Cheka também tivera sua participação violenta. A organização bolchevique era superior à dos Brancos. Lenin liderava o governo e Stalin desempenhava um papel cada vez mais importante na organização do Partido Comunis- ta. Os bolcheviques haviam se rebatizado de Partido Comunista em 1919 ' (embora a palavra "bolshevik" tenha sido mantida entre parênteses até 1952).:Mas a força e organização não produziram sozinhas a vitória dos , Vermeflios na guerra civil. Embora nessa fase ainda houvesse uma briga aberta dentro do partido, os bolcheviques possuíam uma ideologia mais coerente que a dos Brancos. Estes não apenas não conseguiram conquistar , a maioria camponesa do país, como não produziram nem um líder de des- : taque nem uma ideia unificadora.] 4 "Construindo o socialismo": a Rússiae a União Soviética, 1917-40 j'- nre os meses de agosto e setembro de 1917, Lenin usara seu tempo na ,dia para escrever um livro, O Estado e a revolução, que não conseguiu -'ar.Em um pós-escrito à primeira edição, ele escreveu que seu trabalho ",'interrompido' em decorrência de uma crise política - a véspera da lução de Outubro de 1917", acrescentando que foi "mais agradável e útil :pela 'experiência da revolução' do que escrever sobre ela".' Compara- que se seguiria à tomada do poder pelos bolcheviques, a obra parece 'te da realidade. Mas Lenin ficou feliz por ser publicada mesmo depois 'overno bolchevique ter começado. É razoável considerá-Ia parte de seu a de crenças, em vez de uma dissimulação por motivos táticos, já que ve qualquer relevância imediata para a tarefa de se manter no poder. tá claro que Lenin acreditava não apenas na ditadura do proletariado . bora, como Kautsky sugeriu, em um sentido diferente de Marx - "também no definhamento total do Estado. Mesmo que negue ser um ~ta, Lenin oferece provas do utopismo que acompanhava sua brutali- escrevendo que "somente o comunismo torna o Estado absolutamente ecessário, por não haver ninguém a ser suprimido - 'ninguém' no :dode uma cla~se ..."2 Ele aceitava que pessoas fossem culpadas indivi- mente por "excessos", mas nenhum dispositivo especial de supressão .necessário para lidar com elas. Isso seria feito "pelas próprias pessoas adas", Além do mais, "a exploração das massas, sua vontade e sua 'reza" é que eram a causa dos "excessos". Com a remoção dessa causa, excessos inevitavelmente começariam a 'definhar'".' Se Marx falara de :aprimeira - ou inferior - fase da sociedade comunista, Lenin preferia ,amar a primeira fase de "socialismo" e o estágio posterior de "comu- mo".' Nessa fase posterior, a liberdade se combinaria à igualdade e a .'tinçãoentre trabalho mental e físico desapareceria - juntail1ente com o
  • 11. 80 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO I, I i Estado. "Enquanto o Estado existir", escreve Lenin, "não haverá liberdade. Q~§!!:ldo houver liberdade, não haverá Estado algum."? ',,o Estado e a revolução de Lenin tem sido frequentemente considerado urnà prova de um Lenin libertário ou democrático, e tem sido contrastado com o Lenin de Que fazer?, com sua ênfase na hierarquia e na disciplina dentro do partido revolucionário. Tem sido usado para sustentar a alegação de que ele era um "humanista revolucionário", bem C9mO pOI: aqueles que querem disranciá-lo da maneira como o sistema soviético s~desenvolveu depois de sua morte." De maneiras contrastantes, tem sido avaliado como "o alcance culminante do pensamento político de Lenin no período mais tardio ,de sua vida"? e como "o mais ingênuo e improvável de todos os famosos panfletos políticos'Vt) argumento mais essencial é de que mesmo nessa obra de reflexão sobre o Estado, com seu aparente apoio a uma democracia mais plena e mais libertá ria do que até então se vira no planeta, Lenin rejeita qualquer tipo de pluralismo político. Ele ignora o fato de oue as liberdades dependem de instituições capazes de defendê-Ias. O Estado e a revolução foi adicionado aos fundamentos doutrinários do que se tornou um regime extremamente autoritário (e mais tarde totalitário). Como A.]. Polan obser- vou corretamente: "A ausência central na política de Lenin é de uma teoria de instituições políticas [...]. A forma do Estado de Lenin é unidimensional. Não permite nenhuma distância, nenhum espaço, nenhuma apelação, ne- nhuma verificação, nenhum equilíbrio, nenhum processo, nenhum atraso, , nenhuma interrogação e, sobretudo, nenhuma distribuição de poder."? A rejeição às instituições que sustentariam a responsabilização, as liber- dades individuais e o pluralismo político se tornou uma característica dos sistemas Comunistas. Mas as ideias e os objetivos utópicos dos Comunistas exerceram sobre seus simpatizantes uma atração poderosa. A chegada dos bolcheviques ao poder na Rússia, em 1917, não foi apenas uma questão de disposição para usar a força contra o governo provisório. Não foi simples- mente um resultado das dificuldades econômicas, e menos ainda algo que tivesse sido economicamente determinado. Não foi também uma questão de habilidade tática e força de vontade de Lenin e Trotski, embora isso tenha _sido importante. !9i, além de todas essas coisas, uma vitória de ideias - da - ideia de que o capitalismo estava condenado, da crença de que o proletariado estava destinado a suplantar a burguesia como classe dominante e construiria . o socialismo antes de se fundir e formar uma sociedade sem classes, autoadrni- ! nistrada, ostentando o nome de "comunismo". Para uma parcela significativa dos trabalhadores jovens, bem como dos intelectuais, esta foi uma doutrina. , i' 1,1 'I il~;. ·CONSTRUINDO O SOCIALISMO·, A RÚSSl.... 