SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
O fim dos bancos, do dinheiro e do sistema financeiro internacional
1. 1
O FIM DOS BANCOS, DO DINHEIRO E DO SISTEMA FINANCEIRO
INTERNACIONAL
Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar o provável fim dos bancos, do dinheiro e do
sistema financeiro internacional e suas consequências. O fim dos bancos está próximo
porque a tecnologia está colocando em xeque o mercado bancário, haja vista que, hoje,
as pessoas se preocupam muito mais com a possibilidade de pagar qualquer coisa com
um cartão de crédito ou débito, sem precisar tirar o dinheiro do banco. Isso está
tornando os bancos desnecessários. O dinheiro, em sentido tradicional, morreu há duas
décadas, eclipsado por uma economia de trocas digitalizadas. A morte do cheque, do
dinheiro em papel ou em metal e do cartão está se acelerando os quais estão sendo
substituídos por pagamentos digitais. Enquanto isto, o sistema financeiro mundial está
em processo de desmoronamento com o inevitável colapso do dólar. No sistema
financeiro internacional liderado pelo dólar norte-americano começa a acontecer a perda
acelerada da confiança nesta moeda. Nos últimos anos vários países têm buscado
ativamente oportunidades de criar uma moeda de reserva alternativa e abandonar o
dólar. O fim do dólar levará a três cenários: 1) sua substituição por uma moeda mundial
(SDR- Direitos Especiais de Saque: uma moeda criada pelo Fundo Monetário
Internacional usado para pagamentos entre países); 2) a adoção do padrão ouro; e, 3) a
desordem social. Destes três cenários, o mais provável é o da desordem social quando
os governos neofascistas em todo o mundo e organismos financeiros mundiais ocuparão
o poder para atuar com mão de ferro para controlar o sistema financeiro global.
1. O fim dos bancos
Há meio século, a atividade bancária era relativamente simples cujo papel era o de ser
intermediário entre os poupadores e os emprestadores. Os bancos passaram por um
processo de transformação em sua atividade principal. Beneficiando-se da abertura da
economia mundial a partir da década de 1990, estas instituições se transformaram em
grupos financeiros diversificados e em conglomerados cujos lucros provêm
principalmente da criação de crédito, que se converteu no principal meio de criação de
moeda. Neste processo, os Bancos Centrais da grande maioria dos países perderam
completamente o controle de seus sistemas econômicos.
Os bancos conseguem os seus maiores lucros de sempre facilitando a concentração e
centralização do capital. Uma fonte importante de lucros dos bancos está na especulação
em geral, inclusive sobre a negociação da dívida dos países e apostando nos mercados
mundiais de valores. Nenhum outro setor da economia pode ostentar taxas de retorno
tão elevadas, nem mesmo qualquer uma das maiores empresas do setor produtivo
podem sequer igualar os lucros recordes do sistema financeiro.
Os valores das transações mundiais ilustram a dimensão do setor financeiro: em 2002, o
PIB mundial era de 32,3 trilhões de dólares, enquanto as transações financeiras
somavam 1.140,6 trilhões de dólares. No início da crise, em 2008, enquanto o PIB
mundial era de 60,1 trilhões, as movimentações financeiras atingiam 3.628 trilhões de
dólares (CHESNAIS, François. Les dettes illégitime. Quand les banques font main
basse sur les politiques publiques. Paris: Editions Raisons d´agir, 2011). Segundo
François Chesnais não haverá fim para a crise econômica mundial que eclodiu em 2008
nos Estados Unidos enquanto os bancos e os investidores financeiros estiverem no
comando, com os governos adotando políticas totalmente dirigidas pelos interesses dos
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rentistas e para dar sobrevida ao regime guiado pela dívida como vem acontecendo
atualmente.
