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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DH
CLEUDIMAR ARAÚJO CONCEIÇÃO
O SURGIMENTO DO BAIRRO ASA BRANCA
NA DÉCADA DE 1980, EM BOA VISTA/RR
Boa Vista/RR
2012
CLEUDIMAR ARAÚJO CONCEIÇÃO
O SURGIMENTO DO BAIRRO ASA BRANCA
NA DÉCADA DE 1980, EM BOA VISTA/RR
Monografia de conclusão de Curso apresentada à
Universidade Federal de Roraima como
instrumento de avaliação do curso de Bacharel e
Licenciatura em História.
Orientadora: Profª Dra. Carla Monteiro de
Souza.
Boa Vista/RR
2012
CLEUDIMAR ARAÚJO CONCEIÇÃO
O SURGIMENTO DO BAIRRO ASA BRANCA
NA DÉCADA DE 1980 EM BOA VISTA/RR
Monografia apresentada como requisito para a obtenção do título de Graduação, no Curso de
Bacharel e Licenciatura em História da Universidade Federal de Roraima – UFRR, defendida em
31 de Outubro de 2012 e avaliada pela seguinte banca examinadora.
_____________________________________
Profª Dra. Carla Monteiro de Souza
Departamento de História/UFRR
Orientadora
______________________________________________
Profª Dra. Maria das Graças Santos Dias Magalhães
Departamento de História/UFRR
Membro
____________________________________
Prof. Dr. Paulo Rogério de Freitas Silva
Departamento de Geografia/UFRR
Membro
DEDICATÓRIA
Para este momento tão importante e único em minha vida, dedico este trabalho aos
meus pais Francisco da Conceição e Maria do Rosário Araújo. Eles sempre serão para mim um
exemplo de grandes virtudes. A eles meu reconhecimento pelos valores que me ensinaram, pelo
afeto e, sobretudo, pelo zelo e incentivo que sempre tiveram com a minha “educação escolar”.
Aos meus irmãos Cleudinaldo Araújo, Vera Lúcia Araújo e família e Piedade e família
pelo apoio mesmo a distância não deixaram de manifestar alegria e incentivos no decorrer desta
caminhada.
À minha esposa Francimeire Souza, companheira e fiel incentivadora durante esses
quatro anos e meio de curso. A ela minha sincera gratidão por ter me incentivado a prestar
Vestibular para o curso de História na UFRR, em 2008, e minhas desculpas pelas ausências em
momentos que tanto precisou da minha presença mais constante, principalmente no cuidado com
os nossos filhos.
Aos meus presentes de Deus, Gabriel e Jonata. Eles também foram a minha razão em
continuar firme sem desistir do curso. A eles minhas desculpas pelos momentos em que fiquei
ausente da vida deles, ao longo dessa trajetória.
Por fim, dedico este trabalho aos meus tios Amadeu Teles de Araújo e Francisca
Lozeiro, aos meus primos Arnon Silva e Alacide que me acolheram em sua casa logo que aqui
cheguei e deram-me apoio, manifestaram em palavras, durante minha caminhada acadêmica.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, minha fonte de luz e inspiração, e a principal razão
das minhas conquistas.
A aquela que durante esta caminhada muitas vezes ficou só nos cuidados da nossa
família, ao meu amor, minha esposa Francimeire, pela paciência, companheirismo e ajuda nos
momentos de obstáculos, pela contribuição de conhecimentos pelas madrugadas acordadas,
obrigado.
Agradeço a todos os colegas de turma do 2008.1, àqueles que seguiram em frente aos
que ficaram pelo caminho, pelos anos de convivência em que partilhamos muitos momentos de
alegria, obstáculos, derrotas, mas também de vitórias e superação.
Meu agradecimento a todos os professores do curso de História da UFRR que muito
contribuíram na minha formação. De modo particular e especial à minha orientadora profª Drª
Carla Monteiro de Souza pela dedicação, disponibilidade, motivação, incentivo e pelos novos
conhecimentos fornecidos para que eu continuasse escrevendo e aperfeiçoando este trabalho. A
ela meus sinceros agradecimentos por todas as contribuições que enriqueceram a minha escrita e
pelo encorajamento nos momentos de desânimo.
A todos que contribuíram direto e indiretamente com este momento, ao meu amigo
Marcos Nogueira pela ajuda e, sobretudo, pela sua boa vontade e generosidade em ceder suas
“preciosas fontes” historiográficas.
Não poderia deixar de mencionar os moradores do bairro Asa Branca que gentilmente
acolheram-me em suas casas e partilharam um pouco de suas vidas. Minha sincera gratidão ao
Srs Onizio Nonato, José Gomes, Sebastião Pereira á Srª Maria Marlene e ao companheiro Robert
Reis dos Santos que atenciosamente apresentou-me aos entrevistados deste trabalho.
Por fim, agradeço de coração a todos aqueles (as) que contribuíram indiretamente para
este momento de forma especial: Srª Raimunda, Srº Francisco Almeida, Maria Rosa Morais
Pereira.
A todos muito obrigado!!!
RESUMO
O presente trabalho busca explicar e compreender a criação e a ocupação do bairro Asa Branca,
localizado em Boa Vista- RR, e o papel dos migrantes neste processo. De acordo com a pesquisa,
a década de 1980, em Roraima, e especificamente na capital Boa Vista, foi marcada por
transformações de ordem social, econômica e também espacial. Essas transformações que
ocorreram estavam ligadas diretamente aos incentivos oficiais que, dentre outros fatores,
atraíram migrantes para a cidade vindos em maior número da região Nordeste. O resultado da
pesquisa comprovou que o processo de ocupação e criação do bairro Asa Branca foi garantido
pela forte migração em direção a Boa Vista, influenciada pelas redes de informações e mediante
a adoção de práticas assistencialistas e clientelística, como a doação de casas e terrenos, de
materiais de construção, e de “amparo” aos migrantes, o que promoveu a expansão da cidade em
direção à zona oeste. A pesquisa baseou-se em variadas fontes, em especial nas fontes orais,
visando incorporar a memória, a história e a trajetória dos migrantes envolvidos no processo de
surgimento do bairro Asa Branca.
PALAVRAS-CHAVE: migrantes – ocupação urbana – Boas Vista – Asa Branca – memória.
ABSTRACT
The present work tries to explain and understand the creation the occupation of the city district
of Asa Branca (White wing) located in Boa Vista RR the part of the migrants in this process.
According to the research the decade of 1980 in Roraima and especially in the capital of Boa
Vista it was marked with transformations of the social and economic order and also spatial.
These transformations that happened were connected directly with the officials incentives that
among others factors attracted migrants to the city coming in a big number from the north east
region. The result from the research confirmed the process of the occupation and creation of the
city district Asa Branca (white wing) was warranted by the strong migration in direction to Boa
Vista, influenced by information of network and by means of donation of the practices of helpers
and client-ship. Like the donation of houses and lands, material for construction and the help for
migrants. That proved the expansion of the city in direction of east zone. The research was based
on a varied source and especially on the oral sources aiming to incorporate the memory, the
history and the trajectory of the migrants involved in the process of the city district Asa Branca
(white wing).
KEY WORDS: Migrants – Urban Occupations – Boa Vista (good sight) – Asa Branca (white
wing) – Memory.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
Capitulo I
A MIGRAÇÃO COMO UM PROCESSO SOCIAL RESPONSÁVEL PELA
CONSTITUIÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS ..................................................................12
1.1 Roraima no contexto da mobilidade e das transformações espaciais ........................16
1.2 Os fluxos migratórios em Boa Vista/RR, na década de 1980 ....................................18
Capitulo II
O BAIRRO ASA BRANCA: EXPERIÊNCIAS MIGRATÓRIA E A CONSTRUÇÃO
DO LUGAR ......................................................................................................................25
2.1 “Lá a gente tinha uma vida sofrida...” .........................................................................30
2.2 “As cartas falavam que aqui estava muito bom” .........................................................35
2.3 Por que vim para o Asa Branca? ..................................................................................36
2.4 Como era o bairro Asa Branca que eu conheci ............................................................39
2.5 O bairro Asa Branca hoje .............................................................................................40
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................43
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................48
FONTES ORAIS.......................................................................................................................52
ANEXO......................................................................................................................................53
Anexo “A” Roteiro das entrevistas.............................................................................................53
8
INTRODUÇÃO
A nova historiografia propiciou aos estudiosos e pesquisadores a oportunidade de se
debruçarem sobre seus objetos com enfoques voltados para interdisciplinaridade. Hebe Castro
(1997, p. 46) ao comentar a oposição do Movimento dos Annales a uma historiografia
factualista, centrada nas ideias e decisões de grandes homens, destaca que a nova proposta
historiográfica promove uma história problema, viabilizada pela interdisciplinaridade, pela
abertura às temáticas e métodos das Ciências Humanas e Sociais.
Desse modo incluímos este trabalho no campo da História Social, pelo fato de uma de
suas características ser o diálogo com outras áreas afins ao conhecimento histórico. Neste
sentido, Castro (1997, p. 46) afirma que a História Social passa a ser encarada como perspectiva
de síntese, como reafirmação do principio de que em história todos os níveis de abordagem estão
inseridos no social e se interligam.
Destarte, apesar do caráter histórico da pesquisa, o tema possibilita o diálogo com
outras áreas do conhecimento, como a Geografia, favorecendo assim a ampliação de fontes e
abordagens, enriquecendo o conhecimento aqui exposto sobre a cidade de Boa Vista.
As preocupações e interesses em estudar, compreender, planejar a cidade e o viver
urbano tem atraído o interesse desde os mais remotos períodos da história. Segundo Barros (2007
p. 10) “embora a preocupação do século XIX em relação à cidade fosse essencialmente político-
administrativo, já havia uma tendência em explorar a compreensão do social por parte de alguns
estudiosos e filósofos”
Podemos considerar que tal tendência consolidou-se nos séculos posteriores e continua
até os dias atuais. O século XX, por exemplo, é caracterizado por fortes movimentos migratórios
em vários momentos e lugares do mundo e a redefinição espacial de várias regiões. A própria
Revolução Industrial foi responsável por promover a migração em massa em direção a grandes
centros em formação.
Neste contexto, do Brasil e suas regiões, tem destaque a Amazônia que recebeu grandes
fluxos migratórios – iniciados nas últimas décadas do século XIX com o boom da borracha – o
que no século passado resultou em significativas modificações tanto no aspecto social, quanto no
aspecto físico. A região Amazônica com inúmeros fatores de “atração” foi destino certo de um
considerável número de migrantes, principalmente oriundos da região Nordeste.
A partir dessa mobilidade espacial que envolveu diferentes sujeitos, vê-se a necessidade
9
de lançar um olhar para a realidade social que envolve diferentes atores de regiões distintas que
acabam por criar laços de identidade com a Amazônia e que atuam diretamente na formação e
expansão deste espaço. Um dos aspectos a se considerar no estudo da relação entre migração e
mudanças no espaço amazônico é a crescente urbanização observada na região nas últimas
décadas.
Assim, o presente trabalho busca analisar o processo de ocupação e o surgimento do
bairro Asa Branca, na década de 1980, em Boa Vista-RR. Levando em consideração a forte
influência da migração na criação do bairro, evidenciamos a memória de alguns migrantes
nordestinos que conheceram e viveram o início do Asa Branca. Com este objetivo buscamos
responder algumas inquietações suscitadas pela década de 1980 em Boa Vista-RR.
Conforme apresentaremos neste trabalho, a década de 1980 representou para Roraima e
sua capital, Boa Vista, um período de mudanças significativas em seu quadro demográfico e
consequentemente em sua organização espacial.
Segundo Silva (2008, p. 121-122), tomando os dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a evolução demográfica de Roraima, em termos relativos,
apresentou um quadro oscilatório de crescimento entre a década de 1970 e 1980, em que o
crescimento foi de cerca de 6,8% ao ano; já no período de 1980 a 1990 o crescimento ocorreu de
forma acelerada a taxa de 9,6% ao ano; reduzindo-se a partir de então para 4,4% ao ano entre
1991 e 2000 e para algo em torno de 2,9% ao ano no período de 2000 a 2007.
Diante dos dados mencionados acima buscamos entender as características que
envolveram o crescimento demográfico de Roraima. A primeira vista este crescimento parece
paradoxal, já que havia os incentivos rurais da época, a distribuição de terras livres, além da
abertura dos garimpos de ouro e diamante. Entretanto, as maiores taxas de crescimento
demográfico verificaram-se no contexto urbano, principalmente em Boa Vista.
Partindo desta reflexão, dentro do contexto da década de 1980, uma das principais
indagações a ser respondida pela pesquisa foi: quais as motivações que levaram aquelas pessoas
a migrarem para o bairro Asa Branca e que incentivos oficiais tiveram para lá permanecerem.
Outrossim, com a finalidade de contribuir para explicar e compreender como se deu a
expansão urbana da cidade de Boa Vista e como o processo migratório contribuiu na formação e
desenvolvimento do bairro Asa Branca, organizamos o trabalho em dois capítulos e formulamos
alguns passos que foram seguidos durante a pesquisa, a partir de uma metodologia que
contemplasse os objetivos propostos.
10
No primeiro capítulo fazemos uma discussão mais teórica sobre a migração, enquanto
processo social e como elemento que favorece a constituição de novos espaços. Ressalta-se que
tais conceitos e fatores mencionados não tem a pretensão de dar conta de toda a complexidade
que envolve a migração. Contudo, tornou-se indispensável envolver diferentes pontos de vista de
alguns autores a respeito da temática migração e os fatores que contribuem para que ela
aconteça. Assim a partir dessa discussão situarmos o nosso objeto de estudo.
Prosseguimos contextualizando Roraima, com destaque para o período de transição de
território federal para estado, cujo novo “status” resultou em novas transformações espaciais e
acarretou um crescimento acelerado e desordenado do perímetro urbano da cidade de Boa Vista-
RR.
Pode-se considerar que essas novas características adquiridas pela cidade de Boa Vista
estão diretamente ligadas aos fluxos migratórios para Roraima. Conforme análise feita, as
políticas de incentivo rural, a abertura dos garimpos e a construção da BR 174 foram fatores
importantes que impulsionaram a vinda de migrantes. Isto ocasionou um “boom demográfico”
em Roraima, inicialmente em direção às colônias agrícolas, assentamentos promovidos pelo
poder público e, particularizando a década de 1980, em Boa Vista.
O segundo capítulo trata da experiência migratória de quatro pessoas de diferentes
lugares do Nordeste, que chegaram a Roraima e se estabeleceram em Boa Vista, cujas trajetórias
ajudam a explicar e compreender a “construção do lugar” Asa Branca.
O início do segundo capítulo contextualiza Boa Vista ainda no período de sua
emancipação política, 1943, segue discorrendo sobre os primeiros bairros que existiam e, a partir
dos anos 1970, a criação de novos bairros e a implantação de conjuntos habitacionais, ocupações
irregulares e de loteamentos. Em um breve retrospecto, aborda a cidade ainda considerada
“pequena”, e as novas tendências de expansão da cidade.
Com isso, aponta-se para o fato de que a década de 1980 acelera esta expansão e
promove o fortalecimento das políticas assistencialistas que incrementaram a migração e
motivaram o surgimento de vários bairros, entre eles, o bairro Asa Branca na zona oeste da
cidade. Nesse sentido, vimos que as novas formas do tecido urbano no que se refere às
diferenças espaciais e a distribuição da população estão ligadas a uma série de condicionantes
que são responsáveis pelo direcionamento e crescimento da “mancha urbana” em direção a oeste
da cidade (SILVA, 2009).
Dentro deste contexto, introduzimos as entrevistas feitas com os migrantes, utilizando a
metodologia da história oral para constituirmos estas importantes fontes para esta pesquisa.
11
Desse modo trabalhamos com entrevistas semiestruturadas, aplicadas a quatro moradores do
bairro Asa Branca de origem nordestina, que lá residem desde o início dos anos de 1980.
Vale salientar que além de informações colhidas junto a órgãos públicos, bem como a
Prefeitura Municipal de Boa Vista, Jornal Folha de Boa Vista e o Núcleo de Pesquisa e
Documentação Histórica da UFRR, a receptividade e a disponibilidade por parte das pessoas que
cederam um pouco do seu tempo para realização das entrevistas, nas quais gentilmente
compartilharam suas experiências e trajetórias de vida, foi fundamental para realização da
pesquisa e para o resultado final deste trabalho.
Destacamos ainda, que esta pesquisa não visou dar respostas prontas e acabadas e nem
tampouco escrever toda a história do bairro Asa Branca e da experiência migratória de seus
moradores. Visamos somente contribuir para o conhecimento histórico e abrir espaço para que
novas pesquisas, novos questionamentos, surjam e enriqueçam a historiografia do nosso estado,
por isso tomamos como aporte a pesquisa qualitativa, a fim de alcançar os resultados apontados
ao longo do trabalho.
12
CAPÍTULO 1
A MIGRAÇÃO COMO UM PROCESSO SOCIAL
E RESPONSÁVEL PELA CONSTITUIÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS.
O fenômeno das migrações tem ganhado força e uma atenção maior nos últimos anos
por parte de pesquisadores de várias áreas das Ciências Sociais. Essa atenção é devida a
preocupação em compreender de forma teórica e conceitual as migrações e seu impacto na
formação dos lugares. Devido à complexidade em conceituar e relativizar as motivações que
levam as pessoas a saírem de seu lugar de origem, buscou-se apoiar o nosso trabalho em
pesquisas nas áreas da História, da Geografia e de outras Ciências Humanas e Sociais.
Migrar de um lugar para o outro é algo muito comum em nossos dias, por vários
motivos: a busca de uma vida melhor, de novas oportunidades ou induzido por pressões do
mercado de trabalho ou pelos laços familiares. O universo de situações concretas leva o migrante
a criar laços sociais e de identidade com o lugar que o recebe. Conforme Silva (2005, p.54) “o
migrante insere-se em uma realidade social, definida por laços sociais que o caracterizam como
pertencente a um determinado espaço social e cultural”. A partir dessa ótica pode-se inferir que o
sentimento de pertença a um determinado grupo ou lugar identifica e situa esse migrante,
tornando-o sujeito transformador da realidade.
Desde o início da história da modernização da sociedade ocidental, a migração
desempenha um papel relevante. Começa com o início da industrialização que provoca o
conhecido êxodo rural, ou seja, uma vez criada uma superpopulação relativa, as pessoas
migraram das regiões agrárias para os centros industriais. Conforme Heidmann (2010, p.19),
devido a essa situação surgiram nas grandes cidades modernas, os exércitos industriais de
reserva.
Essas abordagens refletem o trabalho enquanto uma categoria analítica e histórica.
Tratando das migrações enquanto processo que envolvem diversas situações concretas, Silva
ressalta que:
o eixo das interpretações recai sobre os agentes inseridos nessa realidade: homens e
mulheres que se deslocam em diferentes espaços. Por outro lado, esses deslocamentos
referem-se às relações econômicas, sociais produzidas nos espaços de origem e de
destino dos migrantes, relações estas que se transformam não apenas em função de uma
lógica estrutural de movimento do capital, mas também em função das relações sociais,
entendidas como processo, isto é, como devir, como contradição, em que sujeitos
determinados agem historicamente. (2005 p. 59).
13
As várias pesquisas realizadas em diferentes regiões do mundo têm mostrado que, cada
vez mais, o capital busca viveiros de mão de obra barata , desqualificada, a fim de aumentar os
níveis de acumulação. Para esta discussão Vale (2009, p. 46), contribui afirmando que “o
enfoque da mobilidade da força de trabalho permite ainda uma maior atenção à continuidade e
descontinuidade histórica das políticas migratórias que tem sido propostas e efetivadas no
Brasil”.
Migração e mobilidade se tornaram duas palavras-chaves das sociedades
contemporâneas haja vista que a questão demográfica do mundo inteiro atualmente é marcada
por deslocamentos populacionais em grande volume, são as idas e vindas e circulações que
crescem e se modificam a cada dia. Heidmann (2010, p.18) enfatiza que as migrações não podem
ser explicadas exclusivamente, nem a partir de princípios quantitativos, nem antropológicos. A
migração não é um processo possível de ser explicado, a partir de si mesmo; a migração pode ser
explicada apenas como fenômeno da história social concreta. Para isso é preciso entender em que
sociedade esse fenômeno acontece e como os indivíduos interagem com essa sociedade.
Patarra e Cunha (1987), ressaltam que a medida que avançamos na história,
encontramo-nos com novos tipos de movimentos que decorrem de modificações estruturais e até
mesmo conjunturais no espaço, possibilitando ao indivíduo que migra a inserção em uma
realidade na qual ele se torna sujeito no processo de modificações que venha a ocorrer.
Os estudos tradicionais das migrações afirmam que a grande força de atração dos
centros capitalistas e do trabalho industrial inicial devia-se a um progresso civilizatório. Em
outras palavras os fatores de expulsão e de atração assumem uma importância na decisão de
migrar. Porém a realidade é outra, para Heidmann (2010, p.20), acontecem processos violentos
em que as pessoas foram e continuam sendo expulsas de suas terras e socialmente desenraizadas,
sendo isso fruto de uma imposição da economia de mercado e de uma coerção silenciosa da
modernização e não através de motivos civilizatórios livremente, individualmente e
subjetivamente escolhidos.
Ressalta-se ainda o que coloca Patarra e Cunha sobre as correntes migratórias de uma
determinada localidade de origem a uma determinada localidade de destino “o caráter social do
movimento foi frequentemente expresso pela ideia de fatores de expulsão na área de origem e
fatores de atração na área de destino.
Uma das qualidades da migração contemporânea é que não é mais limitada a
determinadas arrancadas não simultâneas da modernização em diversos territórios nacionais ou
regionais, mas é universal e global (HEIDMANN, 2010). O que significa dizer que ela acontece
14
quase em todos os lugares simultaneamente e se apresenta em novas dimensões.
