O documento discute as contribuições de Dermeval Saviani para a pesquisa em educação, especialmente a Pedagogia Histórico-Crítica. Apresenta uma breve biografia de Saviani e analisa suas ideias sobre teorias educacionais presentes em suas obras, criticando a Pedagogia Tradicional e Nova e defendendo a importância dos conteúdos escolares para a superação da dominação.
1. ISSN 2176-1396
A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA NO BOJO DAS
TEORIAS EDUCACIONAIS
Elisângela Zarpelon Aksenen1
- PUCPR
Grupo de Trabalho – Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O trabalho que aqui se apresenta é resultante de reflexões que contemplam algumas
contribuições de Dermeval Saviani para a pesquisa em Educação, em especial as
contribuições promovidas por meio da Pedagogia Histórico-Crítica. A partir da ideia
condutora de discutir a relevância do trabalho de Saviani no contexto educacional brasileiro,
expresso em algumas de suas obras, elencaram-se algumas questões norteadoras deste
trabalho: A partir de que elementos a Pedagogia Histórico-Crítica foi concebida? Qual é a sua
relevância para a melhoria da prática pedagógica? De que modo Saviani relaciona teoria e
prática na ação pedagógica? Quais aspectos teórico-metodológicos se pode abstrair da obra do
autor? Para tanto, discutem-se alguns elementos importantes situados nas obras: “Escola e
Democracia” (SAVIANI, 1991), “Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações”
(SAVIANI, 2003, 2012), “Interlocuções Pedagógicas: conversa com Paulo Freire e Adriano
Nogueira e 30 entrevistas sobre educação” (SAVIANI, 2010) e “Educação: do senso comum à
consciência filosófica” (SAVIANI, 2000), a fim de promover um debate a partir das ideias
centrais do pensamento do autor. Apresenta-se também uma breve biografia de Saviani
realizada a partir de dados bibliográficos e de informações disponíveis em seu currículo lattes.
Por meio desse estudo, tornou-se possível destacar a significância das ideias de Dermeval
Saviani para a educação, em seus aspectos teóricos e/ou metodológicos. Suas reflexões
chamaram a atenção a um fator determinante na pesquisa em educação que se deve ao fato de
que as investigações devem levar em conta o contexto no qual foram produzidas. As ideias do
autor possibilitaram ainda a ruptura com o caráter reprodutivista presente nas teorias da
educação, a valorização dos interesses da classe dominada e, com isso, a possibilidade de
situar a educação como um fator de libertação, responsável pela transformação da sociedade.
Palavras-chave: Dermeval Saviani. Teorias da Educação. Pedagogia Histórico-Crítica.
1
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora de Matemática
da Rede Estadual de Ensino do Paraná. Bolsista CAPES. E-mail: elisangela.aksenen@hotmail.com
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Introdução
O texto aqui apresentado procura discutir algumas contribuições de Dermeval Saviani
para a pesquisa em educação.
Inicialmente aponta-se uma breve biografia do autor, feita a partir de dados
bibliográficos; em seguida elencam-se as principais ideias presentes em quatro de suas obras
para, finalmente, poder discutir a relevância da sua contribuição para a melhoria da prática
pedagógica.
Para tanto, discute-se as teorias da educação a partir da obra “Escola e Democracia”
(SAVIANI, 1991); sistematizam-se elementos constituintes da Pedagogia Histórico-Crítica
presentes nas obras “Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações” (SAVIANI, 2003,
2012) e “Interlocuções pedagógicas: conversa com Paulo Freire e Adriano Nogueira e 30
entrevistas sobre educação” (SAVIANI, 2010); apontam-se algumas contribuições teórico-
metodológicas para a pesquisa em Educação trazidas na obra “Educação: do senso comum à
consciência filosófica” (SAVIANI, 2000).
Biografia de Dermeval Saviani
Saviani nasceu no dia 03 de fevereiro de 1944 em Santo Antônio da Posse – SP. Filho
de trabalhadores e neto de imigrantes italianos. Cursou o primário no Grupo Escolar de Vila
Invernada, São Paulo – SP, entre 1951 e 1954. Realizou os cursos ginasial e colegial em
Seminários de Cuiabá – MT e Campo Grande – MS, entre 1955 e 1961. Iniciou os estudos
filosóficos no Seminário Central de Aparecida – SP em 1962. Formou-se em Filosofia pela
PUC – SP em 1966, tendo vivenciado profundas transformações na sociedade brasileira
devido ao golpe militar de 1964. Entre 1967 e 1970 lecionou Filosofia, História da Arte e
História e Filosofia da Educação nos cursos colegial e normal. Em 1971 concluiu o
Doutorado em Filosofia da Educação pela PUC – SP.