Qual é o futuro dos bancos? O livro O fim dos bancos de Jonathan McMillan (São Paulo:
Editora Schwarcz S.A. 2018) discute o papel dos bancos num mundo cada vez mais
digitalizado e também os problemas que o sistema financeiro pode gerar. A resistência
aos bancos ganhou corpo a partir da crise de 2008, quando gigantes bancários foram
responsabilizados pelo terremoto financeiro que assolou o planeta e drenaram recursos
gigantescos, nunca vistos, dos governos, especialmente nos Estados Unidos. Neste país,
o Congresso aprovou um plano de recuperação de 700 bilhões de dólares de acordo com
a revista Time e o governo americano investiu um total de 10 trilhões de dólares para
ajudar os bancos e sanar o colapso financeiro que estava ocorrendo. Desde a crise de
2008, a ideia de acabar com os bancos vem adquirindo ressonância.
Jonathan McMillan pergunta: como viver sem banco? Como pagar as contas, fazer
transferências e guardar nosso dinheiro? O livro O fim dos bancos dá explicações
inequívocas sobre estas questões. McMillan apresentou soluções para a ocorrência de
uma nova crise financeira admitida como provável por muitos economistas ao redor do
mundo. Ele citou, por exemplo, o grande risco da economia chinesa, cuja dívida interna
promete chegar a um montante que poderá leva-la ao colapso de uma hora para outra.
Recentemente o Deutsche Bank emitiu um relatório no qual elenca onze riscos que
podem gerar uma nova crise financeira, incluindo o fraco desempenho da economia
japonesa, a saída do Reino Unido da União Europeia e a situação econômica da Itália.
Muitos economistas estão chegando à conclusão de que é preciso extinguir os bancos.
É oportuno observar que a grande drenagem financeira que os bancos exigiram por
ocasião da crise de 2008 não impediu que eles obtivessem lucros gigantescos desde
então. A partir de 2008, o setor bancário tornou-se mais concentrado do que nunca. Nos
Estados Unidos, por exemplo, o número de bancos caiu pela metade em 2009, ao passo
que a participação dos quatro maiores bancos americanos subiu de 14% para mais de
40%. E eles são cada vez mais lucrativos. Em 2018, o lucro de apenas dez dos maiores
bancos americanos bateu o recorde. No Brasil, o fenômeno é idêntico: em 2016, os
cinco maiores bancos brasileiros tiveram juntos um recorde com um lucro líquido de 69
bilhões de reais.
Jonathan McMillan explica a função dos bancos e os motivos pelos quais eles são
nocivos à saúde financeira da sociedade em todo o planeta. Para acabar com a
preocupação de como pagar contas, fazer transferências e guardar o salário, McMillan
explica que essas são atividades bancárias que não precisam mais ser exercidas pelos
bancos. Ao contrário: são serviços que podem ser executados pela tecnologia, o que
efetivamente já acontece. A tecnologia financeira,“fintech” adotada pelos bancos é um
amálgama de “finanças” e “tecnologia”, que se disseminou nos últimos anos e os
próprios bancos criaram laboratórios de inovação, implantando soluções tecnológicas e
empregando cada vez mais robôs para as decisões de investimento, em vez do clássico
gerente bancário Na verdade as fintechs apenas deram soluções tecnológicas a
funcionalidades bancárias, mas não promoveram transformações substancias no sistema
financeiro.
Jonathan McMillan afirma que essas questões não são as fundamentais quando se
discute o papel dos bancos. Desde a Idade Média, quando os bancos foram criados, a
função principal deles era o de recolher depósitos de quem tinha moeda excedente e,
com eles, fazer empréstimos. Ou seja, a verdadeira função dos bancos é criar moeda
3. 3
interna por meio de crédito. Na era digital, as atividades bancárias não só fugiram ao
controle como perderam a razão de ser. Embora já não sejam necessárias, elas
continuarão a dominar o sistema financeiro por algum tempo. As novas possibilidades
de gerenciar a moeda e o crédito não podem prevalecer enquanto as atividades bancárias
descontroladas ainda forem possíveis. Com plenas garantias governamentais e sem
regulação eficaz, elas continuarão lucrativas demais, apesar dos tremendos custos que
impõem à sociedade. Por isso, é preciso acabar com as atividades bancárias.
