O documento descreve os principais fatores de coerência envolvidos no processo de compreensão de um texto, incluindo: 1) conhecimento linguístico e de mundo do leitor; 2) conhecimento compartilhado entre autor e leitor; 3) inferências feitas pelo leitor com base no texto e seu conhecimento prévio.
2. Conhecimento Linguístico
O conhecimento linguístico se baseia na
identificação dos elementos linguísticos contidos na
superfície do texto. Esses elementos servem como
pistas que orientam a compreensão no decorrer da
distribuição linguística do texto.
3. Conhecimento de mundo
É o conjunto de conhecimento adquirido com as
experiências do cotidiano, conforme se vivenciam e
se conhecem fatos decorrentes da cultura e do meio
em que se insere. Esses conhecimentos são
armazenados em nossa memória como modelos
cognitivos que são ativados quando o receptor se
depara com determinado texto, cujos esquemas,
frames, planos, scripts e estruturas são assimilados
por ele.
4. Conhecimento Partilhado
É o conhecimento comum entre o produtor e o receptor
de um determinado texto. Quanto maior for a partilha do
conhecimento sobre o texto, mais fácil será a
compreensão pelo receptor. No entanto, é preciso que
haja um equilíbrio entre a informação dada (que já é
comum a ambos os sujeitos) e a informação nova
contida no texto, para que este não se torne redundante
demais ou de difícil apreensão.
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6. Análise do exemplo
Para que ocorra a assimilação dos elementos linguísticos presentes no texto, é preciso que
o receptor detenha o conhecimento dos mesmos e consiga conjugá-los numa sequência
capaz de produzir o sentido pretendido. No caso da palavra escrita como “mais” no terceiro
quadrinho, o leitor deve primeiro fazer o reconhecimento da conjunção “mas” para que
então possa relacionar à variação (no caso, é proposital), que tem o objetivo de representar
o sotaque caipira do personagem Chico Bento.
Para que se atinja o sentido desejado pela tirinha e ela seja, por consequência, engraçada, é
preciso que o receptor busque, por meio do seu conhecimento de mundo, os frames que
rotulam a fala do primeiro balão “meu pai tem oitocentas cabeças de gado” e compreenda
que a expressão “cabeças de gado” corresponde à unidade de medida utilizada na
bovinocultura para quantificar o gado. A questão humorística se conclui justamente por o
personagem Chico Bento não conseguir fazer essa assimilação e compreender o termo
empregando-o na forma literal, visto que a frase sugere ambiguidade.
Além disso, é preciso que o receptor faça a relação da informação dada, sobre a condição
altamente estereotipada do personagem Chico Bento, com a informação nova, que é o
diálogo entre os dois personagens em si, para que o humor seja devidamente produzido.
7. Inferências
Descrevem determinadas operações cognitivas que se
desenvolvem ao entrarmos em contato com algum texto.
Vão desde a identificação de elementos anafóricos até a
construção de esquemas ou modelos mentais de textos.
Acrescentam informação ao texto, permitindo-nos captar o
que não está dito de forma explícita. São, portanto,
“deduções” baseadas tanto em pistas dadas pelo próprio
texto como em conhecimentos que o leitor possui.
8. Fatores de Contextualização
Dividem-se entre os contextualizadores propriamente
ditos e os perspectivos (ou prospectivos). Os primeiros
são fatores que situam o texto (local, data, elementos
gráficos, assinatura etc) e servem também para dar
credibilidade ao mesmo. Já os perspectivos são aqueles
que sugerem ou adiantam informações sobre o conteúdo
(título, autor, início do texto) que podem ser confirmadas
ou reformuladas com a leitura integral do texto.
9. Situacionalidade
Corresponde à adequação do texto com a situação
comunicativa a qual está relacionado, com o objetivo de
auxiliar na construção da coerência. A situação é capaz de
interferir na produção/recepção do texto, tanto em sentido
estrito (situação da comunicação em si) quanto em sentido
amplo (contexto sócio-político-cultural), determinando
inclusive as variações linguísticas empregadas. Porém,
nenhum texto corresponde identicamente ao mundo real,
visto que é determinado pela perspectiva do produtor sobre
determinadas situações. Desta forma, o texto produzirá a
coerência (ou não) de acordo com a situação na qual se
insere.
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11. Análise do exemplo
Para se atingir a compreensão desejada, é preciso, além de
ler os balões (que defendem o período da Ditadura Militar
no Brasil), interagir com as imagens, que produzem sentido
oposto ao escrito.
A produção de sentido está diretamente ligada com o fator
situacional, pois a tirinha remete ao período de Ditadura
Militar no Brasil e só será compreendida quando analisada
junto com os acontecimentos vivenciados na época em que
imperava aquele regime.