81 ~J~~~,linspiradora. Aqueles que a adotaram acharam fácil desprezar as instituições :t~}fJ~~r1amentares e judiciais ne.ces~árias p,ara proteger as Iibe~dades individuais :';'~,~;i:i~;;comose elas fossem meras ilusões de otica da "democracia burguesa". I Yi:~'~r(A democracia efêrnera, e de algum modo anárquica, inauguradapela , ."::'? ~RevoluçãO de Fevereiro poderia muito bem - considerando o descontenta- :iliento na sociedade russa - ter levado também a uma mudança com di- .nsão revolucionária, mesmo na ausência de Lenin e Trotski. Se a eleição Assembleia Constituinte, em que os bolcheviques obtiveram apenas 'quarto dos votos, tivesse tido permissão para vigorar, um governo I.ialista não Comunista teria surgido. Suas ideias teriam sido diferentes, '~ém, daquelas que, após a morte de Lenin, tornar-se-iam conhecidas o marxismo-Ieninismo. As próprias ideias de Lenin não permaneceram 'ticas, e em seus últimos anos ele teve que modificar algumas delas à luz (brcunsrâncias. Mas mesmo quando fez um grande recuo na política nômica, na tentativa de rranquilizar o maior grupo social do país- ~~mponeses - ele não apenas intensificou a repressão aos opositores ~~icos como rotulou pejorativamente a dissidência dentro do Partido munista de oposição, e no X Congresso do partido, em março de 1921, larou que era hora de "pôr a tampa" nessa oposição. lU ,;O Congresso de março aconteceu quase imediatamente depois da Re- - e Krons,!.,a_Qt,uma rebelião de marinheiros na base naval que estivera :ianguarda da militância bolchevique em 1917. Em 1921, os anseios . .manifestantes eram essencialmente democráticos, e nem um pouco ,ráveis à restauração do antigo regime, como sugeriu a propaganda hevique contra eles. As principais reivindicações dos marinheiros de -nstadt eram uma reeleição imediata dos sovietes por voto secreto, liber- .e de expressão e de reunião, sindicatos livres, rações iguais para todos ,ermissão aos camponeses para fazer o que quisessem com as terras, esde que não usem nenhum trabalho contratado"." Em um momento de :nqueza no Congresso de março de 1921, Lenin chegou a admitir que .rebeldes de Kronstadt "não querem os Guardas Brancos e não querem mbérn nosso poder"." Ele estava também cada vez mais preocupado com :grupos do Partido Comunista que questionavam o modo como as coisas avam indo, entre os quais o Oposição dos Trabalhadores, liderado por ,lexander Shlyapnikov. Não era bem uma facção organizada, mas aqueles ..,;e pertenciam a esse grupo queriam que sindicatos e representantes dos ~balhadores controlassem a indústria. Foram recebidos com a alegação ',e que somente o Partido Comunista podia estar na vanguarda do prole-
  • 12. 82 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO tariado, do contrário as "massas trabalhadoras" não conseguiriam resistir às "pequenas vacilações burguesas" e seriam vítimas dos "preconceitos sindicais"." Discordar de políticas importantes era algo essencialmente classificado como facciosismo ou oposição. Facções organizadas eram identificadas quando mal existiam, e uma resolução sobre a "unidade do partido" deslegitimou a dissidência dentro de suas linhas, embora só nos 'I anos 1930 isso passasse a ser considerado traição. 14 . Lenin, a NEP e a ascensão de Stalin oaperto de parafusos político no X Congresso foi acompanhado, porém, de uma liberalização econômica. A tentativa, feita logo depois da revolução bolchevique, de nacionalizar toda a indústria e negar aos camponeses o direito de comercializar havia sido desastrosa. Havia famintos em muitas partes do país e uma inquietação crescente. Consequentemente, Lenin lançou a Nova Política Econômica - logo conhecida como NEP* - no Congresso de março de 1921. Em maio daquele ano, o decreto que na- cionalizara toda a indústria de pequena escala foi revogado. O Partido manteve o "alto-comando" da economia - a indústria de grande escala, o sistema bancário e o comércio exterior - mas, em um recuo de grandes proporções, introduzia agora "uma forma de economia mista, com uma agricultura predominantemente privada, além de comércio privado e pro- dução privada em pequena escala legalizados".'! Ao longo dos anos 1920, a economia se recuperou, com a agricultura em particular se beneficiando das novas liberdades. Entretanto, aqueles que lucraram com a restauração parcial do capitalismo em escala pequena se tornaram conhecidos como homens da NEP e ficaram em geral ressentidos. O ano de 1922 foi especialmente significativo. Em abril, ]osif Stalin foi • escolhido, com aprovação plena de Lenin, para ocupar o novo cargo de secretário-geral do Partido Comunista. Na época isso não pareceu ser um acontecimento tão monumental, mas Stalin se tornou a única pessoa a ser membro dos três principais organismos executivos do partido: o Escritório Político, ou Politburo; o Escritório Organizacional, ou Orgburo; e o Secreta- riado. O Orgburo foi fundido com o Secretariado em 1952, mas o importante é que a partir de 1922 Stalin chefiou o Estado-Maior do partido, liderando "Sigla em inglês para New Economic Policy. [N. do R. T.] 'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA ... 83 t.~.:~i.{~~jO· Orgburo quanto o Secretariado. Como o Politburo - do qual Lenin<0.<., ãríto . :·5:.J;:;:: .membro com maior autoridade - era, em princípio, um órgão mais . J'<''-éfl:' o . ~~. "~oecomo grande pa rte da política era elaborada no Sovnarkom, presid ido ,':~ ':ó;Lenin, não ficou imediatamente óbvio em 1922 quais eram as alavancas ~~'~pôderde grande potencial que estavam sendo postas nas mãos de Stalin. (,itibtanto, o poder já estava sendo transferido do Sovnarkom para os ór- . ;Y~ó~.dopartido. O autor de um importante estudo sobre os primeiros cinco 'do Sovnarkom observa que "em 1921, o Comitê Central e seus órgãos ;'~osestavam a caminho de se tornar o verdadeiro governo da República 'tca, enquanto a hierarquia dos funcionários do partido despontava 'o instrumento-chave de domínio em todo o país"." ;'ótencial que o Secretariado-Geral representava teve uma oporruni- 'inda maior de se tornar realidade quando, em maio de 1922, Lenin . m derrame. Este foi o segundo dos três acontecimentos com imensas uências de longo prazo que ocorreram naquele mesmo ano, sendo o 'iro a ascensão de Stalin ao cargo de secretário-geral. Lenin reassumiu brigações no outono, e no fim do ano se tornara tão crítico da arro- 'a de Stalin que concluiu que fora um erro pôr nas mãos do georgiano eres substanciais do Secretariado-Geral. Ele não era contra esses S, mas contra o contínuo exercício destes por Stalin.'? Não consegu iu, rti, fazer o que queria: afastar Stalin do cargo. Sua saúde enfraquecera llíke um novo derrame em março de 1923 pôs fim efetivamente à sua ira política. Morreu em janeiro de 1924. Com Lenin fora do caminho, ;':passou o resto dos anos 1920 desacreditando seus rivais (muitos tais haviam subestimado tanto sua habilidade quanto sua ambição) ,solidando seu poder. Trotski - embora tivesse desempenhado um }mais importante do que Stalin em 1917 e na guerra civil, período nte o qual os dois entraram em choque com frequência - destacou-se eaqueles que cometeram o erro de ignorar a inteligência e a habilidade rica de Stalin, bem como de subestimar a importância da base política . este adquirira no Secretariado." ~Oterceiro acontecimento de grande importância a longo prazo aconteceu :fimde1922....>quando as quatro repúblicas sob governos comunistas - a 'blica russa, a Ucrânia, a Bielorrússia e a Transcaucásia - juntaram-se , a formar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - a URSS, ou pião Soviétic~,-~~;;-õ's~tornõu mais co~heci.d~JYõõiTie1õideliberadamente .'',blhidopara evitar a menção de qualquer nacionalidade específica, uma vez •ue a ideia por trás do nome era de que aos poucos outros países se tornassem
