Este trabalho apresenta uma análise morfológica e estilística dos afixos encontrados na obra "Memórias de Um Sargento de Milícias". Analisa o uso de prefixos, sufixos e suas implicações semânticas e estilísticas. Busca compreender como esses elementos linguísticos contribuem para a construção do tom cômico e irônico da narrativa. Apresenta fundamentação teórica sobre morfologia e estilística e desenvolve uma explicação detalhada com exemplos do texto.
2. Ingrid Almeida RA: D029IC8
Thainá Ferreira RA: C993EA0
Afixos:
A Estilística em Memórias de Um Sargento de Milícias
Trabalho apresentado ao Programa
de Graduação em Letras da
Universidade Paulista – UNIP como
requisito parcial para obtenção de
nota em Literatura Brasileira: Prosa,
sob orientação da Profa. Sueli
Salles.
São Paulo
2018
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como foco a investigação das construções morfológicas dos
afixos que se repetem frequentemente na obra Memórias de um Sargento de
Milícias. O livro, publicado em meados do século XIX pelo escritor brasileiro
Manuel Antônio de Almeida, é considerado um romance urbano – ou, ainda, de
costumes – que aborda situações corriqueiras da sociedade brasileira durante
o período em que a Corte Portuguesa esteve no Brasil.
Por seu caráter popular, a obra é repleta de sátira e ironia. Diferente dos
romances da época, Manuel Antônio de Almeida cria uma narrativa mais leve e
com traços que revelam sua comicidade. Portando, partindo dessa questão, o
trabalho apresentado tem a proposta de identificar, por meio de uma análise
morfológica e, também, estilística, os aspectos linguísticos que podem indicar
alguns sentidos que constroem o enredo.
O estudo se concentra no uso de prefixos e sufixos em expressões carregadas
de significação irônica, como no trecho bastante conhecido: “Chamavam assim
a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão
avermelhado, que era o decano da corporação, o mais antigo dos meirinhos
que viviam nesse tempo” (p. 2). Incluem-se na discussão tanto as
características morfológicas, que serão mais aprofundadas adiante, como a
interpretação semântica, com base na estilística dos afixos. Busca-se, então, a
relação entre os aspectos linguísticos e a literatura, valorizando as diversas
perspectivas de análise que a própria obra de Manuel Antônio de Almeida
sugere.
5. 4
I. Fundamentação teórica
Como uma língua viva e, portanto, repleta de expressões que surgem,
modificam-se e caem em desuso constantemente, o português traz, desde
o início de sua consolidação, signos linguísticos capazes de serem
interpretados de formas variadas, de acordo com as diferentes condições
de interpretação. Em Memórias de um Sargento de Milícias, obra publicada
entre 1852 e 1855, no Brasil, Manuel Antônio de Almeida utiliza uma
linguagem simples e carregada de termos que geram um tom cômico à
narrativa. Isso se dá, principalmente, por causa das construções
morfológicas que atribuem valores semânticos às palavras.
Em primeiro plano, partindo de um estudo estruturalista, busca-se a
aplicação de conceitos por meio da obra Linguística Aplicada ao Português:
Morfologia (1983), de Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Maria Cecília Pérez
de Souza e Silva, sustentada na teoria estruturalista de Saussure, que
estudou a língua de maneira sincrônica. Assim, essa obra oferece bases
para uma análise mais sistemática da língua, apresentando classificações
de morfemas e os modos pelos quais podem ser articulados.
Em segundo plano, é necessário atrelar às análises aqui apresentadas um
estudo com base na estilística, uma vez que Koch e Souza e Silva não o
oferecem em sua obra abordada. Visto que a intenção é extrair o teor
cômico que alguns morfemas dão à obra de Almeida, encontra-se, na
proposta de Maria Alice Aguiar, em A estilística dos afixos em A Cidade e
as Serras de Eça de Queiroz (2000), uma visão estilística que auxilia no
estudo sobre o uso de expressões e suas possíveis interpretações em uma
obra literária.
Nesse sentido, para uma compreensão de possíveis significados que se
encontram nos afixos usados no decorrer de Memórias de Um Sargento de
Milícias, o estudo em questão se baseia na construção estilística, sobre a
qual Aguiar propõe que a literatura se cria de maneira singular e expressiva,
utilizando como ponto de partida o paradigma estruturalista da linguística no
qual se apoiam Koch e Souza e Silva. Sendo assim, as obras se
complementam e ampliam as possibilidades interpretativas.
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II. Análise
De acordo com o livro, a personagem Maria da Hortaliça, portuguesa, mãe
de Leonardinho, trai o Leonardo Pataca e foge com outro para Portugal. Por
conta de suas ações, em uma conversa que a comadre ouve entre
duas beatas (capítulo VII), observa-se um questionamento sobre as ações
de Maria.
“... quando um dia na Sé ouviu entre duas beatas de mantilha a seguinte
conversa:
— É o que lhe digo: a saloiazinha era da pele do tinhoso!
— E parecia uma santinha... e o Leonardo o que lhe fez?
— Ora, desancou-a de murros, e foi o que fez com que ela abalasse mais
depressa com o capitão... pois olhe, não teve razão; o Leonardo é um
rapagão; ganhava boas patacas, e tratava dela como de uma senhora!... —
E o filho... que assim mesmo pequeno era um malcriadão...