É professor de ensino superior, em cursos de graduação e pós-graduação, desde 1967.
Em 1979 ajudou a criar a ANDE (Associação Nacional de Educação). Foi o fundador da
ANPED e do CEDES. Em 1986 obteve o título de Livre Docente em História da Educação, na
UNICAMP. Em 1988 participou da elaboração de um anteprojeto da LDB (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação), ano em que também coordenou o programa de pós-graduação da
UNICAMP. Saviani possui vasta produção escrita, tendo sido autor de diversos livros e
artigos em revistas nacionais e internacionais. Teve mais de 60 orientandos de mestrado e
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doutorado. Foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, coordenador do
Comitê de Educação do CNPq, coordenador de pós-graduação na UFSCar, na PUC-SP e na
Unicamp e diretor-associado da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Também exerceu
marcante atuação na fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE),
tendo sido seu primeiro presidente. Atualmente é Professor Emérito da UNICAMP,
Pesquisador Emérito do CNPq e coordenador-geral do Grupo Nacional de Estudos e
Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR).
Teorias da educação
Na obra “Escola e Democracia” (SAVIANI, 1991), Saviani discute as teorias
pedagógicas, definindo-as, contextualizando-as e relacionando-as. Perpassa na obra do autor
a preocupação de que a educação pode ser a responsável em promover a marginalidade dos
indivíduos. Por isso, Saviani classifica as teorias educacionais em dois grupos: as teorias não-
críticas e as teorias crítico-reprodutivistas.
No primeiro grupo encontram-se as Pedagogias Tradicional, Nova e Tecnicista, cujas
teorias consideram a educação um instrumento que favorece a igualdade social, ou seja, a
superação da marginalidade.
De acordo com a concepção da Escola Tradicional,
A escola surge como um antídoto à ignorância, logo, um instrumento para
equacionar o problema da marginalidade. Seu papel é difundir a instrução, transmitir
os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizá-los logicamente. O
mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como
uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica,
o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são
transmitidos (SAVIANI, 1991, p. 18).
Então, a Pedagogia Tradicional organizou a escola em forma de classes regidas por um
professor responsável pela transmissão das lições aos alunos que, disciplinadamente,
realizavam as tarefas que lhes eram atribuídas pelo professor.
O ensino proposto pela Escola Tradicional foi pautado no método expositivo, cuja
matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart: o passo da
apresentação, da comparação e assimilação, da generalização e, por último, da aplicação,
correspondendo ao esquema do método científico indutivo, formulado por Bacon.
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Era, portanto, um ensino que visava transmitir os conhecimentos produzidos pela
ciência, já “sistematizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade” (SAVIANI,
1991, p. 57).
Contrariando algumas propostas da Pedagogia Tradicional, surgiu a Pedagogia da
Escola Nova a qual, como a primeira, acreditava no poder da escola no sentido de promover a
equalização social e responsabilizava a escola tradicional pelo não cumprimento dessa função.
Porém, para a Pedagogia da Escola Nova, o marginalizado não era o ignorante, mas o
rejeitado. Por isso, a educação deveria promover a adaptação e a aceitação de todos os
indivíduos na sociedade.
A educação será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que
contribuir para a constituição de uma sociedade cujos membros, não importam as
diferenças de quaisquer tipos, se aceitem mutuamente e se respeitem na sua
individualidade específica (SAVIANI, 1991, p. 20).
Para a Pedagogia da Escola Nova, o professor era um orientador e estimulador da
aprendizagem, a qual era conduzida, principalmente, pela iniciativa dos alunos que deveriam
estar inseridos em um ambiente estimulante, munidos de ricos materiais didáticos, biblioteca,
entre outros. As escolas deveriam ser ambientes alegres, movimentados, coloridos, ativos, em
oposição ao aspecto disciplinador da proposta anterior. Tratava-se de uma “teoria pedagógica
que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender” (SAVIANI, 1991,
p. 21).
No entanto, para Saviani, tal experiência trouxe consequências
[...] mais negativas que positivas uma vez que, provocando o afrouxamento da
disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou por
rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito
freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado.
