(1) O documento discute a construção de barragens subterrâneas como alternativa para captação e armazenamento de água da chuva no semi-árido nordestino. (2) Duas experiências de barragens subterrâneas construídas pelo CEPFS são analisadas, mostrando como elas permitiram o cultivo de alimentos e melhoria da qualidade de vida das famílias mesmo na estiagem. (3) Apesar de simples, a construção de barragens subterrâneas requer critérios técnicos como escol
1. BARRAGEM SUBTERRÂNEA: UMA ALTERNATIVA DE CAPTAÇÃO
E BARRAMENTO DE ÁGUA DA CHUVA NO SEMI-ÁRIDO
José Dias Campos, José Rego Neto, Otávio Bezerra Sampaio, Claudia Sonda
Centro de Educação Popular e Formação Sindical – CEPFS, Rua Felizardo Nunes de Sousa,
07 – 58735-000 – Teixeira, PB, Fone: 0(xx) 83 472 2276,
E-mail: cepfs@paqtc.rpp.br
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo relatar o processo de construção de uma barragem
subterrânea e analisar, a partir de um breve estudo de caso, duas experiências de barragens
subterrâneas implantadas pelo Centro de Educação Popular e Formação Sindical – CEPFS,
através do Projeto de Capacitação Para o Desenvolvimento Local, em duas comunidades
rurais no município de Teixeira. Para a formulação do presente trabalho, procurou-se
conhecer a percepção das famílias beneficiadas, a fim de extrair o resultado proporcionado
pelas obras objeto de relato e análise. Como resultado, ficou evidente que a barragem
subterrânea é uma alternativa de captação e armazenamento de água da chuva, em aluviões ou
riachos, no semi-árido, visando o cultivo agrícola, produção de frutíferas e para assegurar o
abastecimento d’água para os animais e, em determinadas circunstâncias o consumo humano,
através da escavação de poços amazonas ou tubulares. Quanto ao processo de construção
percebeu-se que, apesar de ser uma construção singela, necessita de critérios técnicos, desde a
escolha do local, material, construção, forma de aproveitamento da água e cultivos
apropriados.
2. Palavras-Chave: barragem subterrânea, armazenamento d’água, captação d’água em
barragem subterrânea, abastecimento d’água.
INTRODUÇÃO
Da água existente no planeta Terra, apenas 1% está disponível para o consumo
humano, sendo que 97% corresponde à água salgada e 2% são as águas que formam as
geleiras.
Em alguns locais simplesmente não há água suficiente para atender as demandas,
aparecendo às competições de uso e conflitos entre os usuários. A escala de conflitos varia
desde argumentações entre indivíduos, até a falta de acordo entre comunidades inteiras e, em
caso extremos, entre cidades e países.
Segundo dados do IBGE, citados por JOÃO GNADLIGER (1997), no Brasil, 30
milhões de habitantes não recebem água tratada; 92% do esgoto do país é lançado nos rios e
no mar sem qualquer tratamento. Todos os dias são lançados 10 bilhões de litros de esgotos
nos rios e no mar.
Embora existam argumentos que no Nordeste há um grande potencial de recursos
hídricos subterrâneos, há também constatações de carência do precioso líquido. Segundo
MIRANDA NETO (1999), a água como recurso indispensável à nossa sobrevivência está se
tornando cada vez mais escassa. A explosão demográfica e as persistentes agressões
ambientais estão agravando as perspectivas. Acresce MIRANDA NETO (1999) que os
interesses daqueles que disputam o usufruto dos recursos hídricos vão se enfrentar com
intensidade cada vez maior. Segundo COSTA (s.d.), o problema da região Nordeste é o da
heterogeneidade na distribuição dos aqüíferos. Somente dois estados dispõem de água
subterrânea, por si só, suprindo suas demandas. São os estados do Piauí e Maranhão. “Nos
demais, a água é concentrada em determinadas zonas e, sobretudo, no interior, no semi-árido
cristalino, que perfaz 55% da área da região, a água é em pequena quantidade e em vazões
muito baixas, em geral, de elevada salinidade, face à evaporação ser muito elevada em relação
à precipitação” (COSTA, s.d.). Ainda de acordo com o mesmo autor, os recursos hídricos
disponíveis para os diversos usos encontram-se na superfície da terra em rios, riachos e lagos
ou na sub-superfície, armazenados nos poros dos sedimentos arenosos ou fraturas de rochas
cristalinas.