  • 13. ; I I I. 84 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO parte da nova entidade socialista. A URSS foi criada como uma federação" embora ao longo de quase toda a era soviética tenha sido um Estado altam€nte:' centralizado, longe de corresponder aos critérios normalmente associados ao federalismo. Entretanto, dentro dessa federação formal que, nas palavras de Stalin, seria "nacional na forma, socialista no conteúdo", abriram-se novas possibilidades para o florescimento de culturas e línguas nacionais." ~.Esse último acontecimento teve um significado a longo prazo. Antes de 1917, por exemplo, no caso importante da Ucrânia-,o nisso era a língua . de alfabetização - até onde isso era possível, -já que em 1920 apenas 24 " por cento da população ucraniana eram alfaberizados.ê" Apesar da falta de livros escolares e de outras dificuldades, essa realidade mudou nos anos, 1920. Em 1927, 76 por cento dos alunos da república ucraniana frequen- ~ tavam escolas de língua ucraniana." Alguns dos muitos idiomas falados! na Rússia só receberam uma forma escrita na primeira década depois da •. guerra civil. A política soviética, principalmente de 1922-23 em diante, era, reconhecer os numerosos territórios nacionais onde predominava uma ou ! outra das muitas nacionalidades diferentes do país e treinar e promover a posições de liderança pessoas que pertenciam à nacionalidade local. Ao J mesmo tempo, foram tomadas medidas para estabelecer a língua local como i língua oficial nos territórios." As duas medidas tiveram consequências im- : portantes a longo prazo. Embora a partir do início dos anos 1930 e até pelo menos a morte de Stalin fosse haver uma reversão substancial na política de "indigenização" dos anos 1920, o Estado comunista haviaplantado . .as primeiras s@e.ºg!~<!e_§~.a.jerradeira destruição, tanto 'p~o~ovend~ a disseminação da educação qua-õrõ-iõserlnâoestruturas nacionais em seu sistema institucional a partir da constituição de 1922 em diarife.: Stalin havia sido comissário para nacionalidades no governode Lenin e se considerava - e era considerado - um especialista nessa questão. Ao longo do tempo, porém, suas opiniões tomaram uma direção próxima ao chauvi- nismo russo. Conforme observado anteriormente, Stalin era um georgiano cujo nome original era Djugashvili, sendo o nome Stalin apenas um de seus pseudônimos pré-revolucionários, derivado da palavra russa para aço (stal'). Ele se tornou um admirador dos mais fortes e severos czares, que haviam governado com mão de ferro o território russo e o expandido, principalmente Ivan, o Terrível e Pedro, o Grande. Em outros aspectos também, Stalin se afastou das ideias e práticas de Lenin. Diferentemente de Lenin - bastante disposto a empregar a arma do terror contra opositores da revolução bol- chevique, mas contente por vencer discussões com seus opositores dentro do "CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA _ 85 r.i;h' -"'d Stall'n na época em que se sentia suficientemente poderoso, em ~.~" 'rtl 0- , " ')j~i'P~, danos 1930 usou o terror contra seuscompanheiros bolcheviques. *.0'." eados os' . _ ~'~L"bém acabaria permitindo que um culto à sua personaltdade chegasse a r~;Ip No fim dos anos 1930 isso incluiu até a atitude de as pessoas se tremos. ' ._ " ~', .' ,.. prontamente em reuruoes publicas e conferenCias, cada vez que '~vantarem , , ' ' " dos nc '. . ra mencionado. Era "uma especie de cultura física que to os nos ,orne: disse Nikita Kruschev, sucessor de Stalin como líder soviético." tamos , , I XV11 . " d 'rentemente de Pedro, o Grande, que no final do secu o ,.e II11CIOo I buscou ideias avançadas na Europa, Stalin, em seus últimos anos, tivou a propagação de uma versão absurda ,da história rus,~as~gu~do '!todas as principais invenções científicas - normalme~te, atnbUld~s ~os marxistas ortodoxos esperariam) a países de economia e educaçao - vançadas - haviam sido previstas por u~ russo.,. . . rante a maior parte dos anos 1920, porem, Stalin fOIum leninista inte ortodoxo. Embora Lenin tivesse sido pragmático o bastante para Qf. um bocado do poder pós-revolução nas mãos do novo governo ~ o ynarkom, como algo diferente do Partido C~mul1lsta.- ~~ucos marxls.tas .',de 1917 haviam concedido um papel maior, em pnncipio, a um partido ,linado e revolucionário do que o próprio Lenin. Assim, o fato de o o se revelar como um instrumento mais poderoso de domínio do que erno (no sentido soviético do termo), como aconteceu nos anos 1920, -.dificilmente estranho à tradição bolchevique. O que se tornou uma ura do Partido Comunista não era chamado como tal pelos líderes RSS. Eles descreviam seu governo tanto como um "poder soviético" nto como uma "ditadura do proletariado". Também alegavam cada '&ais, principalmente a partir da época da adoção da "Constituição de h" em 1936 que o regime era democrático., , . enhuma dessas três atribuições fazia muito sentido. Os sovietes tive- , ,'alguma importância no ano revolucionário de 1917, mas ainda .assi~ ()i.ó partido bolchevique que tomou o poder em novembro. A partir dai, ovietes nunca foram os principais órgãos de poder político. Durante primeiros anos pós-revolução, os ministérios (ou comissariad~s, como im conhecidos) foram talvez ainda mais importantes do que a liderança 9partido nas decisões políticas, mas isso mudou em 1921. Nos anos sub- :quentes, ficou especialmente claro que a liderança do Partido Comunista n,ha poder e autoridade superiores aos do Sovnarkom (que em 1946 se '.fnou Conselho de Ministros). "."Ditadura do proletariado" também não era um nome apropriado. ? .rOletariado em geral não podia ditar. Era o Partido Comunista que fazia