Os três motivos principais identificados por Jonathan McMillan que justificam o fim da
existência dos bancos são os seguintes: 1) O risco excessivo que assumem ao fazer suas
operações de crédito, emprestando valores que não possuem, levando à criação de
derivativos e se expondo a uma corrida bancária. Imagine se todos os depositantes de
um grande banco corressem ao caixa para sacar seus depósitos. E, na verdade, o risco
não é dos bancos, mas do governo, que sempre garante a liquidez dos depósitos, sob a
máxima de que “são grandes demais para falirem”; 2) a atividade bancária se mistura e
intoxica as políticas monetárias, criadas pelos bancos centrais para impedir crises
sociais e econômicas, como inflação e desemprego. A conexão entre bancos e questões
de caráter nacional nunca podem produzir bons resultados; e, 3) a excessiva politização
dos bancos centrais. A parte final do livro é, talvez, a mais interessante pelo fato de
fazer propostas concretas para exterminar os bancos. A principal delas é dividir as
atividades bancárias em duas linhas de negócios separadas — a de emprestar e a de
guardar — evitando assim a criação de moeda interna, não lastreada.
McMillan propõe que o contrato de depósito bancário voltaria a ser um contrato de
guarda segura. Os depositantes de bancos restritos não receberiam juros, uma vez que
seus depósitos não seriam mais usados para conceder empréstimos. Os bancos teriam
que ter 100% de cobertura em dinheiro, ou seja, ter em caixa o equivalente dos
depósitos recebidos. Essa exigência garantiria que sempre fossem capazes de atender
aos pedidos de retirada dos depositantes. Se ocorresse, por exemplo, uma corrida aos
bancos, eles teriam liquidez para honrar todos os depósitos feitos pelos clientes,
dispensando, assim, a garantia do governo, o envolvimento com os bancos centrais e,
principalmente, o empréstimo de valores que não possuem.
O fim dos bancos está próximo não apenas pelos fatos expostos, mas porque a
tecnologia está colocando em xeque o mercado bancário. No setor financeiro, essa
transformação já começou. Esta mudança ainda está no começo, mas a necessidade de ir
a um banco para fazer algo relativamente simples como guardar o seu dinheiro, já é
coisa do passado. Dentre as centenas de serviços que uma instituição dessas poderia
oferecer, o mais importante era que o seu dinheiro estivesse seguro e acessível a todo
tempo. Com a evolução da tecnologia, guardar o dinheiro perdeu relevância. Hoje as
pessoas se preocupam muito mais com a possibilidade de pagar qualquer coisa com um
cartão de crédito ou débito, sem precisar tirar o dinheiro do banco. Isso pode tornar os
bancos desnecessários. O que as pessoas começaram a perceber é que o serviço entregue
pelos bancos não atende mais às suas necessidades. As empresas, por sua vez, já estão
enxergando isso, e a cada dia caminham em direção a mudança das suas operações de
envio e recebimento de dinheiro dos bancos.
No mundo, uma categoria completamente inovadora de serviços financeiros foi batizada
de payment banking. Um novo tipo de empresa presta serviços muito similares aos
bancos, porém não são instituições financeiras de fato, e sim intermediárias de
pagamentos. Alguns exemplos são o PayPal, PayTM e o AirTel. No Brasil, estamos
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caminhando para um ambiente de desbancarização total dos serviços financeiros. Com a
regulamentação dos arranjos de pagamento pelo Banco Central e o entendimento das
competências das instituições desse tipo, o Banco Central poderia oferecer ao mercado a
possibilidade de tirar o poder dos cinco maiores bancos do Brasil e democratizar o
acesso ao sistema financeiro nacional.
2. O fim do dinheiro
O dinheiro, em sentido tradicional, morreu há duas décadas, eclipsado por uma nova
economia de trocas. A era da morte do dinheiro está se viabilizando com a construção
de novas relações econômicas. Estas novas relações são as seguintes:
Pura troca, que não envolve o uso de dinheiro de forma alguma;
Troca parcial, que é projetado para minimizar o uso de dinheiro oficial; e,
Troca baseada no uso de dinheiro alternativo ao dinheiro oficial.
