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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
          CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
        LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA




CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM: UM CASO DE
               INJUSTIÇA AMBIENTAL




                     RECIFE
                      2010
LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA




CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM: UM CASO DE
               INJUSTIÇA AMBIENTAL




                                Trabalho de Conclusão de Curso
                         apresentado à coordenação do Curso de
                         Ciências Biológicas, da Universidade
                         Federal de Pernambuco, como parte dos
                         requisitos à obtenção do grau de Bacharel
                         em Ciências Biológicas.

                         Orientador:
                         Dr. Pedro Castelo Branco Silveira
                         (Coordenação    Geral  de   Estudos
                         Ambientais e da Amazônia – Fundação
                         Joaquim Nabuco).




                     RECIFE
                      2010
LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA




     CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM: UM CASO DE
                            INJUSTIÇA AMBIENTAL


                                                  Trabalho de Conclusão de Curso
                                           apresentado à coordenação do Curso de
                                           Ciências Biológicas, da Universidade
                                           Federal de Pernambuco, como parte dos
                                           requisitos à obtenção do grau de Bacharel
                                           em Ciências Biológicas.


                                           Data de Aprovação: ____/____/____

                                           Nota: ________________________

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________
Dr. Pedro Castelo Branco Silveira (Orientador)
(Coordenação Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia – Fundação Joaquim
Nabuco).


______________________________________________
Dr. Cristiano Wellington Noberto Ramalho (1º Titular)
(Depº. de Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe – UFS.


_________________________________________________
Drª. Simone Ferreira Teixeira (2º Titular)
(Instituto de Ciências Biológicas, Universidade de Pernambuco – UPE).


_________________________________________________
MSc. Beatriz Mesquita Jardim Pedrosa (Suplente)
(Coordenação Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia – Fundação Joaquim
Nabuco).


                                      RECIFE
                                       2010
DEDICATÓRIA


   À minha querida avó Porcina Morais de Souza e a minha
mãe Luzinete Morais da Silva (in memoriam), pelo
aprendizado e por seus exemplos de vida, que me
impulsionaram sempre na condução de meus passos. Dedico
também a minha tia Mª Auxiliadora e ao meu irmão Josmar
Luiz pelo apoio e carinho durante a realização deste trabalho.
”No fundo da prática científica existe um discurso que
diz: nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo
momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma
verdade talvez adormecida, mas que no entanto está
somente à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós
cabe achar a boa      perspectiva, o ângulo correto, os
instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela
está presente aqui e em todo lugar”.
                                              Foucault.
AGRADECIMENTOS


       Os agradecimentos são muitos, mas primeiramente agradeço a Deus por ter me
proporcionado a oportunidade de conhecer maravilhosas pessoas, que permanecerão
para sempre em minha memória.
       Agradeço ao meu orientador Pedro Silveira, que antes de tudo é um grande
amigo, pela ajuda e compreensão nessa jornada antropológica a qual decidi trilhar.
Sempre acreditando e compartilhando preciosos momentos de dificuldades, descobertas,
dúvidas, conflitos e soluções. Seus ensinamentos sempre me proporcionaram um amplo
aprendizado e especificamente na realização deste trabalho, foram imensamente
valiosos.
       Agradeço ao demais Professores que aceitaram participar como membros na
banca desta monografia, Cristiano Ramalho, Simone Teixeira e Beatriz Mesquita.
       Voltando um pouco no tempo, agradeço aos ensinamentos da Prof. Cecília
Patrícia Alves Costa (CCB-UFPE), que me despertaram para as questões
socioambientais e me impulsionaram a sempre buscar compreender tais questões.
       Quero agradecer a todos que tornaram possível este trabalho: a Beatriz Mesquita
e ao Allan Monteiro da FUNDAJ que enriqueceram meu trabalho com suas sugestões,
ao Frei Sinésio Araújo por seu apoio, dedicação e contribuição durante todos os
momentos de minha pesquisa e durante a coleta das entrevistas, ao Plácido Júnior pelas
informações, contribuições e parceria, às Irmãs Franciscanas Bernadinas de Barra de
Sirinhaém (Lucia, Gilbetânia, Celeste e Joice) por me acolherem tão gentilmente e com
tanto amor durante minha estadia em Sirinhaém, ao Severino Santos (Bill) da CPP pela
sua dedicação em me ajudar em vários momentos através de materiais de pesquisa, das
“caronas” até Sirinhaém e pelas conversas tão enriquecedoras ao meu trabalho, ao Luiz
Otávio Corrêa do IBAMA que esteve sempre disponível em me ajudar em qualquer
solicitação e aos profs. Gilberto Rodrigues e Clóvis Cavalcanti pelo apoio.
       Agradecimentos especiais a todos de Sirinhaém, aos pescadores e pescadoras
que carinhosamente me receberam e me ajudaram na realização deste trabalho. A todos
da Colônia Z-6 de Barra de Sirinhaém, representados nas figuras de Ronaldo e Arlene, e
aos ex-moradores das ilhas. Admiro suas lutas e essa sabedoria sobre o meio ambiente,
algo tão inerente ao peculiar modo de vida que vocês estabelecem com a natureza.
Espero ver um dia a pesca artesanal adquirindo seu real valor e para isso é
preciso força e união para não sucumbir às estratégias dos que visam suprimir essa
prática produtiva em nome dos projetos de desenvolvimento.
       Aos amigos, agradeço imensamente pela compreensão durante os períodos de
ausência, pelo apoio e carinho: Paula Carolina e Célia Fernanda; Kelma; Yana;
Amanda; Júlia; Ivson; Daniele Xavier; Juliana; Michele; Lindinalva; Dayana;
Valdemar; Clarissa; Thatiana, Caio e Diego “o trio do CTG”; a Prof. Lucilene Antunes;
Charles; Júnia e Bruna pelas conversas, pensamentos e opiniões que contribuíram
imensamente na realização deste trabalho e pela paciência em escutar sempre o mesmo
assunto durante este período.


                                                “Quem me dera pudesse compreender
                                                   Os segredos e mistérios dessa vida
                                                   Esse arranjo de chegadas e partidas
                                              Essa trama de pessoas que se encontram
                                                                        Se entrelaçam
                                                   E misturadas ganham outra direção
                                                    Quem me dera pudesse responder
                                                Quem sou eu nessa mistura tão bonita
                                            Tantos outros, sou na vida um Zé da Silva
                                                      Sofro as dores de outros nomes
                                                         Rio os risos de outras graças
                                                Trago em mim as falas dessa multidão
                                               Quem me dera pudesse compreender”.
                                                                   Pe. Fábio de Melo
Sumário

LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................. 9
LISTA DE TABELAS E QUADROS ...................................................................................... 10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................. 11
RESUMO ................................................................................................................................... 12
ABSTRACT ............................................................................................................................... 13
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................... 14
1. INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA ........................................................... 17
   1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental ........................... 24
   1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil ........................................................... 24
   1.3. As Resex Marinhas no Brasil ........................................................................................... 27
   1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental ............................................... 29
2. OBJETIVOS .......................................................................................................................... 32
   2.1. Objetivos Gerais ............................................................................................................... 32
   2.2. Objetivos específicos........................................................................................................ 32
3. METODOLOGIA ................................................................................................................. 33
   3.1. Área de Estudo ................................................................................................................. 37
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 41
   4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos............................................... 41
   4.2. Memórias de um lugar ...................................................................................................... 43
   4.3. O acirramento dos conflitos ............................................................................................. 51
   4.4. O processo de criação da Resex e suas dificuldades ........................................................ 57
   4.5. Pontos de vista.................................................................................................................. 63
   4.6. Resex: um benefício para todos ou um entrave ao desenvolvimento ............................... 74
   4.7. O conflito socioambiental frente ao contexto histórico, político e econômico de PE ...... 82
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 91
ANEXOS ........................................................................................................................97
APÊNDICES ..................................................................................................................98
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil ...................................................28
Figura 2: Comunidade do Casado ..................................................................................37
Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém ...............................................................37
Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento ..........................................................37
Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab ..............................................................37
Figura 6: indústria sucroalcooleira .................................................................................39
Figura 7: Pesca Artesanal ...............................................................................................39
Figura 8: Imagem de satélite do complexo estuarino do Rio Sirinhaém .........................40




                                                                                                                         9
LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 1: categorias de unidades de conservação no Brasil ...........................................24
Quadro 1: cronologia dos documentos presentes nos seis volumes do processo de
criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca, IBAMA nº 02019. 000307/2006-
31......................................................................................................................Apêndice 1.




                                                                                                                               10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS


APA – Área de Proteção Ambiental
CNPT - Centro Nacional de Populações Tradicionais
CONSEMA - Conselho Estadual de Meio Ambiente
CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores
CPRH – Agencia Estadual de Meio Ambiente e Recursos hídricos
CPT – Comissão Pastoral da Terra
DIUSP - Diretoria de Uso Sustentável e Populações Tradicionais
GRPU – Gerência regional do Patrimônio da União
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
MMA – Ministério do Meio Ambiente
ONG – Organização Não Governamental
MPA – Ministério de Pesca e Aqüicultura
RESEX – Reserva Extrativista
SECTMA – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SPU – Secretaria do Patrimônio da União
UC – Unidade de Conservação




                                                                               11
RESUMO

Esta pesquisa relata o processo de criação de uma Reserva Extrativista no Litoral Sul do
Estado de Pernambuco, que tem como beneficiários pescadores artesanais dos
municípios de Sirinhaém e Ipojuca. Aborda o conflito socioambiental existente entre os
pescadores e os empreendimentos locais, quais são os principais problemas enfrentados
por essa população e como os impactos ambientais existentes na região têm afetado a
qualidade de vida deles. Traz um histórico da territorialização de 17 ilhas no estuário do
Rio Sirinhaém que eram habitadas por 53 famílias que faziam uso comum da terra e
possuíam também a pesca como meio de subsistência. E como tal conflito
socioambiental resultou na retirada dessa população de seus territórios para áreas
distantes da periferia do município de Sirinhaém, com a conseqüente perda da atividade
produtiva e de suas identidades. Nesse estudo foi privilegiado à pesquisa qualitativa,
onde foram feitas entrevistas com os principais atores sociais envolvidos no conflito,
como também observações em campo, consulta à documentação do processo elaborado
pelo IBAMA, entre outras fontes de pesquisa diversas. A partir dos relatos dos
pescadores, observa-se a importância do território e dos recursos naturais presentes na
manutenção de seus hábitos e modo de vida, motivos estes que levaram ao pedido de
criação da Resex. Há ainda um relato das dificuldades para a implementação dessa UC e
como os atores sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas
motivações, ações e relações. Assim esse exemplo de luta pela garantia de territórios
tradicionalmente ocupados por povos que fazem uso comum da terra e possuem a
atividade pesqueira como algo inerente à própria existência, é também a luta por um
modelo de desenvolvimento mais justo e democrático. Essa população tenta defender os
recursos naturais ali existentes através da mobilização contra essa injustiça ambiental,
mostrando que um ambiente preservado pressupõe também a proteção da diversidade
sociocultural da região.

Palavras chave: Sirinhaém, Resex, Povos tradicionais, Justiça Ambiental, Pesca
Artesanal, Conflitos Socioambientais.




                                                                                       12
ABSTRACT


This research describes the creation process of an extractive reserve in the south coast of
Pernambuco state. Its beneficiaries are small-scale fishermen from the municipalities of
Sirinhaém and Ipojuca. The research deals with the social-environmental conflicts
between fishermen and local enterprises, either with the main problems faced by this
population and also how the environmental impacts in the area affected their life
quality. We show the territorialization process of 53 fishermen families in 17 estuarine
islands who use common-pool resources, and how this conflicts resulted in the remotion
of this families from their territories to faraway sites in the borders of the municipality
of Sirinhaém, though causing the loss of their productive activities and affecting their
identity. We chose a qualitative approach and so we interviewed the main social actors
involved in the process. We proceeded field observations, analysis of the documentation
process gathered by the Brazilian Natural Resources Agency (IBAMA) and of other
research sources. We observed the importance of the territory and of the natural
resources to maintaing this people lifestyle, fact that motivated the request for the
creation of the reserve. The text also tells the challenges to the implementation of this
protected area and how the social actors position themselves, defining their motivations,
actions and relations. Though, this example of struggle to the warrant of traditionally
settled territories by peoples who make use of common resources, who have fisheries as
part of their own existence, is also a struggle for a more fair and democractic
development model. This population tries to defend the local natural resources
mobilizating against environmental injustice, showing that a preserved environment
also suposes manatining cultural diversity.

Key words: Sirinhaém, Extractive Reserves, Traditional Peoples, Environmental
Justice, Traditional Fishing, Environmental Conflicts.




                                                                                        13
APRESENTAÇÃO

        A presente monografia analisa o processo de solicitação e criação de uma
Reserva Extrativista Marinha no Litoral Sul do Estado de Pernambuco. Relata os
problemas socioambientais enfrentados pela comunidade de pescadores artesanais na
região e como essa população tem se organizado frente à perda do território
tradicionalmente ocupado por eles. Contextualiza a destruição ambiental no município,
decorrente do processo de industrialização em curso no litoral sul pernambucano, e
quais conseqüências tem acarretado no cotidiano dos pescadores. Para isso, parte-se do
contexto histórico em que a solicitação da Resex foi feita, delineando-se a atuação dos
diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito.
        Este trabalho traz em sua introdução uma discussão teórico-conceitual que faz
uma breve revisão sobre temas importantes para o caso posteriormente apresentado. A
seção 1.1 aborda as divergências existentes nas diferentes perspectivas sobre
conservação ambiental. Traz ainda reflexões acerca do conceito de povos tradicionais e
quais as dificuldades enfrentadas na elaboração de uma definição que contemple as
diferentes formas de uso comum da terra existente entre os diferentes sujeitos históricos.
Faz também um breve relato sobre o conceito de território e como os povos tradicionais
percebem e relacionam-se com ele para a manutenção da sua diversidade
socioambiental. Apresenta, por fim, um breve histórico do movimento de Justiça
Ambiental e relaciona os conflitos socioambientais a essa temática.
       Na seção 1.2 há um histórico da criação das Unidades de Conservação no Brasil
e dos órgãos ambientais. Relata-se ainda como surgiram as Reservas Extrativistas e
como essas UCs são regulamentadas pelo SNUC.
        A seção 1.3 traz o contexto histórico em que as Reservas Extrativistas Marinhas
surgiram e como tornaram-se um instrumento de defesa dos pescadores artesanais face à
destruição ambiental do litoral brasileiro. Aborda também como a pesca artesanal foi
vista pelos distintos órgãos governamentais que estiveram tratando dessa atividade
tradicional ao longo dos anos.
       A seção 1.4 faz uma breve caracterização do mangue e como o desconhecimento
da importância socioambiental do manguezal tem contribuído para a sistemática
eliminação desse ecossistema.



                                                                                       14
Após a apresentação dos objetivos e da metodologia, que inclui ainda a
descrição da aŕea de estudo, apresento o caso estudado. Inicio a descrição e a discussão
deste estudo de caso na seção 4.
        Na seção 4.1 elenco os principais motivos que levaram ao pedido de criação da
Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca, no estuário do Rio Sirinhaém.
       A seção 4.2 há um breve relato de como viviam as 53 famílias que habitavam
nas 17 ilhas estuarinas do Rio Sirinhaém, como construíram suas vidas nesse ambiente e
como perderam o direito de permanecer nesse território tradicionalmente ocupado em
decorrência da intensificação dos conflitos socioambientais existentes na região.
       A seção 4.3 descreve como ocorreu o acirramento dos conflitos e quais as ações
foram tomadas pelos diferentes atores sociais envolvidos, como os injustos
acontecimentos levaram ao pedido da Resex. Descreve também o processo de retirada
das famílias, cerca de 260 pessoas, que residiam nas ilhas estuarinas e quais as
dificuldades esses pescadores enfrentam atualmente.
       Na seção 4.4 há o relato das principais dificuldades ocorridas durante o processo
de criação da Resex: algumas dúvidas da população pesqueira beneficiada por essa UC
e algumas posições dos diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito.
       A seção 4.5 exemplifica os diferentes pontos de vista existentes entre
representantes do governo, indústria e os próprios pescadores da região. Tal dificuldade
de reconhecer os distintos modos de relacionar-se com o meio ambiente resultam na
falta de uma maior articulação da comunidade beneficiada pela Resex.
       A seção 4.6 traz uma discussão sobre o dilema em proteger o meio ambiente e
compatibilizar os projetos de expansão industrial defendidos pelo Governo do Estado.
Há também alguns discursos que são repassados e as estratégias utilizadas pelos atores
sociais contrários à implantação da Resex, no intuito de desmobilizar a luta dos
pescadores artesanais.
       A seção 4.7 traz um breve histórico do contexto sociopolítico e econômico da
região e de PE e como esses fatores interferem no processo de criação da Resex
Sirinhaém-Ipojuca. Relata quais os argumentos do Governo Estadual para ser contrario
á criação da Resex e como a valorização de um modelo de desenvolvimento excludente
tem gerado a perda da qualidade de vida da população e a perda de sua própria
identidade.



                                                                                     15
O exemplo de luta pela proteção do meio ambiente e da diversidade
sociocultural existente no litoral sul de Pernambuco é apenas mais um conflito
socioambiental, dentre os muitos já existentes em PE. E apesar dos muitos entraves
existentes, tal conflito pode torna-se uma boa oportunidade para que os pescadores
artesanais se unam na reivindicação de seus direitos, promovam a valorização da prática
pesqueira e a proteção dos recursos naturais. Para isso é preciso buscar informação,
articular-se a outras instituições de luta e exigir participação nas discussões dos projetos
do Governo para o desenvolvimento da região.




                                                                                         16
1. INTRODUÇÃO


         1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental.


