Este documento discute (1) a evidencialidade e como marcadores evidenciais especificam a fonte da informação, (2) diferentes tipos de evidencialidade indireta como inferencial e reportativa, e (3) uma análise detalhada dos marcadores "alegadamente" e "presumivelmente" em português.
1. Escopo dos marcadores
evidenciais e grau de
noticiabilidade
Ana Sousa Martins
anamartins@fcsh.unl.pt
CLUNL
Lisboa, FCSH – GRATO, 14-16 de novembro de 2019
2. 1. Evidencialidade
Fonte da informação marcada no enunciado através de processos
morfossintáticos
Evidencial = valor semântico sensível à questão:
“como é que sabes isso?”
Evidencial: (i) afirma que há evidência
(ii) especifica qual o tipo de evidência
3. Quadro teórico: Estudos Tipológicos
¼ das línguas do mundo tem sistemas de evidenciais gramaticalizados
mofemas em relação paradigmática
morfemas em posição fixa
morfemas obrigatórios
4. Taxinomia(s)
Evidência direta vs. Evidência indireta
Visual ▪ Reportada (citacional/ “hearsay”):
Auditiva 1.ª mão/2.ª mão/ folclore
Através de outros sentidos ▪ Inferencial:
resultado
raciocínio
5. • Evidencialidade nas línguas românicas?
• Sem evidenciais exclusivos
Marcadores evidenciais vs. estratégias evidenciais
(Aikhenvald, 2004:3-11)
MAS: as funções evidenciais são parte integrante da estrutura
semântica inerente do item
6. Parece que
Diz-se que
Terá feito
Julga-se
Pensa-se
Crê-se
Sabe-se que
É sabido
É considerado
Manifestamente
Visivelmente
Aparentemente
Supostamente
(…)
continuum gramatical-lexical na expressão da
evidencialidade
7. • Frequência, distribuição e funções específicas:
=> Género discursivo
Registo
Colaboração contextual:
inter-relação de funções morfológicas, semântico-pragmáticas e
genológicas/discursivas
8. 2. Evidencialidade indireta
Força ilocucional
Fiabilidade da fonte
Grau de informatividade
Deslocação da responsabilidade pelo dito
Distância conceptual = implicatura
Uma ou outra dimensão poderá ganhar predominância dependendo de:
▪ fatores discursivos
▪ género discursivo (Wiemer, 2018b)
9. 2.1. Evidencialidade inferencial e modalidade epistémica
Evidencialidade: domínio semântico de direito próprio
(Diewald& Smirnova, 2010)
implicação/sobreposição ≠ fusão/redução
Modalidade epistémica:
▪ domínio conceptual relativo à avaliação feita pelo falante sobre o valor de
verdade do conteúdo proposicional denotado na frase;
▪ organiza-se em escalas gradientes ( ≠ taxinomias)
10. 2.3. Evidencialidade reportativa
Conteúdo proposicional: outro sujeito (L2):
• Empenhamento de L1 com o valor de verdade de P IMPLICATURA
• L1 objetivo/agnóstico
“side-effect of the contextual conditions”
“default assumptions about discourse types or of more general knowledge
background” (Wiemer, 2018a: 24)
11. 3. Marcadores evidenciais: identificação
Como decidir se um dado fenómeno linguístico pertence à esfera da
evidencialidade?
“Evidential meanings share scope proprieties in the sense that they are all
conceptually dependent on a proposition” (Boye 2010a: 296)
O significado do evidencial é conceptualmente dependente de uma
proposição, não (apenas) de um estado de coisas ou ato ilocucional
exemplos transversais a várias línguas
(PRESSUPOSTO: Evidencialidade: generalização nocional construída para
capturar padrões estruturais convergentes)
15. A- O evidencial está inserido no discurso reportado => inconsistência
semântico-pragmática
«A acusação descreve que os arguidos terão, alegadamente, ateado
fogos florestais na tarde de 07 de setembro de 2017, na madrugada de
16 de junho de 2018 e no dia 17 de junho de 2018, havendo ainda uma
tentativa de incêndio em finais de julho de 2017.»
«(…) acusou o candidato às presidenciais apoiado pelo Movimento para
a Alternância Democrática (Madem-G15, líder da oposição), Umaro
Sissoco Embaló, de estar alegadamente envolvido (…)»
«(…)De acordo com o relato inicial da queixosa, o arguido teria
conseguido despi-la, à força, e, alegadamente, violou-a.»
16. «O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a condenação de um
médico de Barcelos a quatro anos de prisão, com pena suspensa, por
alegadamente falsificar relatórios com vista à obtenção de pensões de
invalidez.»
17. B- O evidencial tem por escopo uma asserção = > disfunção
comunicativa
«O presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) disse hoje que a sua
idoneidade "não está em avaliação", quando questionado sobre
notícias que o envolvem alegadamente num processo de
favorecimento quando estava no BCP.»
Escopo: as notícias envolvem o presidente (= as notícias dizem que P)
Eu, L1, só tenho evidência indireta para [as notícias envolvem o
presidente] => implausibilidade
18. C- O escopo é um efeito perlocutório intencional ≠ evidencial
«Em 1977, foi criada a Assembleia de Compartes de Vila Nova, "sem
oposição de quaisquer residentes das aldeias de Gondramaz e Cadaval,
que, aliás, integravam o caderno eleitoral", sublinha também, citando
documentos oficiais anteriores ao 25 de Abril de 1974, de 1962 e 1963,
que alegadamente reforçam a sua argumentação.»