Neste campo, Silva (2005, p.54) explica que “a denominação abstrata de migrante
esconde o conjunto de situações concretas e particulares que definem sua identidade individual e
social”. Desse modo podemos dizer que o fator econômico, por exemplo, não é um determinante
exclusivo no processo e também na decisão de migrar, mas que existem outras situações que
contribuem para isso e que evidenciam o protagonismo de cada pessoa na construção de sua
história. Diante dessa realidade considera-se a migração:
(...) fenômeno complexo essencialmente social, com determinações diversas, apresenta
interações particulares com as heterogeneidades de uma formação histórico-social
concreta que tende a assumir feições próprias, diferenciadas e com implicações
distintas, para os indivíduos ou grupos sociais que a compõem e a caracterizam (Salim
apud Vale, p. 24).
Para entendermos melhor o contexto das mudanças que ocorrem com as migrações
precisamos analisar alguns conceitos, como o de migrante. Para o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) migrante é aquele sujeito que não é natural de um lugar mas tem
residência fixa nele no período de até dez anos.
De acordo com o que coloca Vale (2005, p.48), o migrante local é aquele cujo
deslocamento se limita de uma a outra parte da mesma cidade, contudo é frequente alguém
viajar, em busca de emprego, de município a município, radicando-se, por algum tempo, até que
se ache. Portanto, o conjunto das situações concretas de vida e comportamento dos migrantes vai
nortear a atuação de cada sujeito envolvido nesse processo, inclusive influenciando na decisão de
migrar de um lugar para o outro.
Aqui cabe destacar a importância das redes sociais no processo migratório. Elas
possuem um papel relevante no conjunto de laços sociais que criam uma identidade individual.
Vale (2005, p.134), referenciando-se em Tilly, explica que as “redes migram; as categorias
permanecem; e as redes criam novas categorias”. Desse modo, “as unidades efetivas de migração
não são nem individuais nem domiciliares, mas sim conjuntos de pessoas ligadas por laços de
amizade, parentesco e experiência de trabalho que incorporaram o lugar de destino, nas
alternativas de mobilidade por eles considerado”.
A partir da década de 1980, destacam-se entre outros fluxos, aqueles em direção às
fronteiras agrícolas, principalmente à Região Norte, com as políticas de ocupação e colonização,
o garimpo “oficializado” por meio das empresas minerais, além da mudança dos territórios
federais para estado (Roraima, Amapá) e a criação do Tocantins, atraindo migrantes não só do
15
Nordeste, mas de todas as regiões.
Quanto à histórica relação entre o Nordeste e a migração, Vale (2005, p. 55), ao
trabalhar a historicidade desta migração, aponta que “a história da migração nordestina coincide
com a história da migração do Brasil”. Significa dizer que as ações de governo implantadas
tinham como objetivo de solucionar os problemas enfrentados pela população nordestina ao
mesmo tempo em que visava resolver o problema de mão de obra das indústrias emergentes no
Centro-Sul, a exploração extrativista da Amazônia e a construção de Brasília.
No contexto da Amazônia, Vicentini (2004) coloca que o período de 1940 a 1991
expressa formas diferenciadas de apropriação territorial, colocando a Bacia Amazônica como
uma das fronteiras de expansão para o país, entendida, até a década de 80, como fronteira rural.
Entretanto, esse entendimento foi superado em face da expansão dos modos de vida urbanos, que
foram assimilados e se tornaram hegemônicos na região.
De acordo com Souza (2006, p. 17) no processo de modernização da Amazônia,
… além das redefinições espaciais, ocorreram e ocorrem encontros de indivíduos e
grupos sociais e étnicos dotados de bagagem culturais diversas e de temporalidades
distintas. Vale aqui destacar que na Amazônia encontram-se indígenas nos mais variados
graus de contato, trabalhadores rurais e sem-terra, empresários, aventureiros,
multinacionais e migrantes, todos portadores dos mais diversos sonhos. Como fronteira,
a região é um espaço de diversidade e de contradição, onde muitos se encontram, onde
os nexos se fazem no encontro, nem sempre pacífico e consensual entre “nós” e “eles”,
entre o “eu” e o “outro”. Com isto percebemos que como qualquer processo migratório,
seja ele individual ou em massa, tem seus conflitos e suas contradições dentro desse
espaço que possui uma identidade e característica próprias.
Vicentini (2004, p. 154), ao analisar a formação das cidades na Amazônia enfatiza que:
… na década de 1980, a política de projetos nacionais redirecionou a concentração de
recursos em “regiões” selecionadas, por meio de grande empreendimentos, vinculados
ao potencial energético e de exploração mineral. Tais projetos, localizados
preferencialmente junto às áreas de extração mineral interfeririam na formação da rede
de cidades, como, também introduziriam novos padrões de urbanização.
Ressalta-se que todos os projetos além de serem propagados como desenvolvimentistas,
traziam em seu discurso a ideia de transformar a região com suas médias e pequenas cidades, em
grandes polos de atração por meio da extração mineral ou dos projetos que construíam as
hidrelétricas ou, ainda, grandes ações visando o povoamento do “vazio” amazônico.
16
1.1 Roraima no contexto da mobilidade e das transformações espaciais
Localizado no extremo norte brasileiro, o Estado de Roraima limita-se ao norte com
República Bolivariana da Venezuela, a leste com a República Cooperativista da Guiana, ao sul
com estado do Amazonas e a sudeste com o Estado do Pará. Possui 1.922 km de fronteiras
internacionais ocupando uma área de 225.116,1 Km, que representa 2,7 % da superfície total do
Brasil (VALE, 2005. p. 17).
Segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/Roraima, o
estado apresenta uma população nativa de índios Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Wapixana,
Ianomami, Uaimiri Atroari, Maiongong, além de uma população migrante oriunda de todas as
regiões do país, distribuídos nos 15 municípios. (IBGE/ 2005).
Boa Vista, a maior cidade do estado, ao longo das últimas décadas sofreu diversas
alterações em sua organização espacial que influenciaram, sobretudo, na mudança dos ritmos, do
cotidiano e dos significados da cidade. Neste sentido, para o contexto de Boa Vista, Oliveira
(2011, p.46) considera a presença de “algumas cidades” dentro desta, sendo elas constituídas por
dois eixos principais: de um lado, bairros emergentes se consolidam dentro das novas práticas e
significações construídas em torno do rio Branco. De outro, a cidade das formas excluídas,
constituídas por bairros precários e sem infraestrutura criados a partir de projetos de ocupação
patrocinados pelo governo de invasões ou de promessas eleitoreiras.
O contexto acima mencionado dá conta de uma cidade em dinâmica transformação
espacial, proporcionada por uma modernização que acentua entre outras coisas as desigualdades
sociais e o crescimento desordenado.
O período de 5 de outubro de 1988 a 31 de dezembro de 1990 é considerado de
transição do Território Federal de Roraima para estado. Cabe salientar que com a criação do
estado de Roraima, em 1988, a cidade passa a ter uma maior autonomia em suas ações político-
administrativas. Com isso, o prefeito passou a ser eleito pelo povo, e não indicado pelo
governador, e isso significou a implementação de políticas voltadas para o desenvolvimento
urbano e ações estratégicas mais autônomas sem a interferência do governo central.
Veras, ao citar Barros, discute a ação do poder público com relação às ocupações que
iam surgindo naquele período. Segundo o pesquisador,
… no período de transição e após a criação do estado de Roraima, o poder público
continuava com a politica de doação de lotes gratuitamente nas áreas “periféricas” da
17
cidade, que posteriormente foram transformados em bairros como foi o caso do bairro
Asa Branca. Enquanto isso, as ocupações irregulares prosseguiam em ritmo frenético
em diferentes áreas da cidade (2011, p.90).
Para Barros, o período de 1987 a 1990 corresponde ao período de pico do garimpo, e a
sua desarticulação por parte do governo federal provocou uma evasão de muitos moradores de
Boa Vista, declínio no preço dos imóveis e centenas de habitações semiacabadas e fechadas,
posto que a razão de permanência desses moradores garimpeiros em Boa Vista não mais existia.
Entretanto, na contramão deste fato apontado por Barros, os dados do censo do IBGE
colocam que independentemente da saída de parte dessa população garimpeira, em 1990-91, o
estado de Roraima possuía 215.790 habitantes, destes 142.813 habitantes estavam concentrados
na cidade de Boa Vista, referendando o que foi apontado por Barbosa (1993, p.189), de uma
hiper concentração populacional na respectiva cidade. Nossas entrevistas apontaram que se
muitos garimpeiros foram embora, outros tantos permaneceram e escolheram a capital para
morar.
A desarticulação do garimpo alterou em parte a configuração sócio espacial de Boa
Vista, pois aumentou o número de habitantes que não tendo outra opção de moradia deslocava-se
para a periferia e ocupavam irregularmente áreas de risco (áreas inundáveis e próximas aos lagos
e igarapés). Dessa forma surgem os chamados bairros suburbanos, marcados pela falta de
estrutura e de planejamento. (VERAS,2009).
Em 1989, quando Barac Bento assumiu a prefeitura de Boa Vista, a cidade expandia-se
de forma desordenada, sem um planejamento urbano estratégico que possibilitasse uma
orientação de uso e ocupação do solo urbano, sobretudo em respeito ao meio ambiente. Uma das
consequências dessa dinâmica espacial, foi uma “favelização” na periferia da cidade. Para Veras
(2011, p. 91) “essa desordem urbana induziu a prefeitura a elaborar um plano diretor para nortear
uma política de desenvolvimento urbano, o zoneamento urbano objetivando dar condições de
acesso aos equipamentos e serviços públicos à população”.
Uma das reflexões feitas por Oliveira (2011, p. 17), tem muito a ver com o nosso
trabalho, ele menciona que “apesar dos garimpos de diamantes em Roraima existirem desde o
final da década de 1930, seu boom demográfico ocorreu no final da década de 1980,
especialmente a partir do período de transição da condição de Território Federal para Estado”. O
fluxo de garimpeiros para Roraima vai influenciar na organização espacial da capital, sendo
estimulado pelo próprio poder público. Para tanto, ele se referencia em Barros para mostrar que:
(...) áreas na periferia, com lotes doados gratuitamente pelo poder público, foram
18
freneticamente ocupadas por habitações no período recente do garimpo (1987-1990),
como o bairro de Asa Branca, enquanto ao mesmo tempo aconteciam invasões no bairro
do Beiral, às margens do rio Branco, ao sul e contíguo à velha cidade. Antes que muitas
casas estivessem prontas, a desarticulação do garimpo deixou centenas de habitações
semiacabadas e fechadas, posto que a razão para a permanência desses moradores em
Boa Vista não mais existia. (Oliveira, 2011, p.37).
O bairro Asa Branca localizado na zona oeste de Boa Vista, surgiu em 1982, quando
aconteceram as primeiras ocupações. A predominância nordestina de moradores na localidade
provavelmente influenciou o nome do bairro que leva o nome do imortal sucesso “Asa Branca”,
de Luiz Gonzaga, uma homenagem ao “rei do baião”. Os primeiros moradores vieram de estados
como o Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte.
Outro fator importante que remete ao Nordeste era o estilo de construção e pintura das
casas que eram pintadas geralmente de branco, caiadas. Segundo nossos entrevistados, logo no
início as casas eram construídas de madeira, e a área que compreende mais de trinta ruas do
bairro de hoje era um grande lavrado. Em 1986 devido às dificuldades de infraestrutura (luz,
água e transporte público) muitas famílias tinham abandonado as residências, o que fez com que
outras pessoas invadissem as casas vazias. Naquele ano já havia uma escola na comunidade, a
Escola Maria das Neves Rezende. A água encanada, a luz elétrica e o transporte coletivo só
chegaram neste ano e só em 1989, o bairro teve sua primeira rua asfaltada: a rua Armando
Nogueira.
1.2 Os fluxos migratórios em Boa Vista - RR, na década de 1980.
A história de Roraima tem uma estreita ligação com a história de sua capital Boa Vista,
isso porque o estado nasce a partir da cidade de Boa Vista. Conforme atesta Oliveira (2003:114),
“o município de Boa Vista do Rio Branco, nasceu com a Constituição de 1891, transformando-se
no núcleo político, administrativo e militar de relevância na região”. Vale lembrar que o
município estava subordinado ao estado do Amazonas.
Oliveira (2010, p.166) informa que historicamente o processo de “ocupação” da
Amazônia sempre se baseou na transferência de significativos contingentes populacionais vindos
de fora da região. Por exemplo, no período colonial, entre 1755-1816, foram trazidos, para o que
corresponde hoje à Amazônia, algo como 34.934 escravos africanos. A partir de meados do
século XIX, com a borracha, intensificou-se o fluxo migratório vindo do Nordeste, aparecendo
como causa as secas cíclicas que atingiam aquela região fazendo com que nordestinos se
deslocassem para o interior amazônico. Segundo dado do autor estima-se que cerca de meio
milhão de nordestinos migraram para a Amazônia entre as três últimas décadas do século XIX e
19
as duas primeiras do século XX, impulsionados pela extração da borracha. Ao longo deste
século, as ações do poder público constituíram-se como os principais fatores impulsionadores
para as migrações para a região.
Segundo Barbosa (1993, p.138), no início da década de 1940 o Serviço Nacional de
Recenseamento elaborou um trabalho onde estimava a população do município de Boa Vista
(excluindo-se os índios) em 10.509 habitantes, para o ano de 1940. Segundo o mesmo
documento, os habitantes da capital Boa Vista não ultrapassavam 1.500 pessoas e a cota da
população rural do município atingia 86,7% do total. As atividades eram registradas quase que
na totalidade no interior, devido à criação dos rebanhos bovino e o garimpo, ou seja, Boa Vista
ficava apenas como centro administrativo e posto de troca e venda de mercadorias.
O mesmo autor informa ainda que “os primeiros dados oficiais confirmando a política
de ocupação do Território, são relatados através dos recenseamentos de 1950, que conta com
18.116 habitantes, e 1960, com 28.302 habitantes. A população apresentou taxas médias de
crescimento anual de 5,49% e 4,65% para os decênios de 1940/50 e 1950/60 respectivamente”
(Barbosa, 1993, p. 139). O crescimento nestes períodos é justificado em parte pela pressão
fundiária no Nordeste e a facilidade de obtenção de terras na Amazônia, que foram responsáveis
por um significativo número de migrantes se deslocando em direção a Roraima.
Neste aspecto é importante ressaltar a importância da criação do Território Federal do
Rio Branco, que é instituído em 1943, incorporado à política do governo central de Getúlio que
ficou conhecida também de “política de segurança nacional”, cuja a intenção era não só de
proteger, mas de ocupar. O recém-instalado Governo Territorial, incumbido de reformular a
estrutura de poder e empreender esforços para o desenvolvimento da região, criou as colônias
agrícolas no início da década de 1950. Podemos afirmar que expansão das fronteiras agrícolas
estimularam a entrada de muitas pessoas que viam no pedaço de chão e nos incentivos
encontrados a chance de dias melhores. Segundo Santos (1994, p.32), “a transformação do
espaço natural em espaço produtivo é o resultado de uma série de decisões e escolhas,
historicamente determinadas”.
Junto com o Território Federal do Rio Branco, foram criados o do Amapá e Guaporé,
hoje Rondônia. De acordo com Silva (2007, p.116) “esses territórios foram criados em parte pela
necessidade de se povoar as fronteiras, em especial onde o Brasil teve problemas de demarcação
com a França, Inglaterra e também com a Bolívia”. A partir dessa argumentação vê-se que o
discurso do Estado Novo, tinha o objetivo de dividir e ocupar o território amazônico.
Segundo Freitas (2007, p.120), Boa Vista com a função de capital do Território, começa
20
a receber funcionários para exercerem os cargos administrativos. Consequentemente ocorre uma
carência no setor de alimentos obrigando o governo a oferecer incentivos para o cultivo de
produtos agrícolas. Barbosa (1993, p.139) acrescenta que a ação do governo “teve o intuito de
suprir em alimentos e baratear o custo de vida, que abrigava o centro administrativo do território
e seria o ponto de referência para os novos colonos que chegariam”, sendo a cidade o ponto de
referencia para novos colonos que chegariam.
Santos (2004, p.219), baseado em dados do IBGE, aponta para a formação rural do
Território, explicando que “até o censo de 1980, Roraima era como todo território
majoritariamente rural”. Entretanto, a partir de 1979, “com o governo Ottomar (1979-1983)
iniciou-se uma política de incentivo migratório”. Segundo este autor, “os resultados desta
política foram não só um movimento para o interior em busca de lotes rurais, mas também de
lotes urbanos e das vantagens de uma vida urbana, proporcionada pela capital”, fatos estes
mencionamos nas entrevistas realizadas.
A década de 1980 é um marco para o processo migratório em Roraima. Barbosa (1993,
p. 183), referenciando-se em Silveira & Gatti, afirma que a oferta de terras em Roraima e o
surgimento de um fluxo migratório mais intenso, apesar de pouca expressividade no contexto
nacional, representaram uma forma de expansão da fronteira caracterizada por um campesinato
diferenciado. Com isso, vieram para Roraima migrantes oriundos de diferentes lugares, muitos já
haviam passado por outros projetos de assentamentos na Amazônia e sofrido com o fracasso dos
mesmos ou ainda teriam excedido no número de pessoas em busca de terra.
Contudo, percebe-se que o boom demográfico em direção à capital foi motivado pela
escassez dos incentivos que foi se dando com o passar do tempo e a própria falta de estrutura
para permanência desses migrantes colonos. Veras (2009, p. 98) comunga com este argumento,
ao afirmar que “muitas das famílias assentadas não permaneciam por muito tempo nos
assentamentos, em virtude da descontinuidade do aparato técnico do governo”.
Igualmente, entendemos como fator contribuinte nesse processo de crescimento
acelerado e desordenado da cidade de Boa Vista, o garimpo. Santos (2004, p. 202), ao tratar do
significado do garimpo para Roraima, destaca que “no fim da década de 1980 e início da
seguinte, a mineração em Roraima intensificou-se a ponto de chamar a atenção da imprensa
nacional e internacional em razão das transformações ambientais e sociais locais”.
A propagação da imagem de Roraima lá fora como a “terra do ouro e das
oportunidades”, despertou em muitas pessoas e famílias o desejo de conhecer e se aventurar nos
garimpos de Roraima. Para entendermos melhor a importância do garimpo para Roraima, nos
21
apoiamos em Barros (1995, p.55), quando ele aponta que “os primeiros e ainda reduzidos sinais
de garimpagem de ouro e diamantes em Roraima datam de 1917, nas áreas dos rios Mau e
Cotingo, ao norte de Boa Vista”. Conforme o mesmo autor “é com a crise da borracha que se
inicia em 1920 na Amazônia, que a pecuária no Rio Branco perde importância e o garimpo se
torna a atividade impulsionadora da economia local”. Neste campo, Rodrigues (2008) informa
que, a partir da primeira metade do século XX, houve uma pequena mas significativa
intensificação das correntes migratórias que foram consequência da descoberta e extração de
ouro e diamantes na região das serras de Roraima.
Segundo Barbosa (1993, p. 187) “a atividade garimpeira surge com força ao final dos
anos 1980, indicando forte estímulo ao crescimento populacional”. Entretanto, segundo ele, “a
exploração de ouro em áreas indígenas Yanomami, entre o final de 1987 e meados de 1990, fez
Roraima tropeçar no degrau mais alto de sua lenta ascendência econômica neste período”.
Portanto, a corrida desenfreada ao ouro aliada à cobiça e ao desejo de melhoria de vida
rápida, foram responsáveis pela ilusão de que, naquele momento, a atividade mineral resolvesse
os problemas socioeconômicos do recém-criado estado com a nova constituição. A partir dessas
informações temos segurança para afirmar que a atividade garimpeira em terras roraimenses foi
consequência do fracasso de outras atividades econômicas, inclusive, ficando evidente que tal
atividade era incentivada e patrocinada pelo governo (BARBOSA, 1993).
Em Roraima as ações que criavam condições para vinda de mão de obra externa, de
certa forma, foram patrocinadas pelo poder político, na época representada pelo governador
indicado Romero Jucá Filho. Barbosa (1993, p. 188), fala da importância do Plano de Metas
criado pelo governo de Roraima para o triênio 1988 a 1990, cujo o objetivo seria ressuscitar os
anos dourados da década de 1970 em função da realidade de então.
Ainda a respeito deste Plano, Barbosa (1993, p. 188) informa que “o principal objetivo
dessas metas era atender a demanda de uma corrente migratória aurífera estimada em média, na
época, em 47 famílias por semana”. Com isto percebe-se a estratégia para promover a vinda de
mais migrantes para Roraima. Tanto é que, segundo o mesmo autor, o Plano previa o
assentamento de 2.400 famílias ao longo dos três anos.
Todavia, a intervenção federal nas áreas indígenas em meados de 1990, visando o
fechamento dos garimpos, enfraqueceu significativamente a economia do estado. Conforme
comenta Barbosa, “todo o comércio tinha voltado suas vendas à atividade garimpeira na
expectativa de uma perpetuação deste ramo em Roraima”. Neste sentido também comenta Santos
(2004, p. 202), quando diz que “como parte da herança do garimpo em Roraima, permanece em
22
muitos o sonho do acesso a uma fonte de riqueza, imaginada como rápido e grandioso, mas
impedido por medidas governamentais, incentivadas por entidades nacionais ou estrangeiras”.
Nogueira (2011, p.30), em estudo sobre a migração para Roraima, salienta que
“historicamente a mão do Estado brasileiro, bem como os das elites politicas, atuaram para atrair
migrantes para a região Amazônica, seja por meio do discurso de integração, cuja palavra de
ordem na década de 70 era 'integrar para não entregar'”, ressaltando que com “a defesa da
soberania em áreas de fronteiras, assim, acreditava-se que se evitaria a perda da Amazônia”. A
partir dessa ideologia politica se constrói e se reafirma a ideia de nacionalismo centrada em uma
politica indutora de migrantes.
Destacamos ainda que no processo de aumento do fluxo migratório para Roraima, a
partir de 1980, destaca-se a abertura da BR 174 como uma porta de entrada e de integração com
os demais Estados brasileiros e também com os países fronteiriços, Venezuela e República
Cooperativista da Guiana. Ressaltamos a importância da BR 174 no processo de ocupação de
crescimento populacional de Roraima e de Boa Vista, que, junto ao incremento dos incentivos às
migrações, facilitou os fluxos migratórios especialmente a de nordestinos,.