Em contrapartida, a ‘Escola Nova’ aprimorou a qualidade do ensino destinado às
elites (SAVIANI, 1991, p. 22).
Para Saviani (1991), a Escola Nova procurou considerar o ensino como um processo
de pesquisa, privilegiando os processos de obtenção dos conhecimentos, não mais os métodos
de transmissão dos conhecimentos como na escola tradicional.
Diante disso, o ensino seria estruturado de acordo com cinco passos que se opõem aos
passos da Escola Tradicional:
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[...] o ensino seria uma atividade (1º passo) que, suscitando determinado problema
(2º passo), provocaria o levantamento de dados (3º passo), a partir dos quais seriam
formuladas as hipóteses (4º passo) explicativas do problema em questão,
empreendendo alunos e professores, conjuntamente, a experimentação (5º passo),
que permitiria confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas (SAVIANI, 1991, p.
57).
O autor critica veementemente a forma proposta pela Escola Nova. Para ele
artificializa-se o ensino ao tentar transformá-lo em um processo de pesquisa. O método dessa
Pedagogia é considerado pseudo-científico por Saviani, ao passo que o método tradicional é
considerado científico, já que faz a incursão do desconhecido por meio do conhecido, pois
“sem o domínio do conhecido, não é possível incursionar no desconhecido” (SAVIANI, 1991,
p. 58).
Além dessa crítica, Saviani ainda considera a Escola Nova responsável pelo aumento
da segregação no universo escolar, por valorizar alguns em detrimento a outros, visto que,
para ele, as experiências propostas pela Escola Nova foram restritas a pequenos grupos,
promovendo o “aprimoramento do ensino destinado às elites e o rebaixamento do nível de
ensino destinado às camadas populares” (SAVIANI, 1991, p. 63).
Importante citar também a relevância dos conteúdos escolares para a superação da
dominação que o autor defende. De acordo com Saviani (1991):
A prioridade de conteúdos, que é a única forma de lutar contra a farsa do ensino. Por
que esses conteúdos são prioritários? Justamente porque o domínio da cultura
constitui instrumento indispensável para a participação política das massas. Se os
membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não
podem fazer valer os seus interesses porque ficam desarmados contra os
dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e
consolidar a sua dominação. [...] sem disciplina esses conteúdos relevantes não são
assimilados (SAVIANI, 1991, p. 66).
Diante desse embate, Saviani utilizou uma consideração sobre a “teoria da curvatura
da vara”, enunciada por Lênin que afirma: “quando a vara está torta, ela fica curva de um lado
e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o
lado oposto” (SAVIANI, 1991, p. 48-49).
Meu objetivo era reverter a tendência dominante. Uma vez que a concepção
corrente, na qual o reformismo acabou por prevalecer sobre o tradicionalismo, tende
a considerar a pedagogia nova como portadora de todas as virtudes e de nenhum
vício atribuindo, inversamente, à pedagogia tradicional todos os vícios e nenhuma
virtude, empenhei-me, no texto citado, em demonstrar exatamente o inverso
(SAVIANI, 1991, p. 69).
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A Pedagogia Tradicional funda-se em uma concepção filosófica essencialista enquanto
a Pedagogia da Escola Nova, numa concepção existencialista.
Segundo Saviani (1991), na Idade Média, a concepção essencialista articulou a
essência humana com a criação divina, por isso, os destinos dos homens eram definidos a
partir do momento em que eram criados. Nesse sentido, as diferenças individuais eram
justificadas pela essência humana.
No entanto, na época moderna, com o declínio do modo de produção feudal e início do
modo de produção capitalista, a burguesia em ascensão, passou a defender a igualdade
essencial dos homens proposta pela filosofia da essência, criticando a dominação exercida
pela nobreza e pelo clero.
Apareceu então a figura de Rousseau, afirmando que tudo era bom quando era criado e
se degenerava quando passava pelas mãos dos homens, ou seja, “a natureza é justa, é boa, e
no âmbito natural a igualdade está preservada. As desigualdades são geradas pela sociedade”
(SAVIANI, 1991, p. 51). Diante disso, os privilégios e as diferenças usufruídas pela nobreza,
não eram naturais ou divinos, mas sim sociais. Por isso, a sociedade fundada em senhores e
servos deixaria de existir, devendo ser substituída por uma sociedade contratual.