  • 14. 86 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO isso em nome do proletariado. A liderança do partido simplesmente assumiu que representava a vontade dos trabalhadores - ou, pelo menos, a "verdn. deira vontade" deles, se pelo menos reconheciam os verdadeiros interesses deles - e substituiu o verdadeiro proletariado por ela própria. Para uma "ditadu ra do proletariado" ser compatível com uma noção mínima de de- mocracia, seria preciso presumir, primeiro, que 00 proletariado constituía a maioria absoluta da população, o que na URSS dos anos 1"920 estava longe de ser verdade (em 1926, os moradores urbanos ieprésentavamapenas 18 por cento da população), e, segundo, que dentro do proletariado não havia ' diferenças de opinião reais e persistentes, algo que nunca foi verdade na Rússia nem em qualquer outro lugar.iK"noção de unidade de opinião den- tro de qualquer classe trabalhadora, não importa como ela seja definida, é dificilmente menos fantasiosa do que a ideia de que um consenso universal seria alcançado na sociedade comunista do futu~~~4 ~_.. --.:. A revolução de Stalin As concessões feitas aos camponeses pela Nova Política Econômica não foram populares entre muitos cidadãos comuns Comunistas. A partir de meados dos anos 1920, Stalin assumiu duas posições importantes criadas por ele mesmo. A primeira delas era a possibilidade do "Socialismo em um só país". Ou seja, ele argumentou que mesmo sem revoluções em países industriais avançados, a URSS poderia prosperar de maneira independente. Isso lhe deu uma arma política para atacar Trotski, cujo internacionalismo podia ser representado como uma falta de patriotismo. A linha de Stalin foi bem aceita entre os trabalhadores do partido que não gostavam da ênfase de Trotski na necessidade de os comunistas tomarem o poder em outros grandes países europeus.o A segunda - e intimamente ligada _ ênfase de Stalin foi na importância primordial de uma industrialização veloz, acom- panhada de uma coletivização forçada da agricultura. Entre 1928 e 1932, cerca de 12 milhões de pessoas deixaram suas vilas, principalmente homens jovens.w Algumas foram enviadas para trabalhos forçados por resistirem à coletivização, ou foram presas como kulaks, nome dado aos camponeses mais ricos. "Kulak" era, porém, algo tão imprecisamente definido, que qualquer pessoa que se opunha à incorporação compulsória de sua vila, juntamente com outras vilas, a uma única e vasta fazenda coletiva podia ser enquadrada nessa categoria. Outros camponeses migraram voluntariamente para as cidades visando a indústria em desenvolvimento. ·CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIAo_o 87 '. d c ndeu uma guerra indiscriminada contra os kulaks e a im-alto ele _ ~ _ ;ão de uma coletivizaçâo brutal- até a resistencia dos camponeses al ç fazer um recuo tático. Em muitas regiões, os camponeses.pre-- O a I __ ;' atar os animais de suas fazendas a colerivizá- os. Nos primeiros ;> IDs de 1930, houve mais de 1.600 casos de resistência armada." Em ese I' - d to -"bro de 1929, Stalin disse: "Passamos de uma po itica e imitar as o . xploradoras do kulak para uma política de eliminar o kulakelas e lâsse." No início de março de 1930, ele já estava adotando uma lferenre, escrevendo um artigo para o principal jornal comunista, ,o qual dizia que alguns camaradas, em sua busca de coletivização, ''cado "tontos com o sucesso". Hipocritamente, ele reclamou que . usado a força de maneira inapropriada na criação de fazendas fi vez de permitir aos camponeses uma escolha." tíivização forçada e a revolta maciça no interior tiveram consequên- í~eis. Milhões de camponeses foram arrancados de suas terras e, no ':930, pelo menos 63 mil "chefes de família" haviam sido presos e 'dos. Muito mais de um milhão de "kulaks" foram deportados entre 'início de 1932.29 A coletivização aconteceu mais rapidamente na .do que na república russa, e quando a fome atacou, como resulta~o ísição de grãos pelo Estado e dos tumultos no interior, a Ucrânia iialmente atingida. No verão de 1933, cerca de cinco milhões de .haviam morrido. Corpos jaziam à beira das estradas e houve ca- :anibalismo. A fome atingiu seriamente o norte do Cáucaso e o istão, além da Ucrânia, e foi resultado direto das políticas adotadas b5.cou - a combinação de coletivização compulsória e apreensão ~os por autoridades centrais para alimentar as cidades e até para ação, enquanto as pessoas no interior soviético morriam de fome;!!] dicalização dá política foi acompanhada pela consolidação do po- "·Secretariado-Geral. Por ordem de Stalin, Trotski foi enviado para [io interno na União Soviética em 1927 e expulso do país em 1928. fio resto de Sua vida no exterior, escrevendo críticas eloquentes ao que ~:oude "a Revolução Traída" e "a Escola de Falsificação de Stalin"." 'ora grande parte do que escreveu sobre a União Soviética fosse verdade, algumas profecias bastante erradas. Por. exemplo: no fim dos anos acreditava que se a União Soviética se envolvesse em uma grande a, isso levaria à derrubada do regime de Stalin, quando na verdade a nda Guerra Mundial fortaleceu a ordem política stalinista. Embora Ún tivesse muito mais coisas para pensar do que em Trotski, o fato de
  • 15. 88 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO que este estava fora do alcance de sua visão nunca significou que estivesse fora ~~ sua cabeça. Com a ajuda de seus espiões, ele monitorou de perto as atividades de seu rival derrotado durante as diversas viagens deste n . o extenor. Em 1940, a polícia secreta soviética conseguiu se infiltrar no am- biente de Trotski no México, e um dos assassinos da polícia o matou Com um golpe de picareta de gelo. . Na fase da Nova Política Econômica de concessões aos -campones-g . Stalin tivera o apoio de uma das outras grandes figuras da liderança bol-: chevique, Nikolay Bukharin, que era, porém, um entusiasta muito mais' autêntico da NEP. Lenin havia visto essa mudança de rumo como um recuo estratégico, e não tático - consequentemente, como algo que pre- cisaria durar várias décadas. Bukharin compartilhava essa opinião. Com' sua disposição para tolerar concessões à iniciativa privada, Bukharin era: considerado, no fim dos anos 1920, uma pessoa que estava à "direita" do' partido. Ele fora um aliado de Stalin na luta contra Trotski, que chefiava. a "oposição de esquerda". Stalin, em contraste, conseguira se caracterizar: durante grande parte dos anos 1920 como "cenrrista" e, depois de derrotar a "esquerda", voltou-se para a "direita". Isso envolveu uma mudança fundamental da política, não apenas o acerto de contas com potenciais rivais. As mudanças foram tão radicais que têm sido alternadamente descritas como uma "revolução de cima para baixo", "revolução de Stalin", "a segunda revolução", ou (sem fundir as revoluções de fevereiro e outubro) a "terceira revolução". Simultaneamente, com a dramática mudança na economia, houve uma "revolução cultural" envolvendo uma revolta maciça de profissionais liberais e um esvaziamento de estudantes e professores de origem burguesa em instituições de ensino" , 32 O fi d .supenor. m os anos 1920 fOI marcado não apenas pelo abandono da NEP e pelo início da coletivização forçada da agricultura, mas também, em , 1928, pela introdução do Primeiro Plano Quinquenal, criado para acelerar dramaticamente a industrialização da Rússia. Stalin não teve dificuldade "' alguma para reduzir a influência de seu outrora aliado Bukharin, afastado do . Polit~~ro em 1929. Embora Bukharin tenha mantido uma posição frágil no , Comitê Central do partido até meados dos anos 1930, Stalin o prendeu em ,1 1937 e em seguida, depois de um julgamento teatral, executou-o, em 1938 .. Para comunistas reformistas posteriores, inclusive alguns em meados dos anos 1980, Bukharin se tornou um símbolo de uma maneira não stalinista de "co~str~ir o socialismo'Lv Embora pessoalmente honesto e corajoso, Bukhann ajudara a construir um sistema fortemente autoritário que tornou incontrolável o poder bolchevique (que se transformou no poder de Stalin). .CONSTRUINDO o SOCIALISMO": A RÚSSIA .. , 89 '::ndiscurso em 1931 muito citado, Stalin, depois de se referir à URSS ~ossa pátria socialista", falou da necessidade de "desenvolver um :bolchevique genuíno na construção da economia socialista", porque i~~'que ficam para trás são derrotados" e "nós nos recusamos a ser , os". Ele declarou: "Estarnos cinquenta ou cem anos atrás dos países os. Precisamos cumprir essa distância em dez anos. Ou fazemos ,tindaremos."34 Como foi feita precisamente uma década antes de oviética ser atacada por alemães nazistas, em 1941, a referência , .avançar meio século, ou mesmo um século, em dez anos tem tas vezes celebrada como um tributo a sua visão de futuro. Dez :ais, a URSS de fato tinha uma base industrial que podia atender i ;pIa indústria de armamentos, bem como recursos para vencer ír'desesperada e longa contra a Alemanha. o pago pela industrialização foi, porém, terrível. E Stalin não :tão longe quanto acreditavam seus admiradores comunistas em ·~Wtdo.Ingenuamente, ele fez um pacto com Hitler em 1939 que não que este rompesse com um ataque surpresa, como fez em junho de despreparo da União Soviética para a guerra havia sido imensamente o pelos expurgos de Stalin. Por algum motivo, ele confiou em Hitler ue confiou em muitos altos oficiais que haviam lutado no Exército o durante a guerra civil. No fim dos anos 1930, eliminou grande sunidades de oficiais do Exército. Assim, a União Soviética sofreu aiores nas primeiras fases da guerra no front russo do que teria :,seuexército estivesse preparado e liderado de maneira profissional. Transformação social e repressão .polltica ,mudanças políticas e sociais diferenciaram a União Soviética dos 30 daquela dos anos 1920. Na década de 20, Stalin, por meio de ..80S apelos aos membros comuns do partido, bem como por meio e recursos do Secretariado, derrotou politicamente seus potenciais 'o Partido Comunista. Na década de 30, ele os destruiu fisicamente. , rção da carnificina será mais comentada logo adiante, mas o regime iveu não apenas devido ao brutal emprego do terror contra os inimi- ssem eles reais ou imaginários. Prevaleceu também porque parecia '.r a esperança de um futuro melhor, fazendo as pessoas acreditarem istória estava do lado delas. Além disso, consolidou-se porque mesmo Ó prazo houve muitos vencedores, bem como perdedores. l
  • 16. , I ! ti I , I i f~~' .90 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMOf~t!,jj,~,j , 'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA,." 91 Os Comunistas no poder empreenderam um grande programa educaJ(t~·::~..i' cllrsoS superiores e setornar profissionais em diversas ocupações - tais 'li; ''' ..,/,' j'Jjizer ' cional. Na época da eclosão da Primeira Guerra Mundial, menos de 40~'} '~:~;;c~moengenheiros, arquitetos, médicos e muitas outras especialIzações. O por cent~ da população do Império Russo.era alfabetizada. Em 1926, eSSa ,;i:{,':i~normeimpulso à industrialização foi po_rsi só res.ponsá~el.r0r grande parte proporçao aumentara para um pouco mais de 50 por cento, embora hou, ·lt~.;;F~ssamobilidade SOCIal- modernização ao estilo stalinista , Os aspectos vesse grandes discrepâncias entre áreas urbanas e rurais e entre homens e ':aisterríveis do sralinismo também contribuíram a seu próprio modo para mulheres. No interior - onde o grosso da população ainda vivia em meados ',.obilidade social. O expurgo de centenas de milhares de pessoas (muitas dos anos 1920 - dois terços das mulheres eram analfabetàs:'s O início dos: ías mortas, outras enviadas para campos de trabalho forçado) produziu um anos 1930 foi marcado por uma ênfase ainda maior do que a dos anos 1920 irieroequivalente de vagas. Na medida em que um número muito maior no crescimento dos níveis de alfabetização. Estendeu-se o número de anos! ..'nte!ectuais e colarinhos-brancos do que de trabalhadores manuais era que as crianças passavam na escola e foram criadas mais turmas de alfabe.