Segundo MIRANDA NETO (1999), o setor agrícola requer, para as regiões áridas,
cerca de 90% dos recursos hídricos disponíveis. A maior parte das vezes, entretanto, eles não
são usados com eficiência.
3. De acordo com COSTA (s.d.), os depósitos aluviais contidos nas calhas dos rios e
riachos permanecem ainda saturados durante alguns meses, porém o fluxo subterrâneo em
função dos gradientes hidráulicos, faz com que essa água vá pouco a pouco escoando sub-
superficialmente até o seu esgotamento no final do período mais seco. Assim, muitas
intervenções singelas implantadas no leito aluvial, como, por exemplo, o poço amazonas,
também conhecido por “cacimbão”, bastante utilizado pelo sertanejo, secam justamente nos
meses em que mais se precisa de água por inexistência total em superfície.
Assim, constata-se que se a água que percola diariamente pelos depósitos aluviais
fosse contida, o aproveitamento por poços ou cacimbas se daria de forma mais perene, desde
que não houvesse seca total, ou seja, desde que houvesse o mínimo de precipitação
pluviométrica para garantir a captação e armazenamento de água.
Ainda segundo COSTA (s.d.), a maneira, simples, de conter as águas subterrâneas que
percolam nos depósitos aluviais dos rios e riachos é a construção de uma “barragem
subterrânea”. A barragem subterrânea é uma tecnologia alternativa de captação de água de
chuva, de construção fácil e de baixo custo, permitindo o cultivo de culturas tradicionais
como milho, feijão e batata-doce, e frutas, como manga, goiaba, acerola, limão, em plena área
de caatinga, a partir da umidade proporcionada pela água captada da chuva e contida numa
determinada área. Além do cultivo de plantas frutíferas e não frutíferas, a barragem
subterrânea poderá assegurar o abastecimento de água para o consumo animal e para os gastos
da casa, assim como irrigação de pequenas hortas, contribuindo assim para a melhoria da
qualidade de vida da família.
Apesar da simplicidade, a construção da barragem subterrânea exige alguns requisitos
técnicos. É preciso fazer uma boa escolha da sua localização, o que, no entanto, não significa
dizer que sua instalação tenha que se dar no leito do rio ou riacho, mas, é imprescindível que
seja implantada num ponto estratégico do terreno, onde escoe o maior volume de água no
momento da chuva.
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
Apesar de ser uma construção simples, de tecnologia acessível ao homem do campo,
alguns cuidados são indispensáveis para o êxito da experiência. Esses cuidados vão desde a
escolha do local até as etapas do processo de execução da obra. Quanto à escolha do local,
segundo COSTA (s.d.), o local ideal para implantação de uma barragem subterrânea deve ter
as seguintes condições:
4. a) existência de um depósito aluvial arenoso, com espessura de pelo menos 2m; a
predominância de material síltico-argiloso implica em elevada retenção de água e baixa
condutividade hidráulica, com reduzida vazão nos poços ou cacimbões que irão captar a
água, e riscos de salinização com o tempo;
b) a água existente no depósito aluvial não deve possuir um elevado teor salino, pois, mesmo
com o bombeamento intensivo, ela não irá melhorar sua qualidade, e tenderá a salinizar os
solos que eventualmente venham a ser irrigados;
c) existência de um considerável depósito aluvial a montante da seção a ser barrada, pois um
barramento efetuado nas cabeceiras de um riacho, por exemplo, não terá como ser
alimentado, por deficiência de drenagem superficial;
d) inexistência de soleiras do embasamento cristalino cortando transversalmente os cursos
d’água, pois essas já se constituem em barramentos naturais dos depósitos aluviais,
dispensando por isso qualquer intervenção artificial.
Além das condições sugeridas por COSTA (s.d.), acrescentamos como aspectos
importantes:
a) utilizar as informações da família quanto ao volume de água que escoa nos períodos de
chuva, na localidade pretendida para a execução da obra;
b) extrair da família idéias próprias sobre a utilidade da barragem, com vistas a ter elementos
para o planejamento do seu dimensionamento;
c) promover o planejamento participativo sobre a construção da obra, manejo e cultivos
apropriados, de conformidade com a capacidade de armazenamento e interesse de
produção da família.