É sobre essa base da sociedade contratual que as relações de produção vão se alterar:
do trabalhador servo, vinculado à terra, para o trabalhador não mais vinculado à
terra, mas livre para vender a sua força de trabalho e ele a vende mediante contrato
(SAVIANI, 1991, p. 51).
Quando a burguesia se consolidou no poder propôs a Pedagogia da Existência em
substituição à Pedagogia da Essência, que já não servia. Trata-se de uma pedagogia que
considera os homens diferentes, uns com mais capacidades que os outros, com interesses e
com tempos diferentes para aprender. Por isso, a Pedagogia da Existência “vai legitimar as
desigualdades, legitimar a dominação, legitimar a sujeição, legitimar os privilégios”
(SAVIANI, 1991, p. 53).
A Pedagogia Tecnicista surgiu como uma tentativa de recuperar as esperanças
depositadas na reforma da escola, além de adequar o modelo educacional ao modelo fabril, no
qual o trabalhador tem funções claras e objetivas em prol de um resultado delimitado.
Tratava-se de uma teoria na qual “a partir do pressuposto da neutralidade científica e
inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a
reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional” (SAVIANI,
1991, p. 23).
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Nesse sentido, procurou-se “planejar a educação de modo a dotá-la de uma
organização racional capaz de minimizar interferências subjetivas que pudessem pôr em risco
sua eficiência [...] mecanizar o processo” (SAVIANI, 1991, p. 24).
Na Pedagogia Tecnicista, o foco passou a ser, portanto, a organização das técnicas que
eram de responsabilidade de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e
imparciais, sendo professor e aluno coadjuvantes nesse processo.
Para o autor, nessa perspectiva,
A educação estará contribuindo para superar o problema da marginalidade na
medida em que formar indivíduos eficientes, portanto, capazes de darem sua parcela
de contribuição para o aumento da produtividade da sociedade. Assim, estará ela
cumprindo sua função de equalização social (SAVIANI, 1991, p. 25).
No segundo grupo encontram-se as teorias crítico-reprodutivistas. Nomeadas pelo
autor como “críticas” porque “postulam não ser possível compreender a educação senão a
partir dos seus condicionantes sociais” (SAVIANI, 1991, p. 27). Fazem parte desse grupo a
Teoria do Sistema de Ensino enquanto Violência Simbólica, a Teoria da Escola enquanto
Aparelho Ideológico de Estado e a Teoria da Escola Dualista.
A Teoria do Sistema de Ensino enquanto Violência Simbólica, apresentada na obra “A
reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”, de Bourdieu e Passeron (2013),
na qual os autores partem do princípio de que qualquer sociedade é estruturada como um
sistema de relações de força material entre grupos ou classes. Entendem a ação pedagógica
como um legítimo instrumento mantenedor dessas forças, onde a dominação exercida pela
classe dominante sobre a classe dominada caracteriza uma violência simbólica, uma
dominação cultural. Portanto, “a função da educação é a de reprodução das desigualdades
sociais. Pela reprodução cultural, ela contribui especificamente para a reprodução social”
(SAVIANI, 1991, p. 31).
Saviani (1991) refere-se a Althusser para explicar a Teoria da Escola enquanto
Aparelho Ideológico de Estado, na qual a escola reproduz as relações de produção capitalista,
transmitindo o saber dominante para as crianças de todas as classes sociais, as quais adquirem
rumos diversificados no mercado de trabalho e “uma pequena parte atinge o vértice da
pirâmide escolar” (SAVIANI, 1991, p. 34).
Nesse sentido, a educação marginaliza a classe trabalhadora, a partir do momento em
que defende os interesses da burguesia em detrimento dos interesses do trabalhador.
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A Teoria da Escola Dualista, proposta por Baudelot e Establet, em 1971, tem essa
denominação por compreender a escola dividida em dois segmentos, de acordo com a divisão
da sociedade em duas classes fundamentais: a burguesia e o proletariado.
De um modo geral, segundo essa teoria, a escola deve cumprir simultaneamente duas
funções básicas: “contribui para a formação da força do trabalho e para a inculcação da
ideologia burguesa” (SAVIANI, 1991, p. 37).
Não cabe dizer que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o
trabalho manual. Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica o trabalho intelectual e
desqualifica o trabalho manual, sujeitando o proletariado à ideologia burguesa sob o
disfarce pequeno-burguês (SAVIANI, 1991, p. 38).