Segundo acordo entre Brasil e Venezuela, a principal finalidade da nossa principal BR
seria ligar Brasília a Caracas, uma estrada que interligasse as Américas. Em 1976, o sonho da
estrada se completou, quando o 6° BEC ligou Manaus a Boa Vista, integrando a velha bacia do
Rio Branco ao Brasil e aos outros países das Américas. Souza (1977, p. 266).
A BR 174 é uma longitudinal com extensão total de 987 km e liga Manaus ao marco
BV-8, na serra de Pacaraima, fronteira com a Venezuela. Para Souza (1977, p. 306) “além de sua
importância econômica e turística ligando dois grandes centros comerciais e industriais de
economias complementares”, esta estrada “tem um grande sentido de integração nacional e de
abertura de frentes pioneiras de colonização, por atravessar terras de grande potencial
econômico”. Desse modo, no contexto das transformações espaciais ocorridas na Amazônia nas
últimas décadas do século XX, destacando-se aí as questões migratórias, é que a BR174 tem uma
relevância na história da ocupação de Roraima e de sua capital, Boa Vista.
Assim sendo, entende-se que historicamente existiram três atividades econômicas
básicas que justificavam a entrada de migrantes em Roraima: a pecuária, a agricultura de
pequeno e médio porte e o garimpo. É oportuno ressaltar que os migrantes que não se adaptavam
aos locais a que se destinaram primeiramente, buscavam alternativas, uma delas era o
movimento em direção à cidade. É o caso específico de Boa Vista, que nos últimos anos teve sua
densidade demográfica quase triplicada.
23
Segundo um Jornal Boa Vista (12 de março de 1983), existia um fator economicamente
positivo em relação à vinda de migrantes para Roraima, pois esses migrantes quando não tinham
uma qualificação profissional especializada eram absorvidos pelo comércio, pela construção civil
e pela indústria em geral. No caso daqueles que possuíam qualificação profissional haveria um
entrosamento com os outros profissionais que já atuavam, todos contribuindo para o
desenvolvimento da sociedade roraimense.
O Jornal Boa Vista, veiculava uma visão positiva sobre o aumento da população naquela
época, quando diz que esta não desconfigurou nossa cidade, explicando que “através da visão
inteligente do prefeito de Boa Vista, juntamente com o setor de apoio do governo” vem
conseguindo dar condições ao migrante, para construir suas moradias e para a sua integração
social e econômica.
Neste aspecto, o jornal se refere ao que Veras (2009) chama de visão “paternalista”, ao
falar da produção do espaço, que historicamente persiste em Roraima. Esse processo aconteceu
em meio a uma complexa rede de relações que envolve diferentes grupos sociais, cada qual com
os seus interesses particulares e estratégias específicas.
No campo, conforme informa Rodrigues (2008, p.59), “a partir do final da década de
80, dando continuidade aos programas de colonização, iniciados pelo governo federal, o governo
estadual passou a atuar de forma mais incisiva nos programas de distribuição terra”. Como
aponta a autora, “um motivo para a intensificação desses projetos de colonização foi a
possibilidade de criação do Estado de Roraima”. Com isto, a criação e formação de bases de
sustentação eleitoral estariam garantidas para o primeiro pleito de eleições diretas.
Contudo, não houve assistência prometida aos colonos, conforme explica Barbosa:
as longas distâncias percorridas para se levar o produto colhido até o maior e único
centro consumidor Boa Vista, a dura realidade de se enfrentar um plantio mesmo em
pequena escala na floresta Amazônica, o fraco desempenho das pastagens e o literal
abandono dos colonos por parte do governo territorial em meio às vicinais dos
assentamentos, provocaram um consequente fluxo em direção à capital Boa Vista. Com
isso provocou-se um aglomerado populacional na periferia da cidade, iniciando nesta
fase um cinturão de pobreza ao seu redor, já que os novos habitantes deste centro
vinham a procura de melhores condições de vida não encontrados na zona rural (1993,
p. 187).
Esta situação foi responsável pelo abandono dos lotes pelos colonos que migraram, se
deslocando para os centros urbanos, notadamente Boa Vista. Os dados do IBGE (1990) mostram
este movimento: em 1980, 38,4% população de Roraima era rural, enquanto que a urbana
24
chegava a 61,6%; no período de 1970 a 1980, a população urbana indicou um incremento médio
anual da ordem de 10,8%, enquanto que na zona rural foi de apenas 2,66%.
Assim, subentende-se que as ações de ocupação neste período contaram com uma
atuação direta do governo, como por exemplo, a abertura de estradas, criação de colônias, além
de incentivos para o campo, montagem de uma infraestrutura urbana para a capital.
Esta situação aparentemente paradoxal, ou seja, aumento dos incentivos e atrativos para
as áreas do interior (colônias e garimpo) e incremento populacional nas área urbanas, será
explicitada no capítulo dois , utilizando, dentre outras fontes, a experiência de quem viveu este
período tão significativo para a cidade de Boa Vista.
25
CAPÍTULO 2
O BAIRRO ASA BRANCA:
A EXPERIÊNCIA MIGRATÓRIA E A CONSTRUÇÃO DO LUGAR
Boa Vista, conforme já citado, tem sua história confundida com a do estado de Roraima,
por historicamente ser a sua principal cidade e provedora das necessidades básicas de sua
população. Dentre os fatores que influenciaram o seu surgimento, destacamos: a edificação do
Forte de São Joaquim (entre 1775-1778), a implantação dos aldeamentos indígenas planejados
(no século XVIII), a instalação das Fazendas Reais São Bento, São José e São Marcos (final do
século XVIII), a criação da Fazenda Boa Vista em 1830 e a instalação da Freguesia de Nossa
Senhora do Carmo em 1858. Dentro deste contexto surgiu o núcleo urbano embrionário que se
tornou a sede do município em 1890, ainda como parte do estado do Amazonas (SILVA, 2007).
Boa Vista passa a ser cidade em 1926 e, até a criação do Território Federal do Rio
Branco em 1943, era um centro urbano pequeno e isolado (OLIVEIRA, 2003). Neste sentido é
famosa a frase de Hamilton Rice, no relatório de sua viagem a região entre 1924-25, de que Boa
Vista era “o único agrupamento junto ao rio que tem a honra de ser chamado de vila”, e que esta
era composta de “164 casas que abrigam uma população de 1.200 almas” (RICE, 1978, p. 25).
Após a criação do Território, outro fato marcante na vida da cidade foi a
implantação projeto urbanístico elaborado por Darcy Aleixo Derenusson, entre 1944 e 1950. A
partir desse plano a cidade ganhou uma nova configuração espacial dentro de um traçado radial
concêntrico, segundo o qual a partir de uma praça circular, em torno da qual se localizam as
sedes dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, partiriam grandes avenidas (VERAS,
2009, p. 95).
Contudo, vale enfatizar que Boa Vista cresce a partir destas peculiaridades e sob a
influência do governo central, que influencia a vida local e fomentando a vinda de migrantes
para ocuparem os espaços “inóspitos”. Em 1966, surgiram os primeiros bairros. A partir de uma
subdivisão foram criados nove bairros: Centro, Nazaré (abrangendo o bairro São Vicente e
Centro), Messejana (hoje grafado Mecejana), São Francisco, São Pedro, Olaria (onde hoje fica o
Beiral, no Centro) e Redenção (onde hoje é o bairro de Liberdade), desmembrada da fazenda de
Anísio Lucena .(Suplemento especial do Jornal Folha de Boa Vista em comemoração aos 122
anos de Boa Vista/RR. Boa Vista, 9 de julho de 2012).
Esse cenário foi se modificando na medida em que Boa Vista vai se firmando como um
26
centro urbano administrativo e um polo militar. Na década de 1970, o Governo Federal passou a
incrementar a infraestrutura administrativa do Território Federal de Roraima e o Exército
começou a instalar pelotões militares e a construir a BR174, que liga Manaus à fronteira com a
Venezuela e corta Boa Vista. A capital se tornou um canteiro de obras. Com uma nova
configuração, a cidade ganhou novos alguns bairros, criados e implantados em forma de
conjunto habitacionais e de loteamentos. O mapa 1, apresentado abaixo, representa bem esse
processo.
De acordo com Veras (2009, p. 150), “a área ocupada na cidade até 1970 ainda era
pequena. No entanto alguns bairros de Boa Vista vão sendo criados e implantados em forma de
conjuntos habitacionais, ocupações irregulares e de loteamentos”. Tal dinâmica intra urbana,
segundo o autor, foi uma das preocupações do Governo Ramos Pereira, que tentou ordenar a
cidade em conjunto com o prefeito Júlio Martins.
Nos últimos vinte anos, a cidade de Boa Vista apresentou um elevado crescimento de
sua população, passando de 120.157 habitantes, no ano de 1991 (IBGE, 1991), para 197.098
habitantes, no ano de 2000 (IBGE 2000), alcançando 246.444 moradores na contagem realizada
pelo IBGE em 2007. O Censo 2010 registrou que a população urbana do município de Boa Vista
é de 277.799 habitantes (IBGE, 2010).
Em artigo publicado pela Revista Acta Geográfica, em que Silva, Almeida e Rocha
(2009), refletem as novas formas do tecido urbano de Boa Vista, no que se refere às diferenças
espaciais e demográficas nas quatro zonas urbanas de Boa Vista, destacam que a distribuição da
população na chamada “mancha urbana” dessa capital é consequência de uma série de
condicionantes, que influenciou e influencia a escolha de um lugar para residir, sejam estes
relacionados aos movimentos interurbanos ou intra urbanos.
A capital Boa Vista é subdividida em quatro zonas urbanas: norte, sul, leste e oeste
(Plano Diretor de Boa Vista, 1991), com diferenças. Segundo Paulo Rogério de Freitas Silva,
essas diferenças espaciais sugerem uma série de determinantes ao longo da formação territorial
do lugar e estão relacionadas às condições econômicas da população, por isso ela precisa ser
pensada. (SILVA; ALMEIDA; ROCHA, 2009, p. 47).
No tocante à quantidade de residentes das zonas urbanas e do centro, destacamos que
residem cerca de 4.858 pessoas na área central; na zona leste se concentram 5.693 habitantes e
quatro bairros, sendo a menos habitada; em seguida vem a zona sul com 12.434 habitantes e
cinco bairros; e a zona norte com 22.922 habitantes, com seis bairros. A zona oeste é a mais
habitada, pois, concentra 200.537 pessoas e 38 bairros, o que equivale mais de 75% da
27
população urbana de Boa Vista (SILVA; ALMEIDA; ROCHA, 2009, p. 47).
Ao analisarmos a grande concentração populacional na zona oeste várias são as causas.
Contudo, destaca-se a corrida ao ouro em Roraima, entre 1987 e 1990, quando Boa Vista dobrou
o seu número de habitantes, pois de 52.614 registrados, em 1980, a cidade passou a concentrar os
120.157 moradores, segundo o Censo Demográfico realizado no decorrer de 1991.
Conforme os estudo de Silva, Vale e Veras, até o período em foco isto é, inicio da
década de 1980, a cidade concentrava a sua população e a sua mancha urbana nos limites da BR
174, na parte que corta Boa Vista chamada de Avenida Venezuela, com exceção do bairro da
Liberdade que já começava a se formar, localizado após este limite, de maneira induzida pelo
poder público e também espontânea.
Entre 1980 e 1989 acelera-se a ocupação em direção a zona Oeste ocasionando uma
dispersão e posteriormente formalização de parte do tecido urbano atual. Essa diferença na forma
de ocupação do espaço urbano de Boa Vista, principalmente em direção à zona oeste,
ocasionando um inchaço populacional, está condicionado, conforme já apontado em outro item
deste trabalho, às políticas assistencialistas por parte dos governos locais.
Dessa forma, conforme Silva (2007, p. 48), o princípio da formação da mancha urbana
atual de Boa Vista vai se processando numa conjuntura favorecida por diversos determinantes e o
lugar que a população vai se assentar segue uma série de condicionantes, que favorecem a sua
permanência mais numa zona urbana que em outra.
De acordo com Silva, Almeida e Rocha (2009) a cidade de Boa Vista, apresenta uma
configuração que se amplia, mais intensamente, em direção à concentração demográfica quanto
ao tamanho da mancha urbana.
Esta mancha urbana tem um formato que é definido pelo rio Branco a leste e se alastra
para o oeste. A definição das quatro zonas urbanas explicitadas no Plano Diretor de Boa Vista,
1991, se baseia em condicionantes inexplicáveis. Tratar os 54 bairros que compõem a chamada
mancha urbana local, como condizentes quanto a sua distribuição nas zonas urbanas atuais é
questionável e carece de análise que propicie uma melhor compreensão (SILVA; ALMEIDA;
ROCHA, 2009, p. 51).
28
MAPA 1: Expansão urbana de Boa Vista.
Fonte: VALE. Ana Lia Farias (Tese Doutorado) Migração e Territorialização As Dimensões Territoriais dos
Nordestinos em Boa Vista/RR. Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Campus de
Presidente Pudente/SP, 2007. pág. 109.
Dentro dessa complexidade que envolve o meio urbano boavistense e a formação dos seus
bairros, é que estudamos a formação do bairro Asa Branca com ênfase nas narrativas de
moradores que lá se estabeleceram no início da década de 1980.
Neste sentido, considera-se a história oral como um canal que permite o registro de
testemunhos e o acesso a “histórias dentro da História” (ALBERTI, 2005,p. 155), o que
possibilita a interpretação do passado. Salientamos que no trabalho de análise dos depoimentos e
de reflexão acerca das experiências vividas no bairro é sempre válido reconhecer que “a História
como a memória não é neutra”. Segundo Le Goff, portanto, “ao contrário do que pensavam os
historiadores do passado, o fato histórico não é dado: o contexto em que o pesquisador se insere
influi na forma como ele o define e interpreta” (1990, p.9).
A história oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da
história contemporânea desde meados do século XX. Segundo Alberti (2005, 156) a estratégia de
ouvir atores ou testemunhas de determinados acontecimentos ou conjunturas para melhor
compreendê-los não é novidade. Isso porque no passado, Heródoto, Tucídides e Políbio,
historiadores da Antiguidade, já utilizaram esse procedimento para escrever sobre
18-Asa Branca
18-Asa Branca
29
acontecimentos de sua época.
Para Alberti (2005, p. 158), “não há dúvida de que a possibilidade de registrar a vivência
de grupos cujas histórias dificilmente eram estudadas representou um avanço para as disciplinas
das Ciências Humanas”. Contudo, “seu reconhecimento só foi possível após amplo movimento
de transformação dessas ciências, que, com o tempo, deixaram de pensar em termos de uma
única história ou identidade nacional, para reconhecer a existência de múltiplas histórias,
memórias e identidades em uma sociedade”.
Em outras palavras, trata-se de considerar a “história vista de baixo”, com o uso desse método a
história daqueles que são considerados “sem vez e sem voz” é colocada no centro dos discursos e
suas vozes, enfim, são ouvidas.
Thompson (1992), salienta que a tendência de defender e usar a história oral como apenas
mais uma fonte histórica para descobrir o que realmente aconteceu, levou a algumas distorções
quanto a outros aspectos e valores do depoimento oral, não percebendo como o processo de
relembrar poderia ser um meio de explorar os significados subjetivos da experiência vivida e a
natureza da memória coletiva e individual. O mesmo autor alerta para os cuidados e as
considerações que se deve ter com relação a considerar as razões que levaram os indivíduos a
construir suas memórias de determinada maneira, ou seja, alguns historiadores não se deram
conta de que as “distorções” da memória podiam ser um recurso, além de um problema.
Enfim, ainda há um certo preconceito e desconfiança com relação às fontes não escritas.
Entretanto Alberti (2005, p. 163) coloca que as convicções sobre o que seria próprio da história
sofreram modificações a partir da década de 1980: temas contemporâneos foram incorporados à
História, chegando-se a estabelecer um novo campo, que recebeu o nome de História do Tempo
Presente. A autora enfatiza que hoje é generalizada a concepção de que fontes escritas também
podem ser subjetivas e de que a própria subjetividade pode se constituir em objeto do
pensamento científico.
Ao tratar do campo da história da memória, admite-se que é, sem dúvida, um campo ao
qual a história oral pode trazer contribuições mais interessantes. Segundo Alberti (2005, p. 166),
no início, grande parte das críticas que o método sofreu diziam respeito justamente às distorções
da memória, ao fato de não se poder confiar no relato do entrevistado, carregado de
subjetividade. Porém, hoje se considera que a análise dessas “distorções” pode levar à melhor
compreensão dos valores coletivos e das próprias ações de um grupo.
Conforme Alberti (2005, p. 167), é de acordo com o que se pensa que ocorreu no passado
que se tomarão determinadas decisões no presente (por exemplo, as escolhas feitas no momento
30
da eleição). A partir desta reflexão afirmamos que do lugar onde se encontra o sujeito é possível
narrar e interpretar o passado.
Thompson (1992, p. 197) explica que toda fonte histórica derivada da percepção humana
é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas
da memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. Com isso
destacamos a capacidade do pesquisador em ouvir e assimilar, de preferência de forma isenta e
imparcial, os fatos passados sobre os quais o seu interlocutor expõe em sua entrevista.
Para este trabalho trazemos a experiência de vida de alguns moradores do bairro Asa
Branca. Antes de entrevistá-los fomos conhecer um pouco sobre eles, tivemos conversas
informais a fim de deixá-los mais a vontade e esclarecidos, aspecto importante para que o
trabalho pudesse atingir o objetivo desejado. Para isso contamos com a colaboração de quatro
moradores que se dispuseram a compartilhar as suas experiências sobre o passado e presente do
bairro Asa Brancas.
Escolhemos entrevistar quatro migrantes, pois, para Souza (2006, p. 17), “as migrações
desempenham papel fundamental na constituição socioeconômica de Roraima”, ressaltando que
“o movimento de entrada de migrantes é constante, variando para mais nos momentos de surto
econômico, como por exemplo, o do garimpo”. Além disso, as práticas políticas de caráter
assistencialista e clientelístico, que difundiam a ideia enganosa de que as coisas em Roraima
estavam mais disponíveis e poderiam ser mais fáceis, eram argumentos mais usados por quem já
morava em Boa Vista para incentivar a vinda de parentes e amigos.
As entrevistas foram realizadas entre os dias 19 a 22 de junho de 2012. Colaboraram com
esse trabalho os Senhores Onizio Nonato Moreira, Sebastião Pereira da Silva, José Gomes de
Oliveira e a Senhora Maria Marlene Silva. Com exceção do senhor Jose Gomes, que gravou a
entrevista em seu local de trabalho, os demais fizeram as narrativas em suas residências, no
próprio bairro Asa Branca. Todos os colaboradores assinaram documento de autorização do uso
de suas narrativas e a citação de seus nomes.
2.1 “Lá a gente tinha uma vida sofrida...”
Trabalhar a trajetória de vida de pessoas enquanto sujeitos de sua própria história,
permite ao pesquisador mergulhar na história e no passado de sujeitos que, embora em seu
anonimato, tem muito a contribuir para a compreensão da estruturação e formação da cidade, de
um bairro e de determinadas conjunturas que se processam ao longo da história.
31
Segundo Souza (2007), a história oral é uma metodologia que permite a constituição de
fontes históricas e documentais por meio do registro de testemunhos, depoimentos e narrativas.
Assim, quando incorporamos as fontes orais a este trabalho, trazemos visões e versões sobre a
história do bairro Asa Branca e nos permitimos ouvir aqueles que têm algo a dizer sobre isso,
sobre aquela época e, a partir do presente, perceber como eles sentem as mudanças que nele
ocorrem.
Para dona Maria Marlene Silva, natural de Pedreiras, Maranhão, que chegou em Boa
Vista em 1982, uma das motivações que teve na decisão de migrar para Boa Vista foi a condição
de trabalho e as dificuldades enfrentadas em seu lugar de origem. Segundo ela, as coisas estavam
tão difíceis que nem a terra possuía para colocar sua roça, ou seja, não havia possibilidade de ser
proprietária da própria terra.
Sobre sua chegada em Boa Vista ela diz: “quando cheguei aqui não fui mais trabalhar
em roça, pelo contrário encontrei algumas facilidades, inclusive por parte do governo”. Sobre as
facilidades ela relata que foi ganhar o sustento da família lavando roupas.
É importante fazermos uma análise sobre o cruzamento dessas duas realidades muito
similares em alguns aspectos, uma vez que saindo de uma realidade sofrida e sem muita
perspectiva, o lugar de destino também coloca desafios e o enfrentamento de situações precárias.
A senhora Marlene coloca que ela e a família tiveram dificuldades desde a saída de
Pedreiras: “saímos todos juntos em 1982, só que quando chegamos a Belém o dinheiro
acabou....”(neste momento um silêncio interrompeu a entrevista e lágrimas foram derramadas)
“… daí um irmão meu que já morava em Boa Vista, foi nos pegar em Belém e só assim
chegamos em Boa Vista”. Segundo ela, quando saíram de sua cidade no Maranhão venderam o
que tinham, mas não receberam todo o dinheiro, ficando aos cuidados de outros parentes
receberem e enviar o restante para eles em Boa Vista.
Pode-se dizer que quando a entrevistada se refere às facilidades “por parte do governo”,
está se referindo ao fato de que quando chegou a Boa Vista foi morar na casa de um irmão no
bairro Mecejana, mas que passados dois anos ela conseguiu ganhar um terreno para construir sua
casa, a este respeito ela narra:
Vim morar para o Asa Branca porque na época o Ottomar estava dando alguns terrenos.
Eu e um grupo de pessoas se reunia e ia lá para o palácio onde cada um pegava uma
“senha” com número que correspondia ao lote... Eu lembro que aqui era só um lavrado
com lagoas e estava iniciando o conjunto Asa Branca. A dona Marluce era quem estava
à frente da doação dos terrenos e nesse período não possuía nada do que temos hoje:
posto médico, praça, rua asfaltada e escola.
