2. A
ocorrência de chuvas bem concentradas no interior do
Estado de São Paulo e norte do Paraná resultou, neste
anoagrícolade2016,emdiversosrompimentosdeterra-
ços, erosões entre outras implicações que comprometem a conser-
vação do solo. Para uma melhor compreensão sobre o que ocorre
com as paisagens agrícolas em razão das intempéries climáticas
e da importância das praticas conservacionistas, a Revista Agrícola
ouviuopesquisadorcientíicodoInstitutoAgronômicodeCampinas
do Centro de Engenharia e Automação de Jundiaí-SP, Afonso Peche
Filho. Segundo Peche, na paisagem natural formada por diferentes
relações entre rocha, solo, clima, vegetação, e fauna, existem, pelo
menos, cinco fatores hidrológicos que as caracterizam como ecos-
sistema: cobertura, iniltração, captação, condução, e dissipação.
Nestas paisagens só ocorre um escorrimento supericial quando o
solo atinge o limite de saturação. Em um cerrado na região de As-
sis-SP ou de parte da Mata Atlântica, por exemplo, se veriica solo
saturado a partir de 90 mm de chuva. É necessário, em tese, três
dias de chuva para ocorrer o processo erosivo que, repetindo-se
anualmentepormilharesdeanos,formaorelevo.
Já,quandoohomemcomeçaasubstituiraspaisagensnaturais
porpaisagenscultivadas,inicia-seumadesordemhidrológicanasu-
perfície.Pecheexplicaque,noecossistemadereferênciahaviauma
encostauniformequefoisemodiicandonamedidaemquepassou
aserdivididaemfazendasetalhões.“Estaspaisagensmodiicadas
pelo homem começaram a sofrer uma metamorfose hidrológica e
um dos produtos foi uma continua redução da velocidade de inil-
tração de água”, comenta o pesquisador cientíico acrescentando:
CONSERVAÇÃODOSOLO
Com a visão de agricultura construtivista, pesquisador cientíico do IAC diz ser possível
entender variabilidade e se preparar para períodos de chuva intensa
“Comopassardosanos,aspaisagenstornaram-semaisvulneráveis
aoecossistemaque, porsua vez,nãomudouoregimedechuvas”.
O histórico de chuvas ao longo de meio século ou mais revela a
recorrência de períodos com maior concentração de água ou mes-
mo de seca a cada dez anos aproximadamente. Assim, observa Pe-
che, se supostamente o dia que mais choveu em 40 anos foi 2 de
janeiro de 1969, há grande probabilidade de chuva torrencial
no início de janeiro de 2019. Mas, os produtores estão pre-
parados para mais um período de grande concentração de
chuvas? Segundo Peche a resposta depende, entre outros
fatores, do tipo de terraço que foi feito e quanto tempo este
tem. Citando o princípio da Lei da Termodinâmica de que todo
trabalhogeraforçaeoexcessodeforçageradesordem,Pechelem-
bra que,toda açãodecultivo,manejo,gera acompactaçãodosolo.
“Toda esta dinâmica que fazemos nas áreas agrícolas que com-
põem o sistema operacional gera forças destrutivas dos componen-
tesdeconservação”,prosseguePecheobservandoqueomáximode
forçadestrutivaacumuladaaolongodeanos/safraschama-seentro-
pia, caracterizada pela erosão nas paisagens com uma condição
ruimdesoloechuvaforte.Normalmente,aorebaixarumterraço
efacilitaramecanização,oprodutornãofazumaretificaçãohi-
drológicadaáreaoquetendeacausarumadesordemainda
maior.Nopontodevistadopesquisador,oquesefaznecessá-
rio é uma dinâmica de planejamento em função da recorrência
de períodos mais chuvosos. Sem este planejamento e diante da fra-
gilidade do ecossistema desordenado o produtor pode ter surpresas
bastantedesagradáveisemperíodosdechuvaintensa.
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POR_ RENATA BALDO
A reestruturação dos terraços são fundamentais para evitar o escorrimento da água
3. REESTRUTURAÇÃOHÍDRICA–Pecheatentaparaofatode
queadesordemnomanejodosoloécumulativaeacadaano
se torna mais vulnerável ao ecossistema. Em outras palavras,
o problema de erosão se intensiica na medida em que são
retirados ou rebaixados os terraços ou ainda que o terraço se
mantenha muito cheio de água, o que signiica que a água
nãoestáiniltrando.Paraevitarproblemacomerosão,oprois-
sionalrecomendaumareestruturaçãohídrica.Deacordocom
Peche é possível rebaixar o terraço desde que se faça uma
melhorianacapacidadedeiniltraçãonacessãodocanal.