         O avanço tecnológico tem levado a certo distanciamento entre homem e
natureza. Hoje muitos agem como se os recursos consumidos não fossem obtidos a
partir do meio ambiente. Segue-se um modelo de desenvolvimento que vem alterando
de maneira constante, rápida e irreversível as paisagens. Tais alterações não apenas
destroem a diversidade biológica do planeta, mas tem também eliminado a diversidade
sociocultural representada nos diversos povos que dependem mais diretamente desses
recursos naturais.
         Apesar de não ser um tema recente1 proteger a biodiversidade pressupõe uma
reflexão sobre o que vem a ser a natureza e qual o papel do homem nesse contexto. Pois
a biodiversidade só será verdadeiramente protegida quando as divergências conceituais
sobre as questões ambientais forem melhor discutidas e quando a relação homem-
natureza deixar de ser percebida como algo dicotômico, ou seja, quando as análises
sobre o meio ambiente e a sociedade deixarem de serem feitas através da percepção do
homem como um simples beneficiário da natureza ou apenas como um dependente dela
(Branco, 1995).
         Sendo assim tem crescido a concepção socioambientalista, que defende não
apenas a sustentabilidade ambiental (espécies, ecossistemas e processos ecológicos),
mas também a sustentabilidade social (redução das desigualdades sociais e o
fortalecimento da ética, justiça e equidade social). Tem se fortalecido a ideia de que as
políticas públicas ambientais possuem eficácia social apenas se incluírem as
comunidades locais promovendo uma justa e equitativa repartição dos benefícios
oriundos da exploração dos recursos naturais. Nesta perspectiva a proteção da
biodiversidade pressupõe a manutenção da diversidade sociocultural, pois esta é

1
          O Relatório Brundtland, também intitulado de Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1987), um documento
elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, já recomendava a preservação
da biodiversidade e dos ecossistemas. O tema passou a ter maior força no cenário internacional após a conferência
Rio-92 (Novaes, 2002). A assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2010 como o “Ano Internacional
da Biodiversidade” (Unesco, 2009)




                                                                                                             17
também resultante dos diversos modos de vida dos diferentes povos (Acselrad, 2010).
Assim, julga-se que não é suficiente estar protegendo a biodiversidade sem valorizar e
reconhecer a diversidade cultural dos povos tradicionais (Santilli, 2005).
          Mas nem sempre houve essa preocupação socioambiental. E uma das formas
criadas para enfrentar as diversas ameaças à biodiversidade foi através das áreas
“naturais” legalmente protegidas, que no Brasil têm o nome de unidades de
conservação. Privilegiou-se inicialmente a criação de recortes das paisagens, isolando-
os do uso humano. O principal representante desta categoria de unidade de conservação
são os parques2. Ocorre que em muitas dessas áreas protegidas existiam pessoas que há
muito tempo já ocupavam tais espaços (Diegues, 2000). A criação do primeiro parque
nacional americano, o Parque de Yellowstone, por exemplo, desalojou povos indígenas
como os crow, os blackfeet e os shoshone-bannock (Bensusan, 2006). De fato, a criação
de parques na maioria das vezes gerou historicamente uma série de conflitos sociais
(Diegues, 2000; Silveira, 2009).
         Nos países tropicais do dito terceiro mundo, grande parte das florestas e outras
áreas em bom estado de conservação ambiental foram e são já tradicionalmente
ocupadas por populações humanas dependentes destes recursos. Com a crescente
destruição ambiental em nome do progresso, estas áreas foram se tornando cada vez
mais raras. Este fato acirra os debates entre aqueles que querem ver estas áreas livres do
uso humano com a implantação de unidades de conservação do tipo parque, e aqueles
que desejam que a conservação dos ambientes seja feita com base nos usos tradicionais
das populações que ali habitam (Diegues, 2000).
         No Brasil, até pouco tempo atrás, a degradação ambiental era vista como algo
inerente ao processo de desenvolvimento do país. Em grandes empreendimentos de
expansão industrial e agrícola, não havia a preocupação se os mesmos afetariam ou não
a biodiversidade e as populações ali existentes. No período de auge dos ciclos agrícolas
brasileiros, como o café, a cana, a borracha, o ouro, entre outros, muitas pessoas de
2
          Movimento Preservacionista, do século XIX, surgido primeiramente na Europa e disseminado nos Estados
Unidos através John Muir, que pregava ser a interferência humana prejudicial à preservação do meio ambiente. Neste
mesmo período, entretanto, havia nos EUA Movimento dos Conservacionistas, também nos Estados Unidos, iniciado
por Gifford Pinchot, onde defendia-se a ideia de que o ser humano era capaz de auxiliar na preservação ambiental
(Diegues, 2000)




                                                                                                              18
várias regiões do país se deslocaram para os locais onde esses ciclos ocorriam. E com a
decadência desses ciclos, muitas pessoas ainda permaneceram morando nesses
territórios, com modos de vida agro-extrativista (A. Almeida, 2008).
        Essas comunidades criaram maneiras próprias de uso da terra, de obtenção dos
recursos naturais disponíveis e de organização social. Porém tais sistemas de uso
comum geralmente eram vistos como irrelevantes e condenados ao desaparecimento
pelo governo e suas análises econômicas (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Assim, o
Estado brasileiro historicamente ignorou os sistemas de usufruto da terra por parte
destes grupos humanos, que posteriormente foram chamados de populações
tradicionais. Até recentemente, esses grupos não eram considerados nas pesquisas do
IBGE e eram vistos como modos de produção em extinção (A. Almeida, 2008).
        Segundo Little (2002), muitas das terras de uso comum foram até hoje
preservadas porque não eram cobiçadas pelas forças econômicas atuais. Como exemplo
dessa invisibilidade há inúmeros quilombos que sobreviveram em diversas áreas do
país.
        A partir do final dos anos de 1980, esses grupos passam a ter visibilidade
política porque passam a reivindicar direitos (M. Cunha e M.Almeida, 2001). No Brasil,
este período coincide com a elaboração da nova Constituição do país, ao fim de duas
décadas de ditadura militar, e com a realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em que os
chamados povos da floresta tiveram destaque (Novaes, 2002). Assim, parte dos
ambientalistas e governantes perceberam que há diferentes modalidades de uso comum
do território por comunidades que preservam práticas sustentáveis de exploração dos
recursos naturais e influenciam na manutenção da biodiversidade (A. Almeida, 2008).
        Atualmente, numerosas evidências apontam situações práticas em que é possível
haver vantagens nos sistemas de uso comum da terra, evitando a chamada tragédia dos
espaços coletivos (“The tragedy of the commons”, Hardin, 1968; ver L. Cunha, 2004).
Destacam-se aí os estudos de Elinor Ostrom (Prêmio Nobel de Economia -2009) e
colaboradores (Tucker e Ostrom, 2009), que demonstraram que é possível para as
pessoas se organizarem de forma eficaz com base em regras costumeiras e assim gerir
os recursos ambientais.




                                                                                      19
De acordo com o decreto nº 6.040, de 8 de fevereiro de 2007 que instituiu a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
tradicionais, povos e comunidades tradicionais são definidos como sendo: “grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”
       Inicialmente, percebe-se que o conceito de povos tradicionais surgiu a partir de
contextos diversos, mas apesar dessa heterogeneidade, em geral, eles tem em comum o
fato de que utilizam regimes de propriedade comum. Possuem ainda, um amplo
conhecimento sobre o ecossistema no qual residem, procuram defender sua autonomia
cultural e possuem o sentimento de pertencimento a um lugar, além de em geral
praticarem sustentáveis hábitos de exploração dos recursos naturais. (Little, 2002).
       Uma observação importante vem do fato de que o conceito de “tradicional” não
reflete necessariamente a definição de imobilidade cultural desses povos. O território de
um grupo social determinado, incluindo as condutas territoriais que o sustentam, pode
mudar ao longo do tempo dependendo das forças históricas que exercem pressão sobre
ele. Mas, essas mudanças são historicamente compreensíveis e não significam
necessariamente que tais povos perderam o modo costumeiro de manejar seus recursos
naturais. E a palavra “tradicional” não se refere necessariamente à antiguidade, mas ao
fato de que esses povos se originaram em um local específico. Essa noção de
pertencimento a um lugar não está vinculada a ideia de terras imemoriais, mas no
sentimento coletivo de que esses territórios socialmente construídos representam seu
verdadeiro “homeland” Little (2002).
       Assim, após adquirirem visibilidade na esfera política, as populações
tradicionais hoje não estão mais fora da economia central nem estão mais simplesmente
na periferia do sistema mundial. E também tornaram-se parceiras de grupos acadêmicos,
ONGs locais e nacionais, bem como setores do Estado brasileiro e mesmo instituições
centrais como as Nações Unidas, o Banco Mundial e as poderosas ONGs do primeiro
mundo (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Muitas vezes essas parcerias “não-
tradicionais” têm o sentido de apoiar práticas consideradas tradicionalmente
sustentáveis.



                                                                                       20
Mesmo sendo muitas vezes esquecidas ou até mesmo ignoradas, essas
populações têm conseguindo obter algum avanço em suas lutas para terem legitimados
seus direitos de posse e soberania sobre seus territórios. Diante desse contexto e na
busca pela proteção da biodiversidade, as populações tradicionais passaram a ter
protegido juridicamente seu modos de vida e uso da terra. Nesse sentido, temos nas
Reservas Extrativistas um exemplo de instrumento pela manutenção dos meios próprios
de relacionar-se com os recursos naturais existentes a partir de um profundo
conhecimento sobre os mesmos e sobre os ciclos biológicos (Diegues, 2001).
         Dentre os diferentes contextos e argumentos que postulam o conceito de povos
tradicionais, percebe-se existir uma flexível definição na legislação oficial que
regulamenta essa categoria. Tal definição legal reitera a ideia de que o surgimento do
conceito de populações tradicionais tem um caráter político que pretende tentar
solucionar o suposto problema da presença de grupos humano em áreas destinadas a
preservação ambiental. E então, diferentes grupos sociais específicos são incorporados
nessa categoria legal que tenta diferenciá-los juridicamente para dar-lhes direito as
terras que tradicionalmente habitam ou habitavam. Assim a partir desse aspecto legal,
vê-se ser adotada para essa categoria de povos tradicionais perspectivas diversas, entre
elas, há a defesa de ser esta uma categoria político-legal, pois permite que diferentes
populações tenham assegurados seus direitos consuetudinários e seu território (Silveira,
2010).
         No nível internacional, a preocupação pelo respeito por parte dos Governos aos
direitos diferenciados dos povos tradicionais cresceu bastante, principalmente em
referência a questões fundiárias e territoriais. Um dos instrumentos mais importantes
sobre o tema é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre
“Povos indígenas e tribais em países independentes”, de 1989, que estabelece, no Artigo
II, que os governos têm a responsabilidade de “proteger os direitos desses povos e
garantir o respeito à sua integridade”. A adoção dessa Convenção pelo governo federal
foi estabelecida pelo Senado Nacional em junho de 2002.
         No Brasil além da Constituição de 1988 que reconhece em seu artigo 216 o
Patrimônio Cultural Brasileiro como um bem jurídico e caracteriza-o como sendo "bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da



                                                                                     21
sociedade brasileira", há também uma Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto
de 2001, que regulamenta os incisos constitucionais relativos à Convenção sobre a
Diversidade Biológica, nos quais trata o conhecimento das comunidades tradicionais
como Patrimônio Cultural Brasileiro (Valencio, 2010).
       Contudo, com a crescente concepção de progresso difundida em nossa
sociedade, os conflitos pela posse dos territórios têm aumentado visivelmente. Pois em
nome da expansão do desenvolvimento, diversas comunidades que possuem formas
sociais de produção não-capitalistas vêm sofrendo com a perda de seus recursos naturais
e modos de vida. E a criação das políticas de proteção desses povos resulta em grande
parte da mobilização de grupos sociais diversos que se unem na busca efetiva de
construção de uma democracia (Acselrad et al., 2009) .
       É nessa luta pela afirmação de formas alternativas e de resistência contra essa
globalização hegemônica das formas de produção que vemos constituírem-se nas
Reservas Extrativista um meio de proteger o território desses povos e assegurar a
perpetuação de sua cultura, em busca da chamada justiça ambiental .
       Segundo Herculano (2008) a justiça ambiental é “o conjunto de princípios que
asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe,
suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de
operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como
resultantes da ausência ou omissão de tais políticas”.
       Assim surgiu o movimento por Justiça Ambiental, originado inicialmente nos
Estados Unidos, que pretende alertar sobre a transferência social dos danos ambientais
do desenvolvimento, aos grupos marginalizados da sociedade.
       No Brasil ainda é recente a discussão sobre a justiça ambiental. Somente em
2001 as discussões ganharam força com o Colóquio Internacional sobre Justiça
Ambiental realizado na Universidade Federal Fluminense. Nesta mesma ocasião, nasceu
a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (Herculano, 2002).
       A luta dos chamados povos tradicionais pela legitimação dos seus territórios é
também uma luta por justiça ambiental. Pois estes grupos sofrem de maneira desigual os
impactos dos grandes projetos de desenvolvimento e das estratégias excludentes de
conservação:




                                                                                    22
“como para a expansão da monocultura do eucalipto, perdem os
                       quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a expansão
                       da soja transgênica, são inviabilizadas as atividades dos
                       pequenos agricultores orgânicos; como, por causa da produção
                       de energia barata para as multinacionais do alumínio, perdem os
                       pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar;
                       como,    para    a   produção    de      petroquímicos,   perdem   os
                       trabalhadores sua saúde pela contaminação por poluentes
                       orgânicos persistentes” (Acselrad, 2010).


       O movimento por justiça ambiental traz um questionamento sobre a noção
corrente de produtividade, sustentando que não é “produtiva” a terra que produz
qualquer coisa a qualquer custo, acusando a grande agricultura químico-mecanizada de
destruir recursos em fertilidade e biodiversidade, e, assim, descumprir a função social
da terra. É nesse contexto adverso que vemos constituírem-se sujeitos coletivos que
exigem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e
capacidade autônoma de decidir sobre seus territórios, pretendendo instaurar acesso
justo e equitativo aos recursos ambientais do país. E a destituição dos direitos desses
povos favorece a crescente destruição ambiental, já que o malefício desta não é
distribuído a todos, sendo transferido apenas a essa camada mais frágil da sociedade
(Acselrad, 2010).
       Na presente pesquisa há o exemplo da tentativa de reorganização de um grupo
social em busca da conquista do território reivindicado (Arruti, 2006). E assim, é na luta
pela conquista desse território que há a reelaboração da identidade desse grupo na
tentativa de terem reconhecido, pelo Estado, seus costumes, seus direitos de acesso a
terra e aos recursos naturais ali presentes (Silveira, 2010).
       Percebendo a relevância dessas questões, essa pesquisa traz o exemplo de luta de
moradores de municípios do Litoral Sul de Pernambuco pela implantação de uma
Reserva Extrativista no estuário do Rio Sirinhaém. As populações tradicionais aqui
referidas são os pescadores artesanais existentes no município de Sirinhaém e Ipojuca,
que possuem um modo próprio de uso e relação com os recursos naturais e praticam
atividades de baixo impacto ambiental. Ao tentarem ter reconhecido direitos universais



                                                                                          23
de acesso a um meio ambiente preservado e a continuação de suas práticas sociais,
postulam ao Estado serem incluídos em categorias especiais já presentes na legislação
ambiental vigente (Silveira, 2010).


       1.2.   Histórico das Unidades de Conservação no Brasil


       As áreas protegidas foram estabelecidas, no Brasil, pelo Código Florestal de
1934. Neste período foram criados dois modelos de unidades de conservação, os
parques nacionais e as florestas nacionais. O primeiro parque brasileiro foi o de Itatiaia,
criado em 1937, no Rio de Janeiro.
       Até 1967, as unidades de conservação (UCs) eram administradas pelo Ministério
da Agricultura, e então foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF). Posteriormente foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),
em 1973, que juntamente com o IBDF se reuniram para formar o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente (IBAMA) em 1989 (Rylands e Brandon, 2005).
       Neste interim, foram sendo criadas diversas categorias de unidades de
conservação (Ucs) por leis e decretos diferentes, por iniciativa de diferentes grupos de
interesse. A Tabela 1 mostra as categorias de unidades de conservação hoje existentes e
o ano de criação da primeira unidade em cada categoria.


       Tabela 1: categorias de unidades de conservação no Brasil
Categoria                                           Sigla              Ano de Criação

Floresta Nacional                                   FLONA              1946

Área de Proteção Ambiental                          APA                1982

Área de Relevante Interesse Ecológico               ARIE               1985

Reserva Particular do Patrimônio Natural            RPPN               1990

Reserva Extrativista                                RESEX              1990

Reserva de Desenvolvimento Sustentável              RDS                1996

Reservas de Fauna                                     RF               2007

Parque Nacional                                     PARNA              1937



                                                                                        24
Reserva Biológica                                  REBIO           1974

Estação Ecológica                                   EE             1975

Monumentos Naturais                                MN              2009

Refúgios da Vida Silvestre                         REVIS            ---




        Apenas em 2000 foi estabelecida uma regulamentação das UCs no Brasil
através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que estabelece
critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O
SNUC define as categorias de Unidade de Conservação em dois grupos: de proteção
integral e de uso sustentável. As áreas de proteção integral incluem os Parques
Nacionais, as Reservas Biológicas, as Estações Ecológicas, os Monumentos Naturais e
os Refúgios de Vida Silvestre. Já as áreas de uso sustentável que permitem diferentes
tipos de interferência humana, incluem as Florestas Nacionais, as Áreas de Proteção
Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Reservas Extrativistas, as
Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas
Particulares do Patrimônio Cultural (MMA, 2006).
       Dentre as unidades de conservação de uso sustentável, estão as Reservas
Extrativistas que são definidas pelo SNUC como sendo:


                        “Uma área utilizada por populações tradicionais, cuja
                        subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente,
                        na agricultura de subsistência e na criação de animais de
                        pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os
                        meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o
                        uso sustentável dos recursos naturais da unidade” (MMA,
                        2006).


       As Reservas Extrativistas são unidades de conservação estabelecidas em uma
área de interesse para a conservação biológica, em que o Estado estabelece uma
concessão de uso para a população tradicional residente na área. Não podem existir


                                                                                   25
áreas privadas em seu perímetro e elas possuem ainda um conselho deliberativo
formado por diferentes representantes da sociedade civil e do governo, sendo em sua
maioria composto pela população local (MMA, 2006).
         Diante dos diferentes grupos que habitam no território brasileiro, o surgimento
das Reservas Extrativista vem no sentido de assegurar essa diversidade socioambiental,
fortalecendo a democracia e a sustentabilidade (Diegues, 2001). Pois inicialmente,
apenas os índios tinham seus territórios protegidos através das reservas indígenas. Mas,
a partir das lutas dos seringueiros do Acre pelo reconhecimento formal de seus
territórios, surgiu em 1989 a modalidade de Reservas Extrativistas dentro da política
ambiental do país. E assim, a defesa de um território foi o incentivo para a criação de
um movimento nacional, que devido a uma série de alianças políticas, particularmente
com grupos ambientalistas, e a liderança singular de Chico Mendes, conseguiu construir
um novo espaço político e, nesse processo, instituir novos atores sociais no cenário
nacional (Little, 2002).
       Em 23 de janeiro de 1990 foi criada a Reserva Extrativista do Alto Juruá, como
a primeira unidade de conservação desse tipo. Toda a área da Resex foi destinada pela
União ao usufruto exclusivo dos moradores, por meio de contrato de concessão, e cuja
administração poderia ser realizada pelos convênios entre governo e as associações
representativas locais. Esta era uma solução para o problema fundiário e social, mas era
também uma solução para o problema de conservação, apoiada por pareceres de peritos
e relatórios de biólogos (M. Cunha e M. Almeida, 2001).
       As Reservas Extrativistas originaram-se portanto na luta dos seringueiros por
uma modalidade de reforma agrária que mantivesse suas formas costumeiras de uso, ou
seja, a existência de grandes áreas de floresta onde se poderia extrair látex e viver da
caça, pesca e da pequena agricultura. Neste processo, associou-se aos interesses
ambientalistas (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Depois espalharam-se já no formato de
unidade de conservação, como solução para contextos diversos . Assim, foram fruto de
finalidades comuns que proporcionaram uma certa colaboração no fortalecimento das
lutas desses povos tradicionais. Enquanto alguns grupos sociais tentavam defender-se
da usurpação de seus territórios pelas fronteiras em expansão, outros já lutavam pela
autonomia territorial e cultural fundamentada em vínculos sociais e simbólicos que tais
povos mantinham com o ambiente (Little, 2002).



                                                                                     26
1.3.      As Resex Marinhas no Brasil


      Antes das Reservas Extrativistas Marinhas começarem a fazer parte da
conjuntura política e institucional do Ministério do Meio Ambiente, e os pescadores
artesanais estarem incluídos na categoria política das populações tradicionais, os
pescadores já tinham um longo histórico de relação com o Estado, segundo Silveira
(2009a):
             O setor da pesca era inicialmente administrado pela Marinha e
             posteriormente foi criada pelo Governo Federal a Superintendência do
             Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE).                 Durante algum tempo a
             industrialização do setor pesqueiro foi bastante incentivada e a pesca
             artesanal ficou praticamente esquecida.
             Apenas em 1989, com a extinção da SUDEPE, a gestão da pesca ficou a
             cargo do IBAMA, sendo então elaboradas várias políticas de conservação
             dos recursos pesqueiros.
             Após algumas pressões para que a gestão da pesca voltasse aos órgãos de
             fomento, foi criado em 1998 o Departamento de Pesca e Aqüicultura, que
             transformaria-se em Secretaria Especial da Aqüicultura e da Pesca (SEAP), e
             posteriormente, em 2009 no Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA).
             As políticas desenvolvidas pelo MPA não estabelecem a criação de UCs para
             beneficiar a pesca. Tais políticas buscam o desenvolvimento da infra-
             estrutura para equipar os territórios e assim viabilizar a atividade produtiva.
             Porém as Resex são vistas pelos pescadores artesanais como uma alternativa
             para dirimir os conflitos existentes em seus territórios.
             Até hoje os pescadores artesanais continuam tendo pouca visibilidade, onde
             os mesmos percebem que uma mesma área é vista de distintas maneiras – o
             que para os pescadores é um espaço de sustentabilidade familiar e dos
             recursos pesqueiros, na visão dos empresários é espaço de lucro e exploração
             – até porque essas comunidades são consideradas atrasadas e um
             impedimento ao desenvolvimento.