Diante das tentativas de superar o problema da marginalidade nos sistemas de ensino,
Saviani acrescenta: “enquanto as teorias não-críticas pretendem ingenuamente resolver o
problema da marginalidade através da escola sem jamais conseguir êxito, as teorias crítico-
reprodutivistas explicam a razão do suposto fracasso” (SAVIANI, 1991, p. 40).
Por isso, o autor propõe uma teoria crítica da educação, desenvolvida a partir do
interesse dos dominados, considerando a escola como uma realidade histórica capaz de sofrer
transformações intencionais pela ação humana.
Pedagogia Histórico-Crítica
Na obra Pedagogia Histórico-Crítica, que teve sua primeira edição em 1991, Saviani
contextualiza o momento histórico em que se desenvolveu a tendência crítico-reprodutivista
na educação brasileira, caracteriza historicamente as teorias da educação e propõe uma nova
pedagogia: a Pedagogia Histórico-Crítica.
Para ele, as teorias crítico-reprodutivistas foram elaboradas a partir do fracasso do
movimento de maio de 1968, o qual “pretendia realizar a revolução social pela revolução
cultural” (SAVIANI, 2012, p. 57). E foram muito importantes, justamente pelo fato de
motivar a crítica ao autoritarismo vigente e presente na pedagogia tecnicista.
No entanto, para o autor, essas teorias restringem-se a fazer a crítica, a constatar
inconveniências no modelo vigente até então, mas não possuem uma proposta de intervenção
prática, de modo a desenvolver nos professores uma prática de caráter crítico, a fim de que
não sejam meros reprodutores das determinações materiais dominantes.
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A teoria crítico-reprodutivista não pode oferecer resposta a essas questões, porque,
segundo ela, é impossível que o professor desenvolva uma prática crítica; a prática
pedagógica situa-se sempre no âmbito da violência simbólica, da inculcação
ideológica, da reprodução das relações de produção. Para cumprir essa função, é
necessário que os educadores conheçam seu papel; quanto mais eles ignoram que
estão reproduzindo, tanto mais eficazmente eles reproduzem. (SAVIANI, 2012, p.
59).
Diante dessa realidade, Saviani propõe, no ano de 1979, a Pedagogia Histórico-Crítica
denominada, na época, “pedagogia dialética” – como uma tentativa de não apenas criticar,
mas resolver os problemas educacionais, orientando “a prática pedagógica em um sentido
transformador” (SAVIANI, 2010, p. 115).
Concebida como uma pedagogia dialética justamente por procurar levar em
consideração o movimento da realidade e suas contradições, trata-se de uma teoria “atenta aos
determinantes sociais da educação e que permitisse articular o trabalho pedagógico com as
relações sociais” (SAVIANI, 2012, p. 118).
Saviani preocupa-se em compreender a questão educacional a partir do
desenvolvimento histórico, por isso, sua teoria baseia-se no materialismo histórico. Isso
significa compreender a história a partir do “desenvolvimento material, da determinação das
condições materiais da existência humana” (SAVIANI, 2012, p. 76), ou seja, valorizar a
capacidade pela qual o homem produz a sua existência no tempo por meio de seu trabalho.
Sua proposta procura promover a passagem da visão crítico-mecanicista, crítico a-
histórica para uma visão crítico-dialética, por isso, histórico-crítica da educação, cuja teoria
implica
[...] a necessidade de se compreender a educação no seu desenvolvimento histórico-
objetivo e, por consequência, a possibilidade de se articular uma proposta
pedagógica cujo ponto de referência, cujo compromisso, seja a transformação da
sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação. [...] de se compreender a
educação escolar tal como ela se manifesta no presente, mas entendida essa
manifestação presente como resultado de um longo processo de transformação
histórica (SAVIANI, 2012, p. 80).
Nesse sentido, a escola deve promover a transformação da sociedade e não
simplesmente mantê-la, a fim de que possam ser superadas as condições de desigualdades
entre as classes.
Importante destacar também na obra de Saviani, a importância da articulação entre
teoria e prática no interior do trabalho pedagógico. Essa relação é imprescindível para a
compreensão da Pedagogia Histórico-Crítica pelo fato de que os indivíduos estão inseridos
em um meio social e, consequentemente, suas ações se interrelacionam com a de seus pares.