32
É bom lembrar que embora haja semelhança nas experiências narradas pelos diferentes
entrevistados migrantes, é importante destacar que “a história como toda atividade de
pensamento, opera por descontinuidades: selecionamos acontecimentos, conjunturas e modo de
viver para conhecer e explicar o que se passou” (ALBERTI, 2004, p.14). Neste sentido, Souza
(2007) afirma que para utilizar a fonte oral é preciso considerar que “rememorar requer um
contínuo relacionamento solidário e interativo com outras lembranças”, no qual o entrevistado
“busca amparo, confirmação, coerência e legitimidade” ao que está sendo narrado e ao contexto
no qual a experiência se insere.
A experiência de vida narrada pelo Sr. José Gomes de Oliveira não difere muito da
narrada pela senhora Marlene. Natural de Timon- MA, saiu do seu lugar porque cansou de
trabalhar em roça e não ter nenhuma vantagem, uma vez que as terras eram todas “arrendadas”.
Esse motivo o levou a sair para outros lugares em busca de melhoria de vida. Passou por São
Paulo, Rio de Janeiro, Piauí e Belém, onde por muitos anos trabalhou como operário em firmas
de construção civil, algumas de grande porte como a Odebrecht. Depois de ser transferido para
Belém pela firma que trabalhava, manteve mais contato com a família e, inclusive, com parentes
que moravam em Boa Vista, ele conta: “resolvi vir para Boa Vista, porque meus cunhados que
aqui moram enviavam cartas chamando para cá e diziam que aqui era muito bom e eu iria
gostar”.
Neste sentido, chama atenção o fato de que todos os entrevistados relatam sobre o
recebimento de cartas que davam boas notícias e tentavam convencê-los a migrarem para
Roraima.
O senhor José Gomes de Oliveira quando chegou a Boa Vista teve como primeira
experiência de trabalho as obras da barragem do Cotingo. Depois, em 1983, foi trabalhar na
Companhia de Desenvolvimento de Roraima-CODESAIMA e de lá foi trabalhar na escola Maria
das Neves (bairro Asa Branca), onde permanece até hoje tomando de conta do setor de
almoxarifado, cuidando dos materiais da escola.
Ressaltamos que o Sr. José Gomes foi o primeiro presidente da associação do bairro Asa
Branca, dele partiu a iniciativa de reunir os demais moradores para se organizarem e
reivindicarem melhorias de infraestrutura para o bairro. Acerca deste momento ele narra:
No final de 1982, o governador era o Ottomar de Souza Pinto. Ele resolveu criar o
bairro Asa Branca, e nessa criação eu já não ganhei as casinhas. Então eu consegui só o
terreno, mas ele doava o cimentinho, as telhas e a pessoa fazia a casa. Eram cinco
metros de comprimento e três metros de largura. A respeito das casinhas que foi doada
33
eu lembro que foram 122 casas e foi dado o nome de Asa Branca. Ganhei meu terreno
em outubro de 1982, quando foi em julho de 1983 eu já me mudei com a família.
Sobre isso, Silva (2007, p. 214) explica que “a expansão da cidade nesse período se
deve principalmente às iniciativas dos dois períodos do governo Ottomar de Souza Pinto entre
1979 e 1983 e entre 1991 e 1995”. Chama a atenção que esse processo não sofreu
descontinuidade pois o “governo de Romero Jucá, entre 1987 e 1989”, também estimulou “o
surgimento de novos bairros com uma política de incentivo migratório”.
A expansão urbana de Boa Vista, após a década de 1980, se dá quando novas áreas
foram progressivamente incorporadas mediante a proliferação de novos loteamentos, produzidos
de forma descontrolada e sem infraestrutura, respondendo especialmente a interesses políticos de
assentamento de migrantes que eram induzidos ou incentivados a se deslocarem para Boa Vista.
Neste sentido, o estudo feito por Veras (2009) sobre a produção do espaço urbano de
Boa Vista, afirma que fica claro o interesse dos diferentes governos em expandir a cidade de
forma desordenada e sem a mínima infraestrutura necessária a um bairro: água, energia,
segurança, transporte etc.
Segundo o Sr. José Gomes a relação dos políticos com os moradores do recém-criado
bairro As Branca era boa: “na reunião eu falava para os amigos que nós devíamos votar em
fulano. Aí a gente foi se entrosando e conseguimos marcar algumas reuniões para falar das
nossas necessidades”. O Sr. Gomes, como é mais conhecido no bairro, relatou que quase todo o
dia estava lá no palácio do governo para falar com o “senhor governador” e pedir uma reunião no
bairro com os moradores. Sobre este momento ele explica:
O governo da época era o Ottomar, depois entrou o Getúlio Cruz e eu me reuni diversas
vezes e pedi uma reunião aqui no bairro e ele veio com todas as autoridades. Nós nos
reunimos dentro de uma Igreja. Eu comecei a falar e depois passei a palavra para o Sr.
Governador. O governador falou que este bairro com seus moradores receberia toda a
assistência e benefícios que fossem necessários. O Comandante do BEC, anunciou que
na próxima semana as máquinas já estariam trabalhando na abertura de novas ruas. Na
ocasião o presidente da CAERR se manifestou e disse que dentro de um mês o bairro
teria água; o presidente da CERR prometeu para o mês seguinte que o bairro teria a rede
de energia instalada . Quem também se pronunciou foi o Coronel da polícia que
garantiu que a partir de hoje teria uma viatura rondando dia e noite.
Contudo, segundo o Sr. Gomes o posto policial demorou a ser colocado no bairro para
dar segurança aos moradores; a luz só chegou em 1984. Mesmo assim o Sr. José Gomes garante
que “tudo isso foi devido à força e união dos moradores”.
Já o Sr. Onízio Nonato Moreira que veio para Roraima em 1980, natural de Crateus no
Ceará, e que morava no Maranhão, na localidade de Arame, resolveu conhecer Roraima após a
34
visita de parentes de sua esposa, que moravam aqui.
Motivado por cartas e informações de parentes que tinham uma colônia de terra em
Mucajaí, ficou sabendo que em Roraima estava melhor para trabalhar com a agricultura. O Sr
Onízio veio acompanhado de uma filha, mas quando chegou em Belém o dinheiro só deu para
comprar a passagem no barco até a cidade de Itacoatiara no Amazonas. Segundo conta, fez
amizade com um casal que estava vindo para Roraima e que embarcaria em um ônibus fretado
pelo governo do então Território Federal: “eles disseram para eu não me preocupar porque
quando chegassem a Itacoatiara eles iam incluir nosso nome na lista de passageiros, e assim
aconteceu”.
Aqui destacamos, mais uma vez, a ação da política assistencialista e clientelística que
existia em Roraima desde tempos da criação do Território Federal, como aquelas oferecidas aos
migrantes que vieram para as colônias agrícolas criadas na década de 1950.
Chegando em Mucajaí o Sr. Onízio ganhou uma colônia e foi trabalhar, mas sem êxito,
porque, segundo ele, não tinha recursos e incentivos para produzir e “nem ferramentas adequadas
nós não tinha, por isso depois que a minha mulher chegou, eu deixei ela na colônia e fui para o
garimpo”.
O garimpo na década de 1980 foi o destino de muitos migrantes que vieram para
Roraima e, também, uma estratégia adotada por muitos que já viviam aqui. Informa que ganhou
dinheiro no garimpo, mas não soube empregá-lo. Após retornar do garimpo, o Srº Onízio
resolveu comprar uma casa em Boa Vista e trazer a família de Mucajaí. Sobre a escolha de vir
para a capital ele explica: “vim para Boa Vista porque aqui achei que a minha criação dos meus
filhos seria melhor do que em Mucajaí. Nessa época lá era uma colônia e eu queria dar uma
educação e uma vida melhor para eles aqui em Boa Vista”.
A respeito da escolha do bairro Asa Branca para morar, ele informa que a indicação foi
de um amigo que trabalhou com ele no garimpo, que lhe indicou o bairro e a casa que estava à
venda: “com o dinheiro que ganhei no garimpo, comprei esta casa por setenta cruzeiros, comprei
ela já pronta com quatro cômodos ... meu filho, naquela época não tinha nada (no bairro), eram
valas a céu aberto”.
A partir dessas informações, é possível afirmar que haviam várias formas de ocupar os
terrenos. Alguns compravam seus terrenos e casas, como o Sr Onízio, e outros, como ele diz
“invadiam terreno e improvisavam as casas com dois cômodos”. Da mesma forma que o Sr
Sebastião Pereira, ele também conta sobre a presença do políticos: “os políticos só andavam aqui
na época da eleição para prometer melhoria para nós, mas mesmo assim considero o melhor
35
bairro para se morar e só vou sair dessa casa para o cemitério, não pretendo morar em outro
bairro”.
2.2 “As cartas falavam que aqui estava muito bom”
A carta representa um dos meios de comunicação mais antigo e tem um significado
único no que diz respeito a estreitar laços afetivos. Embora vivamos hoje uma nova realidade,
em um mundo globalizado e interligado por outros meios de comunicação mais dinâmicos e
eficazes para mandar e receber informações, vale ressaltar que no período da formação do bairro
Asa Branca, década de 1980, a carta era um instrumento dos mais usados, assumindo um papel
relevante nas chamadas redes sociais.
Neste sentido, os padrões de migração recentes e as novas conceitualizações da
migração concentram mais interesses na importância da família, amigos de origem comum que
sustentam essas redes. Vale (2005) salienta que as unidades efetivas da migração não são nem
individuais nem domiciliares, mas sim conjuntos de pessoas ligadas por laços de amizade,
parentesco e experiência de trabalho, o que sugere uma identidade própria do migrante com o
lugar de destino..
Assim aconteceu com muitos migrantes que até hoje residem no bairro Asa Branca.
Atraídos por boas notícias do lugar, e mesmo diante de muitas dificuldades e limitações, viram
na alternativa apresentada por parentes e amigos uma nova perspectiva de vida.
Destacamos a reflexão feita por Vale (2005, p. 130), sobre as redes sociais no processo
migratório no que diz respeito a migração de longa distância. Segundo ela, esse tipo de migração
se vincula a muitos riscos: segurança pessoal, conforto, renda, possibilidade de satisfazer as
relações sociais, porque parentes, amigos, vizinhos e colegas de trabalho já tem bons contatos
com o possível destino e a confiança sobre as redes de informações interpessoais minimizam e
diluem os riscos.
Natural de Vitorino Freire, município do Maranhão, o Sr Sebastião Pereira da Silva
sentiu-se motivado a migrar por notícias que chegavam até ele através das cartas do cunhado que
informavam que em Roraima estava muito bom para se viver e trabalhar com a agricultura
devido à facilidade de conseguir terra.
Em vila Iracema havia um cunhado do Sr. Sebastião que já morava no lugar há um bom
tempo e atendendo ao seu chamado ele saiu do Maranhão e foi morar em Iracema. Chegando lá
conseguiu um pedaço de terra e logo cuidou de colocar uma roça, porém, não obteve êxito
36
porque segundo ele, no período da colheita não conseguiu pessoas que o ajudassem, “nem
mesmo oferecendo arroz de graça ninguém mais queria trabalhar com roça”. Com isso ele ficou
desmotivado e com a promessa da Sra Marluce Pinto de doação de um terreno em Boa Vista,
mudou-se para a capital no final de 1982.
Chegando em Boa Vista, por não ter maior especialização profissional, foi trabalhar
como ajudante de pedreiro. Por meio da amizade feita com pessoas que trabalhavam na
prefeitura de Boa Vista, conseguiu um emprego de vigilante, porém, explica que por não ter
maior grau de instrução não ficou muito tempo. Mesmo assim ele não desistiu de Boa Vista e,
lembrando da decisão tomada, disse “que para trás não voltaria”.
Segundo ele, foi através da senhora Marluce Pinto, esposa do falecido Ottomar de
Souza Pinto, então primeira dama do município de Boa Vista, que conseguiu gratuitamente o
terreno no bairro Asa Branca. Sobre isso ele diz: “eu tive sorte porque além do terreno eu ganhei
tábuas e telhas, porque naquele momento eu não tinha condições para adquirir esse material”.
Segundo o Sr Sebastião as principais dificuldades enfrentadas por aqueles que viviam
no bairro, naqueles anos, eram a falta de energia elétrica e água encanada, ou seja, a falta de uma
estrutura mínima, e conta que por causa disso algumas pessoas abandonavam as casas e depois
vinham outras e ocupavam os chamados “barracos”.
Consultas à Prefeitura de Boa Vista, não precisaram a data de criação do bairro.
Segundo o Jornal Folha de Boa Vista, em encarte publicado por ocasião dos 122 anos da cidade
(outubro de 2012), o bairro Asa Branca foi criado no ano de 1986. Entretanto, o mais correto é
considerar o ano já citado pelos entrevistados anteriormente, que é 1982. Deve-se considerar a
luta e a persistência de muitos migrantes que ali ficaram, mesmo sem garantias de que o bairro
iria se desenvolver, somente com a vontade e a determinação de lá permanecer.
2.3 Por que vim para o Asa Branca?
A década de 1980 é um marco importante na trajetória de muitos migrantes que aqui
chegaram em Boa Vista em busca de oportunidades, muitos deles influenciados pelas
“facilidades” anunciadas. Este período que compreende a década de 1980, tem como principal
característica o espantoso crescimento populacional, considerado também como um boom
demográfico na cidade de Boa Vista.
Para Barros (2007, p. 20) no que concerne ao esforço de compreensão do fenômeno
37
urbano diversas imagens têm sido empregadas desde tempos imemoriais, cada qual acarretando
em benefícios e limitações. Para ele o “poder magnético das cidades remete às noções de centro
e periferia, particularmente no que concerne a região a elas adstrita”.
No caso de Boa Vista, diversos fatores atraiam os migrantes e, em um primeiro
momento, eles não estavam alinhados com a argumentação de Barros, já que muitos vieram em
busca de terras e para o garimpo, dirigindo-se à Boa Vista posteriormente, como contam os
nossos entrevistados. Com isso percebemos que em tempos não muito distantes os benefícios e
também as limitações contidas no viver urbano ainda são uma realidade bem presente.
Dona Marlene Silva relata que ao chegar em Boa Vista viveu uma realidade nova e
diferente daquela que ela vivia, veio morar na cidade na casa de um irmão, no bairro Mecejana.
Entretanto, um dos seus objetivos era conseguir uma casa, por isso ela diz “... nada melhor do
que morar no que é da gente e ter sua privacidade...”
Para a Srª Marlene um dos benefícios encontrados foi a facilidade em conseguir
terreno/casa para morar e construir. Prova disso foi a sua própria experiência, quando diz que o
fator decisivo na escolha do bairro, foi a doação de terrenos e casas que estava acontecendo no
Asa Branca, pois já fazia dois anos que ela morava de favor na casa do irmão, o que a levou a
não perder a oportunidade de ter uma casa própria.
… nesse período (1984), eu estava grávida de um dos meus filhos, e o Ottomar estava
medindo e dando terreno no bairro Asa Branca. Eu e um grupo de pessoas na sua
maioria mulheres, se reunia e ia lá para o palácio tentar conseguir uma senha. Meu
terreno, não consegui próximo da minha mãe, ganhei na Av. Manoel Felipe, mas valeu a
pena … trabalhamos e conseguimos construir nossa casa.
Experiência parecida viveu o Srº José Gomes. Quando chegou em Boa Vista foi morar
no bairro São Vicente também casa de parente. Depois foi morar de aluguel com a família nos
bairros Treze de Setembro e Liberdade. Já morando em Boa Vista há um bom tempo e, como ele
mesmo diz, “acostumado com o lugar”, um dos seus desejos era ter uma casa própria. No final
de 1982, quando soube que o governador estava criando o bairro Asa Branca, foi em busca de
conseguir uma casa.
Porém, as 122 casas construídas já tinham dono, o que lhe deu a chance de conseguir
somente o terreno. Sobre isso seu José fala: “...mesmo assim agradeço muito, porque com isso
saí do aluguel e coloquei minha família dentro de uma casa, embora humilde, mas nós podíamos
dizer que era nossa...”.
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Para o Sr Onízio, vir para o Asa Branca foi uma das melhores escolhas que podia fazer,
uma vez que depois que voltou do garimpo seu objetivo era trazer a família que ainda morava na
colônia em Mucajaí para Boa Vista. Como já foi mencionado acima, uma companheiro de
garimpo indicou uma casa que estava a venda e ele diz: “comprei essa casa, embora na época o
bairro não tinha praticamente nada, mas não me arrependo de estar até hoje aqui”.
Da mesma forma, o Sr Sebastião Pereira também veio para Roraima para viver no
interior, ao chegar em Vila Iracema seu intuito era trabalhar e sobreviver da agricultura, trabalho
ao qual já fazia no Maranhão. Mas mesmo tendo uma “grande fartura”, como ele mesmo diz, ele
se sentiu sozinho para plantar e colher, pois não havia interesse nenhum por parte de quem estava
lá de cultivar e trabalhar na roça: “lá naquela época (1983), ninguém queria [trabalhar] nem
dando arroz, quanto menos pagando para plantar e cortar”. Caso não tivesse acontecido essa falta
de motivação e interesse pela agricultura, ele diz que, talvez, ainda hoje estivesse morando em
Iracema.
Portanto, um dos fatores que predominou na decisão de migrar para a cidade e de
escolher o bairro Asa Branca para residir, foi a falta de perspectiva com aquilo que ele sabia
fazer, trabalhar com a agricultura, junto à promessa feita a ele pela Srª Marluce Pinto de
conseguir um terreno no novo bairro que estava começando em Boa Vista.
Chegando em Boa Vista, em 1983, construiu o “barraquinho” no Asa Branca e trouxe a
família, ele ressalta: “tivemos que enfrentar muitas barreiras, logo eu não tinha estudo fui
trabalhar de ajudante de pedreiro e teve um período que eu deixei a mulher com os filhos em Boa
Vista e fui trabalhar no garimpo. Mas lá não tive tanto sucesso e voltei para casa”.
Por mais parecidas que sejam as experiências vividas, porém, existem antagonismos que
apontam para uma fragmentação no modo de ver e contar essas histórias, ou seja, o fato narrado
por diversos narradores, ainda que o mesmo, não é homogêneo e nem intocável. Não obstante,
diante do que narram os entrevistados, se confirma o que já foi referido a respeito das redes
sociais, representadas por laços familiares, amizades, relações no trabalho influenciando de
forma decisiva no momento de migrar e de se instalar no bairro Asa Branca. No mesmo
caminho, se explicitam nas diferentes experiências narrada sobre o estabelecimento dos
narradores e suas famílias no bairro as ações dos agentes públicos, representadas como
“facilidades”.
Entre sonhos e desilusões as pessoas reinventam maneiras para se saírem das situações
difíceis, isso fica perceptível em todas as narrativas. O certo é que a ousadia e a coragem em
arriscar desses migrantes resultam em novas possibilidades e isso os ajuda a superar os
39
momentos incertos.
2.4 Como era o bairro Asa Branca que eu conheci.
Do ponto de vista da capacidade que tem a memória de lembrar de acontecimentos e
fatos do passado, percebe-se que não é difícil para as pessoas organizarem as lembranças, nas
quais sobressai a comparação entre o passado e o presente, destacando que a subjetividade e o
lugar de onde fala o sujeito influenciam no ato de lembrar e contar e na forma que se apresenta.
Contudo, na fala sobre a experiência dos migrantes entrevistados há uma unanimidade,
quando perguntados sobre como era o bairro naquela época e hoje em dia: todos contam que o
lugar não contava com água, luz elétrica, transporte, ruas asfaltadas, saneamento básico e serviço
de saúde e segurança, ou seja, tudo o que é essencial à vida urbana.
Para o senhor Sebastião as condições do bairro no ano em que ele chegou eram
precárias. Concorda com ele a Srª Maria Marlene Silva que diz: “olha, pra você ter ideia, aqui
nem comércio existia. O que precisasse comprar tinha que ir ao centro e pra sair daqui e pegar
um ônibus nós íamos andando para o Bairro Buritis, porque a linha do ônibus só vinha até lá”.
O Sr Onizio cita, inclusive, a precariedade das próprias casas que eram improvisadas
com “sarrafos” que eram pegos em uma serraria próxima a Rua Mestre Albano, diz ele “aqui no
inverno era um lamaçal nas ruas e formava lagoas”. A época de chuvas era bem complicada,
segundo a fala dos entrevistados se devia às grandes valas abertas nas ruas para construção de
esgotos, os quais levaram anos para serem feitos, perdurando as valas abertas por muito tempo,
dificultando assim a vida dos moradores durante o inverno.
Ainda segundo Sr Onizio esse período, o inverno, era o mais difícil: “... quando chovia
aqui tinha que erguer os móveis porque a água invadia a casa, nós ficávamos com água no
joelho...”. Ele acrescenta que mesmo com a falta de estrutura do bairro na época, os políticos só
apareciam lá em período eleitoral, com promessa de melhorar as condições do bairro. Vimos que
os narradores são unânimes em explicitar a estratégia do aparelho politico do Estado, que
funcionava em prol de interesses de alguns grupos políticos.
Do ponto de vista do Sr José Gomes de Oliveira, somente a persistência e a esperança
fez com que muitos permanecessem no bairro: sem água, sem luz, sem transporte e sem
segurança. Apesar dessa realidade nenhum deles afirmou ter sentido saudades ou vontade de
voltar para o lugar de onde vieram.
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A Srª Maria Marlene ressalta: “olha, já vim de lá por dificuldades e por falta de
oportunidades, acho que por isso não tenho saudade de lá”. Para o Sr Onizio, lembrar do passado
e das tristezas que sentiu no Maranhão é sofrer duas vezes, por isso ele diz: “ não sinto saudade
de lá e nem pretendo voltar até porque se você lembrar do lugar não tem como não recordar o
sofrimento”.
A Srª Maria Marlene considera o ano de 1985 como de maior crescimento
populacional do bairro Asa Branca, a este respeito ela informa: “… nesse tempo muitas pessoas
que saíam do garimpo vinham para o bairro. E com esse crescimento veio junto também à
intranquilidade, pois a insegurança aumentou consideravelmente, as ruas se tornaram perigosas e
as galeras começaram a aparecer”.