                                                                                         27
E assim com o passar do tempo foram sendo percebidas relações existentes entre
investir na pesca, proteger os recursos pesqueiros e garantir o território dos pescadores.
Por esses motivos as Resex passaram a ser pleiteadas pelos pescadores artesanais
(Figura 1), que apesar de terem a consciência de que tal alternativa não é suficiente e
nem deve ser o único caminho, é por enquanto um importante instrumento de luta pela
garantia de seus direitos por esses territórios (Silveira, 2009a).
                         No Brasil já existem 53 Reservas Extrativistas, onde 22 desse total são Resex
Marinhas. Do total das Resex Marinhas, 11 estão localizadas no Nordeste, sendo 1 em
Pernambuco.

                                                         Reservas Extrativistas

                         60


                         50
    número de reservas




                         40

                                                                                                   Total
                         30                                                                        Resex Marinhas- Brasil
                                                                                                   Resex Marinhas- Nordeste
                         20


                         10


                         0
                              1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008
                                                          ano


                                Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil. Fonte: Silveira, 2009a.



                         As Reservas Extrativistas Marinhas começaram a ser solicitadas pelos
pescadores artesanais do litoral, tendo em vista a crescente perda do território pesqueiro
para os grandes empreendimentos. No ano de 1992 foi criada a primeira Resex Marinha
fora do limite da Amazônia, era a Reserva extrativista marinha de Pirajubaé em Santa
Catarina. Essa subcategoria das Resex identificada com os territórios marinhos tem
aumentado a cada ano. Esses pedidos para a delimitação de espaços secularmente
ocupados por pescadores artesanais evidenciam um indício de fortalecimento e



                                                                                                                        28
amadurecimento na organização e mobilização social de uma parcela populacional
historicamente marginalizada (Chamy, 2008).
       Em Pernambuco a discussão sobre proteger o litoral dos impactos ambientais
provenientes de empreendimentos diversos começou nos anos de 1970, mas foi nos
anos de 1980 com a morte de várias pessoas devido aos resíduos industriais, que tais
ocorrências passaram a ser combatidas pelo movimento dos pescadores. E assim, a
partir dos anos de 1990 os pescadores artesanais de Pernambuco, apoiados pelo
Conselho Pastoral dos Pescadores passaram a reivindicar a criação das Resex na
proteção de seus territórios. E como exemplo dessas articulações temos a criação da
Resex Acaú-Goiana em 2007, que integra parte dos estados de Pernambuco e Paraíba
(Silveira, 2009a).
       As Resex Marinhas são hoje um importante instrumento de luta dos pescadores
artesanais pela permanência dessas pessoas em espaços já anteriormente ocupados por
elas. Os pescadores vêem no estuário não apenas um espaço de atividades econômicas a
partir da extração de peixes, crustáceos, mariscos, entre outras espécies do mangue e do
ambiente marinho, mas também como um espaço de organização social e cultural, onde
a percepção de sua realidade não está dissociada do seu mundo natural e sobrenatural
(Cavalcanti, 2002).
       Um grande número de pescadores artesanais utiliza o manguezal como meio de
subsistência, pois além de ser um rico ecossistema, possui fácil acesso e não necessita
de onerosos apetrechos de pesca para captura das espécies lá presentes. É um
ecossistema muito utilizado também pelos pescadores ocasionais que em geral,
trabalham no corte da cana e que na entressafra tem nas espécies do mangue um meio
de subsistência.
       Logo, para entender a relação homem-natureza existente na região do estuário de
Sirinhaém, faz-se necessário conhecer algumas características do manguezal para
melhor compreender a importância desse ecossistema no cotidiano da população local.


       1.4.    O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental


       Segundo Schaeffer-Novelli, o manguezal é um “Ecossistema costeiro, de
transição entre o ambiente terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e



                                                                                     29
subtropicais, sujeito ao regime das marés. Constituído de espécies vegetais lenhosas
típicas (angiospermas) adaptadas à flutuação de salinidade e caracterizadas por
colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com baixos teores de oxigênio.
Ocorre em regiões costeiras abrigadas e apresenta condições propícias para alimentação,
proteção e reprodução de muitas espécies animais, sendo considerado importante
transformador de nutrientes em matéria orgânica e gerador de bens e serviços”
(SCHAEFFER-NOVELLI, 1991, p.3). Nesses locais, a força das marés é branda e a
velocidade das correntes é baixa, favorecendo intensa deposição de sedimentos finos e
matéria orgânica e caracteriza-se por uma constante conquista de novas áreas pelo
acúmulo de grandes massas de sedimentos e detritos trazidos pelos rios e pelo mar (IPT,
1988 In: AMBITEC BRASIL, 2008).
       As regiões estuarinas são áreas de extrema importância, não só ecológica, mas,
também, econômica, servindo de meio de vida para boa parte da população brasileira.
Junto com as zonas de ressurgência e as baías, as áreas costeiras estuarinas, embora
correspondam a apenas 10% da superfície marinha, produzem mais de 95% do alimento
que o homem captura no mar (CIRM, 1981). No entanto, tal ecossistema é um dos mais
ameaçados no mundo e em apenas duas décadas já perdeu cerca de 35% de sua área,
apesar de ser legalmente considerado como uma área de preservação permanente
(Meireles e Queiroz, 2010).
       Os estuários dos rios Formoso e Sirinhaém integram um dos mais importantes
conjuntos de manguezais do litoral pernambucano, representando 23,3% da extensão
total desses ecossistemas no estado. No município de Sirinhaém, onde deságua o rio
Sirinhaém, destaca-se a presença dos manguezais, com registro da ocorrência de
Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Avicennia schauerianna, Avicennia
germinans e Conocarpus erectus. (LABOMAR, 2005). A Bacia do Rio Sirinhaém
possui considerável área alagada sujeita ao efeito de maré possuindo em seu estuário 17
ilhas fluviais, compartilhadas entre os municípios de Ipojuca e Sirinhaém.
       Dentro do ambiente estuarino os animais que mais caracterizam este ambiente
são os crustáceos. Segundo a CPRH (1999) as espécies com maior importância
comercial do estuário do rio Sirinhaém, conforme foi indicado também pelos próprios
catadores são: Ucides cordatus (caranguejo-uçá), Cardisoma guanhumi (guaiamum),




                                                                                    30
Callinectes spp (siris), Goniopsis cruentata (aratú do mangue) e Macrobrachium
acanthurus (camarão).
         A vegetação do manguezal é essencialmente homogênea caracterizada por
plantas lenhosas, arbustivas e subarbustivas, a qual difere ecológica e floristicamente da
vegetação de terra firme sendo composta, basicamente, pelas árvores dos gêneros
Rhizophora, Laguncularia e Avicennia (Lamberti, 1966)
         Uma grande quantidade dos peixes encontrados no estuário vive parte de sua
vida no mar, utilizando o estuário durante um período no ano e/ou entrando e saindo do
estuário conforme o fluxo da maré. As espécies marítimas que utilizam o estuário estão
à procura de alimentos ou em fase de reprodução. Há ainda espécies que são exclusivas
do estuário e também existem espécies de água doce que são eurihalinos, que suportam
uma larga amplitude de salinidade, na parte superior do estuário (AMBITEC BRASIL
2008).
         De importância ecológica já conhecida, são ecossistemas que desempenham
papel ecológico chave à medida que abrigam, além de suas espécies características,
aquelas que migram para a costa durante a fase reprodutiva. Sua fauna e a flora ainda
servem como fonte de alimento e meio de subsistência para as populações humanas.
Inúmeras comunidades ribeirinhas vivem tradicionalmente da exploração dos vários
recursos existentes nas regiões costeiras do Brasil, sendo que algumas populações
vivem quase que exclusivamente de recursos específicos de áreas de mangue, como
caranguejos, moluscos e outros crustáceos (Schaeffer-Novelli, 1999).




                                                                                       31
2. OBJETIVO


       2.1. Objetivo Geral


       Esta pesquisa analisa os conflitos socioambientais relativos ao processo de
solicitação de uma Reserva Extrativista que tem como beneficiários pescadores
artesanais, abrangendo o estuário e o mangue entre os municípios de Sirinhaém e
Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco.


       2.2. Objetivos Específicos


       Relatar e discutir sobre o processo de criação da Reserva Extrativista de
Sirinhaém-Ipojuca e suas implicações socioambientais a partir da compreensão dos
principais problemas enfrentados pelos pescadores artesanais nesse conflito.
       Discutir sobre a importância do território e dos recursos naturais para a
manutenção dos hábitos de vida dos pescadores e como os impactos ambientais
existentes na região tem afetado a qualidade de vida deles.
       Relatar o conflito histórico e socioambiental existente a partir da apresentação
das dificuldades existentes durante o processo de criação da Resex e como os atores
sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas motivações,
ações e relações.




                                                                                    32
3. METODOLOGIA


       Resolvi pesquisar sobre a criação da Reserva Extrativista de Sirinhaém ao entrar
em contato com o pesquisador Pedro Silveira, da Fundação Joaquim Nabuco, que estava
envolvido em uma pesquisa intitulada “Reservas Extrativistas e pesca artesanal:
etnografia do campo socioambiental em Pernambuco”. Nesse estudo eles já
acompanhavam a implementação da Reserva Extrativista de Acaú-Goiana, a primeira
Resex de Pernambuco.
       Decidi então analisar a criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca, que seria a
segunda Reserva Extrativista no Estado. O processo de criação da unidade estava
avançado, mas muitos conflitos dificultavam a sua criação. Pedro já tinha disponíveis os
seis volumes da documentação relativa ao processo de criação da referida Resex,
cedidos pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), que foram minha inicial fonte de
pesquisa.
       Tinha em mente um objetivo, escrever sobre um período histórico de um
determinado lugar e seus conflitos socioambientais, o que é algo um tanto complexo e
causa geralmente um sentimento de incerteza sobre o que deve ser mais bem destacado
e explorado.
       Mas, essa inquietude foi também o incentivo necessário para uma melhor
reflexão e análise das circunstâncias históricas vivenciadas pelos integrantes desse
conflito socioambiental, bem como de suas conseqüências, a fim de contribuir no
processo de descoberta de novas maneiras de ver, perceber e sentir as relações
socioambientais.
       Segundo Theodoro (2005), os conflitos ambientais fazem parte das relações
humanas e no estudo desses conflitos, faz-se necessário a identificação e análise dos
atores sociais para compreender os interesses específicos dos envolvidos. Sendo
importante ainda, um levantamento das interações entre cada um dos atores sociais, para
perceber a totalidade do conflito. Ainda segundo Carvalho e Scotto (1995) aspectos
como: descrição das características ambientais, breve histórico do processo de
povoamento, configuração das principais atividades econômicas, processo de avanço do
capital na região, identificação de macroproblemáticas ambientais na região; enunciação




                                                                                     33
dos diferentes campos de tensão, enfrentamento e resistência entre projetos e/ou forças
sociais em disputa, devem ser considerados.
       Na busca de fazer um diagnóstico dos conflitos sociais existentes na região,
priorizei o método qualitativo em minha pesquisa pois segundo Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (1999), as concepções, crenças e valores das pessoas são revelados a
partir de análises interpretativas.
       Os procedimentos utilizados foram pesquisa bibliográfica diversa sobre os temas
pesca artesanal, populações tradicionais, unidades de conservação, entre outros.
Consulta a fontes secundárias que caracterizam a área de estudo em seu contexto
histórico, econômico e socioambiental, na busca de informações sobre a região e sua
população.
       Houve ainda observações em campo e entrevistas com os principais atores
sociais envolvidos no conflito visando perceber o contexto político e institucional que
levou à proposta de criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca. As informações obtidas
pelas observações foram associadas às entrevistas com o propósito de fazer convergir
resultados de pesquisa sobre um mesmo objeto de análise. A contextualização das
fontes heterogêneas visa conferir uma maior confiabilidade entre as narrativas (Beaud e
Weber, 2007).
       Na pesquisa de campo, as entrevistas etnográficas buscaram ter acesso aos
relatos de historias de vida e a memória, bem como as impressões do passado e
presente. Nas entrevistas tentou-se entender a partir do texto e da fala, o contexto social
do grupo social estudado. Os relatos foram feitos livremente, onde um tema era
proposto e o entrevistado discursava sobre ele.
       As entrevistas visaram perceber os significados e sentimentos que os pescadores
artesanais e os demais envolvidos no processo atribuíam à região e as percepções que os
mesmos tinham à cerca do contexto histórico e social local. Após a coleta das
narrativas, as mesmas foram transcritas e analisadas a partir do universo de
interconhecimento entre os entrevistados (Beaud e Weber, 2007). Essa análise visa
transformar uma questão “abstrata” em uma série decomposta de práticas sociais e de
eventos, onde seja possível perceber em uma afirmação genérica do entrevistado as suas
crenças ou ideologias (Lefèvre e Lefévre, 2003).




                                                                                        34
Assim, essa metodologia foi utilizada como uma estratégia para construir uma
representação social de modo coerente e esclarecer as significações moldadas através do
tempo por esse grupo social (Moscovici, 2003).
       A partir da análise do histórico da demanda feita pelos pescadores, foi possível
perceber quais problemas os mesmos enfrentavam no seu cotidiano e quais os impactos
ambientais existentes no ambiente eram mais significativos e prejudiciais à sustentação
dos recursos pesqueiros e dos seus hábitos e modos de vida.
       Durante a pesquisa de campo tentei analisar, os significados locais com relação à
criação da Resex. No intuito de apresentar algumas visões dos atores sociais
diretamente envolvidos no processo de solicitação da Resex e também de alguns
pescadores locais.
       Diante da concepção de que os problemas ambientais não são isolados, e sim
situações onde as condições ambientais e territórios são representados e tornados objeto
de disputa entre projetos distintos, fizeram-se também necessário incorporar na presente
pesquisa os diferentes pontos de vista de instâncias oficiais, dos pescadores locais, bem
como também a visão dos movimentos sociais diretamente envolvidos no processo de
criação da Resex.
       De inicio, eu comecei lendo bibliografias referentes à questão, examinando
também notícias recentes que saíram em jornais sobre a Resex. Em seguida dei início à
leitura dos seis volumes do Processo nº 02019.000307/2006-31 de criação da Resex
Sirinhaém-Ipojuca. O processo continha vários documentos que foram produzidos pelos
órgãos não governamentais que juntamente com a comunidade de pescadores artesanais,
solicitaram ao IBAMA a criação da referida Reserva, bem como os documentos dos
órgãos governamentais envolvidos nesse processo.
       Logo após essas leituras, dei inicio às entrevistas com alguns dos principais
envolvidos no processo de criação da Resex, os pescadores artesanais de Barra de
Sirinhaém e também com alguns ex-moradores das ilhas. Ao longo da pesquisa, realizei
as seguintes entrevistas:
       Frei Sinésio Araújo, Secretário de Justiça, Paz e Ecologia dos franciscanos no
       Nordeste e agente da Comissão Pastoral da Terra, entidade que assessorou os
       moradores das ilhas na solicitação da Resex.




                                                                                      35
Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA que coordenou o Estudo
       Socioambiental para a criação da Resex.
       Ronaldo Santana, Presidente da Colônia de Pescadores de Barra de Sirinhaém e
       Pescador da Região.
       Arlene Costa, Secretária da Colônia de Barra de Sirinhaém e Pescadora da
       Região.
       Severino Santos, do Conselho Pastoral dos Pescadores, entidade de assessoria
       que acompanha os Pescadores dos estados do Nordeste e as solicitações de
       Resex no litoral pernambucano.
       Cauby Figueiredo Filho, engenheiro agrônomo - Dep. Agrícola da Usina
       Trapiche.
       Flávio Vanderlei da Silva, pescador e Presidente da Associação dos Pescadores
       de Sirinhaém.
       João Francisco da Silva, pescador e membro da diretoria da Colônia de Barra de
       Sirinhaém.
       Sebastião Gaspar Senhorio, pescador e Presidente da Associação Mangue Verde.
       A. A. S. Pescador e ex-morador das ilhas.
       D. C. S. Pescador e ex-morador das ilhas.
       V. J. S. Pescador e ex-morador das ilhas.
       E. F. S. Pescador e ex-morador das ilhas.
       J. R. Pescador e ex-morador das ilhas.
       M. J. F. Pescador e ex-morador das ilhas.
       M. G. S. Pescador e ex-morador das ilhas.
       S. G. S. Pescador e ex-morador das ilhas.
(Devidos aos conflitos envolvendo os ex-moradores das ilhas, optei por preservar a
identidade deles).


       Realizei as entrevistas com os pescadores durante uma viagem de campo entre
os dias 7 e 10 de outubro de 2010, acompanhando o trabalho de frei Sinésio Araújo e
Plácido Júnior, assessor da CPT que já havia entrevistado todos os ex-moradores das
ilhas e me indicou os nomes de alguns pescadores e onde os mesmos moravam. Visitei
nesta ocasião ex-moradores das ilhas, que atualmente residem em distintas


                                                                                  36
comunidades: Oiteiro do Livramento e Vila Nova da Cohab, que localizam-se na sede
do Município de Sirinhaém; Barra de Sirinhaém e Casado, que localizam-se em Barra
de Sirinhaém. (Figuras 2, 3, 4, 5). Visitei ainda a Colônia Z-6, de Barra de Sirinhaém.
         Além de fazer entrevistas, participei de algumas reuniões da Colônia de Barra de
Sirinhaém e de algumas Reuniões do Litoral Sul, que reuniam várias lideranças de todas
as colônias do Litoral Sul. Visitei ainda a sedes da Comissão Pastoral da Terra, do
Conselho Pastoral dos Pescadores e da Prefeitura Municipal de Sirinhaém para recolher
informações e materiais de pesquisa.


Figuras 2 a 5: Comunidades visitadas.




Figura2: Comunidade do Casado.                   Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém.




Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento.   Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab.
Fonte: IBAMA (Luiz Otávio Corrêa).



3.1. Área de Estudo:
         O município de Sirinhaém encontra-se a 80 Km da cidade do Recife, têm uma
população de 33.046 habitantes segundo dados do IBGE (Censo, 2000) e localiza-se na


                                                                                               37
Mesorregião Mata, Microrregião Meridional do Estado de Pernambuco. Este município
limita-se a norte com Ipojuca e Escada, a sul com Rio Formoso e Tamandaré, a leste
com o Oceano Atlântico e a oeste com Ribeirão, com área municipal de 352,2km²,
representando 0,36% do Estado de Pernambuco (CPRM, 2005). É constituído pelos
distritos de Sirinhaém, Barra de Sirinhaém e Ibaritinga. Em Barra de Sirinhaém existe
uma população de 10.045 habitantes, de acordo com o Censo 2000/IBGE.
       O rio Sirinhaém nasce na Serra do Alho no município de Camocim de São Félix
com o nome Riacho Tanque das Piabas. Toma, inicialmente, a direção sul e, a seguir, a
direção geral sudeste, cortando os municípios de Bonito, Barra de Guabiraba, Cortês,
Ribeirão, Gameleira, Rio Formoso e Sirinhaém em cujo litoral deságua após compor,
com seus vários braços (rios Arrumador, Trapiche, Aquirá, além do próprio Sirinhaém),
um amplo e complexo estuário onde se encontram algumas lagoas, numerosas ilhas e
extenso manguezal com sua variada fauna (Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul,
CPRH, 1999).
       Inserida em uma área de cerca de 3.000ha de manguezal, Sirinhaém está incluída
na categoria de “extrema importância biológica” no Atlas de Biodiversidade de
Pernambuco, pela SECTMA (2002). Pois as regiões estuarinas constituem áreas de alta
produtividade e diversidade biológica, uma vez que, pela natureza de seus componentes,
são encontrados nesse ecossistema, representantes de todos os elos da cadeia alimentar.
E por se tratar de um local onde várias espécies buscam alimento e refúgio em época de
reprodução.
       Sirinhaém tem como principais atividades socioeconômicas a indústria
sucroalcooleira e a pesca artesanal (Figuras 6, 7). Há na cidade uma extensa área de
cana-de-açúcar que pertence predominantemente à Usina Trapiche, existente desde o
século XIX na região. A população da cidade de Sirinhaém é composta por diversos
tipos de pescadores: existem os pescadores permanentes, que pescam o ano inteiro para
o consumo próprio de sua família e venda do excedente. Há o pescador temporário, que
não tem a atividade pesqueira como sua principal fonte de sobrevivência, mas que a
pratica eventualmente e os pescadores ocasionais que são, em geral, pequenos
agricultores e/ou trabalhadores rurais de engenhos próximos à região das ilhas que, na
entressafra da cana-de-açúcar, recorrem à pesca para complementar a alimentação de
seus familiares (IBAMA, 2008).