Escopo: os documentos reforçam a argumentação
19. • Alegadamente 1: reportativo primário = Segundo L2, …/De acordo
com L2…
• Alegadamente 2: evidencial reportativo = eu, L1, só tenho acesso a P
por evidência indireta baseada em informação dada por terceiros
«alegadamente reforçam a sua argumentação» = eu, L1, só tenho
evidência indireta relativamente a «reforçam argumentação» =>
implausibilidade pragmática
20. 4.2. “Presumivelmente”
A- O escopo é uma proposição cujo valor de verdade é já asserido
«A APA terá ainda permitido que fossem criadas empresas privadas
visando o lucro, que utilizam as receitas provenientes da ecotaxa que é
paga pelos consumidores, quando a isso estarão presumivelmente
inibidas por serem entidades sem fins lucrativos.»
21. B – O escopo é uma implicatura retirada de um ato ilocutório
«No seu comunicado, os talibãs acusaram Washington de procurar
alargar a agenda, presumivelmente referindo-se à pretensão norte-
americana de os talibãs negociarem diretamente com o Governo de
Cabul.»
Escopo: os talibãs referem-se à pretensão norte-americana
22. O chão está molhado: choveu, presumivelmente
«A Organização Internacional para as Migrações estimou hoje que 112 pessoas
tenham morrido no naufrágio de sábado (…) estão já confirmados 60 mortos e
outras 52 pessoas estão desaparecidas nas águas do Mediterrâneo e
presumivelmente mortas.»
• Presume-se que… = o falante conhece alguma coisa que sugere P
evidencial indireto /evidência inferida (raciocínio)
Os talibãs acusam Washington de Y: presumivelmente referem-se a K
• Eu, L1, presumo que eles se referem a K
marcador epistémico: juízo epistémico de L1 em termos de
crença ou saber
23. 5. Noticiabilidade
1. Uso disfuncional das formas “alegadamente” e “presumivelmente”:
dispositivo de base estilística na tentativa assinalar distanciamento
e objetividade.
2. Enfraquecimento da validação da informação não pelo uso do
evidencial, mas pelo recurso a forma coincidente, que não tem/não
pode ter a função marcar a fonte da informação asserida.
3. Por via do código de redação do texto noticioso: o pseudo-
evidencial encobre aquilo que é, na realidade, uma modificação
epistémica.
24. • Aikhenvald, Alexandra Y. (2004). Evidentiality, Oxford: Oxford University Press.
• Boye, Kasper & Peter Harder (2009). “Evidentiality: Linguistic categories and grammaticalization”, Functions of Language 16. 9–43.
• Boye, Kasper (2006). Epistemic meaning: a cross-linguistic study. PhD thesis. Copenhagen: University of
Copenhagen.
• Boye, Kasper (2010a). “Evidence for what? Evidentiality and scope”, STUF 63: 290–307.
• Boye, Kasper (2010b). “Reference and clausal perception-verb complements”, Linguistics 48: 391-430.
• Brugman, Claudia M. and Monica Macaulay (2015). “Characterizing evidentiality”, Linguistic Typology 19 (2): 201-237.
• Cornillie, Bert; Arrese, Juana Marín; Wiemer, Björn (2015). "Evidentiality and the semantics -pragmatics interface. An introduction", Belgian Journal of Linguistics,
29: 1-17.
• de Haan, Ferdinand (1999). “Evidentiality and epistemic modality: Setting boundaries.” Southwest Journal of Linguistics 18: 83-101.
• Dendale, Patrick & Liliane Tasmowski (2001). “Introduction: evidentiality and related notions.” Journal of Pragmatics 33(3):339-348.
• Dendale, Patrick & Liliane Tasmowski (2001). “Introduction: Evidentiality and related notions.” Journal of Pragmatics 33: 339-348.
• Diewald, Gabriele & Elena Smirnova (Eds.) (2010). Evidentiality on European Languages: the lexical-grammatical distinction. In Linguistic realization of evidentiality
in European languages. Berlin: De Gruyter: 1-14.
• Lee, Dorothy (1959). Freedom and culture. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
• Matthewson, Lisa, Henry Davis & Hotze Rullmann (2007). “Evidentials as epistemic modals: Evidence from St’át’imcets, “Linguistic Variation Yearbook 7: 201–254.
• Nuyts, Jan. (2001). “Subjectivity as an evidential dimension in epistemic modal expressions.” Journal of Pragmatics 33. 383–400.
• Plungian, Vladimir A. (2001). “The place of evidentiality within the universal grammatical space”, Journal of Pragmatics 33. 349–357.
• Speas, Margaret (2018). Evidentiality and formal semantic theories. In The Oxford Handbook of Evidentiality, ed. Aikhenvald, Alexandra, 286-311. Oxford: Oxford
University Press.
• Speas, Margaret (2018). Evidentiality and formal semantic theories. In Aikhenvald, Alexandra Y. (Ed.), The Oxford Handbook of Evidentiality, Oxford UP:286-311.
• Wiemer, Bjiörn (2018a). Catching the Elusive: Lexical evidentiality markers in Slavic languages (A questionnaire study and its background), Peter Lang.
• Wiemer, Bjiörn (2018b). Evidentials and epistemic modality. In Aikhenvald, Alexandra Y. (Ed.), The Oxford Handbook of Evidentiality, Oxford UP: 85-108.