O Sr Gomes lembra que na época só havia a Avenida General Ataíde Teive totalmente
aberta e sobre isso ele explica: “no passado a Ataíde Teive era só um lavrado, no verão a poeira
subia e no inverno era aquela situação caótica, lama e alagamento”. Comparando com hoje ele
constata: “… já está muito mudado temos lojas, comércios, bancos e outras benfeitorias, mas
ainda precisa-se de muitas melhorias, na saúde, segurança, saneamentos básico, são necessidades
que merecem atenção especial por parte dos nossos governantes”.
2.5 O bairro Asa Branca hoje.
O bairro Asa Branca se destaca hoje em nossa capital por acolher um dos maiores
centros comerciais da cidade, que se diferencia por oferecer diversificados serviços, preços mais
populares, geração de empregos e renda. É no bairro também que acontece uma das principais
feiras, a tradicional Feira do Garimpeiro, que apesar de contestada por algumas pessoas por
ocupar e bloquear uma das mais importantes avenida da cidade, oportuniza aos pequenos
produtores rurais vender seus produtos aos domingos. Também se encontra no bairro, agências
bancárias e lotéricas, agência dos correios, escolas, transporte urbano como ônibus e táxi lotação
que atendem ao bairro.
Apesar da aparente melhoria nas condições de vida de seus moradores ainda são
notórios alguns problemas vividos há décadas atrás.
Embora no passado tenham sofrido com a total falta de infraestrutura básica no bairro,
hoje se torna indispensável a aplicação de politicas públicas que beneficiem os moradores do
bairro Asa Branca. A Srª Maria Marlene aponta como uma das principais carências do bairro hoje
41
a “saúde de qualidade”: “...é uma das principais necessidades do bairro e precisa melhorar o
atendimento”. Ressalta que “hoje temos um único posto médico, mas se você for lá tem dia que
não tem nem sequer curativo e muito menos o remédio que o médico receita. Para mim a
principal carência do bairro”.
Já para o Srº José Gomes a segurança deveria ser prioridade, pois, o bairro cresceu e
aumentaram os problemas de violência: “sabemos que esta situação não é exclusiva do nosso
bairro, mas quando acontece algo que se precisa da policia, ligamos e a demora em atender é
enorme. Fora isso eu considero o bairro tranquilo para se viver”.
Nas narrativas apresentadas percebemos que o passado e o presente estão estritamente
ligados, as realidades apresentadas por vezes parecem homogêneas no modo de narrar, contudo a
percepção e a subjetividade intermediam a memória na hora de falar. Desse modo ganha força o
que diz Alberti (2005, p.171), “o entrevistado transforma o que foi vivenciado em linguagem,
selecionando e organizando acontecimentos de acordo com determinado sentido”.
Falaram os narradores, mas muito ainda há para ser dito e ouvido. Neste movimento de
falar e ouvir, enfatizamos que a presença de nordestinos na “construção” do bairro Asa Branca
tem um significado próprio e dá ao bairro uma identidade e uma característica regional bem
acentuada, a começar pelo nome que foi dado ao bairro. Neste sentido podemos afirmar que
também a memória coletiva tem um lugar de destaque na preservação da história do bairro e na
relação entre os seus moradores.
Nesse contexto, um aspecto importante a ser lembrado é que, como afirma Vale (2005),
“nos processos migratórios contemporâneos, os migrantes mantêm múltiplas relações tanto na
sociedade de destino quanto na de origem”. Em outras palavras, esses processos são responsáveis
por estreitar laços de pertencimento e de identidade, sejam de caráter social, cultural e até étnico.
Maurice Halbwachs em seu estudo sobre a memória coletiva (2006) também enfatizou a
inseparabilidade do tempo e do espaço na memória. Segundo ele, o tempo da memória só se
concretiza quando encontra a resistência de um espaço. A memória tem uma dimensão
individual, mas, conforme nos aponta o autor, muitos dos referentes dessa memória individual,
que é por definição única, estão também numa memória intersubjetiva, uma memória
compartilhada, uma memória coletiva. Para Halbwachs (2006):
… a memória coletiva envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas.
A memória coletiva evolui de acordo com suas próprias leis. Daí se algumas lembranças
individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que sejam recolocadas
num conjunto que não é mais [aquele da] consciência pessoal.
42
Diante das entrevistas pensamos na complexidade e nos variados desdobramentos que
envolvem a memória e a relação entre a memória individual e a coletiva. Para Halbwachs (2006),
ela é um conjunto de lembranças construídas socialmente e referenciadas a um grupo que
transcende o indivíduo. A partir desse conceito o autor é enfático ao apontar o caráter familiar,
grupal e social da memória, contudo, sem negar a importância da memória individual, pois,
segundo ele, a capacidade de lembrar é determinada, não pela aderência de um indivíduo a um
determinado espaço que habitou, um espaço em que trabalhou, um espaço em que viveu, mas em
um espaço que foi compartilhado por uma coletividade, por um certo tempo, seja ele a residência
familiar, a vizinhança, o bairro, o local de trabalho.
A partir desta reflexão, inserimos as narrativas das pessoas que ajudaram a construir este
trabalho. Pessoas essas, em sua maioria nordestinas, provenientes principalmente do estado do
Maranhão, que com o espírito destemido enfrentaram muitos momentos árduos em sua luta
diária, por um pedaço de chão para morar, por uma melhoria de vida que passa pelo paradigma
da terra dos sonhos e das oportunidades.
Destaca exemplarmente dona Marlene em seu depoimento:
… tivemos que ter muita coragem e força de vontade para encarar aquela situação aqui
em nosso bairro, mas nós não tínhamos alternativa, a não ser persistir e graças a Deus
superamos. Hoje olhamos para o Asa Branca e vemos um grande centro comercial em
nossa cidade, pensar que aqui um dia era vala e muita poeira e hoje está assim é
gratificante para nós.
Segundo Abreu (2011) a memória individual pode contribuir para a recuperação da
memória das cidades. A partir dela, ou de seus registros, pode-se enveredar pelas lembranças das
pessoas e atingir momentos urbanos que já passaram e formas espaciais que já desapareceram.
Podemos considerar nesse processo de reconstruir o passado de um bairro através da memória,
que o individual e o coletivo se entrelaçam para definir e dar uma identidade a um lugar, a um
grupo de pessoas, os moradores do Asa Branca.
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DH CLEUDIMAR ARAÚJO CONCEIÇÃO O SURGIMENTO DO BAIRRO ASA BRANCA NA DÉCADA DE 1980, EM BOA VISTA/RR Boa Vista/RR 2012
  • 2. CLEUDIMAR ARAÚJO CONCEIÇÃO O SURGIMENTO DO BAIRRO ASA BRANCA NA DÉCADA DE 1980, EM BOA VISTA/RR Monografia de conclusão de Curso apresentada à Universidade Federal de Roraima como instrumento de avaliação do curso de Bacharel e Licenciatura em História. Orientadora: Profª Dra. Carla Monteiro de Souza. Boa Vista/RR 2012
  • 3. CLEUDIMAR ARAÚJO CONCEIÇÃO O SURGIMENTO DO BAIRRO ASA BRANCA NA DÉCADA DE 1980 EM BOA VISTA/RR Monografia apresentada como requisito para a obtenção do título de Graduação, no Curso de Bacharel e Licenciatura em História da Universidade Federal de Roraima – UFRR, defendida em 31 de Outubro de 2012 e avaliada pela seguinte banca examinadora. _____________________________________ Profª Dra. Carla Monteiro de Souza Departamento de História/UFRR Orientadora ______________________________________________ Profª Dra. Maria das Graças Santos Dias Magalhães Departamento de História/UFRR Membro ____________________________________ Prof. Dr. Paulo Rogério de Freitas Silva Departamento de Geografia/UFRR Membro
  • 4. DEDICATÓRIA Para este momento tão importante e único em minha vida, dedico este trabalho aos meus pais Francisco da Conceição e Maria do Rosário Araújo. Eles sempre serão para mim um exemplo de grandes virtudes. A eles meu reconhecimento pelos valores que me ensinaram, pelo afeto e, sobretudo, pelo zelo e incentivo que sempre tiveram com a minha “educação escolar”. Aos meus irmãos Cleudinaldo Araújo, Vera Lúcia Araújo e família e Piedade e família pelo apoio mesmo a distância não deixaram de manifestar alegria e incentivos no decorrer desta caminhada. À minha esposa Francimeire Souza, companheira e fiel incentivadora durante esses quatro anos e meio de curso. A ela minha sincera gratidão por ter me incentivado a prestar Vestibular para o curso de História na UFRR, em 2008, e minhas desculpas pelas ausências em momentos que tanto precisou da minha presença mais constante, principalmente no cuidado com os nossos filhos. Aos meus presentes de Deus, Gabriel e Jonata. Eles também foram a minha razão em continuar firme sem desistir do curso. A eles minhas desculpas pelos momentos em que fiquei ausente da vida deles, ao longo dessa trajetória. Por fim, dedico este trabalho aos meus tios Amadeu Teles de Araújo e Francisca Lozeiro, aos meus primos Arnon Silva e Alacide que me acolheram em sua casa logo que aqui cheguei e deram-me apoio, manifestaram em palavras, durante minha caminhada acadêmica.
  • 5. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a Deus, minha fonte de luz e inspiração, e a principal razão das minhas conquistas. A aquela que durante esta caminhada muitas vezes ficou só nos cuidados da nossa família, ao meu amor, minha esposa Francimeire, pela paciência, companheirismo e ajuda nos momentos de obstáculos, pela contribuição de conhecimentos pelas madrugadas acordadas, obrigado. Agradeço a todos os colegas de turma do 2008.1, àqueles que seguiram em frente aos que ficaram pelo caminho, pelos anos de convivência em que partilhamos muitos momentos de alegria, obstáculos, derrotas, mas também de vitórias e superação. Meu agradecimento a todos os professores do curso de História da UFRR que muito contribuíram na minha formação. De modo particular e especial à minha orientadora profª Drª Carla Monteiro de Souza pela dedicação, disponibilidade, motivação, incentivo e pelos novos conhecimentos fornecidos para que eu continuasse escrevendo e aperfeiçoando este trabalho. A ela meus sinceros agradecimentos por todas as contribuições que enriqueceram a minha escrita e pelo encorajamento nos momentos de desânimo. A todos que contribuíram direto e indiretamente com este momento, ao meu amigo Marcos Nogueira pela ajuda e, sobretudo, pela sua boa vontade e generosidade em ceder suas “preciosas fontes” historiográficas. Não poderia deixar de mencionar os moradores do bairro Asa Branca que gentilmente acolheram-me em suas casas e partilharam um pouco de suas vidas. Minha sincera gratidão ao Srs Onizio Nonato, José Gomes, Sebastião Pereira á Srª Maria Marlene e ao companheiro Robert Reis dos Santos que atenciosamente apresentou-me aos entrevistados deste trabalho. Por fim, agradeço de coração a todos aqueles (as) que contribuíram indiretamente para este momento de forma especial: Srª Raimunda, Srº Francisco Almeida, Maria Rosa Morais Pereira. A todos muito obrigado!!!
  • 6. RESUMO O presente trabalho busca explicar e compreender a criação e a ocupação do bairro Asa Branca, localizado em Boa Vista- RR, e o papel dos migrantes neste processo. De acordo com a pesquisa, a década de 1980, em Roraima, e especificamente na capital Boa Vista, foi marcada por transformações de ordem social, econômica e também espacial. Essas transformações que ocorreram estavam ligadas diretamente aos incentivos oficiais que, dentre outros fatores, atraíram migrantes para a cidade vindos em maior número da região Nordeste. O resultado da pesquisa comprovou que o processo de ocupação e criação do bairro Asa Branca foi garantido pela forte migração em direção a Boa Vista, influenciada pelas redes de informações e mediante a adoção de práticas assistencialistas e clientelística, como a doação de casas e terrenos, de materiais de construção, e de “amparo” aos migrantes, o que promoveu a expansão da cidade em direção à zona oeste. A pesquisa baseou-se em variadas fontes, em especial nas fontes orais, visando incorporar a memória, a história e a trajetória dos migrantes envolvidos no processo de surgimento do bairro Asa Branca. PALAVRAS-CHAVE: migrantes – ocupação urbana – Boas Vista – Asa Branca – memória.
  • 7. ABSTRACT The present work tries to explain and understand the creation the occupation of the city district of Asa Branca (White wing) located in Boa Vista RR the part of the migrants in this process. According to the research the decade of 1980 in Roraima and especially in the capital of Boa Vista it was marked with transformations of the social and economic order and also spatial. These transformations that happened were connected directly with the officials incentives that among others factors attracted migrants to the city coming in a big number from the north east region. The result from the research confirmed the process of the occupation and creation of the city district Asa Branca (white wing) was warranted by the strong migration in direction to Boa Vista, influenced by information of network and by means of donation of the practices of helpers and client-ship. Like the donation of houses and lands, material for construction and the help for migrants. That proved the expansion of the city in direction of east zone. The research was based on a varied source and especially on the oral sources aiming to incorporate the memory, the history and the trajectory of the migrants involved in the process of the city district Asa Branca (white wing). KEY WORDS: Migrants – Urban Occupations – Boa Vista (good sight) – Asa Branca (white wing) – Memory.
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 Capitulo I A MIGRAÇÃO COMO UM PROCESSO SOCIAL RESPONSÁVEL PELA CONSTITUIÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS ..................................................................12 1.1 Roraima no contexto da mobilidade e das transformações espaciais ........................16 1.2 Os fluxos migratórios em Boa Vista/RR, na década de 1980 ....................................18 Capitulo II O BAIRRO ASA BRANCA: EXPERIÊNCIAS MIGRATÓRIA E A CONSTRUÇÃO DO LUGAR ......................................................................................................................25 2.1 “Lá a gente tinha uma vida sofrida...” .........................................................................30 2.2 “As cartas falavam que aqui estava muito bom” .........................................................35 2.3 Por que vim para o Asa Branca? ..................................................................................36 2.4 Como era o bairro Asa Branca que eu conheci ............................................................39 2.5 O bairro Asa Branca hoje .............................................................................................40 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................43 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................48 FONTES ORAIS.......................................................................................................................52 ANEXO......................................................................................................................................53 Anexo “A” Roteiro das entrevistas.............................................................................................53
  • 9. 8 INTRODUÇÃO A nova historiografia propiciou aos estudiosos e pesquisadores a oportunidade de se debruçarem sobre seus objetos com enfoques voltados para interdisciplinaridade. Hebe Castro (1997, p. 46) ao comentar a oposição do Movimento dos Annales a uma historiografia factualista, centrada nas ideias e decisões de grandes homens, destaca que a nova proposta historiográfica promove uma história problema, viabilizada pela interdisciplinaridade, pela abertura às temáticas e métodos das Ciências Humanas e Sociais. Desse modo incluímos este trabalho no campo da História Social, pelo fato de uma de suas características ser o diálogo com outras áreas afins ao conhecimento histórico. Neste sentido, Castro (1997, p. 46) afirma que a História Social passa a ser encarada como perspectiva de síntese, como reafirmação do principio de que em história todos os níveis de abordagem estão inseridos no social e se interligam. Destarte, apesar do caráter histórico da pesquisa, o tema possibilita o diálogo com outras áreas do conhecimento, como a Geografia, favorecendo assim a ampliação de fontes e abordagens, enriquecendo o conhecimento aqui exposto sobre a cidade de Boa Vista. As preocupações e interesses em estudar, compreender, planejar a cidade e o viver urbano tem atraído o interesse desde os mais remotos períodos da história. Segundo Barros (2007 p. 10) “embora a preocupação do século XIX em relação à cidade fosse essencialmente político- administrativo, já havia uma tendência em explorar a compreensão do social por parte de alguns estudiosos e filósofos” Podemos considerar que tal tendência consolidou-se nos séculos posteriores e continua até os dias atuais. O século XX, por exemplo, é caracterizado por fortes movimentos migratórios em vários momentos e lugares do mundo e a redefinição espacial de várias regiões. A própria Revolução Industrial foi responsável por promover a migração em massa em direção a grandes centros em formação. Neste contexto, do Brasil e suas regiões, tem destaque a Amazônia que recebeu grandes fluxos migratórios – iniciados nas últimas décadas do século XIX com o boom da borracha – o que no século passado resultou em significativas modificações tanto no aspecto social, quanto no aspecto físico. A região Amazônica com inúmeros fatores de “atração” foi destino certo de um considerável número de migrantes, principalmente oriundos da região Nordeste. A partir dessa mobilidade espacial que envolveu diferentes sujeitos, vê-se a necessidade
  • 10. 9 de lançar um olhar para a realidade social que envolve diferentes atores de regiões distintas que acabam por criar laços de identidade com a Amazônia e que atuam diretamente na formação e expansão deste espaço. Um dos aspectos a se considerar no estudo da relação entre migração e mudanças no espaço amazônico é a crescente urbanização observada na região nas últimas décadas. Assim, o presente trabalho busca analisar o processo de ocupação e o surgimento do bairro Asa Branca, na década de 1980, em Boa Vista-RR. Levando em consideração a forte influência da migração na criação do bairro, evidenciamos a memória de alguns migrantes nordestinos que conheceram e viveram o início do Asa Branca. Com este objetivo buscamos responder algumas inquietações suscitadas pela década de 1980 em Boa Vista-RR. Conforme apresentaremos neste trabalho, a década de 1980 representou para Roraima e sua capital, Boa Vista, um período de mudanças significativas em seu quadro demográfico e consequentemente em sua organização espacial. Segundo Silva (2008, p. 121-122), tomando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a evolução demográfica de Roraima, em termos relativos, apresentou um quadro oscilatório de crescimento entre a década de 1970 e 1980, em que o crescimento foi de cerca de 6,8% ao ano; já no período de 1980 a 1990 o crescimento ocorreu de forma acelerada a taxa de 9,6% ao ano; reduzindo-se a partir de então para 4,4% ao ano entre 1991 e 2000 e para algo em torno de 2,9% ao ano no período de 2000 a 2007. Diante dos dados mencionados acima buscamos entender as características que envolveram o crescimento demográfico de Roraima. A primeira vista este crescimento parece paradoxal, já que havia os incentivos rurais da época, a distribuição de terras livres, além da abertura dos garimpos de ouro e diamante. Entretanto, as maiores taxas de crescimento demográfico verificaram-se no contexto urbano, principalmente em Boa Vista. Partindo desta reflexão, dentro do contexto da década de 1980, uma das principais indagações a ser respondida pela pesquisa foi: quais as motivações que levaram aquelas pessoas a migrarem para o bairro Asa Branca e que incentivos oficiais tiveram para lá permanecerem. Outrossim, com a finalidade de contribuir para explicar e compreender como se deu a expansão urbana da cidade de Boa Vista e como o processo migratório contribuiu na formação e desenvolvimento do bairro Asa Branca, organizamos o trabalho em dois capítulos e formulamos alguns passos que foram seguidos durante a pesquisa, a partir de uma metodologia que contemplasse os objetivos propostos.
  • 11. 10 No primeiro capítulo fazemos uma discussão mais teórica sobre a migração, enquanto processo social e como elemento que favorece a constituição de novos espaços. Ressalta-se que tais conceitos e fatores mencionados não tem a pretensão de dar conta de toda a complexidade que envolve a migração. Contudo, tornou-se indispensável envolver diferentes pontos de vista de alguns autores a respeito da temática migração e os fatores que contribuem para que ela aconteça. Assim a partir dessa discussão situarmos o nosso objeto de estudo. Prosseguimos contextualizando Roraima, com destaque para o período de transição de território federal para estado, cujo novo “status” resultou em novas transformações espaciais e acarretou um crescimento acelerado e desordenado do perímetro urbano da cidade de Boa Vista- RR. Pode-se considerar que essas novas características adquiridas pela cidade de Boa Vista estão diretamente ligadas aos fluxos migratórios para Roraima. Conforme análise feita, as políticas de incentivo rural, a abertura dos garimpos e a construção da BR 174 foram fatores importantes que impulsionaram a vinda de migrantes. Isto ocasionou um “boom demográfico” em Roraima, inicialmente em direção às colônias agrícolas, assentamentos promovidos pelo poder público e, particularizando a década de 1980, em Boa Vista. O segundo capítulo trata da experiência migratória de quatro pessoas de diferentes lugares do Nordeste, que chegaram a Roraima e se estabeleceram em Boa Vista, cujas trajetórias ajudam a explicar e compreender a “construção do lugar” Asa Branca. O início do segundo capítulo contextualiza Boa Vista ainda no período de sua emancipação política, 1943, segue discorrendo sobre os primeiros bairros que existiam e, a partir dos anos 1970, a criação de novos bairros e a implantação de conjuntos habitacionais, ocupações irregulares e de loteamentos. Em um breve retrospecto, aborda a cidade ainda considerada “pequena”, e as novas tendências de expansão da cidade. Com isso, aponta-se para o fato de que a década de 1980 acelera esta expansão e promove o fortalecimento das políticas assistencialistas que incrementaram a migração e motivaram o surgimento de vários bairros, entre eles, o bairro Asa Branca na zona oeste da cidade. Nesse sentido, vimos que as novas formas do tecido urbano no que se refere às diferenças espaciais e a distribuição da população estão ligadas a uma série de condicionantes que são responsáveis pelo direcionamento e crescimento da “mancha urbana” em direção a oeste da cidade (SILVA, 2009). Dentro deste contexto, introduzimos as entrevistas feitas com os migrantes, utilizando a metodologia da história oral para constituirmos estas importantes fontes para esta pesquisa.
  • 12. 11 Desse modo trabalhamos com entrevistas semiestruturadas, aplicadas a quatro moradores do bairro Asa Branca de origem nordestina, que lá residem desde o início dos anos de 1980. Vale salientar que além de informações colhidas junto a órgãos públicos, bem como a Prefeitura Municipal de Boa Vista, Jornal Folha de Boa Vista e o Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica da UFRR, a receptividade e a disponibilidade por parte das pessoas que cederam um pouco do seu tempo para realização das entrevistas, nas quais gentilmente compartilharam suas experiências e trajetórias de vida, foi fundamental para realização da pesquisa e para o resultado final deste trabalho. Destacamos ainda, que esta pesquisa não visou dar respostas prontas e acabadas e nem tampouco escrever toda a história do bairro Asa Branca e da experiência migratória de seus moradores. Visamos somente contribuir para o conhecimento histórico e abrir espaço para que novas pesquisas, novos questionamentos, surjam e enriqueçam a historiografia do nosso estado, por isso tomamos como aporte a pesquisa qualitativa, a fim de alcançar os resultados apontados ao longo do trabalho.