                                                                                    38
Figura 6: indústria sucroalcooleira (Foto do autor)   Figura 7: Pesca Artesanal (Foto de Luiz Otávio Corrêa)



         A pesca artesanal tem grande importância na produção pesqueira do estado de
Pernambuco, em 2007 correspondeu a 78,3% de toda a produção pesqueira. A pesca
industrial obteve 0,8% e a aqüicultura 20,9% onde o estado foi o 4º colocado na
produção de pescado e o 1º colocado na exportação da lagosta (881t), segundo dados do
IBAMA (Estatística da pesca, 2007).
         Em Sirinhaém a maior parte da produção é de camarão (58,5%), caranguejo
(45,2%), guarajuba (38,5%) e a lagosta vermelha (30,8%), Diagnóstico socioeconômico
da pesca artesanal do litoral de Pernambuco (2009). O município produziu em 2006,
409,5 t de pescado, correspondendo a 2,9% da produção estadual (CEPENE, 2006).
         Assim como em Sirinhaém, a pesca artesanal também possui grande relevância
no município de Ipojuca, o qual possui em seus limites, a maior parte do estuário do Rio
Sirinhaém. Ipojuca é constituído pelo distrito sede e pelos povoados de Camela, Nossa
Senhora do Ó, Rurópolis, Engenho Maranhão e Porto de Galinhas. Limita-se ao sul com
o município de Sirinhaém e possui além da pesca artesanal uma intensa atividade
turística e industrial, através do Pólo Portuário de Suape. Encontra-se inserido nos
domínios das bacias hidrográficas dos rios Ipojuca, Sirinhaém e do Grupo de Bacias de
Pequenos Rios Litorâneos. O município produziu, em 2006, 291,8 t de pescado,
correspondendo a 2,1 % da captura estadual. A maior parte da produção é de sardinha
(39,8 t), camarões (27,6 t) e agulha (23,6 t) (Diagnóstico socioeconômico da pesca
artesanal do litoral de Pernambuco, 2009).
         A pesca artesanal apresenta uma importância histórica e socioeconômica no
Brasil, sendo responsável por cerca de 65% da produção pesqueira nacional (I
Conferência da Pesca Artesanal, 2009) e o litoral sul de Pernambuco, onde a pesca



                                                                                                          39
artesanal tem forte tradição, vem sofrendo com os impactos das atividades turísticas,
industriais e do crescimento populacional (Governo de Pernambuco e Instituto
Oceanário, 2009). Atividades estas que ocasionam a perda da biodiversidade local, a
conseqüente diminuição dos estoques pesqueiros, a sobrepesca, a pesca predatória, além
de conflitos junto a empreendimentos vizinhos que poluem o estuário. Sendo necessária
ações que promovam a proteção deste fundamental ecossistema aos pescadores e
pescadoras artesanais.




Figura 8: Imagem de satélite (Google earth, 2007) do complexo estuarino do Rio Sirinhaém.




                                                                                            40
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

                     “A proteção do meio ambiente depende do combate à desigualdade ambiental.
                     Não se pode enfrentar a crise ambiental sem promover a justiça social”
                     (Acselrad et al., 2009).


       Exponho brevemente, a seguir, os principais conflitos presentes na criação da
Resex, de maneira sucinta e sem a presunção de esgotar todos os pontos de conflito
existentes.
       Apresento um breve histórico das dificuldades enfrentadas pela população local,
bem como também das enfrentadas pelos demais atores sociais durante o processo de
implementação da Resex, na busca de contribuir para uma maior objetividade das
discussões em torno dos problemas socioambientais.


4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos


                      “Será esta liberdade, a liberdade de escolher entre ameaçadores infortúnios,
                      nossa única liberdade possível? O mundo ao avesso nos ensina a padecer a
                      realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-
                      lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime assim o
                      recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de
                      impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem
                      graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu
                      alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contraescola”.
                                                                           (Eduardo Galeano, 2010)



       Entre o município de Sirinhaém e o município de Ipojuca localiza-se o estuário
do Rio Sirinhaém, composto por 17 ilhas fluviais, algumas delas com denominações
próprias: Grande, Clemente, Macaco, Porto Tijolo, Canoé, Raposinha, entre outras.
Estas denominações foram dadas pela população de pescadores artesanais que nelas
habitavam. O manguezal ainda está bem preservado, apesar de ser alvo constante dos
impactos decorrentes dos empreendimentos vizinhos, como a expansão do canavial que
atualmente faz fronteira com o mangue.
       Porém, não apenas o mangue tem desaparecido, mas também populações que
tradicionalmente fizeram uso desse ecossistema e que nele residiam, utilizando seus
recursos naturais.




                                                                                                41
A região estuarina de Sirinhaém é uma área da União (“terras de Marinha”), que
desde 1898 foi aforada à Usina Trapiche. Ou seja, a empresa possui o direito de posse a
partir do pagamento de um aluguel anual, sendo a aplicação do regime de aforamento
das terras da União, competente à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
         Apesar desse ecossistema ser legalmente protegido por diversas leis e decretos,
vem recebendo constantemente a poluição de efluentes domésticos e industriais, entre
os mais freqüentes está o despejo do vinhoto, subproduto da fabricação do etanol a
partir da cana de açúcar. Toda essa poluição tem gerado a diminuição dos estoques
pesqueiros e diversos conflitos entre os pescadores artesanais e as diversas industrias3
canavieiras existentes na região.
         A contaminação do estuário de Sirinhaém não foge à regra do que vem
acontecendo nos demais estuários brasileiros, em especial em Pernambuco. Segundo o
estudo socioeconômico elaborado pelo IBAMA , nos depoimentos dos ex-moradores
das ilhas, existe um “saudosismo latente que reflete a relação de dependência com o
estuário do rio Sirinhaém; suas falas não mostram apenas conflitos pela posse da área
e uso dos recursos naturais, também explicitam autênticas declarações de amor e
fidelidade ao local em que viram seus descendentes nascer” (IBAMA, 2008 p. 128).
         O conflito socioambiental em Sirinhaém é apenas mais um dentro do contexto
sócio-político do estado de PE. Contudo assim como na fábula4 indiana “os cegos e o
elefante”, o que me parece é que o meio ambiente é percebido de diversas maneiras
pelos distintos atores sociais envolvidos nesse conflito. Assim como os cegos apenas
perceberam uma parte do elefante, sinto nos depoimentos presentes nessa pesquisa, que
cada um percebe o meio ambiente de uma maneira unilateral. E então, se cada pessoa
procurasse unir sua limitada visão às demais experiências sei que os conflitos




3
  Agroindústrias localizadas na área: usinas Cucaú, Trapiche, Salgado, Ipojuca, Central Barreiros, Santo André e
Bom Jesus.

4
   Nessa fábula indiana existe um grupo de cegos que foi levado a apalpar um elefante. Um apalpava a barriga, outro
a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Então, o que tinha apalpado a barriga disse que o
elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até os pelos da extremidade, disse que o elefante
se parecia mais com uma vassoura. O que tinha apalpado a orelha, disse que ele se parecia com um grande leque
aberto. O que apalpara a tromba disse que o elefante tem a forma, as ondulações e a flexibilidade de uma mangueira
de água. Já o que apalpara a perna, disse que ele era redondo como uma grande mangueira e rígido como um poste.
Os cegos se envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros estavam errados.
Evidentemente cada um se apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais podiam
afirmar o que afirmavam.


                                                                                                               42
continuariam a existir, mas, talvez fosse possível ter uma visão mais geral das questões
socioambientais.
          A situação de degradação do manguezal e injustiça ambiental já vinha
intensificando-se pouco a pouco, mas, particularmente em 1998 o conflito existente
entre a Usina Trapiche e os pescadores artesanais que habitavam nas ilhas estuarinas do
Rio Sirinhaém culminou em um processo de retirada das 53 famílias que lá residiam e
que possuíam um modo de vida mais isolado e de subsistência. E assim, para tentar
dirimir esse conflito, foi solicitado ao IBAMA a criação de uma Reserva Extrativista na
região.


4.2. Memórias de um lugar


                      “O pescador artesanal que, equilibrado em sua canoa, com fina destreza e
                      percepção, joga sua tarrafa para alcançar o cardume visado, sob um fundo em
                      que se confundem águas e entardecer, torna-se retrato para decorar o cenário
                      dos agentes que visam suprimi-lo da paisagem real” (Valencio, 2010).


          De acordo com relatos de antigos moradores, a ocupação das ilhas do estuário do
Rio Sirinhaém começou por volta do século XX e intensificou-se por volta de 1920
quando a Companhia Agrícola Mercantil de Pernambuco, hoje denominada Usina
Trapiche S.A., construiu um cais para escoar a sua produção. E assim, com o passar do
tempo as famílias que utilizavam os recursos do mangue durante a entressafra da cana
de açúcar começaram a aumentar em número devido aos casamentos entre os membros
da comunidade (IBAMA, 2008).
          Essas ilhas possuem tamanhos diversos e as pessoas foram se distribuindo na
área, denominando cada ilha de acordo com as relações estabelecidas com o local e seus
recursos naturais e distribuindo-se a partir de laços de parentesco e compadrio. Segundo
relatos dos moradores, nas ilhas maiores moravam até mais de cinco casas.
          E assim essa população residente nas ilhas foi construindo um modo próprio de
interagir com o ambiente. Eles extraiam do mangue os alimentos para a subsistência e
alguns também vendiam o excesso da produção pesqueira. Mantinham pequenas
produções agrícolas e frutíferas, além de criarem animais como galinha, cabra, porco,
entre outros, como relatam alguns ex-moradores das ilhas:




                                                                                               43
“Nasci lá nas ilhas, minha mãe chegou lá em 1914. Eu tive 21
                       filhos, tenho nove vivos, tudinho morava lá...
                       Eu criava porco, galinha, inté vaca eu criei.
                       Eu pescava amoré, guaiamum, caranguejo, siri, aratu camuri,
                       arapeba”.
               (Ex-morador das ilhas, D. C. S. - 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

                       “A gente pescava caranguejo, botava camboa de rio e de mangue,
                       pegava Aratu, todo tipo de peixe. Tinha pé de coqueiro, muitas
                       galinhas, três viveiros de peixe. Quando a safra do mangue
                       fracassava aí já tinha o viveiro ou senão botava camboa de rio e
                       de mangue”.
                (Ex-morador das ilhas, V. J. S. - 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

          A partir de 1988, os moradores começaram a ser pressionados pela Usina
Trapiche para saírem das ilhas, a qual possui o aforamento da área desde o século XIX.
Posteriormente, em 1998, com a venda da Usina Trapiche para um grupo alagoano que
atualmente administra a empresa, a pressão para a desocupação das ilhas se intensificou,
com a acusação de que as famílias que lá residiam estavam degradando o mangue.


                          “Nós quando chegamos aqui e sobrevoamos esse mangue de
                          helicóptero era de fazer pena. Eram 52 ou 53 famílias habitando
                          dentro desse mangue, tinha uma área chamada de carvoeiro, que o
                          pessoal fazia carvão, destruindo a vegetação de mangue.
                          Plantando lavoura branca dentro, com fruteiras dentro do mangue,
                          jaca, manga, macaxeira, utilizando madeira pra fazer carvão. Isso
                          foi um choque ambiental grande pra gente. E a gente foi mal visto
                          em função de que a gente tentou fazer um trabalho de
                          conscientização do pessoal pra que tirasse esse pessoal do mangue
                          pra gente recuperar o mangue”
                          (Cauby Figueiredo, representante da Usina Trapiche- Entrevista ao
                          autor, em 28/12/10).

          No estudo Socioeconômico realizado pelo IBAMA (2008), um representante da
usina Trapiche S.A. afirma que pelo fato de ter o aforamento da área, esta seria
responsabilizada em caso de favelização e degradação do mangue5




5
    De acordo com o Decreto Federal nº9.760/1946 em seu artigo 70, a foreira da área é obrigada a zelar pela
conservação do imóvel, sob pena de responsabilização.




                                                                                                         44
A estratégia utilizada pelos administradores da usina, segundo relato dos
pescadores, passou a ser a demolição das casas e a destruição das lavouras e das
fruteiras, chegando até ao fechamento da escola local.


                    “Eu morei 42 anos nas ilhas, eu to com 79 anos. Eu tive 23 filhos,
                    na ilha do Macaco, criava galinha, cabra, porco, cavalo. Tive pé
                    de jaqueira, mangueira coco, tem pé de coração de índia, cajueiro,
                    bananeira... tudo isso tinha...
                    “A minha casa derrubaram”.
                     (Ex-morador das ilhas, M. J. F – Entrevista ao autor em 09/10/10).

                  “Eu tinha cajueiro, mangueira, jaqueira... era de caju como daqui
                  em camboinha, de caju que a usina derrubou, fora as outras
                  coisa...”
          (Ex-morador das ilhas, D. C. S. – 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

                   “A gente já morou na Raposinho, que a usina chegou a botar fogo,
                   aí fomos morar lá no Carvoeiro”.
           (Ex-morador das ilhas, V. J. S. – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

       Com a destruição das casas, das lavouras e das fruteiras tornou-se quase
impossível para os pescadores continuarem a habitar nas ilhas. E assim, pouco a pouco
os moradores foram saindo. Alguns mais resistentes chegaram a fazer acordos
individuais com a Usina Trapiche e receberam casas pelo município de Sirinhaém,
pequenas indenizações, material de construção, ou até mesmo empregos. Mas antigos
moradores reclamam que apenas os proprietários dos sítios receberam algum tipo de
indenização e os demais moradores que habitavam na propriedade nada receberam.
       Atualmente os ex-moradores das ilhas encontram-se espalhados por diversos
povoados na cidade de Sirinhaém. Alguns passaram a fazer parte da ocupação
desordenada da periferia do município, enquanto outros receberam pequenas moradias
como indenização. Ao visitar algumas dessas moradias, pude constatar que a maioria
das casas encontram-se em locais de difícil acesso, a distancias de cerca de 8 a 10 Km
do manguezal, sendo necessário um grande deslocamento dos pescadores para poder ter
acesso ao mangue.
       Ao realizar estas visitas percebi que os mais jovens já estavam mais adaptados à
vida urbana e alguns já haviam deixado de pescar. Porém se perguntados sobre aonde
preferiam viver, todos reportavam-se com saudade do tempo em que viveram nas ilhas e
a maioria manifestava o desejo de retornar


                                                                                     45
“Lá era bom, muitas vezes a gente sente até falta dali, porque era
                   um lugar muito assossegado, era um lugar que ninguém chegava
                   lá. Era uma paz”.
           (Ex-morador das ilhas, V. J. S. – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

                    “A gente quer voltar pras ilhas, é o meu lugar”.
               (Ex-morador das ilhas, J.R. – 22 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

                                          “Tinha não, tenho vontade de voltar pra lá”.
          (Ex-morador das ilhas, M. G. S. – 47 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).


       Apenas em uma das casas visitadas uma moradora relatou que não tinha mais
condições de saúde para voltar a viver nas ilhas.
                     “Morar mesmo direto não, porque não tenho mais saúde pra viver
                     no mangue. Mas os filhos queriam voltar se botassem energia...
                     Eles vão pescar ainda”.

           (Ex-morador das ilhas, M. J. F. – 79 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).


       Em todas as famílias visitadas havia pelo menos um integrante que ainda
praticava a pesca artesanal no mangue. Assim, mesmo retirados das ilhas, os moradores
ainda tinham no mangue um meio de vida.
       Os mais idosos apresentavam uma grande tristeza e não adaptaram-se à vida na
cidade. Sentiam falta do modo de vida que possuíam junto ao mangue e ao redor dos
demais integrantes da comunidade, que hoje se encontram espalhados em vários bairros
distintos. Muitos continuavam pescando, mas uma boa parcela já apresentava algum
tipo de enfermidade que impossibilitava a prática da pesca.
       A partir da fragmentação dessa comunidade foram-se desfazendo os laços que
formavam essa rede social que favorecia a construção da identidade cultural dos seus
integrantes e propiciava um sentido às suas vidas (Rangel, 2007). É perceptível em seus
depoimentos o sentimento de não pertencimento ao lugar no qual habitam atualmente e
muitos não conseguiram se integrar em novas relações sociais junto aos demais
moradores dos locais onde hoje residem.
       Segundo relato de frei Sinésio Araújo presente no Estudo Socioeconômico do
IBAMA (2008):



                                                                                     46
“Problemas de ordem psicológica também são evidentes, pois
                    muitos entraram em estado depressivo, fruto do comprometimento
                    de sua identidade que lhe fora negada a partir do momento em que
                    foram forçados a sair de seu habitat natural e mudaram totalmente
                    a sua maneira de ser e agir. Seu Dudé, por exemplo, teve um filho
                    morto pelo envolvimento com drogas na periferia da Barra de
                    Sirinhaém e disse: “se meu filho estivesse nas ilhas, não se
                    envolveria nesta situação”.
                    (Sinésio Araújo, agente da CPT, entrevista em 14/04/2008 In:
                    IBAMA, 2008 p.123).

       Segundo Luiz Otávio Corrêa:
                    “A gente viu muita gente que não se adaptou. Principalmente os
                    mais idosos. Quem passou mais tempo, quem cresceu ali dentro do
                    manguezal, tem uma dificuldade muito grande de morar na cidade,
                    mesmo numa casa ate com melhores condições de moradia, mas
                    que não tem como tirar seu sustento da cidade, não tem nem
                    estudo... gente que nunca teve vizinho na vida, você colocar dentro
                    de um centro urbano, a questão psicológica dela.... Dona Antonia
                    chora sempre, ela consegue dar um bom quadro das dificuldades
                    que eles passam... é o ambiente deles.... Dona Antonia morava
                    numa ilha bem grande lá e praticamente não saia lá de dentro e
                    tinha uma área grande pra cultivo, tinha frutas, os filhos
                    pescavam, então a família toda sobrevivia dali, mesmo sem ter
                    esses luxos, sem ter... tinha a casa de farinha dela que todos os
                    vizinhos utilizavam também, então eles tinham o jeito deles de
                    viver ali que não foi levado em conta na hora de sair”.
                    (Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA – entrevista ao autor em
                    29/10/10)

       Ao tentar imaginar como deve ter sido traumática essa mudança de vida, me
ocorre em mente depoimentos de pessoas amigas que passaram um curto período de
tempo em alguma região isolada e que ao retornarem à cidade já não conseguiam
atravessar a rua na mesma segurança de antes, que estranhavam certos hábitos vistos
pelos demais como usuais. E então, penso o quanto deve ter sido traumática a repentina
mudança de vida, desses ilhéus que passaram muitos anos ou até a vida toda em uma
isolada região junto ao estuário do rio Sirinhaém.
       Com o passar do tempo as pessoas adquirem um sentimento de apego ao lugar.
Muitos tipos de apego foram sugeridos por Shumaker e Taylor (1983) apud Gomes
(2008), porém dois podem ser claramente percebidos entre os ex-moradores das ilhas: o
apego funcional (relacionado à satisfação das necessidades básicas proporcionadas pelo



                                                                                    47
local) e o apego emocional (evidenciado pela construção da vida nesse local e pela
proximidade entre os moradores da área).