Para sua construção, escava-se uma vala transversalmente ao curso do riacho ou rio,
preferencialmente por meio manual (Fotos 1 e 2). Para a abertura da vala é importante que se
conheça antecipadamente, através de uma série de sondagens e informações da família, a
qualidade do material a ser escavado, para poder dimensionar a largura e possivelmente a
profundidade em que será detectada a zona de material impermeável, também conhecida
popularmente por piçarra.
FOTOS 1 e 2 – escavação da vala ou trincheira para o septo da barragem subterrânea
5. Comumente utiliza-se argila, mistura de argila com silte ou lona plástica para a
construção da parede de barragem subterrânea. Segundo COSTA (s.d.), a completa
impermeabilização da parede da barragem não é relevante, devido ao lento movimento da
água em meio poroso. Ainda segundo COSTA (s.d.), de certo modo, é aconselhável que a
base da parede subterrânea não seja totalmente impermeável, pois a infiltração e passagem de
uma pequena quantidade de água, através da parede, reduz os riscos de salinização da área da
barragem.
Havendo interesse, a parede da barragem pode ser elevada a partir da superfície, até
1,30m. Isto permite a formação de uma lamina de água que poderá ser utilizada para cultivos
agrícolas ou florestais (Fotos 3 e 4). Neste caso, deve-se providenciar um sangradouro, de
acordo com o curso do escoamento do riacho ou rio.
Uma vez aberta a vala ou trincheira e escolhido o material de construção da parede, os
processos seguintes são muito simples. No caso de se construir a parede com argila
compactada, deve-se proceder da seguinte forma: deposita-se uma camada de argila, de
acordo com a largura da vala, com uma espessura de aproximadamente 30 centímetros. A
argila deve ser umedecida, em seguida, efetua-se a compactação. Este processo deve ser
repetido em todas as camadas da parede, até atingir a superfície. No caso da utilização de lona
plástica, a construção da parede torna-se ainda mais simples, pois toda a vala será revestida
com a lona, sendo posteriormente preenchida pelo próprio solo da escavação.
FOTOS 3 e 4 – Barragem subterrânea da comunidade Riacho Verde com uma lamina rasa de
água, apropriada para o cultivo da cultura de arroz.
Terminado o processo de construção da barragem, é fundamental efetuar a perfuração
de poços amazonas ou tubulares na área a montante da barragem, que serão utilizados para
aproveitamento da água e para prevenir a salinização. A quantidade de poços a serem
6. perfurados deve estar de acordo com o tamanho da área de captação e com a capacidade do
aluvião.A profundidade dos poços dependerá do solo, sendo ideal que a escavação atinja o
embasamento rochoso.
RELATO DE EXPERIÊNCIAS
O Projeto de Capacitação para o Desenvolvimento Local, financiado pela extinta
SUDENE, foi desenvolvido nos municípios de Teixeira e Maturéia e coordenado pelo Centro
de Educação Popular e Formação Sindical – CEPFS, entidade membro da Articulação Semi-
Árido Paraibano. Dentre as atividades desenvolvidas, foram implantadas duas barragens
subterrâneas, uma na propriedade de Fernando Deodato de Souza, localizada na comunidade
Santo Agostinho e a outra na propriedade de Sebastião Martins de Lima, localizada
comunidade Riacho Verde. O processo de implantação das duas experiências contou com
participação a intensa das famílias dos referidos proprietários, desde a escolha do local, a
aquisição do material e a construção da barragem, propriamente dita. Cada experiência foi
implantada em uma área de aproximadamente 0,5 hectares.
As paredes das barragens foram construídas com argila compactada, devido a
disponibilidade deste material no ambiente local, proporcionando redução de custos na
construção da barragem.
Na barragem construída na propriedade de Fernando Deodato de Souza procurou-se
maximizar a utilização da área, que correspondia a 0,5 hectares, implantando-se culturas
diversificadas, como milho, feijão, batata doce, melancia e cana-de-açúcar (Fotos 5 e 6).