  • 13. 12 CAPÍTULO 1 A MIGRAÇÃO COMO UM PROCESSO SOCIAL E RESPONSÁVEL PELA CONSTITUIÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS. O fenômeno das migrações tem ganhado força e uma atenção maior nos últimos anos por parte de pesquisadores de várias áreas das Ciências Sociais. Essa atenção é devida a preocupação em compreender de forma teórica e conceitual as migrações e seu impacto na formação dos lugares. Devido à complexidade em conceituar e relativizar as motivações que levam as pessoas a saírem de seu lugar de origem, buscou-se apoiar o nosso trabalho em pesquisas nas áreas da História, da Geografia e de outras Ciências Humanas e Sociais. Migrar de um lugar para o outro é algo muito comum em nossos dias, por vários motivos: a busca de uma vida melhor, de novas oportunidades ou induzido por pressões do mercado de trabalho ou pelos laços familiares. O universo de situações concretas leva o migrante a criar laços sociais e de identidade com o lugar que o recebe. Conforme Silva (2005, p.54) “o migrante insere-se em uma realidade social, definida por laços sociais que o caracterizam como pertencente a um determinado espaço social e cultural”. A partir dessa ótica pode-se inferir que o sentimento de pertença a um determinado grupo ou lugar identifica e situa esse migrante, tornando-o sujeito transformador da realidade. Desde o início da história da modernização da sociedade ocidental, a migração desempenha um papel relevante. Começa com o início da industrialização que provoca o conhecido êxodo rural, ou seja, uma vez criada uma superpopulação relativa, as pessoas migraram das regiões agrárias para os centros industriais. Conforme Heidmann (2010, p.19), devido a essa situação surgiram nas grandes cidades modernas, os exércitos industriais de reserva. Essas abordagens refletem o trabalho enquanto uma categoria analítica e histórica. Tratando das migrações enquanto processo que envolvem diversas situações concretas, Silva ressalta que: o eixo das interpretações recai sobre os agentes inseridos nessa realidade: homens e mulheres que se deslocam em diferentes espaços. Por outro lado, esses deslocamentos referem-se às relações econômicas, sociais produzidas nos espaços de origem e de destino dos migrantes, relações estas que se transformam não apenas em função de uma lógica estrutural de movimento do capital, mas também em função das relações sociais, entendidas como processo, isto é, como devir, como contradição, em que sujeitos determinados agem historicamente. (2005 p. 59).
  • 14. 13 As várias pesquisas realizadas em diferentes regiões do mundo têm mostrado que, cada vez mais, o capital busca viveiros de mão de obra barata , desqualificada, a fim de aumentar os níveis de acumulação. Para esta discussão Vale (2009, p. 46), contribui afirmando que “o enfoque da mobilidade da força de trabalho permite ainda uma maior atenção à continuidade e descontinuidade histórica das políticas migratórias que tem sido propostas e efetivadas no Brasil”. Migração e mobilidade se tornaram duas palavras-chaves das sociedades contemporâneas haja vista que a questão demográfica do mundo inteiro atualmente é marcada por deslocamentos populacionais em grande volume, são as idas e vindas e circulações que crescem e se modificam a cada dia. Heidmann (2010, p.18) enfatiza que as migrações não podem ser explicadas exclusivamente, nem a partir de princípios quantitativos, nem antropológicos. A migração não é um processo possível de ser explicado, a partir de si mesmo; a migração pode ser explicada apenas como fenômeno da história social concreta. Para isso é preciso entender em que sociedade esse fenômeno acontece e como os indivíduos interagem com essa sociedade. Patarra e Cunha (1987), ressaltam que a medida que avançamos na história, encontramo-nos com novos tipos de movimentos que decorrem de modificações estruturais e até mesmo conjunturais no espaço, possibilitando ao indivíduo que migra a inserção em uma realidade na qual ele se torna sujeito no processo de modificações que venha a ocorrer. Os estudos tradicionais das migrações afirmam que a grande força de atração dos centros capitalistas e do trabalho industrial inicial devia-se a um progresso civilizatório. Em outras palavras os fatores de expulsão e de atração assumem uma importância na decisão de migrar. Porém a realidade é outra, para Heidmann (2010, p.20), acontecem processos violentos em que as pessoas foram e continuam sendo expulsas de suas terras e socialmente desenraizadas, sendo isso fruto de uma imposição da economia de mercado e de uma coerção silenciosa da modernização e não através de motivos civilizatórios livremente, individualmente e subjetivamente escolhidos. Ressalta-se ainda o que coloca Patarra e Cunha sobre as correntes migratórias de uma determinada localidade de origem a uma determinada localidade de destino “o caráter social do movimento foi frequentemente expresso pela ideia de fatores de expulsão na área de origem e fatores de atração na área de destino. Uma das qualidades da migração contemporânea é que não é mais limitada a determinadas arrancadas não simultâneas da modernização em diversos territórios nacionais ou regionais, mas é universal e global (HEIDMANN, 2010). O que significa dizer que ela acontece
  • 15. 14 quase em todos os lugares simultaneamente e se apresenta em novas dimensões. Neste campo, Silva (2005, p.54) explica que “a denominação abstrata de migrante esconde o conjunto de situações concretas e particulares que definem sua identidade individual e social”. Desse modo podemos dizer que o fator econômico, por exemplo, não é um determinante exclusivo no processo e também na decisão de migrar, mas que existem outras situações que contribuem para isso e que evidenciam o protagonismo de cada pessoa na construção de sua história. Diante dessa realidade considera-se a migração: (...) fenômeno complexo essencialmente social, com determinações diversas, apresenta interações particulares com as heterogeneidades de uma formação histórico-social concreta que tende a assumir feições próprias, diferenciadas e com implicações distintas, para os indivíduos ou grupos sociais que a compõem e a caracterizam (Salim apud Vale, p. 24). Para entendermos melhor o contexto das mudanças que ocorrem com as migrações precisamos analisar alguns conceitos, como o de migrante. Para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) migrante é aquele sujeito que não é natural de um lugar mas tem residência fixa nele no período de até dez anos. De acordo com o que coloca Vale (2005, p.48), o migrante local é aquele cujo deslocamento se limita de uma a outra parte da mesma cidade, contudo é frequente alguém viajar, em busca de emprego, de município a município, radicando-se, por algum tempo, até que se ache. Portanto, o conjunto das situações concretas de vida e comportamento dos migrantes vai nortear a atuação de cada sujeito envolvido nesse processo, inclusive influenciando na decisão de migrar de um lugar para o outro. Aqui cabe destacar a importância das redes sociais no processo migratório. Elas possuem um papel relevante no conjunto de laços sociais que criam uma identidade individual. Vale (2005, p.134), referenciando-se em Tilly, explica que as “redes migram; as categorias permanecem; e as redes criam novas categorias”. Desse modo, “as unidades efetivas de migração não são nem individuais nem domiciliares, mas sim conjuntos de pessoas ligadas por laços de amizade, parentesco e experiência de trabalho que incorporaram o lugar de destino, nas alternativas de mobilidade por eles considerado”. A partir da década de 1980, destacam-se entre outros fluxos, aqueles em direção às fronteiras agrícolas, principalmente à Região Norte, com as políticas de ocupação e colonização, o garimpo “oficializado” por meio das empresas minerais, além da mudança dos territórios federais para estado (Roraima, Amapá) e a criação do Tocantins, atraindo migrantes não só do
  • 16. 15 Nordeste, mas de todas as regiões. Quanto à histórica relação entre o Nordeste e a migração, Vale (2005, p. 55), ao trabalhar a historicidade desta migração, aponta que “a história da migração nordestina coincide com a história da migração do Brasil”. Significa dizer que as ações de governo implantadas tinham como objetivo de solucionar os problemas enfrentados pela população nordestina ao mesmo tempo em que visava resolver o problema de mão de obra das indústrias emergentes no Centro-Sul, a exploração extrativista da Amazônia e a construção de Brasília. No contexto da Amazônia, Vicentini (2004) coloca que o período de 1940 a 1991 expressa formas diferenciadas de apropriação territorial, colocando a Bacia Amazônica como uma das fronteiras de expansão para o país, entendida, até a década de 80, como fronteira rural. Entretanto, esse entendimento foi superado em face da expansão dos modos de vida urbanos, que foram assimilados e se tornaram hegemônicos na região. De acordo com Souza (2006, p. 17) no processo de modernização da Amazônia, … além das redefinições espaciais, ocorreram e ocorrem encontros de indivíduos e grupos sociais e étnicos dotados de bagagem culturais diversas e de temporalidades distintas. Vale aqui destacar que na Amazônia encontram-se indígenas nos mais variados graus de contato, trabalhadores rurais e sem-terra, empresários, aventureiros, multinacionais e migrantes, todos portadores dos mais diversos sonhos. Como fronteira, a região é um espaço de diversidade e de contradição, onde muitos se encontram, onde os nexos se fazem no encontro, nem sempre pacífico e consensual entre “nós” e “eles”, entre o “eu” e o “outro”. Com isto percebemos que como qualquer processo migratório, seja ele individual ou em massa, tem seus conflitos e suas contradições dentro desse espaço que possui uma identidade e característica próprias. Vicentini (2004, p. 154), ao analisar a formação das cidades na Amazônia enfatiza que: … na década de 1980, a política de projetos nacionais redirecionou a concentração de recursos em “regiões” selecionadas, por meio de grande empreendimentos, vinculados ao potencial energético e de exploração mineral. Tais projetos, localizados preferencialmente junto às áreas de extração mineral interfeririam na formação da rede de cidades, como, também introduziriam novos padrões de urbanização. Ressalta-se que todos os projetos além de serem propagados como desenvolvimentistas, traziam em seu discurso a ideia de transformar a região com suas médias e pequenas cidades, em grandes polos de atração por meio da extração mineral ou dos projetos que construíam as hidrelétricas ou, ainda, grandes ações visando o povoamento do “vazio” amazônico.
  • 17. 16 1.1 Roraima no contexto da mobilidade e das transformações espaciais Localizado no extremo norte brasileiro, o Estado de Roraima limita-se ao norte com República Bolivariana da Venezuela, a leste com a República Cooperativista da Guiana, ao sul com estado do Amazonas e a sudeste com o Estado do Pará. Possui 1.922 km de fronteiras internacionais ocupando uma área de 225.116,1 Km, que representa 2,7 % da superfície total do Brasil (VALE, 2005. p. 17). Segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/Roraima, o estado apresenta uma população nativa de índios Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Wapixana, Ianomami, Uaimiri Atroari, Maiongong, além de uma população migrante oriunda de todas as regiões do país, distribuídos nos 15 municípios. (IBGE/ 2005). Boa Vista, a maior cidade do estado, ao longo das últimas décadas sofreu diversas alterações em sua organização espacial que influenciaram, sobretudo, na mudança dos ritmos, do cotidiano e dos significados da cidade. Neste sentido, para o contexto de Boa Vista, Oliveira (2011, p.46) considera a presença de “algumas cidades” dentro desta, sendo elas constituídas por dois eixos principais: de um lado, bairros emergentes se consolidam dentro das novas práticas e significações construídas em torno do rio Branco. De outro, a cidade das formas excluídas, constituídas por bairros precários e sem infraestrutura criados a partir de projetos de ocupação patrocinados pelo governo de invasões ou de promessas eleitoreiras. O contexto acima mencionado dá conta de uma cidade em dinâmica transformação espacial, proporcionada por uma modernização que acentua entre outras coisas as desigualdades sociais e o crescimento desordenado. O período de 5 de outubro de 1988 a 31 de dezembro de 1990 é considerado de transição do Território Federal de Roraima para estado. Cabe salientar que com a criação do estado de Roraima, em 1988, a cidade passa a ter uma maior autonomia em suas ações político- administrativas. Com isso, o prefeito passou a ser eleito pelo povo, e não indicado pelo governador, e isso significou a implementação de políticas voltadas para o desenvolvimento urbano e ações estratégicas mais autônomas sem a interferência do governo central. Veras, ao citar Barros, discute a ação do poder público com relação às ocupações que iam surgindo naquele período. Segundo o pesquisador, … no período de transição e após a criação do estado de Roraima, o poder público continuava com a politica de doação de lotes gratuitamente nas áreas “periféricas” da
  • 18. 17 cidade, que posteriormente foram transformados em bairros como foi o caso do bairro Asa Branca. Enquanto isso, as ocupações irregulares prosseguiam em ritmo frenético em diferentes áreas da cidade (2011, p.90). Para Barros, o período de 1987 a 1990 corresponde ao período de pico do garimpo, e a sua desarticulação por parte do governo federal provocou uma evasão de muitos moradores de Boa Vista, declínio no preço dos imóveis e centenas de habitações semiacabadas e fechadas, posto que a razão de permanência desses moradores garimpeiros em Boa Vista não mais existia. Entretanto, na contramão deste fato apontado por Barros, os dados do censo do IBGE colocam que independentemente da saída de parte dessa população garimpeira, em 1990-91, o estado de Roraima possuía 215.790 habitantes, destes 142.813 habitantes estavam concentrados na cidade de Boa Vista, referendando o que foi apontado por Barbosa (1993, p.189), de uma hiper concentração populacional na respectiva cidade. Nossas entrevistas apontaram que se muitos garimpeiros foram embora, outros tantos permaneceram e escolheram a capital para morar. A desarticulação do garimpo alterou em parte a configuração sócio espacial de Boa Vista, pois aumentou o número de habitantes que não tendo outra opção de moradia deslocava-se para a periferia e ocupavam irregularmente áreas de risco (áreas inundáveis e próximas aos lagos e igarapés). Dessa forma surgem os chamados bairros suburbanos, marcados pela falta de estrutura e de planejamento. (VERAS,2009). Em 1989, quando Barac Bento assumiu a prefeitura de Boa Vista, a cidade expandia-se de forma desordenada, sem um planejamento urbano estratégico que possibilitasse uma orientação de uso e ocupação do solo urbano, sobretudo em respeito ao meio ambiente. Uma das consequências dessa dinâmica espacial, foi uma “favelização” na periferia da cidade. Para Veras (2011, p. 91) “essa desordem urbana induziu a prefeitura a elaborar um plano diretor para nortear uma política de desenvolvimento urbano, o zoneamento urbano objetivando dar condições de acesso aos equipamentos e serviços públicos à população”. Uma das reflexões feitas por Oliveira (2011, p. 17), tem muito a ver com o nosso trabalho, ele menciona que “apesar dos garimpos de diamantes em Roraima existirem desde o final da década de 1930, seu boom demográfico ocorreu no final da década de 1980, especialmente a partir do período de transição da condição de Território Federal para Estado”. O fluxo de garimpeiros para Roraima vai influenciar na organização espacial da capital, sendo estimulado pelo próprio poder público. Para tanto, ele se referencia em Barros para mostrar que: (...) áreas na periferia, com lotes doados gratuitamente pelo poder público, foram
  • 19. 18 freneticamente ocupadas por habitações no período recente do garimpo (1987-1990), como o bairro de Asa Branca, enquanto ao mesmo tempo aconteciam invasões no bairro do Beiral, às margens do rio Branco, ao sul e contíguo à velha cidade. Antes que muitas casas estivessem prontas, a desarticulação do garimpo deixou centenas de habitações semiacabadas e fechadas, posto que a razão para a permanência desses moradores em Boa Vista não mais existia. (Oliveira, 2011, p.37). O bairro Asa Branca localizado na zona oeste de Boa Vista, surgiu em 1982, quando aconteceram as primeiras ocupações. A predominância nordestina de moradores na localidade provavelmente influenciou o nome do bairro que leva o nome do imortal sucesso “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, uma homenagem ao “rei do baião”. Os primeiros moradores vieram de estados como o Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte. Outro fator importante que remete ao Nordeste era o estilo de construção e pintura das casas que eram pintadas geralmente de branco, caiadas. Segundo nossos entrevistados, logo no início as casas eram construídas de madeira, e a área que compreende mais de trinta ruas do bairro de hoje era um grande lavrado. Em 1986 devido às dificuldades de infraestrutura (luz, água e transporte público) muitas famílias tinham abandonado as residências, o que fez com que outras pessoas invadissem as casas vazias. Naquele ano já havia uma escola na comunidade, a Escola Maria das Neves Rezende. A água encanada, a luz elétrica e o transporte coletivo só chegaram neste ano e só em 1989, o bairro teve sua primeira rua asfaltada: a rua Armando Nogueira. 1.2 Os fluxos migratórios em Boa Vista - RR, na década de 1980. A história de Roraima tem uma estreita ligação com a história de sua capital Boa Vista, isso porque o estado nasce a partir da cidade de Boa Vista. Conforme atesta Oliveira (2003:114), “o município de Boa Vista do Rio Branco, nasceu com a Constituição de 1891, transformando-se no núcleo político, administrativo e militar de relevância na região”. Vale lembrar que o município estava subordinado ao estado do Amazonas. Oliveira (2010, p.166) informa que historicamente o processo de “ocupação” da Amazônia sempre se baseou na transferência de significativos contingentes populacionais vindos de fora da região. Por exemplo, no período colonial, entre 1755-1816, foram trazidos, para o que corresponde hoje à Amazônia, algo como 34.934 escravos africanos. A partir de meados do século XIX, com a borracha, intensificou-se o fluxo migratório vindo do Nordeste, aparecendo como causa as secas cíclicas que atingiam aquela região fazendo com que nordestinos se deslocassem para o interior amazônico. Segundo dado do autor estima-se que cerca de meio milhão de nordestinos migraram para a Amazônia entre as três últimas décadas do século XIX e
  • 20. 19 as duas primeiras do século XX, impulsionados pela extração da borracha. Ao longo deste século, as ações do poder público constituíram-se como os principais fatores impulsionadores para as migrações para a região. Segundo Barbosa (1993, p.138), no início da década de 1940 o Serviço Nacional de Recenseamento elaborou um trabalho onde estimava a população do município de Boa Vista (excluindo-se os índios) em 10.509 habitantes, para o ano de 1940. Segundo o mesmo documento, os habitantes da capital Boa Vista não ultrapassavam 1.500 pessoas e a cota da população rural do município atingia 86,7% do total. As atividades eram registradas quase que na totalidade no interior, devido à criação dos rebanhos bovino e o garimpo, ou seja, Boa Vista ficava apenas como centro administrativo e posto de troca e venda de mercadorias. O mesmo autor informa ainda que “os primeiros dados oficiais confirmando a política de ocupação do Território, são relatados através dos recenseamentos de 1950, que conta com 18.116 habitantes, e 1960, com 28.302 habitantes. A população apresentou taxas médias de crescimento anual de 5,49% e 4,65% para os decênios de 1940/50 e 1950/60 respectivamente” (Barbosa, 1993, p. 139). O crescimento nestes períodos é justificado em parte pela pressão fundiária no Nordeste e a facilidade de obtenção de terras na Amazônia, que foram responsáveis por um significativo número de migrantes se deslocando em direção a Roraima. Neste aspecto é importante ressaltar a importância da criação do Território Federal do Rio Branco, que é instituído em 1943, incorporado à política do governo central de Getúlio que ficou conhecida também de “política de segurança nacional”, cuja a intenção era não só de proteger, mas de ocupar. O recém-instalado Governo Territorial, incumbido de reformular a estrutura de poder e empreender esforços para o desenvolvimento da região, criou as colônias agrícolas no início da década de 1950. Podemos afirmar que expansão das fronteiras agrícolas estimularam a entrada de muitas pessoas que viam no pedaço de chão e nos incentivos encontrados a chance de dias melhores. Segundo Santos (1994, p.32), “a transformação do espaço natural em espaço produtivo é o resultado de uma série de decisões e escolhas, historicamente determinadas”. Junto com o Território Federal do Rio Branco, foram criados o do Amapá e Guaporé, hoje Rondônia. De acordo com Silva (2007, p.116) “esses territórios foram criados em parte pela necessidade de se povoar as fronteiras, em especial onde o Brasil teve problemas de demarcação com a França, Inglaterra e também com a Bolívia”. A partir dessa argumentação vê-se que o discurso do Estado Novo, tinha o objetivo de dividir e ocupar o território amazônico. Segundo Freitas (2007, p.120), Boa Vista com a função de capital do Território, começa
  • 21. 20 a receber funcionários para exercerem os cargos administrativos. Consequentemente ocorre uma carência no setor de alimentos obrigando o governo a oferecer incentivos para o cultivo de produtos agrícolas. Barbosa (1993, p.139) acrescenta que a ação do governo “teve o intuito de suprir em alimentos e baratear o custo de vida, que abrigava o centro administrativo do território e seria o ponto de referência para os novos colonos que chegariam”, sendo a cidade o ponto de referencia para novos colonos que chegariam. Santos (2004, p.219), baseado em dados do IBGE, aponta para a formação rural do Território, explicando que “até o censo de 1980, Roraima era como todo território majoritariamente rural”. Entretanto, a partir de 1979, “com o governo Ottomar (1979-1983) iniciou-se uma política de incentivo migratório”. Segundo este autor, “os resultados desta política foram não só um movimento para o interior em busca de lotes rurais, mas também de lotes urbanos e das vantagens de uma vida urbana, proporcionada pela capital”, fatos estes mencionamos nas entrevistas realizadas. A década de 1980 é um marco para o processo migratório em Roraima. Barbosa (1993, p. 183), referenciando-se em Silveira & Gatti, afirma que a oferta de terras em Roraima e o surgimento de um fluxo migratório mais intenso, apesar de pouca expressividade no contexto nacional, representaram uma forma de expansão da fronteira caracterizada por um campesinato diferenciado. Com isso, vieram para Roraima migrantes oriundos de diferentes lugares, muitos já haviam passado por outros projetos de assentamentos na Amazônia e sofrido com o fracasso dos mesmos ou ainda teriam excedido no número de pessoas em busca de terra. Contudo, percebe-se que o boom demográfico em direção à capital foi motivado pela escassez dos incentivos que foi se dando com o passar do tempo e a própria falta de estrutura para permanência desses migrantes colonos. Veras (2009, p. 98) comunga com este argumento, ao afirmar que “muitas das famílias assentadas não permaneciam por muito tempo nos assentamentos, em virtude da descontinuidade do aparato técnico do governo”. Igualmente, entendemos como fator contribuinte nesse processo de crescimento acelerado e desordenado da cidade de Boa Vista, o garimpo. Santos (2004, p. 202), ao tratar do significado do garimpo para Roraima, destaca que “no fim da década de 1980 e início da seguinte, a mineração em Roraima intensificou-se a ponto de chamar a atenção da imprensa nacional e internacional em razão das transformações ambientais e sociais locais”. A propagação da imagem de Roraima lá fora como a “terra do ouro e das oportunidades”, despertou em muitas pessoas e famílias o desejo de conhecer e se aventurar nos garimpos de Roraima. Para entendermos melhor a importância do garimpo para Roraima, nos
  • 22. 21 apoiamos em Barros (1995, p.55), quando ele aponta que “os primeiros e ainda reduzidos sinais de garimpagem de ouro e diamantes em Roraima datam de 1917, nas áreas dos rios Mau e Cotingo, ao norte de Boa Vista”. Conforme o mesmo autor “é com a crise da borracha que se inicia em 1920 na Amazônia, que a pecuária no Rio Branco perde importância e o garimpo se torna a atividade impulsionadora da economia local”. Neste campo, Rodrigues (2008) informa que, a partir da primeira metade do século XX, houve uma pequena mas significativa intensificação das correntes migratórias que foram consequência da descoberta e extração de ouro e diamantes na região das serras de Roraima. Segundo Barbosa (1993, p. 187) “a atividade garimpeira surge com força ao final dos anos 1980, indicando forte estímulo ao crescimento populacional”. Entretanto, segundo ele, “a exploração de ouro em áreas indígenas Yanomami, entre o final de 1987 e meados de 1990, fez Roraima tropeçar no degrau mais alto de sua lenta ascendência econômica neste período”. Portanto, a corrida desenfreada ao ouro aliada à cobiça e ao desejo de melhoria de vida rápida, foram responsáveis pela ilusão de que, naquele momento, a atividade mineral resolvesse os problemas socioeconômicos do recém-criado estado com a nova constituição. A partir dessas informações temos segurança para afirmar que a atividade garimpeira em terras roraimenses foi consequência do fracasso de outras atividades econômicas, inclusive, ficando evidente que tal atividade era incentivada e patrocinada pelo governo (BARBOSA, 1993). Em Roraima as ações que criavam condições para vinda de mão de obra externa, de certa forma, foram patrocinadas pelo poder político, na época representada pelo governador indicado Romero Jucá Filho. Barbosa (1993, p. 188), fala da importância do Plano de Metas criado pelo governo de Roraima para o triênio 1988 a 1990, cujo o objetivo seria ressuscitar os anos dourados da década de 1970 em função da realidade de então. Ainda a respeito deste Plano, Barbosa (1993, p. 188) informa que “o principal objetivo dessas metas era atender a demanda de uma corrente migratória aurífera estimada em média, na época, em 47 famílias por semana”. Com isto percebe-se a estratégia para promover a vinda de mais migrantes para Roraima. Tanto é que, segundo o mesmo autor, o Plano previa o assentamento de 2.400 famílias ao longo dos três anos. Todavia, a intervenção federal nas áreas indígenas em meados de 1990, visando o fechamento dos garimpos, enfraqueceu significativamente a economia do estado. Conforme comenta Barbosa, “todo o comércio tinha voltado suas vendas à atividade garimpeira na expectativa de uma perpetuação deste ramo em Roraima”. Neste sentido também comenta Santos (2004, p. 202), quando diz que “como parte da herança do garimpo em Roraima, permanece em
  • 23. 22 muitos o sonho do acesso a uma fonte de riqueza, imaginada como rápido e grandioso, mas impedido por medidas governamentais, incentivadas por entidades nacionais ou estrangeiras”. Nogueira (2011, p.30), em estudo sobre a migração para Roraima, salienta que “historicamente a mão do Estado brasileiro, bem como os das elites politicas, atuaram para atrair migrantes para a região Amazônica, seja por meio do discurso de integração, cuja palavra de ordem na década de 70 era 'integrar para não entregar'”, ressaltando que com “a defesa da soberania em áreas de fronteiras, assim, acreditava-se que se evitaria a perda da Amazônia”. A partir dessa ideologia politica se constrói e se reafirma a ideia de nacionalismo centrada em uma politica indutora de migrantes. Destacamos ainda que no processo de aumento do fluxo migratório para Roraima, a partir de 1980, destaca-se a abertura da BR 174 como uma porta de entrada e de integração com os demais Estados brasileiros e também com os países fronteiriços, Venezuela e República Cooperativista da Guiana. Ressaltamos a importância da BR 174 no processo de ocupação de crescimento populacional de Roraima e de Boa Vista, que, junto ao incremento dos incentivos às migrações, facilitou os fluxos migratórios especialmente a de nordestinos,. Segundo acordo entre Brasil e Venezuela, a principal finalidade da nossa principal BR seria ligar Brasília a Caracas, uma estrada que interligasse as Américas. Em 1976, o sonho da estrada se completou, quando o 6° BEC ligou Manaus a Boa Vista, integrando a velha bacia do Rio Branco ao Brasil e aos outros países das Américas. Souza (1977, p. 266). A BR 174 é uma longitudinal com extensão total de 987 km e liga Manaus ao marco BV-8, na serra de Pacaraima, fronteira com a Venezuela. Para Souza (1977, p. 306) “além de sua importância econômica e turística ligando dois grandes centros comerciais e industriais de economias complementares”, esta estrada “tem um grande sentido de integração nacional e de abertura de frentes pioneiras de colonização, por atravessar terras de grande potencial econômico”. Desse modo, no contexto das transformações espaciais ocorridas na Amazônia nas últimas décadas do século XX, destacando-se aí as questões migratórias, é que a BR174 tem uma relevância na história da ocupação de Roraima e de sua capital, Boa Vista. Assim sendo, entende-se que historicamente existiram três atividades econômicas básicas que justificavam a entrada de migrantes em Roraima: a pecuária, a agricultura de pequeno e médio porte e o garimpo. É oportuno ressaltar que os migrantes que não se adaptavam aos locais a que se destinaram primeiramente, buscavam alternativas, uma delas era o movimento em direção à cidade. É o caso específico de Boa Vista, que nos últimos anos teve sua densidade demográfica quase triplicada.