A morte do cheque, do dinheiro em papel ou metal e do cartão está se acelerando. Todos
estão sendo substituídos por pagamentos digitais. A desmaterialização do dinheiro
avança, mesmo para aqueles que não têm conta em bancos os quais não precisam mais
ter conta em banco para ter acesso ao sistema financeiro. Tudo está mudando: quem
processa o pagamento, como fazemos o pagamento e a moeda utilizada. A China, por
exemplo, abandonou o dinheiro indo direto para pagamentos digitais, sem passar pelo
cartão de crédito porque é muito caro lidar com o dinheiro físico (segurança, transporte,
onde armazenar, manuseio, transferências).
Plataformas digitais, como Google, Facebook e WeChat (uma mistura chinesa de Face,
Google, WhatsApp, banco digital, IFoods) estão virando agentes financeiros e vão
desafiar os bancos. Débito em conta ou cartão de crédito vai ser substituído por
autorizações biométricas (comando de voz ou reconhecimento facial, que lê o rosto e
transfere para a loja onde a pessoa está). Ou possibilidade é a pré-autorização de
pagamento, como fazemos quando usamos o Uber. Na Dinamarca já se paga de forma
digital. As lojas AmazonGo registram a entrada do cliente pelo celular, ele pega o que
quiser, sem passar no caixa. Já são efetuados pagamentos de contas cedendo dados ou
usando pontos em programas de fidelidade. Com as criptomoedas, como o bitcoin, a
digitalização de pagamentos vai aumentar.
Cabe observar que o bitcoin é uma criptomoeda descentralizada, sendo uma forma de
dinheiro eletrônico. Bitcoin é uma moeda digital, descentralizada e que não necessita de
terceiros para funcionar. Isso significa dizer que não depende de bancos, grandes
corporações ou governos para movimentar o dinheiro. O Bitcoin foi a primeira
criptomoeda do mundo e há oito anos funciona sem qualquer interrupção, baseada em
uma rede descentralizada extremamente segura chamada Blockchain criada por Satoshi
Nakamoto. As principais vantagens do bitcoin são: liberdade de pagamento, taxas
menores, segurança, privacidade, controle e transparência. Nenhum Bitcoin pode ser
confiscado. Pode-se efetuar pagamentos com taxas menores. Além disso, Bitcoin é
seguro e dá mais privacidade, controle e transparência nas negociações.
O Bitcoin pode ser utilizado também como investimento para quem está procurando
diversificar seu patrimônio para ter melhores ganhos. O Bitcoin trouxe excelentes
retornos e a tendência é que ele se torne mais popular a longo prazo. O Bitcoin é mais
seguro do que o dinheiro que a pessoa tem hoje no banco. O nível de segurança
proporcionado pelo Bitcoin é muito superior aos dos bancos tradicionais. No Bitcoin
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não há um único ponto de falha, para algum ator malicioso conseguir atacar a rede
porque seria necessário invadir milhões de computadores em todo mundo que é uma
tarefa impossível. Com o Bitcoin a pessoa tem seu próprio banco, Baixar uma carteira
de bitcoin é como ter disponível uma agência bancária em suas mãos 24 horas por dia.
Sem taxas, sem um gerente chato e capaz de transferir em instantes sua transação.
Criar uma carteira de bitcoin é fácil e não custa nada. Assim como há diversas maneiras
de interagir com seu banco, também é possível interagir de diversas formas com sua
carteira de bitcoin, via app no smartphone e programa no seu desktop/notebook. A
tecnologia Blockchain ("Cadeia de Blocos" em inglês) é um tipo de banco de dados
distribuído onde são registradas as transações bitcoin. Esta tecnologia permite que esses
dados sejam transmitidos entre todos os participantes da rede de maneira
descentralizada e transparente. Dessa maneira, não é necessária a confiança em um
terceiro ou entidade central para que os dados de contabilidade estejam corretos e não
sejam fraudados. O blockchain é um livro público de transações, apesar de ter algumas
informações anônimas. O bitcoin está associado a um número que somente seu
proprietário conhece bastando uma conversão para um câmbio não virtual que tudo fica
às claras.