A sugestão do pesquisador é que seja feita uma
escariicação profunda associada ao plantio de uma
cultura em faixa no mês de outubro. Muitas faixas são
degradadas por causa do terraceamento. A ideia é tirar
proveito de um período em que o solo está um pouco
úmido permitindo aplicação de gesso, cal, entre outros
corretivos. “Preparamos o solo no outono e colocamos
uma cultura de cobertura na faixa de forma que as
plantas contribuam neste rearranjo”, comenta Peche
acrescentando que “a proposta é fazermos uma espé-
cie de retiicação de drenagem e não só da estrutura
do terraço.”.
Segundo o pesquisador cientíico do IAC, o processo erosivo
tem uma escala geológica de mil em mil anos, de forma que não é
passando grade simplesmente que o produtor conseguirá ao longo
de sua vida resolver o problema da erosão. “A força destrutiva da
entropia começa a atuar com mais veemência em novembro, por
issoarecomendaçãodesetrabalharosoloemoutubro,associadas
ao plantio de culturas de inverno economicamente viáveis”, observa
Peche comparando o processo erosivo como um corte profundo no
dedo que, mesmo depois de fechado, permanecerá com uma cica-
triz, nuncamaisrestabelecendoa pelecomoantesdocorte.
No ponto de vista de Peche seria muito oportuno que coope-
rativas e sindicatos promovessem encontros e reuniões visando
preparar os agricultores para a precipitação pluviométrica. Isto, con-
siderando que muitos produtores entendem como práticas conser-
vacionistas apenas fazer terraço, plantio direito, cobertura e canal.
“Oprocessoerosivoéumafragilizaçãodeumambientejávulnerável
dentro da própria vulnerabilidade ecológica do ecossistema”, obser-
va Peche reforçando a importância de se discutir o conceito de pla-
nejamentoetrabalhonosperíodoschuvososedeestiagem.
Peche defende não dar para realizar as praticas conservacio-
nistas em setembro, como no passado, nem tampouco pensar
em custo por hectare, mas sim por metros quadrados. “É preciso
entender a variabilidade; quando plantamos soja em linhas de
20 km perdemos muito em eiciência na medida em que muitas
destaslinhascaemnumacondiçãodesolomuitoruimeocustoé
feito por hectare”, defende o pesquisador reinterando que “a bai-
xa eiciência produtiva do solo somada ao alto custo de produção
das principais commodities faz com que muitos metros quadra-
dos cultivados não paguem o investimento nele feito”.
Para Peche, produtividade deve corresponder à rentabilidade,
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A rotação de cultura também contribui para a reestruturação do solo
Muitos produtores vem utilizando o consórcio de milho com brachiaria ruzzizienses
4. 18
caso contrário, é preferível descansar um pouco o solo que seguir
plantando.“OBrasiléomaiorprodutordeagricultoresquebradosno
mundo por fazer uma agricultora de produto e não de ambiente que
setornapredatória”,nota.AindadeacordocomPeche,omercadode
tecnologiaécruel,poisnãosepreocupaemtransferirconhecimento
ao produtor. “temos uma agricultura tecnicista que se restringe em
comprar tecnologia em vez de propor inovação associada à arte de
administrareconhecermelhorasáreas”,lamentaopesquisador.
Se numa agricultura extrativista é aceito passivamente que as ter-
ras fiquem cansadas, degradadas, na agricultura moderna a visão é
construtivista. No entendime nto de Peche não existe mais terra boa
ou ruim, o que existe são ambientes a serem manejados de formas
diferentes. “Não existe à luz do conhecimento um solo ruim ou bom,
mas, sim, solo mal manejado ou uma gestão expressa em baixa pro-
dutividade”comentaoespecialistalembrandoaindahaverformasde
construirafertilidadeemtodotipodesoloe,muitasvezes,numames-
ma propriedade se permeia um solo arenoso e outro argiloso. Peche
temsededicadoapesquisadediagnostico,monitoramentoeconstru-
çãoambientaledefende:“omaisimportanteéteracertezadequeas
terrasdofuturoestarãomelhoresqueestãohoje”.
Erosão causada pelo excesso de chuvas produz ‘estrias’ no solo que podem durar séculos
Uma paisagem agrícola bem estruturada pode trazer benefícios não só
econômicos