  • 24. 23 Segundo um Jornal Boa Vista (12 de março de 1983), existia um fator economicamente positivo em relação à vinda de migrantes para Roraima, pois esses migrantes quando não tinham uma qualificação profissional especializada eram absorvidos pelo comércio, pela construção civil e pela indústria em geral. No caso daqueles que possuíam qualificação profissional haveria um entrosamento com os outros profissionais que já atuavam, todos contribuindo para o desenvolvimento da sociedade roraimense. O Jornal Boa Vista, veiculava uma visão positiva sobre o aumento da população naquela época, quando diz que esta não desconfigurou nossa cidade, explicando que “através da visão inteligente do prefeito de Boa Vista, juntamente com o setor de apoio do governo” vem conseguindo dar condições ao migrante, para construir suas moradias e para a sua integração social e econômica. Neste aspecto, o jornal se refere ao que Veras (2009) chama de visão “paternalista”, ao falar da produção do espaço, que historicamente persiste em Roraima. Esse processo aconteceu em meio a uma complexa rede de relações que envolve diferentes grupos sociais, cada qual com os seus interesses particulares e estratégias específicas. No campo, conforme informa Rodrigues (2008, p.59), “a partir do final da década de 80, dando continuidade aos programas de colonização, iniciados pelo governo federal, o governo estadual passou a atuar de forma mais incisiva nos programas de distribuição terra”. Como aponta a autora, “um motivo para a intensificação desses projetos de colonização foi a possibilidade de criação do Estado de Roraima”. Com isto, a criação e formação de bases de sustentação eleitoral estariam garantidas para o primeiro pleito de eleições diretas. Contudo, não houve assistência prometida aos colonos, conforme explica Barbosa: as longas distâncias percorridas para se levar o produto colhido até o maior e único centro consumidor Boa Vista, a dura realidade de se enfrentar um plantio mesmo em pequena escala na floresta Amazônica, o fraco desempenho das pastagens e o literal abandono dos colonos por parte do governo territorial em meio às vicinais dos assentamentos, provocaram um consequente fluxo em direção à capital Boa Vista. Com isso provocou-se um aglomerado populacional na periferia da cidade, iniciando nesta fase um cinturão de pobreza ao seu redor, já que os novos habitantes deste centro vinham a procura de melhores condições de vida não encontrados na zona rural (1993, p. 187). Esta situação foi responsável pelo abandono dos lotes pelos colonos que migraram, se deslocando para os centros urbanos, notadamente Boa Vista. Os dados do IBGE (1990) mostram este movimento: em 1980, 38,4% população de Roraima era rural, enquanto que a urbana
  • 25. 24 chegava a 61,6%; no período de 1970 a 1980, a população urbana indicou um incremento médio anual da ordem de 10,8%, enquanto que na zona rural foi de apenas 2,66%. Assim, subentende-se que as ações de ocupação neste período contaram com uma atuação direta do governo, como por exemplo, a abertura de estradas, criação de colônias, além de incentivos para o campo, montagem de uma infraestrutura urbana para a capital. Esta situação aparentemente paradoxal, ou seja, aumento dos incentivos e atrativos para as áreas do interior (colônias e garimpo) e incremento populacional nas área urbanas, será explicitada no capítulo dois , utilizando, dentre outras fontes, a experiência de quem viveu este período tão significativo para a cidade de Boa Vista.
  • 26. 25 CAPÍTULO 2 O BAIRRO ASA BRANCA: A EXPERIÊNCIA MIGRATÓRIA E A CONSTRUÇÃO DO LUGAR Boa Vista, conforme já citado, tem sua história confundida com a do estado de Roraima, por historicamente ser a sua principal cidade e provedora das necessidades básicas de sua população. Dentre os fatores que influenciaram o seu surgimento, destacamos: a edificação do Forte de São Joaquim (entre 1775-1778), a implantação dos aldeamentos indígenas planejados (no século XVIII), a instalação das Fazendas Reais São Bento, São José e São Marcos (final do século XVIII), a criação da Fazenda Boa Vista em 1830 e a instalação da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo em 1858. Dentro deste contexto surgiu o núcleo urbano embrionário que se tornou a sede do município em 1890, ainda como parte do estado do Amazonas (SILVA, 2007). Boa Vista passa a ser cidade em 1926 e, até a criação do Território Federal do Rio Branco em 1943, era um centro urbano pequeno e isolado (OLIVEIRA, 2003). Neste sentido é famosa a frase de Hamilton Rice, no relatório de sua viagem a região entre 1924-25, de que Boa Vista era “o único agrupamento junto ao rio que tem a honra de ser chamado de vila”, e que esta era composta de “164 casas que abrigam uma população de 1.200 almas” (RICE, 1978, p. 25). Após a criação do Território, outro fato marcante na vida da cidade foi a implantação projeto urbanístico elaborado por Darcy Aleixo Derenusson, entre 1944 e 1950. A partir desse plano a cidade ganhou uma nova configuração espacial dentro de um traçado radial concêntrico, segundo o qual a partir de uma praça circular, em torno da qual se localizam as sedes dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, partiriam grandes avenidas (VERAS, 2009, p. 95). Contudo, vale enfatizar que Boa Vista cresce a partir destas peculiaridades e sob a influência do governo central, que influencia a vida local e fomentando a vinda de migrantes para ocuparem os espaços “inóspitos”. Em 1966, surgiram os primeiros bairros. A partir de uma subdivisão foram criados nove bairros: Centro, Nazaré (abrangendo o bairro São Vicente e Centro), Messejana (hoje grafado Mecejana), São Francisco, São Pedro, Olaria (onde hoje fica o Beiral, no Centro) e Redenção (onde hoje é o bairro de Liberdade), desmembrada da fazenda de Anísio Lucena .(Suplemento especial do Jornal Folha de Boa Vista em comemoração aos 122 anos de Boa Vista/RR. Boa Vista, 9 de julho de 2012). Esse cenário foi se modificando na medida em que Boa Vista vai se firmando como um
  • 27. 26 centro urbano administrativo e um polo militar. Na década de 1970, o Governo Federal passou a incrementar a infraestrutura administrativa do Território Federal de Roraima e o Exército começou a instalar pelotões militares e a construir a BR174, que liga Manaus à fronteira com a Venezuela e corta Boa Vista. A capital se tornou um canteiro de obras. Com uma nova configuração, a cidade ganhou novos alguns bairros, criados e implantados em forma de conjunto habitacionais e de loteamentos. O mapa 1, apresentado abaixo, representa bem esse processo. De acordo com Veras (2009, p. 150), “a área ocupada na cidade até 1970 ainda era pequena. No entanto alguns bairros de Boa Vista vão sendo criados e implantados em forma de conjuntos habitacionais, ocupações irregulares e de loteamentos”. Tal dinâmica intra urbana, segundo o autor, foi uma das preocupações do Governo Ramos Pereira, que tentou ordenar a cidade em conjunto com o prefeito Júlio Martins. Nos últimos vinte anos, a cidade de Boa Vista apresentou um elevado crescimento de sua população, passando de 120.157 habitantes, no ano de 1991 (IBGE, 1991), para 197.098 habitantes, no ano de 2000 (IBGE 2000), alcançando 246.444 moradores na contagem realizada pelo IBGE em 2007. O Censo 2010 registrou que a população urbana do município de Boa Vista é de 277.799 habitantes (IBGE, 2010). Em artigo publicado pela Revista Acta Geográfica, em que Silva, Almeida e Rocha (2009), refletem as novas formas do tecido urbano de Boa Vista, no que se refere às diferenças espaciais e demográficas nas quatro zonas urbanas de Boa Vista, destacam que a distribuição da população na chamada “mancha urbana” dessa capital é consequência de uma série de condicionantes, que influenciou e influencia a escolha de um lugar para residir, sejam estes relacionados aos movimentos interurbanos ou intra urbanos. A capital Boa Vista é subdividida em quatro zonas urbanas: norte, sul, leste e oeste (Plano Diretor de Boa Vista, 1991), com diferenças. Segundo Paulo Rogério de Freitas Silva, essas diferenças espaciais sugerem uma série de determinantes ao longo da formação territorial do lugar e estão relacionadas às condições econômicas da população, por isso ela precisa ser pensada. (SILVA; ALMEIDA; ROCHA, 2009, p. 47). No tocante à quantidade de residentes das zonas urbanas e do centro, destacamos que residem cerca de 4.858 pessoas na área central; na zona leste se concentram 5.693 habitantes e quatro bairros, sendo a menos habitada; em seguida vem a zona sul com 12.434 habitantes e cinco bairros; e a zona norte com 22.922 habitantes, com seis bairros. A zona oeste é a mais habitada, pois, concentra 200.537 pessoas e 38 bairros, o que equivale mais de 75% da
  • 28. 27 população urbana de Boa Vista (SILVA; ALMEIDA; ROCHA, 2009, p. 47). Ao analisarmos a grande concentração populacional na zona oeste várias são as causas. Contudo, destaca-se a corrida ao ouro em Roraima, entre 1987 e 1990, quando Boa Vista dobrou o seu número de habitantes, pois de 52.614 registrados, em 1980, a cidade passou a concentrar os 120.157 moradores, segundo o Censo Demográfico realizado no decorrer de 1991. Conforme os estudo de Silva, Vale e Veras, até o período em foco isto é, inicio da década de 1980, a cidade concentrava a sua população e a sua mancha urbana nos limites da BR 174, na parte que corta Boa Vista chamada de Avenida Venezuela, com exceção do bairro da Liberdade que já começava a se formar, localizado após este limite, de maneira induzida pelo poder público e também espontânea. Entre 1980 e 1989 acelera-se a ocupação em direção a zona Oeste ocasionando uma dispersão e posteriormente formalização de parte do tecido urbano atual. Essa diferença na forma de ocupação do espaço urbano de Boa Vista, principalmente em direção à zona oeste, ocasionando um inchaço populacional, está condicionado, conforme já apontado em outro item deste trabalho, às políticas assistencialistas por parte dos governos locais. Dessa forma, conforme Silva (2007, p. 48), o princípio da formação da mancha urbana atual de Boa Vista vai se processando numa conjuntura favorecida por diversos determinantes e o lugar que a população vai se assentar segue uma série de condicionantes, que favorecem a sua permanência mais numa zona urbana que em outra. De acordo com Silva, Almeida e Rocha (2009) a cidade de Boa Vista, apresenta uma configuração que se amplia, mais intensamente, em direção à concentração demográfica quanto ao tamanho da mancha urbana. Esta mancha urbana tem um formato que é definido pelo rio Branco a leste e se alastra para o oeste. A definição das quatro zonas urbanas explicitadas no Plano Diretor de Boa Vista, 1991, se baseia em condicionantes inexplicáveis. Tratar os 54 bairros que compõem a chamada mancha urbana local, como condizentes quanto a sua distribuição nas zonas urbanas atuais é questionável e carece de análise que propicie uma melhor compreensão (SILVA; ALMEIDA; ROCHA, 2009, p. 51).
  • 29. 28 MAPA 1: Expansão urbana de Boa Vista. Fonte: VALE. Ana Lia Farias (Tese Doutorado) Migração e Territorialização As Dimensões Territoriais dos Nordestinos em Boa Vista/RR. Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Campus de Presidente Pudente/SP, 2007. pág. 109. Dentro dessa complexidade que envolve o meio urbano boavistense e a formação dos seus bairros, é que estudamos a formação do bairro Asa Branca com ênfase nas narrativas de moradores que lá se estabeleceram no início da década de 1980. Neste sentido, considera-se a história oral como um canal que permite o registro de testemunhos e o acesso a “histórias dentro da História” (ALBERTI, 2005,p. 155), o que possibilita a interpretação do passado. Salientamos que no trabalho de análise dos depoimentos e de reflexão acerca das experiências vividas no bairro é sempre válido reconhecer que “a História como a memória não é neutra”. Segundo Le Goff, portanto, “ao contrário do que pensavam os historiadores do passado, o fato histórico não é dado: o contexto em que o pesquisador se insere influi na forma como ele o define e interpreta” (1990, p.9). A história oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea desde meados do século XX. Segundo Alberti (2005, 156) a estratégia de ouvir atores ou testemunhas de determinados acontecimentos ou conjunturas para melhor compreendê-los não é novidade. Isso porque no passado, Heródoto, Tucídides e Políbio, historiadores da Antiguidade, já utilizaram esse procedimento para escrever sobre 18-Asa Branca 18-Asa Branca
  • 30. 29 acontecimentos de sua época. Para Alberti (2005, p. 158), “não há dúvida de que a possibilidade de registrar a vivência de grupos cujas histórias dificilmente eram estudadas representou um avanço para as disciplinas das Ciências Humanas”. Contudo, “seu reconhecimento só foi possível após amplo movimento de transformação dessas ciências, que, com o tempo, deixaram de pensar em termos de uma única história ou identidade nacional, para reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e identidades em uma sociedade”. Em outras palavras, trata-se de considerar a “história vista de baixo”, com o uso desse método a história daqueles que são considerados “sem vez e sem voz” é colocada no centro dos discursos e suas vozes, enfim, são ouvidas. Thompson (1992), salienta que a tendência de defender e usar a história oral como apenas mais uma fonte histórica para descobrir o que realmente aconteceu, levou a algumas distorções quanto a outros aspectos e valores do depoimento oral, não percebendo como o processo de relembrar poderia ser um meio de explorar os significados subjetivos da experiência vivida e a natureza da memória coletiva e individual. O mesmo autor alerta para os cuidados e as considerações que se deve ter com relação a considerar as razões que levaram os indivíduos a construir suas memórias de determinada maneira, ou seja, alguns historiadores não se deram conta de que as “distorções” da memória podiam ser um recurso, além de um problema. Enfim, ainda há um certo preconceito e desconfiança com relação às fontes não escritas. Entretanto Alberti (2005, p. 163) coloca que as convicções sobre o que seria próprio da história sofreram modificações a partir da década de 1980: temas contemporâneos foram incorporados à História, chegando-se a estabelecer um novo campo, que recebeu o nome de História do Tempo Presente. A autora enfatiza que hoje é generalizada a concepção de que fontes escritas também podem ser subjetivas e de que a própria subjetividade pode se constituir em objeto do pensamento científico. Ao tratar do campo da história da memória, admite-se que é, sem dúvida, um campo ao qual a história oral pode trazer contribuições mais interessantes. Segundo Alberti (2005, p. 166), no início, grande parte das críticas que o método sofreu diziam respeito justamente às distorções da memória, ao fato de não se poder confiar no relato do entrevistado, carregado de subjetividade. Porém, hoje se considera que a análise dessas “distorções” pode levar à melhor compreensão dos valores coletivos e das próprias ações de um grupo. Conforme Alberti (2005, p. 167), é de acordo com o que se pensa que ocorreu no passado que se tomarão determinadas decisões no presente (por exemplo, as escolhas feitas no momento
  • 31. 30 da eleição). A partir desta reflexão afirmamos que do lugar onde se encontra o sujeito é possível narrar e interpretar o passado. Thompson (1992, p. 197) explica que toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas da memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. Com isso destacamos a capacidade do pesquisador em ouvir e assimilar, de preferência de forma isenta e imparcial, os fatos passados sobre os quais o seu interlocutor expõe em sua entrevista. Para este trabalho trazemos a experiência de vida de alguns moradores do bairro Asa Branca. Antes de entrevistá-los fomos conhecer um pouco sobre eles, tivemos conversas informais a fim de deixá-los mais a vontade e esclarecidos, aspecto importante para que o trabalho pudesse atingir o objetivo desejado. Para isso contamos com a colaboração de quatro moradores que se dispuseram a compartilhar as suas experiências sobre o passado e presente do bairro Asa Brancas. Escolhemos entrevistar quatro migrantes, pois, para Souza (2006, p. 17), “as migrações desempenham papel fundamental na constituição socioeconômica de Roraima”, ressaltando que “o movimento de entrada de migrantes é constante, variando para mais nos momentos de surto econômico, como por exemplo, o do garimpo”. Além disso, as práticas políticas de caráter assistencialista e clientelístico, que difundiam a ideia enganosa de que as coisas em Roraima estavam mais disponíveis e poderiam ser mais fáceis, eram argumentos mais usados por quem já morava em Boa Vista para incentivar a vinda de parentes e amigos. As entrevistas foram realizadas entre os dias 19 a 22 de junho de 2012. Colaboraram com esse trabalho os Senhores Onizio Nonato Moreira, Sebastião Pereira da Silva, José Gomes de Oliveira e a Senhora Maria Marlene Silva. Com exceção do senhor Jose Gomes, que gravou a entrevista em seu local de trabalho, os demais fizeram as narrativas em suas residências, no próprio bairro Asa Branca. Todos os colaboradores assinaram documento de autorização do uso de suas narrativas e a citação de seus nomes. 2.1 “Lá a gente tinha uma vida sofrida...” Trabalhar a trajetória de vida de pessoas enquanto sujeitos de sua própria história, permite ao pesquisador mergulhar na história e no passado de sujeitos que, embora em seu anonimato, tem muito a contribuir para a compreensão da estruturação e formação da cidade, de um bairro e de determinadas conjunturas que se processam ao longo da história.