3. O fim do sistema financeiro internacional
Enquanto os bancos e o dinheiro estão com suas existências ameaçadas, o sistema
financeiro internacional está em processo de desmoronamento com o provável colapso
do dólar. Cabe observar que nenhuma moeda de reserva como o dólar existiu
eternamente. O dólar já domina o mundo durante quase um século. Embora se considere
que o dólar substituiu a libra esterlina britânica após a conferência de Bretton Woods,
no final da Segunda Guerra Mundial, o valor da libra já tinha decaído muito tempo
antes dessa conferência.
O sistema financeiro liderado pelo dólar norte-americano começa a apontar a perda
acelerada da confiança nesta moeda. A perda de confiança no dólar se manifesta no fato
de os bancos centrais de todo o mundo estarem excluindo a moeda norte-americana das
suas reservas. Esta perda de confiança resulta do fato de a atual crise econômica
mundial mostrar que um sistema monetário baseado em papel-moeda emitido
livremente e sem lastro pelos governos em todo o mundo é algo inerentemente instável
cujas inevitáveis consequências desse processo são: o crescimento econômico artificial,
a euforia e os maus investimentos que tal crescimento gera, e, finalmente, as depressões.
Tudo leva a crer que nas próximas décadas a economia global vai passar de uma
dominância dos Estados Unidos e do dólar para um sistema em que a Ásia possuirá
mais poder. No contexto monetário, isso significa que o dólar, provavelmente, var ficar
mais barato em relação às outras moedas, inclusive o ouro. É importante observar que o
dólar obteve seu estatuto como moeda mundial graças ao poderio da economia norte-
americana. Mas a situação atual não favorece o reforço da sua posição, ou mesmo a
manutenção dela diante da ascensão da China como potência econômica hegemônica.
É oportuno observar que, desde que o Ocidente abandonou o padrão ouro clássico (em
que as transações eram feitas em moedas de ouro ou em certificados lastreados 100%
em ouro) em 1914, o sistema monetário internacional vem oscilando entre um sistema
ruim e outro pior. Alguns países adotam câmbios fixos e logo depois se arrependem e
retornam para o câmbio flutuante. Outros países fazem o movimento inverso. Em 15 de
agosto de 1971, ao mesmo tempo em que impunha um congelamento de preços e
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salários em uma vã tentativa de controlar a explosiva inflação de preços, o presidente
dos Estados Unidos, Richard Nixon, impôs um estrondoso fim ao sistema de Bretton
Woods que estabelecia o padrão ouro para o sistema financeiro internacional. Como os
bancos centrais europeus estavam ameaçando redimir em ouro o máximo possível de
seus inchados estoques de dólares, Nixon acabou completamente com o que restava do
padrão ouro. Pela primeira vez na história americana, o dólar era totalmente fiduciário,
sem qualquer lastro em ouro.
Desde que os Estados Unidos abandonaram completamente o padrão ouro em agosto de
1971 e estabeleceram o sistema de papel-moeda flutuante em março de 1973, os Estados
Unidos e o mundo sofreram o mais intenso, o mais constante e o mais prolongado
período inflacionário da história mundial. Está ficando claro que o mundo não mais
admite as crises geradas por essa inflação sem precedentes e sem obstáculos, que foi
trazida pelo sistema de moedas fiduciárias flutuantes ente si, implantadas desde 1973.
Olhando para o futuro, o diagnóstico que se pode fazer para o dólar e para o sistema
monetário internacional é de fato sombrio. A menos que retorne ao padrão ouro
clássico a um preço realista, o sistema monetário internacional está fadado a se alternar
continuamente entre taxas de câmbio fixas e flutuantes, sendo que cada sistema seguirá
enfrentando problemas insolúveis e funcionando insatisfatoriamente, até chegar à
desintegração final. E estimulando essa desintegração estará inevitavelmente a inflação
da oferta de dólares.