                    “Lá é um lugar de barriga cheia, tem lugar pra plantar uma
                    batata, uma macaxeira, pra pescar o suficiente”.
                     (Ex-morador das ilhas, M.G. S. – Entrevista ao autor em 09/10/10)


                    “Não gosto de morar em rua, morava dentro do sitio, fiquei com
                    pena do sitio que ela (a usina) derrubou, era bom o sitio lá de
                    casa, eu ia pra rua vender manga guaiamum, caranguejo, pegava
                    o carro de mão de pai e ia a pé mesmo. La não faltava nada dentro
                    de casa, tinha pé de manga, macaiba, jaca, goiaba, araçá, tinha de
                    tudo lá que mãe plantava. A gente pegava caranguejo, amoré, pai
                    botava covo, armava ratoeira pra pegar guaiamum, carapeba.
                    Muito peixe a gente pegava, camarão, pititinga, cuca, era muito”.
                     (Ex-morador das ilhas, E. F. S. – Entrevista ao autor em 09/10/10).

       O geógrafo Yi-Fu-Tuan (1980) denomina de Topofilia o elo afetivo existente
entre a pessoa e o lugar ou ambiente. E afirma que as pessoas em constante interação
com a natureza estabelecem um sentimento mais intenso com o ambiente, por dele
dependerem para sobreviver. Sendo provável que mudanças para outros locais causem
algum efeito psicológico entre os moradores deslocados, devido ao rompimento da
identidade com o espaço e com o grupo. Segundo Castells (2006), as pessoas
transformam o espaço em que vivem em lugar, ao relacionarem-se afetivamente com
ele.
       Dentre os vários relatos dos ex-moradores das ilhas, destaca-se um depoimento
que retrata bem qual o sentimento que foi construído pelos pescadores em relação à
região das ilhas, que reproduzo abaixo:
                    A senhora e seu esposo moravam nas ilhas desde quando?

                    “Morei no sitio 53 anos”.

                    Qual o nome do sitio que a senhora morava?

                    “Morava no sitio do Cais, a primeira casa. Quando eu fui morar lá
                    tinha um pé de pimenta malagueta”.

                    E a senhora plantou muita coisa?




                                                                                     48
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Conflitos socioambientais em Sirinhaém