·'inado nos expurgos, as perspectivas de ascensão dos novos beneficiá rios tização de adultos. Enquanto em 1926 apenas 39 por cento das mulheres. ' ucação soviética aumentavam de maneira correspondente. e 73 por cento dos homens na Rússia rural sabiam ler e escrever, em 1939, ' ~:1exanderZinoviev, que ganhou renome como estudioso no campo da de acordo com fontes oficiais soviéticas, esses percentuais (possivelmente ta formal, e depois uma fama muito maior como autor de um relato inflados, embora não se possa averiguar o quanto) haviam se tornado 79 astadoramente brilhante e satírico sobre a política e a sociedade so- por cento no caso das mulheres e 95 por cento no caso dos homens." Nos icas, The Yauming Heights (cuja publicação no Ocidente, durante o anos 1920, havia enormes diferenças nos níveis de alfabetização entre uma " 'Ódo de Brejnev, levou à sua demissão do trabalho acadêmico e à sua nacionalidade e outra. Nessa época, 45% dos russos sabiam ler e escrever,'equente emigração para a Alemanha), descreveu o que aconteceu em mas na outra extremidade da escala estavam quirguizes, uzbeques, cheche- ' própria família: nos, turcomanos e tadjiques, que tinham índices de alfabetização inferiores ' a 5 por cento. Havia, em outras palavras, uma enorme divisão leste-oeste . ntes da Revolução,80 porcento, se não 90 por cento, da população russa dentro do país, bem como uma divisão por sexo." 'a decamponesesqueviviamemnívelde subsistência,na baseda pirâmide Juntamente com uma sociedade industrializada, o Partido Comunista' 'cial. Elestinham vidasmiseráveis,apenas um pouquinho acima do nível . d . 'o·~s servos.A Revolução produziu mudanças. "o mecornoexemplo minha estava mteressa o em errar sua própria nova elite, promovendo trabalha- .,. l' d d .i;Ópriafamília, queeradecamponeses.Comoresultadodacoletivizaçãoda ores e camponeses e e ucando a eles e seus filhos. Nisso, o partido teve sucesso. A União Soviética teve sete líderes em sete décadas, e somente o ' gricultura, meus pais perderamtudo o que tinham. Mas meuirmão mais ~1,i1Oacabou subindo e se tornando gerente de fábrica; o segundo irmão primeiro tinha profissionais instruídos entre seus antepassados. O pai de Ifihegouà patente de coronel;outros três irmãos se qua i caram como en- Lenin, conforme observado no capítulo 2, teve uma carreira tão bem-su- , h . . f d U' id d de M scou Ao mesmoen erros,e eu me tornei pro essor a nrversi a e 1 o . cedida na Rússia czarista, que foi promovido à nobreza. Stalin era filho . empo, milhões de camponesesrussos receberam uma educação formal e de um sapateiro beberrão que durante algum tempo trabalhou por conta. )lguns delesse tornaram profissionais,homens e mulheres.P própria e depois em uma fábrica de sapatos. Dos quatro líderes soviéticos ': restantes - Nikita Kruschev, Leonid Brejnev, Yuri Andropov, Konstantin . Chernenko e Mikhail Gorbachev - apenas Andropov (filho de um funcio- . nário administrativo da ferrovia) não vinha de uma família de camponeses ou operários." Milhares de p~ssoas de origem modesta ocuparam cargos em todos os níveis da hierarquia do partido. De maneira mais geral, camponeses se tornaram operários e muitos ope- rários se tornaram gerentes. Filhos de operários e, em menor proporção, de camponeses tiveram a chance, em uma proporção até então impensável, de ' esar do terrível sofrimento infligido aos camponeses, muitos beneficiá- ':'sda rápida mobilidade social, inclusive o próprio Zinoviev, chegaram à nclusão de que aquilo tudo valera a pena. Houve aqueles que tiraram um Jhete menos afortunado na loteria da vida sob o regime de Stalin e tiveram 'a opinião diferente. Entretanto, o sucesso na construção da imagem de !;:tlincomo uma figura rígida mas paternal foi tanto, que inúmeras vítimas à '~~perada execução, ou realizando trabalhos forçados nos campo~, acharam que ele interviria em benefício delas se ao menos soubesse o quanto elas
  • 17. 92 ASCENSAo E QUEDA DO COMUNISMO 'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA ... 93 estavam sendo tratadas injustamente. A maioria não culpou nem Stalin nem o sistema, interpretando seu destino como uma falha no funcionamento do ' sistema, e não como uma característica do próprio sistema. O enorme número de pessoas que foram vítimas do terror do Estado nos anos 1930 excedeu muito o dos anos 1920. Nos característicos "jul- gamentos teatrais", as vítimas eram espancadas para recitar um roteiro preparado pela polícia política, admitindo crimes que não 'poderiam ter' imaginado, e menos ainda cometido. Estes eram~ma invenção d~ era do' "alto stalinismo" - o período que vai de meados dos anos 1930 até a ,; morte de Stalin. Mas naquela época, até mesmo um indício de oposição I a suas políticas por parte de membros do Partido Comunista governanrs levava à prisão e, geralmente, à execução. Embora a ideia de assassinar seus camaradas do partido tenha sido impensável para Lenin, foi ele quem! serviu de instrumento para acionar a brutal máquina mortífera que Stalin . "criativamente desenvolveu". Em dezembro de 1917, uma reunião do Sovnarkom presidida por Lenin f estabeleceu a Cheka. Não houve sequer um decreto criando essa predecessora ; do NKVD e do KGB. A rigor, a Cheka não tinha uma base legal, mas isso não I inibiu seu funcionamento. Os principais propulsores da fundação desse braço político e punitivo da polícia do Estado foram o próprio Lenin e o revolucio- nário polonês que se tornou o primeiro chefe da Cheka, Felix Dzerzhinsky.t" A disposição de Lenin para usar a violência de maneira brutal é ilustrada em . uma carta enviada por ele a Vyacheslav Molotov, que mais tarde se tornaria um dos aliados mais próximos de Stalin, presidente do Sovnarkom e ministro ' do Exterior soviético. Escrevendo em 19 de março de 1922, Lenin declarou: "Quanto mais representantes do clero reacionário e da burguesia reacionária conseguirmos matar, melhor. Neste exato momento, precisamos ensinar a esse público [essa lição], para que durante várias décadas eles sequer ousem sonhar em qualquer resistência.?" Ainda assim, o uso do terror por Lenin foi muito mais seletivo do que por Stalin, e foi direcionado contra opositores da revolução bolchevique, e não contra aqueles que a apoiavam (como foi o caso de dezenas de milhares de vítimas de Stalinj.? O primeiro julgamento de pessoas que realmente haviam colaborado I com autoridades soviéticas foi o de engenheiros de origem "burguesa" con- siderados culpados desabotagem, em 1928, no que ficou conhecido como Julgamento de Shakhty. Mais de cinquenta engenheiros e técnicos que í trabalhavam na bacia de Donetsk (Donbass), na Ucrânia, foram acusados de sabotagem. O julgamento marcou o lançamento de uma campanha ~ada contra "destruidores", embora a maioria das provas de sabo- ': ~deliberada contra os acusados de Shakhty fosse frágil. Aqueles que '~~~ram o crime o fizeram sob pressão. Cinco dos réus de Shakhty "leXecutados em julho de 1928 e a maioria dos outros ficou presa. "foram libertados.43 Comparados ao período entre 1928 e 1931, os "uatro anos que se seguiram - entre 1932 e o primeiro semestre .