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Saviani (2010) afirma que a teoria deve estar relacionada à prática para que não se
caracterize como mera contemplação e, ao mesmo tempo, a prática deve estar vinculada à
teoria a fim de que não se torne espontaneísmo. No entanto, a prática prevalece diante da
teoria por ser originante, por ser a finalidade da teoria. O autor ainda completa:
A teoria é o esforço em compreender a prática e, ao compreendê-la, torná-la mais
eficaz. A prática sem teoria degenera em ativismo resulta uma atividade cega,
desorientada: a prática necessita da teoria. E a teoria sem a prática degenera em
verbalismo. A razão de ser da teoria é a própria prática; a teoria só faz sentido na
medida em que ela procura elucidar a prática, procura responder às questões postas
pela prática, procura explicar, equacionar os problemas que a prática levanta
(SAVIANI, 2010, p. 219).
Por isso, o trabalho desenvolvido no interior da sala de aula pelo professor deve levar
em consideração a indissociabilidade entre teoria e prática. O conhecimento deve ser
construído estabelecendo conceitos aliados à experiência prática dos alunos. Somente assim o
aluno terá uma aprendizagem significativa.
Em 2003 foi lançada a 8ª edição revista e ampliada da obra, na qual o autor inseriu
dois estudos: “A materialidade da ação pedagógica e os desafios da pedagogia histórico-
crítica” e “Contextualização histórica e teórica da pedagogia histórico-crítica”.
No primeiro estudo, o autor refere-se aos desafios que, de certo modo, impediram a
ação pedagógica da Pedagogia Histórico-Crítica no Brasil. São três: o primeiro é atribuído, ao
que o autor denomina, ausência de um sistema de educação no país. Para Saviani, a falta de
um sistema educacional, sentida historicamente, gerou um gigante déficit histórico que faz
com que o Brasil seja um dos países com maior índice de analfabetismo.
Segundo Saviani (2003), o problema da alfabetização poderia ser resolvido “com a
implantação de um sistema nacional de ensino visando à universalização da escola básica, da
escola primária” (SAVIANI, 2003, p. 112).
Os elevados índices de analfabetismo incidem numa questão séria relacionada ao
repasse de recursos para a educação, que podem facilmente ser desviados, aumentando a
situação de precariedade. O que se reflete ainda na formação de professores, que se veem
obrigados a assumir intensa jornada de trabalho, não ficando em condições de assimilar novas
propostas teóricas, muito menos implementá-las em sua prática pedagógica.
O segundo desafio está centrado na preocupação em propor uma nova teoria que vise à
transformação da prática de modo atento ao fato de que a organização objetiva do trabalho
pedagógico pode estar articulada a outra teoria, diversa ou até mesmo oposta a essa nova
teoria. Então, para o autor, “o fato de não se atentar suficientemente para o modo como as
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escolas estão organizadas acaba por inviabilizar a transformação pretendida” (SAVIANI,
2003, p. 120). Ele ainda completa:
É preciso levar em conta a prática das escolas que, organizadas de acordo com a
teoria anterior, operam como um determinante da própria consciência dos agentes,
opondo, portanto, uma resistência material à tentativa de transformação alimentada
por uma nova teoria (SAVIANI, 2003, p. 121).
O terceiro problema é “o desafio da descontinuidade”, no qual Saviani (2003)
questiona a implantação de programas educacionais que desconsideram os programas
implementados por gestões anteriores e, portanto, quebram sequências, impedem a obtenção
de objetivos, impossibilitam avanços. Defende o autor:
Com este grau de descontinuidade, não há como fazer frente às questões
especificamente educacionais [...]. Portanto, a política educacional precisa levar em
conta essa peculiaridade e formular metas não apenas a curto mas a médio e longo
prazo e instituir propostas que possam, de fato, ser implementadas e avaliadas no
seu processo e nos seus resultados, sendo corrigidas quando for o caso, mas que
tenham seqüência, e que permitam criar situações irreversíveis de tal modo que as
mudanças de governo não desmantelem aquilo que está sendo construído
(SAVIANI, 2003, p. 128-129).
Diante desses desafios, originários “das condições objetivas de funcionamento da
educação no Brasil” (SAVIANI, 2003, p. 129), a aplicabilidade da Pedagogia Histórico-
Crítica se tornou comprometida.