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM: UM CASO DE INJUSTIÇA AMBIENTAL RECIFE 2010
  • 2. LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM: UM CASO DE INJUSTIÇA AMBIENTAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à coordenação do Curso de Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas. Orientador: Dr. Pedro Castelo Branco Silveira (Coordenação Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia – Fundação Joaquim Nabuco). RECIFE 2010
  • 3. LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM: UM CASO DE INJUSTIÇA AMBIENTAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à coordenação do Curso de Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas. Data de Aprovação: ____/____/____ Nota: ________________________ BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________ Dr. Pedro Castelo Branco Silveira (Orientador) (Coordenação Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia – Fundação Joaquim Nabuco). ______________________________________________ Dr. Cristiano Wellington Noberto Ramalho (1º Titular) (Depº. de Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe – UFS. _________________________________________________ Drª. Simone Ferreira Teixeira (2º Titular) (Instituto de Ciências Biológicas, Universidade de Pernambuco – UPE). _________________________________________________ MSc. Beatriz Mesquita Jardim Pedrosa (Suplente) (Coordenação Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia – Fundação Joaquim Nabuco). RECIFE 2010
  • 4. DEDICATÓRIA À minha querida avó Porcina Morais de Souza e a minha mãe Luzinete Morais da Silva (in memoriam), pelo aprendizado e por seus exemplos de vida, que me impulsionaram sempre na condução de meus passos. Dedico também a minha tia Mª Auxiliadora e ao meu irmão Josmar Luiz pelo apoio e carinho durante a realização deste trabalho.
  • 5. ”No fundo da prática científica existe um discurso que diz: nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida, mas que no entanto está somente à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela está presente aqui e em todo lugar”. Foucault.
  • 6. AGRADECIMENTOS Os agradecimentos são muitos, mas primeiramente agradeço a Deus por ter me proporcionado a oportunidade de conhecer maravilhosas pessoas, que permanecerão para sempre em minha memória. Agradeço ao meu orientador Pedro Silveira, que antes de tudo é um grande amigo, pela ajuda e compreensão nessa jornada antropológica a qual decidi trilhar. Sempre acreditando e compartilhando preciosos momentos de dificuldades, descobertas, dúvidas, conflitos e soluções. Seus ensinamentos sempre me proporcionaram um amplo aprendizado e especificamente na realização deste trabalho, foram imensamente valiosos. Agradeço ao demais Professores que aceitaram participar como membros na banca desta monografia, Cristiano Ramalho, Simone Teixeira e Beatriz Mesquita. Voltando um pouco no tempo, agradeço aos ensinamentos da Prof. Cecília Patrícia Alves Costa (CCB-UFPE), que me despertaram para as questões socioambientais e me impulsionaram a sempre buscar compreender tais questões. Quero agradecer a todos que tornaram possível este trabalho: a Beatriz Mesquita e ao Allan Monteiro da FUNDAJ que enriqueceram meu trabalho com suas sugestões, ao Frei Sinésio Araújo por seu apoio, dedicação e contribuição durante todos os momentos de minha pesquisa e durante a coleta das entrevistas, ao Plácido Júnior pelas informações, contribuições e parceria, às Irmãs Franciscanas Bernadinas de Barra de Sirinhaém (Lucia, Gilbetânia, Celeste e Joice) por me acolherem tão gentilmente e com tanto amor durante minha estadia em Sirinhaém, ao Severino Santos (Bill) da CPP pela sua dedicação em me ajudar em vários momentos através de materiais de pesquisa, das “caronas” até Sirinhaém e pelas conversas tão enriquecedoras ao meu trabalho, ao Luiz Otávio Corrêa do IBAMA que esteve sempre disponível em me ajudar em qualquer solicitação e aos profs. Gilberto Rodrigues e Clóvis Cavalcanti pelo apoio. Agradecimentos especiais a todos de Sirinhaém, aos pescadores e pescadoras que carinhosamente me receberam e me ajudaram na realização deste trabalho. A todos da Colônia Z-6 de Barra de Sirinhaém, representados nas figuras de Ronaldo e Arlene, e aos ex-moradores das ilhas. Admiro suas lutas e essa sabedoria sobre o meio ambiente, algo tão inerente ao peculiar modo de vida que vocês estabelecem com a natureza.
  • 7. Espero ver um dia a pesca artesanal adquirindo seu real valor e para isso é preciso força e união para não sucumbir às estratégias dos que visam suprimir essa prática produtiva em nome dos projetos de desenvolvimento. Aos amigos, agradeço imensamente pela compreensão durante os períodos de ausência, pelo apoio e carinho: Paula Carolina e Célia Fernanda; Kelma; Yana; Amanda; Júlia; Ivson; Daniele Xavier; Juliana; Michele; Lindinalva; Dayana; Valdemar; Clarissa; Thatiana, Caio e Diego “o trio do CTG”; a Prof. Lucilene Antunes; Charles; Júnia e Bruna pelas conversas, pensamentos e opiniões que contribuíram imensamente na realização deste trabalho e pela paciência em escutar sempre o mesmo assunto durante este período. “Quem me dera pudesse compreender Os segredos e mistérios dessa vida Esse arranjo de chegadas e partidas Essa trama de pessoas que se encontram Se entrelaçam E misturadas ganham outra direção Quem me dera pudesse responder Quem sou eu nessa mistura tão bonita Tantos outros, sou na vida um Zé da Silva Sofro as dores de outros nomes Rio os risos de outras graças Trago em mim as falas dessa multidão Quem me dera pudesse compreender”. Pe. Fábio de Melo
  • 8. Sumário LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................. 9 LISTA DE TABELAS E QUADROS ...................................................................................... 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................. 11 RESUMO ................................................................................................................................... 12 ABSTRACT ............................................................................................................................... 13 APRESENTAÇÃO .................................................................................................................... 14 1. INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA ........................................................... 17 1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental ........................... 24 1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil ........................................................... 24 1.3. As Resex Marinhas no Brasil ........................................................................................... 27 1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental ............................................... 29 2. OBJETIVOS .......................................................................................................................... 32 2.1. Objetivos Gerais ............................................................................................................... 32 2.2. Objetivos específicos........................................................................................................ 32 3. METODOLOGIA ................................................................................................................. 33 3.1. Área de Estudo ................................................................................................................. 37 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 41 4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos............................................... 41 4.2. Memórias de um lugar ...................................................................................................... 43 4.3. O acirramento dos conflitos ............................................................................................. 51 4.4. O processo de criação da Resex e suas dificuldades ........................................................ 57 4.5. Pontos de vista.................................................................................................................. 63 4.6. Resex: um benefício para todos ou um entrave ao desenvolvimento ............................... 74 4.7. O conflito socioambiental frente ao contexto histórico, político e econômico de PE ...... 82 CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 89 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 91 ANEXOS ........................................................................................................................97 APÊNDICES ..................................................................................................................98
  • 9. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil ...................................................28 Figura 2: Comunidade do Casado ..................................................................................37 Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém ...............................................................37 Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento ..........................................................37 Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab ..............................................................37 Figura 6: indústria sucroalcooleira .................................................................................39 Figura 7: Pesca Artesanal ...............................................................................................39 Figura 8: Imagem de satélite do complexo estuarino do Rio Sirinhaém .........................40 9
  • 10. LISTA DE TABELAS E QUADROS Tabela 1: categorias de unidades de conservação no Brasil ...........................................24 Quadro 1: cronologia dos documentos presentes nos seis volumes do processo de criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca, IBAMA nº 02019. 000307/2006- 31......................................................................................................................Apêndice 1. 10
  • 11. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APA – Área de Proteção Ambiental CNPT - Centro Nacional de Populações Tradicionais CONSEMA - Conselho Estadual de Meio Ambiente CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores CPRH – Agencia Estadual de Meio Ambiente e Recursos hídricos CPT – Comissão Pastoral da Terra DIUSP - Diretoria de Uso Sustentável e Populações Tradicionais GRPU – Gerência regional do Patrimônio da União IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade MMA – Ministério do Meio Ambiente ONG – Organização Não Governamental MPA – Ministério de Pesca e Aqüicultura RESEX – Reserva Extrativista SECTMA – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação SPU – Secretaria do Patrimônio da União UC – Unidade de Conservação 11
  • 12. RESUMO Esta pesquisa relata o processo de criação de uma Reserva Extrativista no Litoral Sul do Estado de Pernambuco, que tem como beneficiários pescadores artesanais dos municípios de Sirinhaém e Ipojuca. Aborda o conflito socioambiental existente entre os pescadores e os empreendimentos locais, quais são os principais problemas enfrentados por essa população e como os impactos ambientais existentes na região têm afetado a qualidade de vida deles. Traz um histórico da territorialização de 17 ilhas no estuário do Rio Sirinhaém que eram habitadas por 53 famílias que faziam uso comum da terra e possuíam também a pesca como meio de subsistência. E como tal conflito socioambiental resultou na retirada dessa população de seus territórios para áreas distantes da periferia do município de Sirinhaém, com a conseqüente perda da atividade produtiva e de suas identidades. Nesse estudo foi privilegiado à pesquisa qualitativa, onde foram feitas entrevistas com os principais atores sociais envolvidos no conflito, como também observações em campo, consulta à documentação do processo elaborado pelo IBAMA, entre outras fontes de pesquisa diversas. A partir dos relatos dos pescadores, observa-se a importância do território e dos recursos naturais presentes na manutenção de seus hábitos e modo de vida, motivos estes que levaram ao pedido de criação da Resex. Há ainda um relato das dificuldades para a implementação dessa UC e como os atores sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas motivações, ações e relações. Assim esse exemplo de luta pela garantia de territórios tradicionalmente ocupados por povos que fazem uso comum da terra e possuem a atividade pesqueira como algo inerente à própria existência, é também a luta por um modelo de desenvolvimento mais justo e democrático. Essa população tenta defender os recursos naturais ali existentes através da mobilização contra essa injustiça ambiental, mostrando que um ambiente preservado pressupõe também a proteção da diversidade sociocultural da região. Palavras chave: Sirinhaém, Resex, Povos tradicionais, Justiça Ambiental, Pesca Artesanal, Conflitos Socioambientais. 12
  • 13. ABSTRACT This research describes the creation process of an extractive reserve in the south coast of Pernambuco state. Its beneficiaries are small-scale fishermen from the municipalities of Sirinhaém and Ipojuca. The research deals with the social-environmental conflicts between fishermen and local enterprises, either with the main problems faced by this population and also how the environmental impacts in the area affected their life quality. We show the territorialization process of 53 fishermen families in 17 estuarine islands who use common-pool resources, and how this conflicts resulted in the remotion of this families from their territories to faraway sites in the borders of the municipality of Sirinhaém, though causing the loss of their productive activities and affecting their identity. We chose a qualitative approach and so we interviewed the main social actors involved in the process. We proceeded field observations, analysis of the documentation process gathered by the Brazilian Natural Resources Agency (IBAMA) and of other research sources. We observed the importance of the territory and of the natural resources to maintaing this people lifestyle, fact that motivated the request for the creation of the reserve. The text also tells the challenges to the implementation of this protected area and how the social actors position themselves, defining their motivations, actions and relations. Though, this example of struggle to the warrant of traditionally settled territories by peoples who make use of common resources, who have fisheries as part of their own existence, is also a struggle for a more fair and democractic development model. This population tries to defend the local natural resources mobilizating against environmental injustice, showing that a preserved environment also suposes manatining cultural diversity. Key words: Sirinhaém, Extractive Reserves, Traditional Peoples, Environmental Justice, Traditional Fishing, Environmental Conflicts. 13
  • 14. APRESENTAÇÃO A presente monografia analisa o processo de solicitação e criação de uma Reserva Extrativista Marinha no Litoral Sul do Estado de Pernambuco. Relata os problemas socioambientais enfrentados pela comunidade de pescadores artesanais na região e como essa população tem se organizado frente à perda do território tradicionalmente ocupado por eles. Contextualiza a destruição ambiental no município, decorrente do processo de industrialização em curso no litoral sul pernambucano, e quais conseqüências tem acarretado no cotidiano dos pescadores. Para isso, parte-se do contexto histórico em que a solicitação da Resex foi feita, delineando-se a atuação dos diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito. Este trabalho traz em sua introdução uma discussão teórico-conceitual que faz uma breve revisão sobre temas importantes para o caso posteriormente apresentado. A seção 1.1 aborda as divergências existentes nas diferentes perspectivas sobre conservação ambiental. Traz ainda reflexões acerca do conceito de povos tradicionais e quais as dificuldades enfrentadas na elaboração de uma definição que contemple as diferentes formas de uso comum da terra existente entre os diferentes sujeitos históricos. Faz também um breve relato sobre o conceito de território e como os povos tradicionais percebem e relacionam-se com ele para a manutenção da sua diversidade socioambiental. Apresenta, por fim, um breve histórico do movimento de Justiça Ambiental e relaciona os conflitos socioambientais a essa temática. Na seção 1.2 há um histórico da criação das Unidades de Conservação no Brasil e dos órgãos ambientais. Relata-se ainda como surgiram as Reservas Extrativistas e como essas UCs são regulamentadas pelo SNUC. A seção 1.3 traz o contexto histórico em que as Reservas Extrativistas Marinhas surgiram e como tornaram-se um instrumento de defesa dos pescadores artesanais face à destruição ambiental do litoral brasileiro. Aborda também como a pesca artesanal foi vista pelos distintos órgãos governamentais que estiveram tratando dessa atividade tradicional ao longo dos anos. A seção 1.4 faz uma breve caracterização do mangue e como o desconhecimento da importância socioambiental do manguezal tem contribuído para a sistemática eliminação desse ecossistema. 14
  • 15. Após a apresentação dos objetivos e da metodologia, que inclui ainda a descrição da aŕea de estudo, apresento o caso estudado. Inicio a descrição e a discussão deste estudo de caso na seção 4. Na seção 4.1 elenco os principais motivos que levaram ao pedido de criação da Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca, no estuário do Rio Sirinhaém. A seção 4.2 há um breve relato de como viviam as 53 famílias que habitavam nas 17 ilhas estuarinas do Rio Sirinhaém, como construíram suas vidas nesse ambiente e como perderam o direito de permanecer nesse território tradicionalmente ocupado em decorrência da intensificação dos conflitos socioambientais existentes na região. A seção 4.3 descreve como ocorreu o acirramento dos conflitos e quais as ações foram tomadas pelos diferentes atores sociais envolvidos, como os injustos acontecimentos levaram ao pedido da Resex. Descreve também o processo de retirada das famílias, cerca de 260 pessoas, que residiam nas ilhas estuarinas e quais as dificuldades esses pescadores enfrentam atualmente. Na seção 4.4 há o relato das principais dificuldades ocorridas durante o processo de criação da Resex: algumas dúvidas da população pesqueira beneficiada por essa UC e algumas posições dos diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito. A seção 4.5 exemplifica os diferentes pontos de vista existentes entre representantes do governo, indústria e os próprios pescadores da região. Tal dificuldade de reconhecer os distintos modos de relacionar-se com o meio ambiente resultam na falta de uma maior articulação da comunidade beneficiada pela Resex. A seção 4.6 traz uma discussão sobre o dilema em proteger o meio ambiente e compatibilizar os projetos de expansão industrial defendidos pelo Governo do Estado. Há também alguns discursos que são repassados e as estratégias utilizadas pelos atores sociais contrários à implantação da Resex, no intuito de desmobilizar a luta dos pescadores artesanais. A seção 4.7 traz um breve histórico do contexto sociopolítico e econômico da região e de PE e como esses fatores interferem no processo de criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca. Relata quais os argumentos do Governo Estadual para ser contrario á criação da Resex e como a valorização de um modelo de desenvolvimento excludente tem gerado a perda da qualidade de vida da população e a perda de sua própria identidade. 15
  • 16. O exemplo de luta pela proteção do meio ambiente e da diversidade sociocultural existente no litoral sul de Pernambuco é apenas mais um conflito socioambiental, dentre os muitos já existentes em PE. E apesar dos muitos entraves existentes, tal conflito pode torna-se uma boa oportunidade para que os pescadores artesanais se unam na reivindicação de seus direitos, promovam a valorização da prática pesqueira e a proteção dos recursos naturais. Para isso é preciso buscar informação, articular-se a outras instituições de luta e exigir participação nas discussões dos projetos do Governo para o desenvolvimento da região. 16
  • 17. 1. INTRODUÇÃO 1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental. O avanço tecnológico tem levado a certo distanciamento entre homem e natureza. Hoje muitos agem como se os recursos consumidos não fossem obtidos a partir do meio ambiente. Segue-se um modelo de desenvolvimento que vem alterando de maneira constante, rápida e irreversível as paisagens. Tais alterações não apenas destroem a diversidade biológica do planeta, mas tem também eliminado a diversidade sociocultural representada nos diversos povos que dependem mais diretamente desses recursos naturais. Apesar de não ser um tema recente1 proteger a biodiversidade pressupõe uma reflexão sobre o que vem a ser a natureza e qual o papel do homem nesse contexto. Pois a biodiversidade só será verdadeiramente protegida quando as divergências conceituais sobre as questões ambientais forem melhor discutidas e quando a relação homem- natureza deixar de ser percebida como algo dicotômico, ou seja, quando as análises sobre o meio ambiente e a sociedade deixarem de serem feitas através da percepção do homem como um simples beneficiário da natureza ou apenas como um dependente dela (Branco, 1995). Sendo assim tem crescido a concepção socioambientalista, que defende não apenas a sustentabilidade ambiental (espécies, ecossistemas e processos ecológicos), mas também a sustentabilidade social (redução das desigualdades sociais e o fortalecimento da ética, justiça e equidade social). Tem se fortalecido a ideia de que as políticas públicas ambientais possuem eficácia social apenas se incluírem as comunidades locais promovendo uma justa e equitativa repartição dos benefícios oriundos da exploração dos recursos naturais. Nesta perspectiva a proteção da biodiversidade pressupõe a manutenção da diversidade sociocultural, pois esta é 1 O Relatório Brundtland, também intitulado de Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1987), um documento elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, já recomendava a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas. O tema passou a ter maior força no cenário internacional após a conferência Rio-92 (Novaes, 2002). A assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2010 como o “Ano Internacional da Biodiversidade” (Unesco, 2009) 17
  • 18. também resultante dos diversos modos de vida dos diferentes povos (Acselrad, 2010). Assim, julga-se que não é suficiente estar protegendo a biodiversidade sem valorizar e reconhecer a diversidade cultural dos povos tradicionais (Santilli, 2005). Mas nem sempre houve essa preocupação socioambiental. E uma das formas criadas para enfrentar as diversas ameaças à biodiversidade foi através das áreas “naturais” legalmente protegidas, que no Brasil têm o nome de unidades de conservação. Privilegiou-se inicialmente a criação de recortes das paisagens, isolando- os do uso humano. O principal representante desta categoria de unidade de conservação são os parques2. Ocorre que em muitas dessas áreas protegidas existiam pessoas que há muito tempo já ocupavam tais espaços (Diegues, 2000). A criação do primeiro parque nacional americano, o Parque de Yellowstone, por exemplo, desalojou povos indígenas como os crow, os blackfeet e os shoshone-bannock (Bensusan, 2006). De fato, a criação de parques na maioria das vezes gerou historicamente uma série de conflitos sociais (Diegues, 2000; Silveira, 2009). Nos países tropicais do dito terceiro mundo, grande parte das florestas e outras áreas em bom estado de conservação ambiental foram e são já tradicionalmente ocupadas por populações humanas dependentes destes recursos. Com a crescente destruição ambiental em nome do progresso, estas áreas foram se tornando cada vez mais raras. Este fato acirra os debates entre aqueles que querem ver estas áreas livres do uso humano com a implantação de unidades de conservação do tipo parque, e aqueles que desejam que a conservação dos ambientes seja feita com base nos usos tradicionais das populações que ali habitam (Diegues, 2000). No Brasil, até pouco tempo atrás, a degradação ambiental era vista como algo inerente ao processo de desenvolvimento do país. Em grandes empreendimentos de expansão industrial e agrícola, não havia a preocupação se os mesmos afetariam ou não a biodiversidade e as populações ali existentes. No período de auge dos ciclos agrícolas brasileiros, como o café, a cana, a borracha, o ouro, entre outros, muitas pessoas de 2 Movimento Preservacionista, do século XIX, surgido primeiramente na Europa e disseminado nos Estados Unidos através John Muir, que pregava ser a interferência humana prejudicial à preservação do meio ambiente. Neste mesmo período, entretanto, havia nos EUA Movimento dos Conservacionistas, também nos Estados Unidos, iniciado por Gifford Pinchot, onde defendia-se a ideia de que o ser humano era capaz de auxiliar na preservação ambiental (Diegues, 2000) 18
  • 19. várias regiões do país se deslocaram para os locais onde esses ciclos ocorriam. E com a decadência desses ciclos, muitas pessoas ainda permaneceram morando nesses territórios, com modos de vida agro-extrativista (A. Almeida, 2008). Essas comunidades criaram maneiras próprias de uso da terra, de obtenção dos recursos naturais disponíveis e de organização social. Porém tais sistemas de uso comum geralmente eram vistos como irrelevantes e condenados ao desaparecimento pelo governo e suas análises econômicas (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Assim, o Estado brasileiro historicamente ignorou os sistemas de usufruto da terra por parte destes grupos humanos, que posteriormente foram chamados de populações tradicionais. Até recentemente, esses grupos não eram considerados nas pesquisas do IBGE e eram vistos como modos de produção em extinção (A. Almeida, 2008). Segundo Little (2002), muitas das terras de uso comum foram até hoje preservadas porque não eram cobiçadas pelas forças econômicas atuais. Como exemplo dessa invisibilidade há inúmeros quilombos que sobreviveram em diversas áreas do país. A partir do final dos anos de 1980, esses grupos passam a ter visibilidade política porque passam a reivindicar direitos (M. Cunha e M.Almeida, 2001). No Brasil, este período coincide com a elaboração da nova Constituição do país, ao fim de duas décadas de ditadura militar, e com a realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em que os chamados povos da floresta tiveram destaque (Novaes, 2002). Assim, parte dos ambientalistas e governantes perceberam que há diferentes modalidades de uso comum do território por comunidades que preservam práticas sustentáveis de exploração dos recursos naturais e influenciam na manutenção da biodiversidade (A. Almeida, 2008). Atualmente, numerosas evidências apontam situações práticas em que é possível haver vantagens nos sistemas de uso comum da terra, evitando a chamada tragédia dos espaços coletivos (“The tragedy of the commons”, Hardin, 1968; ver L. Cunha, 2004). Destacam-se aí os estudos de Elinor Ostrom (Prêmio Nobel de Economia -2009) e colaboradores (Tucker e Ostrom, 2009), que demonstraram que é possível para as pessoas se organizarem de forma eficaz com base em regras costumeiras e assim gerir os recursos ambientais. 19