— O padrinho tomou conta dele; quer-lhe um bem extraordinário... está
maluco o coitado do homem, diz que o menino há de por força ser padre...
mas qual padre, se ele é um endiabrado!...”(p. 22 )
O sufixo –inho, morfema derivacional inserido nos radicais para criar novas
palavras (Koch e Souza e Silva, 1983) aceita vários significados e, apenas
pelo seu contexto, pode-se estabelecer uma análise do seu significado e
associar a provável intenção do falante. O diminutivo, no trecho, refere-se
ao sentido conotativo da palavra, ou seja, a utilização desse sufixo não
altera a função sintática da palavra, o que ocorre é uma mudança no campo
semântico. A presença do morfema derivacional –inha em “saloiazinha” e
“santinha” mostram a ironia das personagens ao descrever Maria da
Hortaliça após “a moça do Leonardo ter fugido para Portugal com o capitão
de um navio que partira na véspera de noite. ” (p. 10)
O prefixo –des e –en em “desancou” e “endiabrado”, apesar de
sintaticamente significarem negação, posição interior e/ou movimento para
dentro, respectivamente, no enredo, são semanticamente utilizados para
aumentar a expressividade do texto. Pode-se dizer que ocorre
uma hipérbole, figura de linguagem que torna tudo muito exagerado, além
do real. Esse recurso é muito utilizado para descrever as ações
de Leonardinho, como por exemplo nos trechos: "(...) atormentava a
vizinhança com um choro sempre em oitava alta; era colérico; tinha ojeriza
particular à madrinha, a quem não podia encarar, e era estranhão até não
poder mais" (p.4)
"—E o filho... que assim mesmo pequeno era um malcriadão... " (p. 22)
É importante ressaltar que o próprio motivo do nascimento de
Leonardinho é descrito como algo exagerado e parte para o grotesco, como
7. 6
exemplificado no trecho: "És filho de uma pisadela e de um beliscão;
mereces que um pontapé te acabe a casta." (p. 5), e sugere o motivo pelo
qual "o menino'' é "malcriadão".
Podemos dizer então que –ão, também utilizado para exagerar essa
personalidade de Leonardo, é ressaltado, a princípio, pelo encontro entre
Maria da Hortaliça e Leonardo Pacata no início do livro.
"Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo
fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado
sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se
já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe
também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão
esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra:
levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a
mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez
um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão
extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos." (p. 3)
O trecho marca a oposição ao tratamento idealizador e sentimental das
relações amorosas, dominante do Romantismo. Os sufixos destacados
causam o efeito estilístico necessário para enfatizar a "grosseria"
animalesca, característica naturalista observada no decorrer da obra.
Há de se notar, ainda, a expressividade do uso do sufixo –íssimo, que é um
morfema usado para formar adjetivos no grau de superlativo absoluto
sintético, ou seja, aquele que atribui a seres características em grau muito
elevado. Na obra, há uma frequente recorrência desse sufixo, como nos
trechos a seguir:
“Por mais que se fizesse não havia remédio em tais circunstâncias senão
deixar escapar dos lábios o terrível - Dou-me por citado. - Ninguém sabe
que significação fatalíssima e cruel tinham estas poucas palavras!
(...) Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos
brancos e carão avermelhado, que era o decano da corporação, o mais
antigo dos meirinhos que viviam nesse tempo” (p. 2)
Pode-se notar que, ao descrever tanto uma reação ao recebimento de uma
intimação judicial, na primeira parte do trecho, como o meirinho Leonardo
Pataca, na segunda parte, o sufixo –íssimo, com a variante –a, é
empregado de maneira irônica. Em “fatalíssima”, uma vez que se refere a
uma situação envolvendo os meirinhos, que anunciavam as intimações, o
narrador retrata essa classe e suas atividades com certo tom sarcástico e
desprezível. Em “gordíssima”, dado ao exagero que o sufixo exprime na
palavra, a personagem de Leonardo Pataca é descrita de forma a causar
riso no leitor, que, combinada a outras descrições, sugere uma imagem
peculiar e engraçada do meirinho.
8. 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados expostos, percebe-se de que forma é construída a
multiplicidade de sentidos nos sufixos empregados em contextos diferentes,
através da análise da obra. Os estudos morfológicos associados
à estilística expõem a intencionalidade por detrás dos enunciados,
permeada por processos que englobam uma série de estratégias
discursivas cuja finalidade é identificável a partir da análise relativa aos
sufixos em determinados contextos que, na obra expões características
realistas e, em alguns pontos, naturalistas e consequentemente a difere de
outras obras românticas da época.
Vemos, assim, que as pesquisas relacionadas à morfologia enquadram-
se no processo de diálogo multidisciplinar, abrangendo diferentes tipos de
discursos, sobretudo o literário, o qual faz uso dos afixos de grau em meio a
estratégias de exprimir os pensamentos do autor, a fim de comover,
surpreender, fazer o leitor rir ou refletir sobre algo.
Podemos observar, a partir da análise dos afixos, a importância desse
processo de formação para constituição de palavras na língua. A escolha
comprova como o processo derivacional não só é responsável pela
produtividade como pela criação de palavras novas. Considera-se, pois, que
a língua portuguesa é rica em todos os seus aspectos passíveis de análise
científica: o vocabulário, a sintaxe e o período obtiveram de suas mãos uma
nova realidade estética.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, M. A. de. Memórias de Um Sargento de Milícias. São Paulo:
Editora Objetivo, 2000.
SOUZA E SILVA, M. C. P de; KOCH, I. V. Linguística Aplicada ao
Português: Morfologia. 18 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2011.
AGUIAR, M. A. A Estilística dos Afixos em A Cidade e as Serras de Eça de
Queiroz. Artigo acadêmico. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2000.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 2009.