Os prospectos para o futuro são de acelerada inflação monetária nos Estados Unidos,
seguida de um colapso monetário internacional. Esse prognóstico só poderá ser mudado
caso haja uma drástica alteração no sistema monetário norte-americano e internacional
com o retorno a uma moeda-commodity de livre mercado - tal como o ouro -, e uma
remoção total da ingerência governamental sobre as questões monetárias. Os dados
sobre as reservas de divisas demonstram uma diminuição do papel do dólar. Em 2018 a
parte do dólar nas reservas internacionais caiu até 61,7%, que é o nível mínimo nos
últimos 20 anos.
Nos últimos anos vários países têm buscado ativamente oportunidades de criar uma
moeda de reserva e abandonar o dólar. O comércio de petróleo entre a Rússia e a China
já é realizado sem a participação do dólar, Estes países intensificaram a extração de
recursos e começaram a comprar mais ouro para se prepararem para o colapso da moeda
norte-americana. A tendência de abandonar o dólar indica claramente a diversidade de
moedas mundiais capazes de substituí-lo como, por exemplo, o euro e o Yuan chinês.
Depois da saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, a União Europeia
tenciona comprar petróleo sem usar o dólar. Depois que a Rússia e a China decidiram
passar a usar o Yuan em vez do dólar, uma onda de “desdolarização” cobriu o mundo, O
Irã, a Venezuela, Angola, Indonésia, Malásia, Tailândia e Paquistão já expressaram seu
desejo de abandonar o dólar ou reduzir seu uso no comércio de petróleo e outras
transações financeiras. A Rússia entende que, sob a pressão do petrodólar sua economia
corre o perigo de ser estrangulada. James Rickards, autor de The Death of Money
(Penguin Random House UK), propõe criar uma nova moeda globalmente competitiva e
respaldada pelo ouro, que seja suficientemente forte para derrubar o sistema do dólar.
O abandono do dólar como moeda de reserva mundial é impulsionado também pela
possibilidade da explosão da bolha da dívida pública dos Estados Unidos que atingirá
140% do PIB até 2024. A previsão do Departamento de Orçamento do Congresso dos
Estados Unidos é o de que o déficit fiscal deste ano seja de US$ 897 bilhões e, em 2022,
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exceda a marca do trilhão. Especialistas especulam que o governo norte-americano tem
pouco tempo para reverter esta situação que, caso contrário perdure, o país enfrentará uma
crise em grande escala comparável à Grande Depressão dos anos 1930. Caso a economia
global não seja capaz de digerir essa enorme dívida, a crise subsequente levará o mundo à
depressão econômica, à pobreza em massa, instabilidade geopolítica, agitação política e
guerras.
Segundo o relatório do Instituto de Finanças Internacionais, a dívida global aumentou em 3,3
trilhões de dólares no ano passado, para 243 trilhões de dólares. Trata-se de um montante
recorde três vezes superior ao PIB mundial. Nos países desenvolvidos, o índice de
endividamento, extremamente elevado, atingiu 390% do PIB. A economia mundial pode não
resistir à dívida de 243 trilhões de dólares. Os economistas alertam que, quando esta bomba de
vários trilhões de dólares plantada sob a economia mundial explodir, a crise será pior do que
a de 2008. No final de 2018, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou a insustentável
dívida global como a principal ameaça para a economia mundial. O FMI afirmou que a
verdadeira máquina da dívida global são os Estados Unidos, cujo déficit quase triplicou
desde 2000 e agora excede 73,6 trilhões de dólares, o que representa 106% do PIB. A dívida
global dos Estados Unidos é um fator que está contribuindo para o abandono do dólar como
moeda de reserva mundial.
James Rickards afirma em sua obra The Death of Money que o fim do dólar levará a três
cenários: 1) sua substituição por uma moeda mundial (SDR- Direitos Especiais de
Saque: uma moeda criada pelo Fundo Monetário Internacional usado para pagamentos
entre países); 2) a adoção do padrão ouro; e, 3) desordem social. O primeiro cenário
que contempla a substituição do dólar pelo SDR como moeda de reserva global já está
em curso. Ao longo do tempo, será reduzido gradualmente o peso do dólar na cesta do
SDR em favor da moeda chinesa, o Yuan. SDR será pressionado para estabilizar o
sistema financeiro internacional como foi feito em 1979 e 2009. A concordância da
China será necessária para usar o SDR que insiste em usá-lo não para salvar o dólar
como foi feito no passado, mas para substituir o dólar o mais rápido possível. A
transição será inflacionária em termos de dólar devido à sua desvalorização em relação
ao SDR.