~foram uma espécie de pausa para respiração antes dos Grandes' &~de 1937-38. '. MULHERES NA SOCIEDADE SOVIÉTICA ·asmuitas transformações sociais ocorridas nesse período da história .~,uma das maiores foi a da posição das mulheres. Essa transfor- 'tai,rflIonge de ser a autêntica libertação das mulheres proclamada . aganda soviética, mas um dos primeiro atos dos bolcheviques , foi pô-Ias em pé de igualdade legal com os homens. Embora as tenham sido levadas para a força de trabalho industrial e espe- .~ da União Soviética em uma proporção muito maior do que na 'pré-revolução, a maioria delas, que era de camponesas, há muito ,desempenhava um papel importante na economia rural- partici- ~da ceifa, da limpeza dos terrenos e do enfardamento do feno, bem cuidando da horta, além de assumir praticamente todas as tarefas tjcas, incluindo cuidar dos filhos." Mas, fosse casada ou não, a 'n~o tinha direito a heranças - exceto seus dotes de noiva e alguns s domésticos - enquanto um parente do sexo masculino vivesse 'a.em algumas regiões tenha havido exceções para viúvas]." Mudar utura legal ajudou - ainda que devagar e muito parcialmente - a r profundamente atitudes sociais enraizadas. os primeiros anos do governo Comunista, o controle religioso sobre rnento e o divórcio foi abolido, apenas o casamento civil era reco- ido e o divórcio se tornou fácil e barato. O aborto foi legalizado em ,I embora fosse visto não como parte da libertação das mulheres, mas q um mal necessário e temporário. O aborto sancionado pelo Estado brigatório para ajudar a reduzir a grande incidência de mortes asso- }.as a abortos ilegais." As mulheres sob o governo soviético hão apenas ~~am direito a um trabalho remunerado, como eram solicitadas a integrar :9rça de trabalho, o que a grande maioria delas fez. Até a guerra estourar tempo de guerra, as condições se tornaram devastadoramente piores),
  • 18. I' 'I, I 94 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO .CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA ... 95 as mulheres na União Soviética tinham que cumprir a famosa jornada du- pla, combinando o trabalho em horário integral em fábricas, campos ou escritórios com a responsabilidade total (mais frequentemente do que não) pelas tarefas domésticas. E elas tinham que fazer isso sem os instrumentos facilitadores do trabalho - cada vez mais disponíveis às mulheres ociden_, tais - ao mesmo tempo que enfrentavam filas e escassez de produtos, o;' que era parte indissociável da economia soviética. Isso, não simplesmente" porque a URSS tinha uma economia de comando, e ~ão' de mercado. . " mas porque as prioridades políticas dos planejadores estavam na esfera da ,: indústria pesada e de defesa, com um concomitante subdesenvolvimento do setor de serviços e da produção de bens de consumo." O aspecto positivo foi que a rápida melhoria das oportunidades de educação para as mulheres' permitiu a uma minoria significativa delas obter qualificações profissionais e . oportunidades de carreira que antes de 1917 estavam disponíveis a poucas. Outras, porém, viram-se realizando pesados trabalhos braçais que antes não eram desempenhados por mulheres, pelo menos no ambiente urbano. , Nos anos 1930, outras mudanças legais e sociais ocorreram na posição ' das mulheres na sociedade soviética. Paradoxalmente, Stalin - à luz de , sua notável contribuição para reduzir o número de cidadãos soviéticos por meio de execuções - ficou preocupado com o tamanho insuficiente da população. As condições de vida eram tais - apartamentos comunitários ' apertados nas cidades, em conjunção com a jornada dupla das mulheres - que para os moradores urbanos era extremamente difícil ter famílias grandes. As autoridades soviéticas decidiram que a resposta a esse problema : era tornar o divórcio mais difícil, o aborto ilegal e celebrar a família como instituição. Um decreto de junho de 1936 proibiu o aborto, exceto quando houvesse fortes motivos médicos, e em novembro do mesmo ano as exce- ções se tornaram sujeitas a critérios mais rigorosos. Essas medidas foram ! acompanhadas de uma ampla campanha de propaganda sobre os perigos do aborto, sem qualquer referência aos riscos ainda maiores de interromper a gravidez com praticantes de aborto ilegais. Foram oferecidos incentivos financeiros a famílias grandes, sendo o bônus especialmente alto para cada filho além dos primeiros dez de uma família. Os beneficiários dessa genero- sidade do Estado eram predominantemente camponeses, e não moradores de cidades. Os últimos, no entanto, se beneficiaram de uma ampliação das creches e clínicas pediátricas, como parte do incentivo à natalidade." Na ' mídia soviética, havia uma nova ênfase à santidade da família. Como ob- servou David L. Hoffmann, "Em meados dosanos 1930, a percepção das .~, idades soviéticas sobre as famílias evoluíra. Elas não apenas viam as ~ias fortes como um meio de maximizar o índice de natalidade como :aram a achar que a família devia incutir os valores e a disciplina so- os nos filhos e, portanto, atuar como um instrumento do Esrado.?" .bora tivessem alguma coisa em comum com as políticas pró-natali- de outros países, as políticas soviéticas para promover uma taxa de idade maior tinham também características distintas. As mulheres incentivadas a continuar trabalhando durante a gravidez e a voltar ao lho depois do parto. Em 1936, o Politburo aprovou um decreto que 'ti·delito criminal recusar trabalho a uma mulher grávida ou reduzir 'fgamento durante a gravidez. E "em nenhum momento, durante a ha para aumentar a família, as autoridades soviéticas sugeriram gar da mulher era em casa"." .lÍtica cultural mudou em vários aspectos nos anos 1930, inclusive na . ntação visual das mulheres. A mulher musculosa e totalmente vestida 'da em cartazes e na mídia durante o Primeiro Plano Quinquenal igar, em filmes e jornais, a imagens de mulheres que enfatizavam a Üidade.51 De maneira mais geral, os anos 1930 tiveram alguma reabi- . dos aspectos da vida burguesa, entre os quais as danças nos