FOTOS 5 e 6 – Plantações agrícolas na barragem subterrânea do Sr. Fernando Deodato de
Souza, Comunidade Santo Agostinho – Teixeira – PB
Nesta área, no mês de setembro, em plena época seca, colheu-se milho, feijão,
melancia e batata doce. Estas colheitas contribuíram para a melhoria da alimentação da
7. família de Fernando Deodato de Souza. Enquanto que, nas demais áreas, no mesmo curso do
riacho, com as mesmas condições ambientais, os outros proprietários e suas famílias não
tiveram qualquer colheita. Além das culturas agrícolas, o Sr. Fernando Deodato de Souza
plantou alguns coqueiros e os regou com água do poço amazonas construído na bacia da
barragem (Foto 7). A água do poço é utilizada para regar as plantas frutíferas e para o
consumo dos animais, enquanto que a água para o consumo das pessoas provem outras fontes,
como tanques em pedra e cisternas de placas, que armazenam água das chuvas.
O Sr. Fernando Deodato de Souza avaliou que a barragem subterrânea também retêm
parte do solo que é carreado pela água da chuva ao longo das margens do riacho. Afirmou
ainda que a fertilidade do solo está sendo retida na área da barragem, a qual seria exportada da
sua propriedade, caso não tivesse construído a barragem.
Na barragem construída na propriedade de Sebastião Martins de Lima, na comunidade
Riacho Verde, numa área também de 0,5 hectares, onde foram plantadas as culturas de batata-
doce, abobrinha e jerimum, houve um menor aproveitamento (Foto 8).
FOTOS 7 e 8 - O Sr. Fernando Deodato de Souza regando uma muda de coco – Comunidade
Santo Agostinho. Plantações de batata-doce na barragem do Sr. Sebastião
Martins de Lima – Comunidade Riacho Verde
Nesta área, mereceu destaque, o aproveitamento da água através do poço amazonas, as
colheitas de abobrinha e jerimum. Segundo o Sr. Sebastião Martins de Lima, a colheita de
batata-doce foi insatisfatória, devido à falta de umidade no solo. Ele observou que a redução
de umidade do solo ocorreu devido ao baixo adensamento das plantas, que contribuiu para
uma maior exposição do solo aos raios solares e ao vento havendo, consequentemente, maior
evaporação.
Além dos benefícios proporcionados pela barragem, em termos de cultivo agrícola, o
Sr. Sebastião destacou que as espécies de frutíferas como goiaba, banana, manga e caju, já
8. existentes no entorno da barragem, apresentaram uma maior produtividade, em termos de
quantidade e tamanho dos frutos, destacando-se a goiabeira. Constatou-se ainda que durante o
mês de outubro, em pleno período seco, as referidas frutíferas ainda estavam verdes, enquanto
que, em anos anteriores, nessa mesma época, apresentavam-se cinzentas, algumas chegando
até a morrer.
O Sr. Sebastião está planejando, para o próximo período de chuva, aproveitar a lâmina
rasa de água para o cultivo de arroz e, após o escoamento da água da superfície, pretende
plantar capim elefante para a formação de pastagem para os animais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A barragem subterrânea é uma tecnologia de baixo custo, alternativa, para a captação
de água da chuva em aluviões ou riachos na região semi-árida, permitindo o cultivo agrícola e
de árvores frutíferas e não frutíferas, possibilitando melhoria na qualidade da alimentação das
famílias. Além do cultivo agrícola e frutífero, a barragem possibilita o aproveitamento da
água represada, através da escavação de poços amazonas ou tubulares, garantindo o
abastecimento de água para os animais e para o consumo humano. A barragem também
permite a retenção da parte fértil do solo que é carreado pela água das chuvas.
Embora a barragem subterrânea seja de fácil construção, necessita de orientações
técnicas, desde a escolha do local, tipo de material, construção da parede e orientação aos
produtores quanto ao cultivo agrícola mais adequado e quanto ao aproveitamento da água
represada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, W.D. Barragens subterrâneas; uma intervenção de baixo custo para a Região Semi-
Árida Nordestina. 11 p. (s.d).
MIRANDA NETO. Água, recurso vital, Jornal o Liberal. Belém, 2 p. 1999
GNADLINGER, J. A captação de Água de Chuva: A Base para a Viabilização do Semi-árido
Brasileiro. Petrolina. 1997. 20p.