  • 20. De acordo com o decreto nº 6.040, de 8 de fevereiro de 2007 que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades tradicionais, povos e comunidades tradicionais são definidos como sendo: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” Inicialmente, percebe-se que o conceito de povos tradicionais surgiu a partir de contextos diversos, mas apesar dessa heterogeneidade, em geral, eles tem em comum o fato de que utilizam regimes de propriedade comum. Possuem ainda, um amplo conhecimento sobre o ecossistema no qual residem, procuram defender sua autonomia cultural e possuem o sentimento de pertencimento a um lugar, além de em geral praticarem sustentáveis hábitos de exploração dos recursos naturais. (Little, 2002). Uma observação importante vem do fato de que o conceito de “tradicional” não reflete necessariamente a definição de imobilidade cultural desses povos. O território de um grupo social determinado, incluindo as condutas territoriais que o sustentam, pode mudar ao longo do tempo dependendo das forças históricas que exercem pressão sobre ele. Mas, essas mudanças são historicamente compreensíveis e não significam necessariamente que tais povos perderam o modo costumeiro de manejar seus recursos naturais. E a palavra “tradicional” não se refere necessariamente à antiguidade, mas ao fato de que esses povos se originaram em um local específico. Essa noção de pertencimento a um lugar não está vinculada a ideia de terras imemoriais, mas no sentimento coletivo de que esses territórios socialmente construídos representam seu verdadeiro “homeland” Little (2002). Assim, após adquirirem visibilidade na esfera política, as populações tradicionais hoje não estão mais fora da economia central nem estão mais simplesmente na periferia do sistema mundial. E também tornaram-se parceiras de grupos acadêmicos, ONGs locais e nacionais, bem como setores do Estado brasileiro e mesmo instituições centrais como as Nações Unidas, o Banco Mundial e as poderosas ONGs do primeiro mundo (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Muitas vezes essas parcerias “não- tradicionais” têm o sentido de apoiar práticas consideradas tradicionalmente sustentáveis. 20
  • 21. Mesmo sendo muitas vezes esquecidas ou até mesmo ignoradas, essas populações têm conseguindo obter algum avanço em suas lutas para terem legitimados seus direitos de posse e soberania sobre seus territórios. Diante desse contexto e na busca pela proteção da biodiversidade, as populações tradicionais passaram a ter protegido juridicamente seu modos de vida e uso da terra. Nesse sentido, temos nas Reservas Extrativistas um exemplo de instrumento pela manutenção dos meios próprios de relacionar-se com os recursos naturais existentes a partir de um profundo conhecimento sobre os mesmos e sobre os ciclos biológicos (Diegues, 2001). Dentre os diferentes contextos e argumentos que postulam o conceito de povos tradicionais, percebe-se existir uma flexível definição na legislação oficial que regulamenta essa categoria. Tal definição legal reitera a ideia de que o surgimento do conceito de populações tradicionais tem um caráter político que pretende tentar solucionar o suposto problema da presença de grupos humano em áreas destinadas a preservação ambiental. E então, diferentes grupos sociais específicos são incorporados nessa categoria legal que tenta diferenciá-los juridicamente para dar-lhes direito as terras que tradicionalmente habitam ou habitavam. Assim a partir desse aspecto legal, vê-se ser adotada para essa categoria de povos tradicionais perspectivas diversas, entre elas, há a defesa de ser esta uma categoria político-legal, pois permite que diferentes populações tenham assegurados seus direitos consuetudinários e seu território (Silveira, 2010). No nível internacional, a preocupação pelo respeito por parte dos Governos aos direitos diferenciados dos povos tradicionais cresceu bastante, principalmente em referência a questões fundiárias e territoriais. Um dos instrumentos mais importantes sobre o tema é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre “Povos indígenas e tribais em países independentes”, de 1989, que estabelece, no Artigo II, que os governos têm a responsabilidade de “proteger os direitos desses povos e garantir o respeito à sua integridade”. A adoção dessa Convenção pelo governo federal foi estabelecida pelo Senado Nacional em junho de 2002. No Brasil além da Constituição de 1988 que reconhece em seu artigo 216 o Patrimônio Cultural Brasileiro como um bem jurídico e caracteriza-o como sendo "bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da 21
  • 22. sociedade brasileira", há também uma Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que regulamenta os incisos constitucionais relativos à Convenção sobre a Diversidade Biológica, nos quais trata o conhecimento das comunidades tradicionais como Patrimônio Cultural Brasileiro (Valencio, 2010). Contudo, com a crescente concepção de progresso difundida em nossa sociedade, os conflitos pela posse dos territórios têm aumentado visivelmente. Pois em nome da expansão do desenvolvimento, diversas comunidades que possuem formas sociais de produção não-capitalistas vêm sofrendo com a perda de seus recursos naturais e modos de vida. E a criação das políticas de proteção desses povos resulta em grande parte da mobilização de grupos sociais diversos que se unem na busca efetiva de construção de uma democracia (Acselrad et al., 2009) . É nessa luta pela afirmação de formas alternativas e de resistência contra essa globalização hegemônica das formas de produção que vemos constituírem-se nas Reservas Extrativista um meio de proteger o território desses povos e assegurar a perpetuação de sua cultura, em busca da chamada justiça ambiental . Segundo Herculano (2008) a justiça ambiental é “o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas”. Assim surgiu o movimento por Justiça Ambiental, originado inicialmente nos Estados Unidos, que pretende alertar sobre a transferência social dos danos ambientais do desenvolvimento, aos grupos marginalizados da sociedade. No Brasil ainda é recente a discussão sobre a justiça ambiental. Somente em 2001 as discussões ganharam força com o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental realizado na Universidade Federal Fluminense. Nesta mesma ocasião, nasceu a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (Herculano, 2002). A luta dos chamados povos tradicionais pela legitimação dos seus territórios é também uma luta por justiça ambiental. Pois estes grupos sofrem de maneira desigual os impactos dos grandes projetos de desenvolvimento e das estratégias excludentes de conservação: 22
  • 23. “como para a expansão da monocultura do eucalipto, perdem os quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a expansão da soja transgênica, são inviabilizadas as atividades dos pequenos agricultores orgânicos; como, por causa da produção de energia barata para as multinacionais do alumínio, perdem os pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar; como, para a produção de petroquímicos, perdem os trabalhadores sua saúde pela contaminação por poluentes orgânicos persistentes” (Acselrad, 2010). O movimento por justiça ambiental traz um questionamento sobre a noção corrente de produtividade, sustentando que não é “produtiva” a terra que produz qualquer coisa a qualquer custo, acusando a grande agricultura químico-mecanizada de destruir recursos em fertilidade e biodiversidade, e, assim, descumprir a função social da terra. É nesse contexto adverso que vemos constituírem-se sujeitos coletivos que exigem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e capacidade autônoma de decidir sobre seus territórios, pretendendo instaurar acesso justo e equitativo aos recursos ambientais do país. E a destituição dos direitos desses povos favorece a crescente destruição ambiental, já que o malefício desta não é distribuído a todos, sendo transferido apenas a essa camada mais frágil da sociedade (Acselrad, 2010). Na presente pesquisa há o exemplo da tentativa de reorganização de um grupo social em busca da conquista do território reivindicado (Arruti, 2006). E assim, é na luta pela conquista desse território que há a reelaboração da identidade desse grupo na tentativa de terem reconhecido, pelo Estado, seus costumes, seus direitos de acesso a terra e aos recursos naturais ali presentes (Silveira, 2010). Percebendo a relevância dessas questões, essa pesquisa traz o exemplo de luta de moradores de municípios do Litoral Sul de Pernambuco pela implantação de uma Reserva Extrativista no estuário do Rio Sirinhaém. As populações tradicionais aqui referidas são os pescadores artesanais existentes no município de Sirinhaém e Ipojuca, que possuem um modo próprio de uso e relação com os recursos naturais e praticam atividades de baixo impacto ambiental. Ao tentarem ter reconhecido direitos universais 23
  • 24. de acesso a um meio ambiente preservado e a continuação de suas práticas sociais, postulam ao Estado serem incluídos em categorias especiais já presentes na legislação ambiental vigente (Silveira, 2010). 1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil As áreas protegidas foram estabelecidas, no Brasil, pelo Código Florestal de 1934. Neste período foram criados dois modelos de unidades de conservação, os parques nacionais e as florestas nacionais. O primeiro parque brasileiro foi o de Itatiaia, criado em 1937, no Rio de Janeiro. Até 1967, as unidades de conservação (UCs) eram administradas pelo Ministério da Agricultura, e então foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Posteriormente foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), em 1973, que juntamente com o IBDF se reuniram para formar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) em 1989 (Rylands e Brandon, 2005). Neste interim, foram sendo criadas diversas categorias de unidades de conservação (Ucs) por leis e decretos diferentes, por iniciativa de diferentes grupos de interesse. A Tabela 1 mostra as categorias de unidades de conservação hoje existentes e o ano de criação da primeira unidade em cada categoria. Tabela 1: categorias de unidades de conservação no Brasil Categoria Sigla Ano de Criação Floresta Nacional FLONA 1946 Área de Proteção Ambiental APA 1982 Área de Relevante Interesse Ecológico ARIE 1985 Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN 1990 Reserva Extrativista RESEX 1990 Reserva de Desenvolvimento Sustentável RDS 1996 Reservas de Fauna RF 2007 Parque Nacional PARNA 1937 24
  • 25. Reserva Biológica REBIO 1974 Estação Ecológica EE 1975 Monumentos Naturais MN 2009 Refúgios da Vida Silvestre REVIS --- Apenas em 2000 foi estabelecida uma regulamentação das UCs no Brasil através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O SNUC define as categorias de Unidade de Conservação em dois grupos: de proteção integral e de uso sustentável. As áreas de proteção integral incluem os Parques Nacionais, as Reservas Biológicas, as Estações Ecológicas, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. Já as áreas de uso sustentável que permitem diferentes tipos de interferência humana, incluem as Florestas Nacionais, as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Cultural (MMA, 2006). Dentre as unidades de conservação de uso sustentável, estão as Reservas Extrativistas que são definidas pelo SNUC como sendo: “Uma área utilizada por populações tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade” (MMA, 2006). As Reservas Extrativistas são unidades de conservação estabelecidas em uma área de interesse para a conservação biológica, em que o Estado estabelece uma concessão de uso para a população tradicional residente na área. Não podem existir 25
  • 26. áreas privadas em seu perímetro e elas possuem ainda um conselho deliberativo formado por diferentes representantes da sociedade civil e do governo, sendo em sua maioria composto pela população local (MMA, 2006). Diante dos diferentes grupos que habitam no território brasileiro, o surgimento das Reservas Extrativista vem no sentido de assegurar essa diversidade socioambiental, fortalecendo a democracia e a sustentabilidade (Diegues, 2001). Pois inicialmente, apenas os índios tinham seus territórios protegidos através das reservas indígenas. Mas, a partir das lutas dos seringueiros do Acre pelo reconhecimento formal de seus territórios, surgiu em 1989 a modalidade de Reservas Extrativistas dentro da política ambiental do país. E assim, a defesa de um território foi o incentivo para a criação de um movimento nacional, que devido a uma série de alianças políticas, particularmente com grupos ambientalistas, e a liderança singular de Chico Mendes, conseguiu construir um novo espaço político e, nesse processo, instituir novos atores sociais no cenário nacional (Little, 2002). Em 23 de janeiro de 1990 foi criada a Reserva Extrativista do Alto Juruá, como a primeira unidade de conservação desse tipo. Toda a área da Resex foi destinada pela União ao usufruto exclusivo dos moradores, por meio de contrato de concessão, e cuja administração poderia ser realizada pelos convênios entre governo e as associações representativas locais. Esta era uma solução para o problema fundiário e social, mas era também uma solução para o problema de conservação, apoiada por pareceres de peritos e relatórios de biólogos (M. Cunha e M. Almeida, 2001). As Reservas Extrativistas originaram-se portanto na luta dos seringueiros por uma modalidade de reforma agrária que mantivesse suas formas costumeiras de uso, ou seja, a existência de grandes áreas de floresta onde se poderia extrair látex e viver da caça, pesca e da pequena agricultura. Neste processo, associou-se aos interesses ambientalistas (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Depois espalharam-se já no formato de unidade de conservação, como solução para contextos diversos . Assim, foram fruto de finalidades comuns que proporcionaram uma certa colaboração no fortalecimento das lutas desses povos tradicionais. Enquanto alguns grupos sociais tentavam defender-se da usurpação de seus territórios pelas fronteiras em expansão, outros já lutavam pela autonomia territorial e cultural fundamentada em vínculos sociais e simbólicos que tais povos mantinham com o ambiente (Little, 2002). 26
  • 27. 1.3. As Resex Marinhas no Brasil Antes das Reservas Extrativistas Marinhas começarem a fazer parte da conjuntura política e institucional do Ministério do Meio Ambiente, e os pescadores artesanais estarem incluídos na categoria política das populações tradicionais, os pescadores já tinham um longo histórico de relação com o Estado, segundo Silveira (2009a): O setor da pesca era inicialmente administrado pela Marinha e posteriormente foi criada pelo Governo Federal a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). Durante algum tempo a industrialização do setor pesqueiro foi bastante incentivada e a pesca artesanal ficou praticamente esquecida. Apenas em 1989, com a extinção da SUDEPE, a gestão da pesca ficou a cargo do IBAMA, sendo então elaboradas várias políticas de conservação dos recursos pesqueiros. Após algumas pressões para que a gestão da pesca voltasse aos órgãos de fomento, foi criado em 1998 o Departamento de Pesca e Aqüicultura, que transformaria-se em Secretaria Especial da Aqüicultura e da Pesca (SEAP), e posteriormente, em 2009 no Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA). As políticas desenvolvidas pelo MPA não estabelecem a criação de UCs para beneficiar a pesca. Tais políticas buscam o desenvolvimento da infra- estrutura para equipar os territórios e assim viabilizar a atividade produtiva. Porém as Resex são vistas pelos pescadores artesanais como uma alternativa para dirimir os conflitos existentes em seus territórios. Até hoje os pescadores artesanais continuam tendo pouca visibilidade, onde os mesmos percebem que uma mesma área é vista de distintas maneiras – o que para os pescadores é um espaço de sustentabilidade familiar e dos recursos pesqueiros, na visão dos empresários é espaço de lucro e exploração – até porque essas comunidades são consideradas atrasadas e um impedimento ao desenvolvimento. 27
  • 28. E assim com o passar do tempo foram sendo percebidas relações existentes entre investir na pesca, proteger os recursos pesqueiros e garantir o território dos pescadores. Por esses motivos as Resex passaram a ser pleiteadas pelos pescadores artesanais (Figura 1), que apesar de terem a consciência de que tal alternativa não é suficiente e nem deve ser o único caminho, é por enquanto um importante instrumento de luta pela garantia de seus direitos por esses territórios (Silveira, 2009a). No Brasil já existem 53 Reservas Extrativistas, onde 22 desse total são Resex Marinhas. Do total das Resex Marinhas, 11 estão localizadas no Nordeste, sendo 1 em Pernambuco. Reservas Extrativistas 60 50 número de reservas 40 Total 30 Resex Marinhas- Brasil Resex Marinhas- Nordeste 20 10 0 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 ano Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil. Fonte: Silveira, 2009a. As Reservas Extrativistas Marinhas começaram a ser solicitadas pelos pescadores artesanais do litoral, tendo em vista a crescente perda do território pesqueiro para os grandes empreendimentos. No ano de 1992 foi criada a primeira Resex Marinha fora do limite da Amazônia, era a Reserva extrativista marinha de Pirajubaé em Santa Catarina. Essa subcategoria das Resex identificada com os territórios marinhos tem aumentado a cada ano. Esses pedidos para a delimitação de espaços secularmente ocupados por pescadores artesanais evidenciam um indício de fortalecimento e 28
  • 29. amadurecimento na organização e mobilização social de uma parcela populacional historicamente marginalizada (Chamy, 2008). Em Pernambuco a discussão sobre proteger o litoral dos impactos ambientais provenientes de empreendimentos diversos começou nos anos de 1970, mas foi nos anos de 1980 com a morte de várias pessoas devido aos resíduos industriais, que tais ocorrências passaram a ser combatidas pelo movimento dos pescadores. E assim, a partir dos anos de 1990 os pescadores artesanais de Pernambuco, apoiados pelo Conselho Pastoral dos Pescadores passaram a reivindicar a criação das Resex na proteção de seus territórios. E como exemplo dessas articulações temos a criação da Resex Acaú-Goiana em 2007, que integra parte dos estados de Pernambuco e Paraíba (Silveira, 2009a). As Resex Marinhas são hoje um importante instrumento de luta dos pescadores artesanais pela permanência dessas pessoas em espaços já anteriormente ocupados por elas. Os pescadores vêem no estuário não apenas um espaço de atividades econômicas a partir da extração de peixes, crustáceos, mariscos, entre outras espécies do mangue e do ambiente marinho, mas também como um espaço de organização social e cultural, onde a percepção de sua realidade não está dissociada do seu mundo natural e sobrenatural (Cavalcanti, 2002). Um grande número de pescadores artesanais utiliza o manguezal como meio de subsistência, pois além de ser um rico ecossistema, possui fácil acesso e não necessita de onerosos apetrechos de pesca para captura das espécies lá presentes. É um ecossistema muito utilizado também pelos pescadores ocasionais que em geral, trabalham no corte da cana e que na entressafra tem nas espécies do mangue um meio de subsistência. Logo, para entender a relação homem-natureza existente na região do estuário de Sirinhaém, faz-se necessário conhecer algumas características do manguezal para melhor compreender a importância desse ecossistema no cotidiano da população local. 1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental Segundo Schaeffer-Novelli, o manguezal é um “Ecossistema costeiro, de transição entre o ambiente terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e 29
  • 30. subtropicais, sujeito ao regime das marés. Constituído de espécies vegetais lenhosas típicas (angiospermas) adaptadas à flutuação de salinidade e caracterizadas por colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com baixos teores de oxigênio. Ocorre em regiões costeiras abrigadas e apresenta condições propícias para alimentação, proteção e reprodução de muitas espécies animais, sendo considerado importante transformador de nutrientes em matéria orgânica e gerador de bens e serviços” (SCHAEFFER-NOVELLI, 1991, p.3). Nesses locais, a força das marés é branda e a velocidade das correntes é baixa, favorecendo intensa deposição de sedimentos finos e matéria orgânica e caracteriza-se por uma constante conquista de novas áreas pelo acúmulo de grandes massas de sedimentos e detritos trazidos pelos rios e pelo mar (IPT, 1988 In: AMBITEC BRASIL, 2008). As regiões estuarinas são áreas de extrema importância, não só ecológica, mas, também, econômica, servindo de meio de vida para boa parte da população brasileira. Junto com as zonas de ressurgência e as baías, as áreas costeiras estuarinas, embora correspondam a apenas 10% da superfície marinha, produzem mais de 95% do alimento que o homem captura no mar (CIRM, 1981). No entanto, tal ecossistema é um dos mais ameaçados no mundo e em apenas duas décadas já perdeu cerca de 35% de sua área, apesar de ser legalmente considerado como uma área de preservação permanente (Meireles e Queiroz, 2010). Os estuários dos rios Formoso e Sirinhaém integram um dos mais importantes conjuntos de manguezais do litoral pernambucano, representando 23,3% da extensão total desses ecossistemas no estado. No município de Sirinhaém, onde deságua o rio Sirinhaém, destaca-se a presença dos manguezais, com registro da ocorrência de Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Avicennia schauerianna, Avicennia germinans e Conocarpus erectus. (LABOMAR, 2005). A Bacia do Rio Sirinhaém possui considerável área alagada sujeita ao efeito de maré possuindo em seu estuário 17 ilhas fluviais, compartilhadas entre os municípios de Ipojuca e Sirinhaém. Dentro do ambiente estuarino os animais que mais caracterizam este ambiente são os crustáceos. Segundo a CPRH (1999) as espécies com maior importância comercial do estuário do rio Sirinhaém, conforme foi indicado também pelos próprios catadores são: Ucides cordatus (caranguejo-uçá), Cardisoma guanhumi (guaiamum), 30
  • 31. Callinectes spp (siris), Goniopsis cruentata (aratú do mangue) e Macrobrachium acanthurus (camarão). A vegetação do manguezal é essencialmente homogênea caracterizada por plantas lenhosas, arbustivas e subarbustivas, a qual difere ecológica e floristicamente da vegetação de terra firme sendo composta, basicamente, pelas árvores dos gêneros Rhizophora, Laguncularia e Avicennia (Lamberti, 1966) Uma grande quantidade dos peixes encontrados no estuário vive parte de sua vida no mar, utilizando o estuário durante um período no ano e/ou entrando e saindo do estuário conforme o fluxo da maré. As espécies marítimas que utilizam o estuário estão à procura de alimentos ou em fase de reprodução. Há ainda espécies que são exclusivas do estuário e também existem espécies de água doce que são eurihalinos, que suportam uma larga amplitude de salinidade, na parte superior do estuário (AMBITEC BRASIL 2008). De importância ecológica já conhecida, são ecossistemas que desempenham papel ecológico chave à medida que abrigam, além de suas espécies características, aquelas que migram para a costa durante a fase reprodutiva. Sua fauna e a flora ainda servem como fonte de alimento e meio de subsistência para as populações humanas. Inúmeras comunidades ribeirinhas vivem tradicionalmente da exploração dos vários recursos existentes nas regiões costeiras do Brasil, sendo que algumas populações vivem quase que exclusivamente de recursos específicos de áreas de mangue, como caranguejos, moluscos e outros crustáceos (Schaeffer-Novelli, 1999). 31
  • 32. 2. OBJETIVO 2.1. Objetivo Geral Esta pesquisa analisa os conflitos socioambientais relativos ao processo de solicitação de uma Reserva Extrativista que tem como beneficiários pescadores artesanais, abrangendo o estuário e o mangue entre os municípios de Sirinhaém e Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco. 2.2. Objetivos Específicos Relatar e discutir sobre o processo de criação da Reserva Extrativista de Sirinhaém-Ipojuca e suas implicações socioambientais a partir da compreensão dos principais problemas enfrentados pelos pescadores artesanais nesse conflito. Discutir sobre a importância do território e dos recursos naturais para a manutenção dos hábitos de vida dos pescadores e como os impactos ambientais existentes na região tem afetado a qualidade de vida deles. Relatar o conflito histórico e socioambiental existente a partir da apresentação das dificuldades existentes durante o processo de criação da Resex e como os atores sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas motivações, ações e relações. 32
  • 33. 3. METODOLOGIA Resolvi pesquisar sobre a criação da Reserva Extrativista de Sirinhaém ao entrar em contato com o pesquisador Pedro Silveira, da Fundação Joaquim Nabuco, que estava envolvido em uma pesquisa intitulada “Reservas Extrativistas e pesca artesanal: etnografia do campo socioambiental em Pernambuco”. Nesse estudo eles já acompanhavam a implementação da Reserva Extrativista de Acaú-Goiana, a primeira Resex de Pernambuco. Decidi então analisar a criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca, que seria a segunda Reserva Extrativista no Estado. O processo de criação da unidade estava avançado, mas muitos conflitos dificultavam a sua criação. Pedro já tinha disponíveis os seis volumes da documentação relativa ao processo de criação da referida Resex, cedidos pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), que foram minha inicial fonte de pesquisa. Tinha em mente um objetivo, escrever sobre um período histórico de um determinado lugar e seus conflitos socioambientais, o que é algo um tanto complexo e causa geralmente um sentimento de incerteza sobre o que deve ser mais bem destacado e explorado. Mas, essa inquietude foi também o incentivo necessário para uma melhor reflexão e análise das circunstâncias históricas vivenciadas pelos integrantes desse conflito socioambiental, bem como de suas conseqüências, a fim de contribuir no processo de descoberta de novas maneiras de ver, perceber e sentir as relações socioambientais. Segundo Theodoro (2005), os conflitos ambientais fazem parte das relações humanas e no estudo desses conflitos, faz-se necessário a identificação e análise dos atores sociais para compreender os interesses específicos dos envolvidos. Sendo importante ainda, um levantamento das interações entre cada um dos atores sociais, para perceber a totalidade do conflito. Ainda segundo Carvalho e Scotto (1995) aspectos como: descrição das características ambientais, breve histórico do processo de povoamento, configuração das principais atividades econômicas, processo de avanço do capital na região, identificação de macroproblemáticas ambientais na região; enunciação 33
  • 34. dos diferentes campos de tensão, enfrentamento e resistência entre projetos e/ou forças sociais em disputa, devem ser considerados. Na busca de fazer um diagnóstico dos conflitos sociais existentes na região, priorizei o método qualitativo em minha pesquisa pois segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999), as concepções, crenças e valores das pessoas são revelados a partir de análises interpretativas. Os procedimentos utilizados foram pesquisa bibliográfica diversa sobre os temas pesca artesanal, populações tradicionais, unidades de conservação, entre outros. Consulta a fontes secundárias que caracterizam a área de estudo em seu contexto histórico, econômico e socioambiental, na busca de informações sobre a região e sua população. Houve ainda observações em campo e entrevistas com os principais atores sociais envolvidos no conflito visando perceber o contexto político e institucional que levou à proposta de criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca. As informações obtidas pelas observações foram associadas às entrevistas com o propósito de fazer convergir resultados de pesquisa sobre um mesmo objeto de análise. A contextualização das fontes heterogêneas visa conferir uma maior confiabilidade entre as narrativas (Beaud e Weber, 2007). Na pesquisa de campo, as entrevistas etnográficas buscaram ter acesso aos relatos de historias de vida e a memória, bem como as impressões do passado e presente. Nas entrevistas tentou-se entender a partir do texto e da fala, o contexto social do grupo social estudado. Os relatos foram feitos livremente, onde um tema era proposto e o entrevistado discursava sobre ele. As entrevistas visaram perceber os significados e sentimentos que os pescadores artesanais e os demais envolvidos no processo atribuíam à região e as percepções que os mesmos tinham à cerca do contexto histórico e social local. Após a coleta das narrativas, as mesmas foram transcritas e analisadas a partir do universo de interconhecimento entre os entrevistados (Beaud e Weber, 2007). Essa análise visa transformar uma questão “abstrata” em uma série decomposta de práticas sociais e de eventos, onde seja possível perceber em uma afirmação genérica do entrevistado as suas crenças ou ideologias (Lefèvre e Lefévre, 2003). 34