12. Informatividade
É o que determina o grau de previsibilidade da
informação de um texto. No caso de um texto com
pouca informatividade, seu conteúdo será previsível pelo
receptor e não causará estranhamento. Caso texto
contenha, além da informação esperada, informação
nova e não previsível terá um grau médio de
informatividade. Já se o texto não contiver nenhuma
informação previsível e seu conteúdo for de difícil
apreensão, sua informatividade será elevada, podendo
ser julgado incoerente pelo receptor.
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14. Análise do exemplo
Para caracterizar o funcionamento do ciclo de
reprodução de um Pinheiro do Paraná, o texto
apresenta um conhecimento científico muito específico,
contendo informações imprevistas pelo receptor
comum que se traduzem em um grau elevado de
informatividade.
Caso o receptor seja estudante ou pesquisador da
reprodução do Pinheiro do Paraná, o texto apresentará
grau baixo de informatividade.
15. Focalização
Tanto no diálogo oral como num texto escrito, produtor e
receptor focalizam sua atenção a uma parte específica do
que sabem e acreditam, enfatizando-a. O receptor depende
das crenças compartilhadas sobre o que está sendo
focalizado para interpretar as palavras num sentido
apropriado, assim como o produtor precisa focalizar seu
texto para estabelecer um campo comum. Caso contrário,
poderão surgir equívocos e falha de interpretação. Portanto,
a produção de sentido é influenciada pela focalização e
vice-versa.
16. Piada
No tribunal, o Juiz se dirige ao advogado de defesa e pergunta:
- Então o réu é primário?
E o advogado responde:
- É claro que não meritíssimo! Meu cliente é um homem culto. Já tem até segundo grau
completo!
17. Análise do exemplo
No exemplo acima, o fator humorístico está justamente
no fato de um mesmo termo, “réu primário”, ser
compreendido por duas focalizações distintas, visto que
o juiz utilizou-o para se referir ao réu de primeira
infração, enquanto o advogado, de maneira
equivocada, compreendeu-o como “ensino primário”,
relacionando-o com a escolaridade do réu.
18. Intertextualidade
Ocorre quando há necessidade de se recorrer ao
conhecimento prévio de outros textos, durante o
processamento cognitivo, para que se chegue à
interpretação desejada, podendo ser de forma ou de
conteúdo. Intertextualidade de forma ocorre quando, num
determinado texto, há elementos ou trechos de outro. Já o
conteúdo está relacionado ao contexto e diz respeito ao
conhecimento de mundo do receptor para relacionar textos
que dialogam entre si, podendo se apresentar de maneira
implícita ou explícita.
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20. Análise do exemplo
A história acima apresenta elementos de
intertextualidade implícita, pois para se atingir o
sentido desejado é necessário que o receptor
perceba a referência ao poema “No Meio do
Caminho” de Carlos Drummond de Andrade.
21. Intencionalidade e aceitabilidade
A intencionalidade refere-se ao modo como o produtor usa o
seu texto com determinada intenção para atingir seus
objetivos. Para isso, o produtor fornece, via texto, pistas ao
receptor para que este produza o sentido desejado por
aquele.
Enquanto a intencionalidade se manifesta pelo locutor, a
aceitabilidade ocorre por parte do interlocutor do texto, que
irá ativar seu processamento cognitivo a fim de buscar a
compreensão mais adequada, podendo agir ou não de modo
cooperativo com o produtor.
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23. A intencionalidade das publicações das revistas “Veja” e “Carta
Capital” (exemplo anterior) é claramente explicitada por meio do
uso dos termos “impeachment” e “golpe” para distinguir, cada
qual, o seu posicionamento político a respeito da votação que
levou à mudança na presidência do Brasil em 2016. Além do
elemento linguístico, há elementos extralinguísticos, como
imagens, que auxiliam a intenção do produtor da capa.
A aceitabilidade está relacionada a intencionalidade, cabendo
ao interlocutor internalizá-la e aceitá-la a sua maneira, de
acordo com a sua compreensão do assunto e conhecimento de
mundo que envolva tanto o conhecimento sobre o tema, como
o conhecimento do posicionamento político corriqueiro de cada
revista.
Análise do exemplo
24. Consistência e relevância
A consistência exige que todos os enunciados de um
texto concordem entre si, no sentido de não produzirem
contradições e, por consequência, incoerência.
A relevância exige que todos os enunciados de um texto
correspondam ao mesmo tópico discursivo, ou seja, que
as partes que correspondam ao conteúdo do texto não
desviem do assunto central tratado nele.
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26. Análise do exemplo
Não há consistência no diálogo da tirinha, visto que
inicia clamando pelo fim do “hashtag” e termina
utilizando esse recurso para demonstrar seu desejo,
causando contradição. Mas é essa contradição o
que causa o humor intencionado pelo autor.
Apesar de não apresentar consistência, a tirinha
possui relevância, pois cada quadrinho trata do
mesmo tópico discursivo, sendo uma sequência
lógica e passível de interpretação.
27. Referência
KOCH, I. G. V. Fatores de coerência. In: KOCH, I. G. V. A
coerência textual. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2011.
p.59-81.