salões. to os anos 1920 produziram mais uma "alta cultura" marcante, o o de 1932-36 teve uma expansão da cultura popular. O folclore - vezes um pseudofolclore - foi oficialmente incentivado, sem, porém, '"gredientes religiosos. A título de contraste, esta foi também a "era lha do jazz", em que bandas ocidentais e soviéticas visitaram muitas ~S.52Apesar da doutrina do "realismo socialista", que deveria permear 'arte - e que na prática significava expor a degradação do capitalis- lorificando a vida soviética e sustentando um otimismo obrigatório 'elação ao futuro da sociedade - houve alguma arte popular de massa ,,'te o período soviético. Nos anos 1930, aumentou muito o número -lnemas na União Soviética, mas à medida que a década avançou, os .es estrangeiros mais populares eram vistos cada vez menos. A virada em 1936, quando a repressão aumentou. A cultura de massa soviética ornou mais completamente "foldorizada" e as importações se tornaram is profundamente suspeitas.P Os cidadãos soviéticos também foram ,resentados a uma versão artisticamente aprimorada e esterilizada de sua ~pria experiência pós-revolução. Como observou, porém, o historiador do 'ema soviético Richard Taylor, entre as duas guerras mundiais, as plateias 'URSS preferiam Charlie Chaplin, Buster Keaton, Douglas Fairbanks e 1__ --------------------------------------------
  • 19. 96 ASCENSÃO E QUEDA DO COMUNISMO Mary Pickford a "tratores e a história do que deveria ser, afinal de contas, sua Revolução. Em outras palavras, preferiam escapar do realismo, pOr mais irreal que o realismo pudesse, de fato, ser"." A ditadura pessoal de Stalin Em diversos aspectos, no fim dos anos 1920, e principalmente depois do início dos anos 1930, houve um grande salto para trás, assim como para a frente." A celebração da data oficial do quinquagésimo aniversário de Stalin - 21 de dezembro de 1929 - foi marcada pelo lançamento do que mais tarde seria chamado de "culto à personalidade". Embora isso tenha ajudado a sustentar o poder exagerado de Stalin, ele achava que isso também ' se adequava à psique russa. Pode-se argumentar que estava, pelo menos, ' de acordo com uma forte tradição russa. As revoluções de 1917 "haviam expulsado em rápida sucessão tanto o czar quanto Deus, esses antigos apoios e focos de devoção". 56 Com a morte de Lenin, seguida rapidamente da remoção de Trotski do poder e de seu subsequente exílio, o regime foi privado de seus líderes mais inspiradores, embora fortemente autoritários. Não era desejável recorrer à democracia como uma base de sua legitimidade, já que isso teria levado à rejeição eleitoral e à derrota do projeto leninista, conforme interpretado por Stalin. Dessa forma, como explica o historiador britânico john Gooding: [...] o regime sob Stalin tomou um rumo antibolchevique, mas profunda- mente russo, de restauração do elemento carismático. Stalin fez isso com tanto sucesso, que no fim dos anos 1930 grande parte da população se tor- nara miseravelmente dependente dele. O objetivo de Lenin de um genuíno apoio maciço e de uma ligação verdadeira entre o povo e os governantes foi, assim, alcançado, mas alcançado por meios que nada tinham a ver com o socialismo ou com as ambições originais dos bolcheviques.F o XVII Congresso do Partido Comunista, realizado no início de 1934, foi chamado de "o Congresso dos Vitoriosos". Aparentemente, os inimigos internos haviam sido derrotados, a coletivização da agricultura fora con- sumada e a rápida industrialização estava indo bem. O clima mudou com o assassinato de Sergey Kirov, chefe do Partido Comunista em Leningrado (nome dado à antiga capital, São Petersburgo - rebatizada de Petrogrado durante a Primeira Guerra Mundial- depois da morte de Lenin). A morte 'CONSTRUINDO O SOCIALISMO": A RÚSSIA." 97 .' de Kirov, em dezembro de 1<134, levou a uma onda de prisões. Tem ,~s. I do que o próprio Stalin foi responsável pela ordem de assas- especu a , ' fo tanto porque talvez o temesse como potencial rival, quanto talvez 'o~ma desculpa para iniciar uma novaonda de terro:. ~enhuma prova timplicidade de Stalin (fortemente insinuada ~or Nlkl~~ ,Kruschev em. " o no XX Congresso do Partido Comunista Soviético, em 1956) ~~ , .~ém! apresentada, mesmo depois da abertura parcial dos arqul~os ícos no fim dos anos 1980 e início dos 1990. Certamente, porem, "e ~proveitou plenamente da atmosfera cri,ada pelo ass~ssinato de ara acertar muitas contas. Alguns dos antigos bolcheviques mars entes, que haviam se oposto a ele nos anos 1920 e antes, entre 'igory Zinoviev e Lev Kamenev, foram presos, embora não tivessem ~fálguma com a morte de Kirov. Ambos foram executados em 1936. <':tigo bolchevique Zinoviev não tinha relação alguma com o escritor der Zinoviev, cujo relato positivo sobre a ascensão profissional de sua . já foi citado. O nome tipicamente ruSSO deste último era original, rigory Zinoviev e Kamenev haviam trocado seus sobrenomes judeus ;~t'ros, russos. Embora a suspeita de Stalin sobre os judeus fosse se '[ mais evidente nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, já nos 1930 a origem judaica não era recomendável aos seus olhos. Kamenev ~r~muito as coisas tanto por se casar com a irmã de Trotski quanto a ocasião, oscilar na disputa entre Stalin e Trorski. No início dos anos ,ele apoiara Stalin contra Trotski, porém mais tarde, naquela década, 'imou-se da "oposição de esquerda". Foi expulso três vezes do Partido '~(~ista, e nas duas primeiras readmitido. Sua última expulsão, em 1?34, prelúdio de sua prisão, em 1935, e de sua execução no ano seguinte. '"poder pessoal de Stalin aumentara durante a primeira metade dos 1930, mas foi com seus expurgos em massa, entre 1936 e 1938, que ltimos vestígios do regime oligárquico deram lugar à ditadura pessoal. tn0 observa o historiador russo (e veterano pesquisador dos arquivos do ;ado russo) Oleg Khlevniuk: I A tese do papel decisivo do "Grande Terror" na consolidação da ditadura , pessoal de Stalin tem sido aceita há muito tempo na historiografia, e novOS documentos a confirmam completamente. Valendo-se de órgãos punitivos, . Stalin fezcom que vários membros do Politburo fossem executados e subor- dinou seus colegas restantes com ameaças de violência a eles e suas famílias. [...] Líderes mais jovens levados para o Politburo por Stalin ascenderam [..,]