  • 35. Assim, essa metodologia foi utilizada como uma estratégia para construir uma representação social de modo coerente e esclarecer as significações moldadas através do tempo por esse grupo social (Moscovici, 2003). A partir da análise do histórico da demanda feita pelos pescadores, foi possível perceber quais problemas os mesmos enfrentavam no seu cotidiano e quais os impactos ambientais existentes no ambiente eram mais significativos e prejudiciais à sustentação dos recursos pesqueiros e dos seus hábitos e modos de vida. Durante a pesquisa de campo tentei analisar, os significados locais com relação à criação da Resex. No intuito de apresentar algumas visões dos atores sociais diretamente envolvidos no processo de solicitação da Resex e também de alguns pescadores locais. Diante da concepção de que os problemas ambientais não são isolados, e sim situações onde as condições ambientais e territórios são representados e tornados objeto de disputa entre projetos distintos, fizeram-se também necessário incorporar na presente pesquisa os diferentes pontos de vista de instâncias oficiais, dos pescadores locais, bem como também a visão dos movimentos sociais diretamente envolvidos no processo de criação da Resex. De inicio, eu comecei lendo bibliografias referentes à questão, examinando também notícias recentes que saíram em jornais sobre a Resex. Em seguida dei início à leitura dos seis volumes do Processo nº 02019.000307/2006-31 de criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca. O processo continha vários documentos que foram produzidos pelos órgãos não governamentais que juntamente com a comunidade de pescadores artesanais, solicitaram ao IBAMA a criação da referida Reserva, bem como os documentos dos órgãos governamentais envolvidos nesse processo. Logo após essas leituras, dei inicio às entrevistas com alguns dos principais envolvidos no processo de criação da Resex, os pescadores artesanais de Barra de Sirinhaém e também com alguns ex-moradores das ilhas. Ao longo da pesquisa, realizei as seguintes entrevistas: Frei Sinésio Araújo, Secretário de Justiça, Paz e Ecologia dos franciscanos no Nordeste e agente da Comissão Pastoral da Terra, entidade que assessorou os moradores das ilhas na solicitação da Resex. 35
  • 36. Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA que coordenou o Estudo Socioambiental para a criação da Resex. Ronaldo Santana, Presidente da Colônia de Pescadores de Barra de Sirinhaém e Pescador da Região. Arlene Costa, Secretária da Colônia de Barra de Sirinhaém e Pescadora da Região. Severino Santos, do Conselho Pastoral dos Pescadores, entidade de assessoria que acompanha os Pescadores dos estados do Nordeste e as solicitações de Resex no litoral pernambucano. Cauby Figueiredo Filho, engenheiro agrônomo - Dep. Agrícola da Usina Trapiche. Flávio Vanderlei da Silva, pescador e Presidente da Associação dos Pescadores de Sirinhaém. João Francisco da Silva, pescador e membro da diretoria da Colônia de Barra de Sirinhaém. Sebastião Gaspar Senhorio, pescador e Presidente da Associação Mangue Verde. A. A. S. Pescador e ex-morador das ilhas. D. C. S. Pescador e ex-morador das ilhas. V. J. S. Pescador e ex-morador das ilhas. E. F. S. Pescador e ex-morador das ilhas. J. R. Pescador e ex-morador das ilhas. M. J. F. Pescador e ex-morador das ilhas. M. G. S. Pescador e ex-morador das ilhas. S. G. S. Pescador e ex-morador das ilhas. (Devidos aos conflitos envolvendo os ex-moradores das ilhas, optei por preservar a identidade deles). Realizei as entrevistas com os pescadores durante uma viagem de campo entre os dias 7 e 10 de outubro de 2010, acompanhando o trabalho de frei Sinésio Araújo e Plácido Júnior, assessor da CPT que já havia entrevistado todos os ex-moradores das ilhas e me indicou os nomes de alguns pescadores e onde os mesmos moravam. Visitei nesta ocasião ex-moradores das ilhas, que atualmente residem em distintas 36
  • 37. comunidades: Oiteiro do Livramento e Vila Nova da Cohab, que localizam-se na sede do Município de Sirinhaém; Barra de Sirinhaém e Casado, que localizam-se em Barra de Sirinhaém. (Figuras 2, 3, 4, 5). Visitei ainda a Colônia Z-6, de Barra de Sirinhaém. Além de fazer entrevistas, participei de algumas reuniões da Colônia de Barra de Sirinhaém e de algumas Reuniões do Litoral Sul, que reuniam várias lideranças de todas as colônias do Litoral Sul. Visitei ainda a sedes da Comissão Pastoral da Terra, do Conselho Pastoral dos Pescadores e da Prefeitura Municipal de Sirinhaém para recolher informações e materiais de pesquisa. Figuras 2 a 5: Comunidades visitadas. Figura2: Comunidade do Casado. Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém. Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento. Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab. Fonte: IBAMA (Luiz Otávio Corrêa). 3.1. Área de Estudo: O município de Sirinhaém encontra-se a 80 Km da cidade do Recife, têm uma população de 33.046 habitantes segundo dados do IBGE (Censo, 2000) e localiza-se na 37
  • 38. Mesorregião Mata, Microrregião Meridional do Estado de Pernambuco. Este município limita-se a norte com Ipojuca e Escada, a sul com Rio Formoso e Tamandaré, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com Ribeirão, com área municipal de 352,2km², representando 0,36% do Estado de Pernambuco (CPRM, 2005). É constituído pelos distritos de Sirinhaém, Barra de Sirinhaém e Ibaritinga. Em Barra de Sirinhaém existe uma população de 10.045 habitantes, de acordo com o Censo 2000/IBGE. O rio Sirinhaém nasce na Serra do Alho no município de Camocim de São Félix com o nome Riacho Tanque das Piabas. Toma, inicialmente, a direção sul e, a seguir, a direção geral sudeste, cortando os municípios de Bonito, Barra de Guabiraba, Cortês, Ribeirão, Gameleira, Rio Formoso e Sirinhaém em cujo litoral deságua após compor, com seus vários braços (rios Arrumador, Trapiche, Aquirá, além do próprio Sirinhaém), um amplo e complexo estuário onde se encontram algumas lagoas, numerosas ilhas e extenso manguezal com sua variada fauna (Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul, CPRH, 1999). Inserida em uma área de cerca de 3.000ha de manguezal, Sirinhaém está incluída na categoria de “extrema importância biológica” no Atlas de Biodiversidade de Pernambuco, pela SECTMA (2002). Pois as regiões estuarinas constituem áreas de alta produtividade e diversidade biológica, uma vez que, pela natureza de seus componentes, são encontrados nesse ecossistema, representantes de todos os elos da cadeia alimentar. E por se tratar de um local onde várias espécies buscam alimento e refúgio em época de reprodução. Sirinhaém tem como principais atividades socioeconômicas a indústria sucroalcooleira e a pesca artesanal (Figuras 6, 7). Há na cidade uma extensa área de cana-de-açúcar que pertence predominantemente à Usina Trapiche, existente desde o século XIX na região. A população da cidade de Sirinhaém é composta por diversos tipos de pescadores: existem os pescadores permanentes, que pescam o ano inteiro para o consumo próprio de sua família e venda do excedente. Há o pescador temporário, que não tem a atividade pesqueira como sua principal fonte de sobrevivência, mas que a pratica eventualmente e os pescadores ocasionais que são, em geral, pequenos agricultores e/ou trabalhadores rurais de engenhos próximos à região das ilhas que, na entressafra da cana-de-açúcar, recorrem à pesca para complementar a alimentação de seus familiares (IBAMA, 2008). 38
  • 39. Figura 6: indústria sucroalcooleira (Foto do autor) Figura 7: Pesca Artesanal (Foto de Luiz Otávio Corrêa) A pesca artesanal tem grande importância na produção pesqueira do estado de Pernambuco, em 2007 correspondeu a 78,3% de toda a produção pesqueira. A pesca industrial obteve 0,8% e a aqüicultura 20,9% onde o estado foi o 4º colocado na produção de pescado e o 1º colocado na exportação da lagosta (881t), segundo dados do IBAMA (Estatística da pesca, 2007). Em Sirinhaém a maior parte da produção é de camarão (58,5%), caranguejo (45,2%), guarajuba (38,5%) e a lagosta vermelha (30,8%), Diagnóstico socioeconômico da pesca artesanal do litoral de Pernambuco (2009). O município produziu em 2006, 409,5 t de pescado, correspondendo a 2,9% da produção estadual (CEPENE, 2006). Assim como em Sirinhaém, a pesca artesanal também possui grande relevância no município de Ipojuca, o qual possui em seus limites, a maior parte do estuário do Rio Sirinhaém. Ipojuca é constituído pelo distrito sede e pelos povoados de Camela, Nossa Senhora do Ó, Rurópolis, Engenho Maranhão e Porto de Galinhas. Limita-se ao sul com o município de Sirinhaém e possui além da pesca artesanal uma intensa atividade turística e industrial, através do Pólo Portuário de Suape. Encontra-se inserido nos domínios das bacias hidrográficas dos rios Ipojuca, Sirinhaém e do Grupo de Bacias de Pequenos Rios Litorâneos. O município produziu, em 2006, 291,8 t de pescado, correspondendo a 2,1 % da captura estadual. A maior parte da produção é de sardinha (39,8 t), camarões (27,6 t) e agulha (23,6 t) (Diagnóstico socioeconômico da pesca artesanal do litoral de Pernambuco, 2009). A pesca artesanal apresenta uma importância histórica e socioeconômica no Brasil, sendo responsável por cerca de 65% da produção pesqueira nacional (I Conferência da Pesca Artesanal, 2009) e o litoral sul de Pernambuco, onde a pesca 39
  • 40. artesanal tem forte tradição, vem sofrendo com os impactos das atividades turísticas, industriais e do crescimento populacional (Governo de Pernambuco e Instituto Oceanário, 2009). Atividades estas que ocasionam a perda da biodiversidade local, a conseqüente diminuição dos estoques pesqueiros, a sobrepesca, a pesca predatória, além de conflitos junto a empreendimentos vizinhos que poluem o estuário. Sendo necessária ações que promovam a proteção deste fundamental ecossistema aos pescadores e pescadoras artesanais. Figura 8: Imagem de satélite (Google earth, 2007) do complexo estuarino do Rio Sirinhaém. 40
  • 41. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO “A proteção do meio ambiente depende do combate à desigualdade ambiental. Não se pode enfrentar a crise ambiental sem promover a justiça social” (Acselrad et al., 2009). Exponho brevemente, a seguir, os principais conflitos presentes na criação da Resex, de maneira sucinta e sem a presunção de esgotar todos os pontos de conflito existentes. Apresento um breve histórico das dificuldades enfrentadas pela população local, bem como também das enfrentadas pelos demais atores sociais durante o processo de implementação da Resex, na busca de contribuir para uma maior objetividade das discussões em torno dos problemas socioambientais. 4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos “Será esta liberdade, a liberdade de escolher entre ameaçadores infortúnios, nossa única liberdade possível? O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá- lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime assim o recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contraescola”. (Eduardo Galeano, 2010) Entre o município de Sirinhaém e o município de Ipojuca localiza-se o estuário do Rio Sirinhaém, composto por 17 ilhas fluviais, algumas delas com denominações próprias: Grande, Clemente, Macaco, Porto Tijolo, Canoé, Raposinha, entre outras. Estas denominações foram dadas pela população de pescadores artesanais que nelas habitavam. O manguezal ainda está bem preservado, apesar de ser alvo constante dos impactos decorrentes dos empreendimentos vizinhos, como a expansão do canavial que atualmente faz fronteira com o mangue. Porém, não apenas o mangue tem desaparecido, mas também populações que tradicionalmente fizeram uso desse ecossistema e que nele residiam, utilizando seus recursos naturais. 41
  • 42. A região estuarina de Sirinhaém é uma área da União (“terras de Marinha”), que desde 1898 foi aforada à Usina Trapiche. Ou seja, a empresa possui o direito de posse a partir do pagamento de um aluguel anual, sendo a aplicação do regime de aforamento das terras da União, competente à Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Apesar desse ecossistema ser legalmente protegido por diversas leis e decretos, vem recebendo constantemente a poluição de efluentes domésticos e industriais, entre os mais freqüentes está o despejo do vinhoto, subproduto da fabricação do etanol a partir da cana de açúcar. Toda essa poluição tem gerado a diminuição dos estoques pesqueiros e diversos conflitos entre os pescadores artesanais e as diversas industrias3 canavieiras existentes na região. A contaminação do estuário de Sirinhaém não foge à regra do que vem acontecendo nos demais estuários brasileiros, em especial em Pernambuco. Segundo o estudo socioeconômico elaborado pelo IBAMA , nos depoimentos dos ex-moradores das ilhas, existe um “saudosismo latente que reflete a relação de dependência com o estuário do rio Sirinhaém; suas falas não mostram apenas conflitos pela posse da área e uso dos recursos naturais, também explicitam autênticas declarações de amor e fidelidade ao local em que viram seus descendentes nascer” (IBAMA, 2008 p. 128). O conflito socioambiental em Sirinhaém é apenas mais um dentro do contexto sócio-político do estado de PE. Contudo assim como na fábula4 indiana “os cegos e o elefante”, o que me parece é que o meio ambiente é percebido de diversas maneiras pelos distintos atores sociais envolvidos nesse conflito. Assim como os cegos apenas perceberam uma parte do elefante, sinto nos depoimentos presentes nessa pesquisa, que cada um percebe o meio ambiente de uma maneira unilateral. E então, se cada pessoa procurasse unir sua limitada visão às demais experiências sei que os conflitos 3 Agroindústrias localizadas na área: usinas Cucaú, Trapiche, Salgado, Ipojuca, Central Barreiros, Santo André e Bom Jesus. 4 Nessa fábula indiana existe um grupo de cegos que foi levado a apalpar um elefante. Um apalpava a barriga, outro a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Então, o que tinha apalpado a barriga disse que o elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até os pelos da extremidade, disse que o elefante se parecia mais com uma vassoura. O que tinha apalpado a orelha, disse que ele se parecia com um grande leque aberto. O que apalpara a tromba disse que o elefante tem a forma, as ondulações e a flexibilidade de uma mangueira de água. Já o que apalpara a perna, disse que ele era redondo como uma grande mangueira e rígido como um poste. Os cegos se envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros estavam errados. Evidentemente cada um se apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais podiam afirmar o que afirmavam. 42
  • 43. continuariam a existir, mas, talvez fosse possível ter uma visão mais geral das questões socioambientais. A situação de degradação do manguezal e injustiça ambiental já vinha intensificando-se pouco a pouco, mas, particularmente em 1998 o conflito existente entre a Usina Trapiche e os pescadores artesanais que habitavam nas ilhas estuarinas do Rio Sirinhaém culminou em um processo de retirada das 53 famílias que lá residiam e que possuíam um modo de vida mais isolado e de subsistência. E assim, para tentar dirimir esse conflito, foi solicitado ao IBAMA a criação de uma Reserva Extrativista na região. 4.2. Memórias de um lugar “O pescador artesanal que, equilibrado em sua canoa, com fina destreza e percepção, joga sua tarrafa para alcançar o cardume visado, sob um fundo em que se confundem águas e entardecer, torna-se retrato para decorar o cenário dos agentes que visam suprimi-lo da paisagem real” (Valencio, 2010). De acordo com relatos de antigos moradores, a ocupação das ilhas do estuário do Rio Sirinhaém começou por volta do século XX e intensificou-se por volta de 1920 quando a Companhia Agrícola Mercantil de Pernambuco, hoje denominada Usina Trapiche S.A., construiu um cais para escoar a sua produção. E assim, com o passar do tempo as famílias que utilizavam os recursos do mangue durante a entressafra da cana de açúcar começaram a aumentar em número devido aos casamentos entre os membros da comunidade (IBAMA, 2008). Essas ilhas possuem tamanhos diversos e as pessoas foram se distribuindo na área, denominando cada ilha de acordo com as relações estabelecidas com o local e seus recursos naturais e distribuindo-se a partir de laços de parentesco e compadrio. Segundo relatos dos moradores, nas ilhas maiores moravam até mais de cinco casas. E assim essa população residente nas ilhas foi construindo um modo próprio de interagir com o ambiente. Eles extraiam do mangue os alimentos para a subsistência e alguns também vendiam o excesso da produção pesqueira. Mantinham pequenas produções agrícolas e frutíferas, além de criarem animais como galinha, cabra, porco, entre outros, como relatam alguns ex-moradores das ilhas: 43
  • 44. “Nasci lá nas ilhas, minha mãe chegou lá em 1914. Eu tive 21 filhos, tenho nove vivos, tudinho morava lá... Eu criava porco, galinha, inté vaca eu criei. Eu pescava amoré, guaiamum, caranguejo, siri, aratu camuri, arapeba”. (Ex-morador das ilhas, D. C. S. - 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). “A gente pescava caranguejo, botava camboa de rio e de mangue, pegava Aratu, todo tipo de peixe. Tinha pé de coqueiro, muitas galinhas, três viveiros de peixe. Quando a safra do mangue fracassava aí já tinha o viveiro ou senão botava camboa de rio e de mangue”. (Ex-morador das ilhas, V. J. S. - 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). A partir de 1988, os moradores começaram a ser pressionados pela Usina Trapiche para saírem das ilhas, a qual possui o aforamento da área desde o século XIX. Posteriormente, em 1998, com a venda da Usina Trapiche para um grupo alagoano que atualmente administra a empresa, a pressão para a desocupação das ilhas se intensificou, com a acusação de que as famílias que lá residiam estavam degradando o mangue. “Nós quando chegamos aqui e sobrevoamos esse mangue de helicóptero era de fazer pena. Eram 52 ou 53 famílias habitando dentro desse mangue, tinha uma área chamada de carvoeiro, que o pessoal fazia carvão, destruindo a vegetação de mangue. Plantando lavoura branca dentro, com fruteiras dentro do mangue, jaca, manga, macaxeira, utilizando madeira pra fazer carvão. Isso foi um choque ambiental grande pra gente. E a gente foi mal visto em função de que a gente tentou fazer um trabalho de conscientização do pessoal pra que tirasse esse pessoal do mangue pra gente recuperar o mangue” (Cauby Figueiredo, representante da Usina Trapiche- Entrevista ao autor, em 28/12/10). No estudo Socioeconômico realizado pelo IBAMA (2008), um representante da usina Trapiche S.A. afirma que pelo fato de ter o aforamento da área, esta seria responsabilizada em caso de favelização e degradação do mangue5 5 De acordo com o Decreto Federal nº9.760/1946 em seu artigo 70, a foreira da área é obrigada a zelar pela conservação do imóvel, sob pena de responsabilização. 44
  • 45. A estratégia utilizada pelos administradores da usina, segundo relato dos pescadores, passou a ser a demolição das casas e a destruição das lavouras e das fruteiras, chegando até ao fechamento da escola local. “Eu morei 42 anos nas ilhas, eu to com 79 anos. Eu tive 23 filhos, na ilha do Macaco, criava galinha, cabra, porco, cavalo. Tive pé de jaqueira, mangueira coco, tem pé de coração de índia, cajueiro, bananeira... tudo isso tinha... “A minha casa derrubaram”. (Ex-morador das ilhas, M. J. F – Entrevista ao autor em 09/10/10). “Eu tinha cajueiro, mangueira, jaqueira... era de caju como daqui em camboinha, de caju que a usina derrubou, fora as outras coisa...” (Ex-morador das ilhas, D. C. S. – 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). “A gente já morou na Raposinho, que a usina chegou a botar fogo, aí fomos morar lá no Carvoeiro”. (Ex-morador das ilhas, V. J. S. – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). Com a destruição das casas, das lavouras e das fruteiras tornou-se quase impossível para os pescadores continuarem a habitar nas ilhas. E assim, pouco a pouco os moradores foram saindo. Alguns mais resistentes chegaram a fazer acordos individuais com a Usina Trapiche e receberam casas pelo município de Sirinhaém, pequenas indenizações, material de construção, ou até mesmo empregos. Mas antigos moradores reclamam que apenas os proprietários dos sítios receberam algum tipo de indenização e os demais moradores que habitavam na propriedade nada receberam. Atualmente os ex-moradores das ilhas encontram-se espalhados por diversos povoados na cidade de Sirinhaém. Alguns passaram a fazer parte da ocupação desordenada da periferia do município, enquanto outros receberam pequenas moradias como indenização. Ao visitar algumas dessas moradias, pude constatar que a maioria das casas encontram-se em locais de difícil acesso, a distancias de cerca de 8 a 10 Km do manguezal, sendo necessário um grande deslocamento dos pescadores para poder ter acesso ao mangue. Ao realizar estas visitas percebi que os mais jovens já estavam mais adaptados à vida urbana e alguns já haviam deixado de pescar. Porém se perguntados sobre aonde preferiam viver, todos reportavam-se com saudade do tempo em que viveram nas ilhas e a maioria manifestava o desejo de retornar 45
  • 46. “Lá era bom, muitas vezes a gente sente até falta dali, porque era um lugar muito assossegado, era um lugar que ninguém chegava lá. Era uma paz”. (Ex-morador das ilhas, V. J. S. – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). “A gente quer voltar pras ilhas, é o meu lugar”. (Ex-morador das ilhas, J.R. – 22 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). “Tinha não, tenho vontade de voltar pra lá”. (Ex-morador das ilhas, M. G. S. – 47 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). Apenas em uma das casas visitadas uma moradora relatou que não tinha mais condições de saúde para voltar a viver nas ilhas. “Morar mesmo direto não, porque não tenho mais saúde pra viver no mangue. Mas os filhos queriam voltar se botassem energia... Eles vão pescar ainda”. (Ex-morador das ilhas, M. J. F. – 79 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10). Em todas as famílias visitadas havia pelo menos um integrante que ainda praticava a pesca artesanal no mangue. Assim, mesmo retirados das ilhas, os moradores ainda tinham no mangue um meio de vida. Os mais idosos apresentavam uma grande tristeza e não adaptaram-se à vida na cidade. Sentiam falta do modo de vida que possuíam junto ao mangue e ao redor dos demais integrantes da comunidade, que hoje se encontram espalhados em vários bairros distintos. Muitos continuavam pescando, mas uma boa parcela já apresentava algum tipo de enfermidade que impossibilitava a prática da pesca. A partir da fragmentação dessa comunidade foram-se desfazendo os laços que formavam essa rede social que favorecia a construção da identidade cultural dos seus integrantes e propiciava um sentido às suas vidas (Rangel, 2007). É perceptível em seus depoimentos o sentimento de não pertencimento ao lugar no qual habitam atualmente e muitos não conseguiram se integrar em novas relações sociais junto aos demais moradores dos locais onde hoje residem. Segundo relato de frei Sinésio Araújo presente no Estudo Socioeconômico do IBAMA (2008): 46
  • 47. “Problemas de ordem psicológica também são evidentes, pois muitos entraram em estado depressivo, fruto do comprometimento de sua identidade que lhe fora negada a partir do momento em que foram forçados a sair de seu habitat natural e mudaram totalmente a sua maneira de ser e agir. Seu Dudé, por exemplo, teve um filho morto pelo envolvimento com drogas na periferia da Barra de Sirinhaém e disse: “se meu filho estivesse nas ilhas, não se envolveria nesta situação”. (Sinésio Araújo, agente da CPT, entrevista em 14/04/2008 In: IBAMA, 2008 p.123). Segundo Luiz Otávio Corrêa: “A gente viu muita gente que não se adaptou. Principalmente os mais idosos. Quem passou mais tempo, quem cresceu ali dentro do manguezal, tem uma dificuldade muito grande de morar na cidade, mesmo numa casa ate com melhores condições de moradia, mas que não tem como tirar seu sustento da cidade, não tem nem estudo... gente que nunca teve vizinho na vida, você colocar dentro de um centro urbano, a questão psicológica dela.... Dona Antonia chora sempre, ela consegue dar um bom quadro das dificuldades que eles passam... é o ambiente deles.... Dona Antonia morava numa ilha bem grande lá e praticamente não saia lá de dentro e tinha uma área grande pra cultivo, tinha frutas, os filhos pescavam, então a família toda sobrevivia dali, mesmo sem ter esses luxos, sem ter... tinha a casa de farinha dela que todos os vizinhos utilizavam também, então eles tinham o jeito deles de viver ali que não foi levado em conta na hora de sair”. (Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA – entrevista ao autor em 29/10/10) Ao tentar imaginar como deve ter sido traumática essa mudança de vida, me ocorre em mente depoimentos de pessoas amigas que passaram um curto período de tempo em alguma região isolada e que ao retornarem à cidade já não conseguiam atravessar a rua na mesma segurança de antes, que estranhavam certos hábitos vistos pelos demais como usuais. E então, penso o quanto deve ter sido traumática a repentina mudança de vida, desses ilhéus que passaram muitos anos ou até a vida toda em uma isolada região junto ao estuário do rio Sirinhaém. Com o passar do tempo as pessoas adquirem um sentimento de apego ao lugar. Muitos tipos de apego foram sugeridos por Shumaker e Taylor (1983) apud Gomes (2008), porém dois podem ser claramente percebidos entre os ex-moradores das ilhas: o apego funcional (relacionado à satisfação das necessidades básicas proporcionadas pelo 47
  • 48. local) e o apego emocional (evidenciado pela construção da vida nesse local e pela proximidade entre os moradores da área). “Lá é um lugar de barriga cheia, tem lugar pra plantar uma batata, uma macaxeira, pra pescar o suficiente”. (Ex-morador das ilhas, M.G. S. – Entrevista ao autor em 09/10/10) “Não gosto de morar em rua, morava dentro do sitio, fiquei com pena do sitio que ela (a usina) derrubou, era bom o sitio lá de casa, eu ia pra rua vender manga guaiamum, caranguejo, pegava o carro de mão de pai e ia a pé mesmo. La não faltava nada dentro de casa, tinha pé de manga, macaiba, jaca, goiaba, araçá, tinha de tudo lá que mãe plantava. A gente pegava caranguejo, amoré, pai botava covo, armava ratoeira pra pegar guaiamum, carapeba. Muito peixe a gente pegava, camarão, pititinga, cuca, era muito”. (Ex-morador das ilhas, E. F. S. – Entrevista ao autor em 09/10/10). O geógrafo Yi-Fu-Tuan (1980) denomina de Topofilia o elo afetivo existente entre a pessoa e o lugar ou ambiente. E afirma que as pessoas em constante interação com a natureza estabelecem um sentimento mais intenso com o ambiente, por dele dependerem para sobreviver. Sendo provável que mudanças para outros locais causem algum efeito psicológico entre os moradores deslocados, devido ao rompimento da identidade com o espaço e com o grupo. Segundo Castells (2006), as pessoas transformam o espaço em que vivem em lugar, ao relacionarem-se afetivamente com ele. Dentre os vários relatos dos ex-moradores das ilhas, destaca-se um depoimento que retrata bem qual o sentimento que foi construído pelos pescadores em relação à região das ilhas, que reproduzo abaixo: A senhora e seu esposo moravam nas ilhas desde quando? “Morei no sitio 53 anos”. Qual o nome do sitio que a senhora morava? “Morava no sitio do Cais, a primeira casa. Quando eu fui morar lá tinha um pé de pimenta malagueta”. E a senhora plantou muita coisa? 48