O segundo cenário considera a adoção do padrão ouro que é outra alternativa à
incessante impressão do dólar pelo governo dos Estados Unidos, segundo Rickards. Isto
pode elevar a inflação ao extremo com o ouro restaurando a confiança ou elevar a
deflação ao extremo com o ouro reavaliado pelos governos para elevar o nível geral de
preços. O padrão ouro deve ser adotado quando a confiança entra em colapso. Rickards
afirma que a adoção do padrão ouro associado ao dólar e ao SDR é inflacionária porque
o ouro teria que ser reavaliado para cima para apoiar o comércio e as finanças globais
com o atual estoque de ouro. O terceiro cenário de desordem social tomará a forma de
neofascismo pelos governos no poder quando controles de salários e preços serão
usados para controlar a inflação e a vigilância digital será usada para combater o
mercado negro. Os tumultos monetários seriam esmagados rapidamente pela ação do
governo.
Destes três cenários acima citados, o cenário mais provável é o da desordem social
quando os governos neofascistas e organismos financeiros mundiais atuarão com mão
de ferro para controlar, respectivamente, as economias nacionais e o sistema financeiro
global. O cenário de desordem social se imporá, não apenas pela impossibilidade da
substituição do dólar pela moeda mundial (SDR) e da adoção do padrão ouro associado
ao dólar e ao SDR, mas pelo provável fim do sistema capitalista mundial a partir de
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meados do século XXI conforme está demonstrado no artigo sob o título O fim do
sistema capitalista mundial em meados do século XXI (ALCOFORADO, Fernando. O
fim do sistema capitalista mundial em meados do século XXI. Disponível no website
<https://www.academia.edu/39554574/O_FIM_DO_SISTEMA_CAPITALISTA_MUN
DIAL_EM_MEADOS_DO_S%C3%89CULO_XXI>, 13/06/2019). O fim do sistema
capitalista mundial em meados do século XXI fará com que o sistema financeiro
internacional chegue também ao fim nesta época.
4. Conclusões
Pelo exposto, conclui-se o seguinte:
Atividades bancárias não precisam mais ser exercidas pelos bancos. Na era digital,
as atividades bancárias não só fugiram ao controle como perderam a razão de ser.
Seus serviços podem ser executados pela tecnologia, o que efetivamente já
acontece.
Com plenas garantias governamentais e sem regulação eficaz, as atividades
bancárias continuarão lucrativas demais, apesar dos tremendos custos que impõem
à sociedade. Por isso, é preciso acabar com as atividades bancárias.
As novas possibilidades de gerenciar a moeda e o crédito não podem prevalecer
enquanto as atividades bancárias descontroladas ainda forem possíveis.
Para continuar existindo, os bancos deveriam ter 100% de cobertura em dinheiro,
ou seja, ter em caixa o equivalente dos depósitos recebidos. Esta exigência evitaria
a falência dos bancos.
O fim dos bancos está próximo porque a tecnologia está colocando em xeque o
mercado bancário. Com a evolução da tecnologia, guardar o dinheiro perdeu
relevância. Estamos caminhando para um ambiente de desbancarização total dos
serviços financeiros.
O dinheiro, em sentido tradicional, morreu há duas décadas, eclipsado por uma
economia de trocas digitalizadas. A morte do cheque, do dinheiro em papel ou
metal e do cartão de crédito está se acelerando. Todos estão sendo substituídos por
pagamentos digitais. Com as criptomoedas, como o bitcoin, a digitalização de
pagamentos vai aumentar.
O sistema financeiro mundial está em processo de desmoronamento com o colapso
do dólar. O sistema financeiro liderado pelo dólar norte-americano começa a
apontar a perda acelerada da confiança nesta moeda.