No entanto, dentre outros fatores, a Pedagogia Histórico-Crítica remete a uma
importante categoria presente na obra de Saviani: o caráter histórico, que será abordado na
sequência, juntamente com alguns encaminhamentos teórico-metodológicos discutidos pelo
autor.
Contribuições teórico-metodológicas
A obra “Educação: do senso comum à consciência filosófica” (SAVIANI, 2000),
demonstra a preocupação de Saviani com as questões teórico-metodológicas para a pesquisa
em educação, agregadas a um viés histórico, que perpassa as suas várias obras.
A relevância da história como fator determinante na pesquisa em educação se deve ao
fato de que as investigações devem levar em conta, primordialmente, o contexto no qual
foram produzidas. Por isso, para ele
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[...] a compreensão da trama da História só será garantida se forem levados em conta
os ‘dados de bastidores’, vale dizer, se se examina a base material da sociedade cuja
história está sendo reconstituída [...] implica investigações de ordem econômica,
política e social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se
quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a
problemática educacional concreta (SAVIANI, 2000, p. 33).
Saviani ainda afirma que “a educação é sempre um ato político” (SAVIANI, 2000, p.
211), já que está ligada às características da sociedade servindo os interesses de uma classe
em detrimento de outras, conforme discussões estabelecidas desde o início desse texto.
A classe dominante pretende segurar o processo histórico enquanto a classe dominada
luta pela transformação da sociedade, no sentido de libertação de sua condição de dominação.
Por isso, é fundamental que o educador assuma um papel reflexivo diante da realidade
na qual está inserido. O que se torna possível graças à filosofia, que é imprescindível na sua
formação.
Os fatores que levam os indivíduos a filosofar são os problemas que eles encontram no
decorrer da sua existência. Desse modo,
[...] uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja
resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se
necessita conhecer, eis aí um problema. Algo que eu não sei não é problema; mas
quando eu ignoro alguma coisa que eu preciso saber, eis-me, então, diante de um
problema (SAVIANI, 2000, p. 14).
Então, quando o indivíduo se depara com um problema ele precisa examiná-lo
criteriosamente a fim de solucioná-lo. Isso se dá por meio da reflexão e do estabelecimento de
um método adequado de investigação.
O método dialético promove um aprofundamento na compreensão dos fenômenos,
considerando a totalidade e as contradições da realidade. “A visão dialética [...] nos arma de
um instrumento, ou seja, de um método rigoroso (crítico) capaz de nos propiciar a
compreensão adequada da radicalidade e da globalidade na unidade da reflexão filosófica”
(SAVIANI, 2000, p. 18).
Considerações finais
Este trabalho promoveu a discussão de importantes elementos presentes em algumas
das obras de Dermeval Saviani. Compreende-se fecunda a sua contribuição para o
aprimoramento das questões educacionais em nosso país.
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As reflexões do autor, mesmo compreendidas dentro de suas limitações, foram
determinantes para promover mudanças na concepção de educação.
Saviani procurou romper com o caráter reprodutivista presente nas teorias da educação
e com isso, propôs uma teoria capaz de compreender a educação como elemento responsável
pela transformação da sociedade, a partir do momento em que passou a defender os interesses
da classe dominada e preocupou-se com a realidade social em que cada indivíduo está
inserido. A educação passou a ser vista, portanto, como um instrumento de libertação.
Essa libertação, segundo o autor, seria garantida a partir do domínio dos
conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade e de uma completa compreensão
da indissociabilidade entre teoria e prática na realidade educacional, tendo então, o educador,
a compreensão de que a teoria é fundamental a partir do momento em que promove um
esforço para explicar conceitualmente as questões que a prática impõe. Desse modo, a prática
“ganha coerência e tem sentido na medida em que ela é iluminada pela teoria” (SAVIANI,
2010, p. 220).
Nesse sentido, é fundamental a atuação de um professor reflexivo, crítico, capaz de
contribuir para a superação da ordem vigente e de compreender a realidade social de seus
alunos para que possa, dessa forma, promover uma aprendizagem significativa.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria
do sistema de ensino. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 25 ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1991.
________. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 13 ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2000.
________. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 8 ed. revista e ampliada.
Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
________. Interlocuções pedagógicas: conversa com Paulo Freire e Adriano Nogueira e 30
entrevistas sobre educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2010.
________. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11 ed. ver. 1ª
reimpressão. Campinas-SP: Autores Associados, 2012.