A perda de confiança no dólar se manifesta no fato de os bancos centrais de todo o
mundo estarem excluindo a moeda norte-americana das suas reservas. Esta perda de
confiança resulta do fato de a atual crise econômica mundial mostrar que um
sistema monetário baseado em papel-moeda emitido livremente e sem lastro pelos
governos em todo o mundo é algo inerentemente instável cujas inevitáveis
consequências desse processo são: o crescimento econômico artificial, a euforia e
os maus investimentos que tal crescimento gera, e, finalmente, as depressões.
O abandono do dólar como moeda de reserva mundial é impulsionado também pela
possibilidade da explosão da bolha da dívida pública dos Estados Unidos que
atingirá 140% do PIB até 2024. O FMI afirmou que a verdadeira máquina da dívida
global são os Estados Unidos, cujo déficit quase triplicou desde 2000 e agora excede
73,6 trilhões de dólares, o que representa 106% do PIB.
O fim do dólar levará a três cenários: 1) sua substituição por uma moeda mundial
(SDR- Direitos Especiais de Saque: uma moeda criada pelo Fundo Monetário
9. 9
Internacional usado para pagamentos entre países); 2) a adoção do padrão ouro; e,
3) desordem social.
O cenário mais provável para o sistema financeiro mundial é o da desordem social
quando os governos neofascistas e organismos financeiros mundiais atuarão para
controlar o sistema financeiro global e evitar seu colapso reprimindo com mão de
ferro os movimentos sociais. O cenário de desordem social se imporá, não apenas
pela impossibilidade da substituição do dólar pela moeda mundial (SDR) e da
adoção do padrão ouro associado ao dólar e ao SDR, mas principalmente pelo
provável fim do sistema capitalista mundial a partir de meados do século XXI.
O fim do sistema capitalista mundial em meados do século XXI fará com que o
sistema financeiro internacional chegue também ao fim nesta época.
O provável fim dos bancos, do dinheiro e do sistema financeiro internacional aponta a
necessidade da existência de um novo sistema internacional que evite o cenário de
desordem social no mundo e assegure a governabilidade da economia mundial. A
governabilidade da economia mundial só será alcançada com um governo mundial
democraticamente eleito por todos os povos do mundo (ALCOFORADO, Fernando.
Como inventar o futuro para mudar o mundo. Curitiba: Editora CRV, 2019).
REFERÊNCIAS
ALCOFORADO, Fernando. Como inventar o futuro para mudar o mundo. Curitiba:
Editora CRV, 2019.
_______________________. O fim do sistema capitalista mundial em meados do
século XXI. Disponível no website
<https://www.academia.edu/39554574/O_FIM_DO_SISTEMA_CAPITALISTA_MUN
DIAL_EM_MEADOS_DO_S%C3%89CULO_XXI>, 13/06/2019.
CHESNAIS, François. Les dettes illégitime. Quand les banques font main basse sur les
politiques publiques. Paris: Editions Raisons d´agir, 2011.
MCMILLAN, Jonathan. O fim dos bancos. São Paulo: Editora Schwarcz S.A. 2018.
MISES BRASIL. As crises monetárias mundiais. Disponível no website
<https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=258>.
RICKARDS, James. The Death of Money. Penguin Random House UK, 2014.
SOUTO, Ivyna. A morte do cheque, do dinheiro em papel e do cartão está próxima.
Disponível no website <https://www.polemicaparaiba.com.br/polemicas/a-morte-do-
cheque-do-dinheiro-em-papel-e-do-cartao-esta-proxima/>, 07/04/2019.
SPUTNIKNEWS. Sistema financeiro mundial se desmorona: como mundo se prepara
para colapso do dólar? Diponível no website
<https://br.sputniknews.com/economia/2018060511387106-financas-dolar-colapso-
crise-china/>, 2018.
WIKIPEDIA. Bitcoin. Disponível no website <https://pt.wikipedia.org/wiki/Bitcoin>.
Fernando Alcoforado, 79, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema
CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e
consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e
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planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997),
De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto
para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da
Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The
Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM
Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e
Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia
Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico
e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas,
Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo
Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de
Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV,
Curitiba, 2019).