  • 32. 31 Segundo Souza (2007), a história oral é uma metodologia que permite a constituição de fontes históricas e documentais por meio do registro de testemunhos, depoimentos e narrativas. Assim, quando incorporamos as fontes orais a este trabalho, trazemos visões e versões sobre a história do bairro Asa Branca e nos permitimos ouvir aqueles que têm algo a dizer sobre isso, sobre aquela época e, a partir do presente, perceber como eles sentem as mudanças que nele ocorrem. Para dona Maria Marlene Silva, natural de Pedreiras, Maranhão, que chegou em Boa Vista em 1982, uma das motivações que teve na decisão de migrar para Boa Vista foi a condição de trabalho e as dificuldades enfrentadas em seu lugar de origem. Segundo ela, as coisas estavam tão difíceis que nem a terra possuía para colocar sua roça, ou seja, não havia possibilidade de ser proprietária da própria terra. Sobre sua chegada em Boa Vista ela diz: “quando cheguei aqui não fui mais trabalhar em roça, pelo contrário encontrei algumas facilidades, inclusive por parte do governo”. Sobre as facilidades ela relata que foi ganhar o sustento da família lavando roupas. É importante fazermos uma análise sobre o cruzamento dessas duas realidades muito similares em alguns aspectos, uma vez que saindo de uma realidade sofrida e sem muita perspectiva, o lugar de destino também coloca desafios e o enfrentamento de situações precárias. A senhora Marlene coloca que ela e a família tiveram dificuldades desde a saída de Pedreiras: “saímos todos juntos em 1982, só que quando chegamos a Belém o dinheiro acabou....”(neste momento um silêncio interrompeu a entrevista e lágrimas foram derramadas) “… daí um irmão meu que já morava em Boa Vista, foi nos pegar em Belém e só assim chegamos em Boa Vista”. Segundo ela, quando saíram de sua cidade no Maranhão venderam o que tinham, mas não receberam todo o dinheiro, ficando aos cuidados de outros parentes receberem e enviar o restante para eles em Boa Vista. Pode-se dizer que quando a entrevistada se refere às facilidades “por parte do governo”, está se referindo ao fato de que quando chegou a Boa Vista foi morar na casa de um irmão no bairro Mecejana, mas que passados dois anos ela conseguiu ganhar um terreno para construir sua casa, a este respeito ela narra: Vim morar para o Asa Branca porque na época o Ottomar estava dando alguns terrenos. Eu e um grupo de pessoas se reunia e ia lá para o palácio onde cada um pegava uma “senha” com número que correspondia ao lote... Eu lembro que aqui era só um lavrado com lagoas e estava iniciando o conjunto Asa Branca. A dona Marluce era quem estava à frente da doação dos terrenos e nesse período não possuía nada do que temos hoje: posto médico, praça, rua asfaltada e escola.
  • 33. 32 É bom lembrar que embora haja semelhança nas experiências narradas pelos diferentes entrevistados migrantes, é importante destacar que “a história como toda atividade de pensamento, opera por descontinuidades: selecionamos acontecimentos, conjunturas e modo de viver para conhecer e explicar o que se passou” (ALBERTI, 2004, p.14). Neste sentido, Souza (2007) afirma que para utilizar a fonte oral é preciso considerar que “rememorar requer um contínuo relacionamento solidário e interativo com outras lembranças”, no qual o entrevistado “busca amparo, confirmação, coerência e legitimidade” ao que está sendo narrado e ao contexto no qual a experiência se insere. A experiência de vida narrada pelo Sr. José Gomes de Oliveira não difere muito da narrada pela senhora Marlene. Natural de Timon- MA, saiu do seu lugar porque cansou de trabalhar em roça e não ter nenhuma vantagem, uma vez que as terras eram todas “arrendadas”. Esse motivo o levou a sair para outros lugares em busca de melhoria de vida. Passou por São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí e Belém, onde por muitos anos trabalhou como operário em firmas de construção civil, algumas de grande porte como a Odebrecht. Depois de ser transferido para Belém pela firma que trabalhava, manteve mais contato com a família e, inclusive, com parentes que moravam em Boa Vista, ele conta: “resolvi vir para Boa Vista, porque meus cunhados que aqui moram enviavam cartas chamando para cá e diziam que aqui era muito bom e eu iria gostar”. Neste sentido, chama atenção o fato de que todos os entrevistados relatam sobre o recebimento de cartas que davam boas notícias e tentavam convencê-los a migrarem para Roraima. O senhor José Gomes de Oliveira quando chegou a Boa Vista teve como primeira experiência de trabalho as obras da barragem do Cotingo. Depois, em 1983, foi trabalhar na Companhia de Desenvolvimento de Roraima-CODESAIMA e de lá foi trabalhar na escola Maria das Neves (bairro Asa Branca), onde permanece até hoje tomando de conta do setor de almoxarifado, cuidando dos materiais da escola. Ressaltamos que o Sr. José Gomes foi o primeiro presidente da associação do bairro Asa Branca, dele partiu a iniciativa de reunir os demais moradores para se organizarem e reivindicarem melhorias de infraestrutura para o bairro. Acerca deste momento ele narra: No final de 1982, o governador era o Ottomar de Souza Pinto. Ele resolveu criar o bairro Asa Branca, e nessa criação eu já não ganhei as casinhas. Então eu consegui só o terreno, mas ele doava o cimentinho, as telhas e a pessoa fazia a casa. Eram cinco metros de comprimento e três metros de largura. A respeito das casinhas que foi doada
  • 34. 33 eu lembro que foram 122 casas e foi dado o nome de Asa Branca. Ganhei meu terreno em outubro de 1982, quando foi em julho de 1983 eu já me mudei com a família. Sobre isso, Silva (2007, p. 214) explica que “a expansão da cidade nesse período se deve principalmente às iniciativas dos dois períodos do governo Ottomar de Souza Pinto entre 1979 e 1983 e entre 1991 e 1995”. Chama a atenção que esse processo não sofreu descontinuidade pois o “governo de Romero Jucá, entre 1987 e 1989”, também estimulou “o surgimento de novos bairros com uma política de incentivo migratório”. A expansão urbana de Boa Vista, após a década de 1980, se dá quando novas áreas foram progressivamente incorporadas mediante a proliferação de novos loteamentos, produzidos de forma descontrolada e sem infraestrutura, respondendo especialmente a interesses políticos de assentamento de migrantes que eram induzidos ou incentivados a se deslocarem para Boa Vista. Neste sentido, o estudo feito por Veras (2009) sobre a produção do espaço urbano de Boa Vista, afirma que fica claro o interesse dos diferentes governos em expandir a cidade de forma desordenada e sem a mínima infraestrutura necessária a um bairro: água, energia, segurança, transporte etc. Segundo o Sr. José Gomes a relação dos políticos com os moradores do recém-criado bairro As Branca era boa: “na reunião eu falava para os amigos que nós devíamos votar em fulano. Aí a gente foi se entrosando e conseguimos marcar algumas reuniões para falar das nossas necessidades”. O Sr. Gomes, como é mais conhecido no bairro, relatou que quase todo o dia estava lá no palácio do governo para falar com o “senhor governador” e pedir uma reunião no bairro com os moradores. Sobre este momento ele explica: O governo da época era o Ottomar, depois entrou o Getúlio Cruz e eu me reuni diversas vezes e pedi uma reunião aqui no bairro e ele veio com todas as autoridades. Nós nos reunimos dentro de uma Igreja. Eu comecei a falar e depois passei a palavra para o Sr. Governador. O governador falou que este bairro com seus moradores receberia toda a assistência e benefícios que fossem necessários. O Comandante do BEC, anunciou que na próxima semana as máquinas já estariam trabalhando na abertura de novas ruas. Na ocasião o presidente da CAERR se manifestou e disse que dentro de um mês o bairro teria água; o presidente da CERR prometeu para o mês seguinte que o bairro teria a rede de energia instalada . Quem também se pronunciou foi o Coronel da polícia que garantiu que a partir de hoje teria uma viatura rondando dia e noite. Contudo, segundo o Sr. Gomes o posto policial demorou a ser colocado no bairro para dar segurança aos moradores; a luz só chegou em 1984. Mesmo assim o Sr. José Gomes garante que “tudo isso foi devido à força e união dos moradores”. Já o Sr. Onízio Nonato Moreira que veio para Roraima em 1980, natural de Crateus no Ceará, e que morava no Maranhão, na localidade de Arame, resolveu conhecer Roraima após a
  • 35. 34 visita de parentes de sua esposa, que moravam aqui. Motivado por cartas e informações de parentes que tinham uma colônia de terra em Mucajaí, ficou sabendo que em Roraima estava melhor para trabalhar com a agricultura. O Sr Onízio veio acompanhado de uma filha, mas quando chegou em Belém o dinheiro só deu para comprar a passagem no barco até a cidade de Itacoatiara no Amazonas. Segundo conta, fez amizade com um casal que estava vindo para Roraima e que embarcaria em um ônibus fretado pelo governo do então Território Federal: “eles disseram para eu não me preocupar porque quando chegassem a Itacoatiara eles iam incluir nosso nome na lista de passageiros, e assim aconteceu”. Aqui destacamos, mais uma vez, a ação da política assistencialista e clientelística que existia em Roraima desde tempos da criação do Território Federal, como aquelas oferecidas aos migrantes que vieram para as colônias agrícolas criadas na década de 1950. Chegando em Mucajaí o Sr. Onízio ganhou uma colônia e foi trabalhar, mas sem êxito, porque, segundo ele, não tinha recursos e incentivos para produzir e “nem ferramentas adequadas nós não tinha, por isso depois que a minha mulher chegou, eu deixei ela na colônia e fui para o garimpo”. O garimpo na década de 1980 foi o destino de muitos migrantes que vieram para Roraima e, também, uma estratégia adotada por muitos que já viviam aqui. Informa que ganhou dinheiro no garimpo, mas não soube empregá-lo. Após retornar do garimpo, o Srº Onízio resolveu comprar uma casa em Boa Vista e trazer a família de Mucajaí. Sobre a escolha de vir para a capital ele explica: “vim para Boa Vista porque aqui achei que a minha criação dos meus filhos seria melhor do que em Mucajaí. Nessa época lá era uma colônia e eu queria dar uma educação e uma vida melhor para eles aqui em Boa Vista”. A respeito da escolha do bairro Asa Branca para morar, ele informa que a indicação foi de um amigo que trabalhou com ele no garimpo, que lhe indicou o bairro e a casa que estava à venda: “com o dinheiro que ganhei no garimpo, comprei esta casa por setenta cruzeiros, comprei ela já pronta com quatro cômodos ... meu filho, naquela época não tinha nada (no bairro), eram valas a céu aberto”. A partir dessas informações, é possível afirmar que haviam várias formas de ocupar os terrenos. Alguns compravam seus terrenos e casas, como o Sr Onízio, e outros, como ele diz “invadiam terreno e improvisavam as casas com dois cômodos”. Da mesma forma que o Sr Sebastião Pereira, ele também conta sobre a presença do políticos: “os políticos só andavam aqui na época da eleição para prometer melhoria para nós, mas mesmo assim considero o melhor
  • 36. 35 bairro para se morar e só vou sair dessa casa para o cemitério, não pretendo morar em outro bairro”. 2.2 “As cartas falavam que aqui estava muito bom” A carta representa um dos meios de comunicação mais antigo e tem um significado único no que diz respeito a estreitar laços afetivos. Embora vivamos hoje uma nova realidade, em um mundo globalizado e interligado por outros meios de comunicação mais dinâmicos e eficazes para mandar e receber informações, vale ressaltar que no período da formação do bairro Asa Branca, década de 1980, a carta era um instrumento dos mais usados, assumindo um papel relevante nas chamadas redes sociais. Neste sentido, os padrões de migração recentes e as novas conceitualizações da migração concentram mais interesses na importância da família, amigos de origem comum que sustentam essas redes. Vale (2005) salienta que as unidades efetivas da migração não são nem individuais nem domiciliares, mas sim conjuntos de pessoas ligadas por laços de amizade, parentesco e experiência de trabalho, o que sugere uma identidade própria do migrante com o lugar de destino.. Assim aconteceu com muitos migrantes que até hoje residem no bairro Asa Branca. Atraídos por boas notícias do lugar, e mesmo diante de muitas dificuldades e limitações, viram na alternativa apresentada por parentes e amigos uma nova perspectiva de vida. Destacamos a reflexão feita por Vale (2005, p. 130), sobre as redes sociais no processo migratório no que diz respeito a migração de longa distância. Segundo ela, esse tipo de migração se vincula a muitos riscos: segurança pessoal, conforto, renda, possibilidade de satisfazer as relações sociais, porque parentes, amigos, vizinhos e colegas de trabalho já tem bons contatos com o possível destino e a confiança sobre as redes de informações interpessoais minimizam e diluem os riscos. Natural de Vitorino Freire, município do Maranhão, o Sr Sebastião Pereira da Silva sentiu-se motivado a migrar por notícias que chegavam até ele através das cartas do cunhado que informavam que em Roraima estava muito bom para se viver e trabalhar com a agricultura devido à facilidade de conseguir terra. Em vila Iracema havia um cunhado do Sr. Sebastião que já morava no lugar há um bom tempo e atendendo ao seu chamado ele saiu do Maranhão e foi morar em Iracema. Chegando lá conseguiu um pedaço de terra e logo cuidou de colocar uma roça, porém, não obteve êxito
  • 37. 36 porque segundo ele, no período da colheita não conseguiu pessoas que o ajudassem, “nem mesmo oferecendo arroz de graça ninguém mais queria trabalhar com roça”. Com isso ele ficou desmotivado e com a promessa da Sra Marluce Pinto de doação de um terreno em Boa Vista, mudou-se para a capital no final de 1982. Chegando em Boa Vista, por não ter maior especialização profissional, foi trabalhar como ajudante de pedreiro. Por meio da amizade feita com pessoas que trabalhavam na prefeitura de Boa Vista, conseguiu um emprego de vigilante, porém, explica que por não ter maior grau de instrução não ficou muito tempo. Mesmo assim ele não desistiu de Boa Vista e, lembrando da decisão tomada, disse “que para trás não voltaria”. Segundo ele, foi através da senhora Marluce Pinto, esposa do falecido Ottomar de Souza Pinto, então primeira dama do município de Boa Vista, que conseguiu gratuitamente o terreno no bairro Asa Branca. Sobre isso ele diz: “eu tive sorte porque além do terreno eu ganhei tábuas e telhas, porque naquele momento eu não tinha condições para adquirir esse material”. Segundo o Sr Sebastião as principais dificuldades enfrentadas por aqueles que viviam no bairro, naqueles anos, eram a falta de energia elétrica e água encanada, ou seja, a falta de uma estrutura mínima, e conta que por causa disso algumas pessoas abandonavam as casas e depois vinham outras e ocupavam os chamados “barracos”. Consultas à Prefeitura de Boa Vista, não precisaram a data de criação do bairro. Segundo o Jornal Folha de Boa Vista, em encarte publicado por ocasião dos 122 anos da cidade (outubro de 2012), o bairro Asa Branca foi criado no ano de 1986. Entretanto, o mais correto é considerar o ano já citado pelos entrevistados anteriormente, que é 1982. Deve-se considerar a luta e a persistência de muitos migrantes que ali ficaram, mesmo sem garantias de que o bairro iria se desenvolver, somente com a vontade e a determinação de lá permanecer. 2.3 Por que vim para o Asa Branca? A década de 1980 é um marco importante na trajetória de muitos migrantes que aqui chegaram em Boa Vista em busca de oportunidades, muitos deles influenciados pelas “facilidades” anunciadas. Este período que compreende a década de 1980, tem como principal característica o espantoso crescimento populacional, considerado também como um boom demográfico na cidade de Boa Vista. Para Barros (2007, p. 20) no que concerne ao esforço de compreensão do fenômeno
  • 38. 37 urbano diversas imagens têm sido empregadas desde tempos imemoriais, cada qual acarretando em benefícios e limitações. Para ele o “poder magnético das cidades remete às noções de centro e periferia, particularmente no que concerne a região a elas adstrita”. No caso de Boa Vista, diversos fatores atraiam os migrantes e, em um primeiro momento, eles não estavam alinhados com a argumentação de Barros, já que muitos vieram em busca de terras e para o garimpo, dirigindo-se à Boa Vista posteriormente, como contam os nossos entrevistados. Com isso percebemos que em tempos não muito distantes os benefícios e também as limitações contidas no viver urbano ainda são uma realidade bem presente. Dona Marlene Silva relata que ao chegar em Boa Vista viveu uma realidade nova e diferente daquela que ela vivia, veio morar na cidade na casa de um irmão, no bairro Mecejana. Entretanto, um dos seus objetivos era conseguir uma casa, por isso ela diz “... nada melhor do que morar no que é da gente e ter sua privacidade...” Para a Srª Marlene um dos benefícios encontrados foi a facilidade em conseguir terreno/casa para morar e construir. Prova disso foi a sua própria experiência, quando diz que o fator decisivo na escolha do bairro, foi a doação de terrenos e casas que estava acontecendo no Asa Branca, pois já fazia dois anos que ela morava de favor na casa do irmão, o que a levou a não perder a oportunidade de ter uma casa própria. … nesse período (1984), eu estava grávida de um dos meus filhos, e o Ottomar estava medindo e dando terreno no bairro Asa Branca. Eu e um grupo de pessoas na sua maioria mulheres, se reunia e ia lá para o palácio tentar conseguir uma senha. Meu terreno, não consegui próximo da minha mãe, ganhei na Av. Manoel Felipe, mas valeu a pena … trabalhamos e conseguimos construir nossa casa. Experiência parecida viveu o Srº José Gomes. Quando chegou em Boa Vista foi morar no bairro São Vicente também casa de parente. Depois foi morar de aluguel com a família nos bairros Treze de Setembro e Liberdade. Já morando em Boa Vista há um bom tempo e, como ele mesmo diz, “acostumado com o lugar”, um dos seus desejos era ter uma casa própria. No final de 1982, quando soube que o governador estava criando o bairro Asa Branca, foi em busca de conseguir uma casa. Porém, as 122 casas construídas já tinham dono, o que lhe deu a chance de conseguir somente o terreno. Sobre isso seu José fala: “...mesmo assim agradeço muito, porque com isso saí do aluguel e coloquei minha família dentro de uma casa, embora humilde, mas nós podíamos dizer que era nossa...”.
  • 39. 38 Para o Sr Onízio, vir para o Asa Branca foi uma das melhores escolhas que podia fazer, uma vez que depois que voltou do garimpo seu objetivo era trazer a família que ainda morava na colônia em Mucajaí para Boa Vista. Como já foi mencionado acima, uma companheiro de garimpo indicou uma casa que estava a venda e ele diz: “comprei essa casa, embora na época o bairro não tinha praticamente nada, mas não me arrependo de estar até hoje aqui”. Da mesma forma, o Sr Sebastião Pereira também veio para Roraima para viver no interior, ao chegar em Vila Iracema seu intuito era trabalhar e sobreviver da agricultura, trabalho ao qual já fazia no Maranhão. Mas mesmo tendo uma “grande fartura”, como ele mesmo diz, ele se sentiu sozinho para plantar e colher, pois não havia interesse nenhum por parte de quem estava lá de cultivar e trabalhar na roça: “lá naquela época (1983), ninguém queria [trabalhar] nem dando arroz, quanto menos pagando para plantar e cortar”. Caso não tivesse acontecido essa falta de motivação e interesse pela agricultura, ele diz que, talvez, ainda hoje estivesse morando em Iracema. Portanto, um dos fatores que predominou na decisão de migrar para a cidade e de escolher o bairro Asa Branca para residir, foi a falta de perspectiva com aquilo que ele sabia fazer, trabalhar com a agricultura, junto à promessa feita a ele pela Srª Marluce Pinto de conseguir um terreno no novo bairro que estava começando em Boa Vista. Chegando em Boa Vista, em 1983, construiu o “barraquinho” no Asa Branca e trouxe a família, ele ressalta: “tivemos que enfrentar muitas barreiras, logo eu não tinha estudo fui trabalhar de ajudante de pedreiro e teve um período que eu deixei a mulher com os filhos em Boa Vista e fui trabalhar no garimpo. Mas lá não tive tanto sucesso e voltei para casa”. Por mais parecidas que sejam as experiências vividas, porém, existem antagonismos que apontam para uma fragmentação no modo de ver e contar essas histórias, ou seja, o fato narrado por diversos narradores, ainda que o mesmo, não é homogêneo e nem intocável. Não obstante, diante do que narram os entrevistados, se confirma o que já foi referido a respeito das redes sociais, representadas por laços familiares, amizades, relações no trabalho influenciando de forma decisiva no momento de migrar e de se instalar no bairro Asa Branca. No mesmo caminho, se explicitam nas diferentes experiências narrada sobre o estabelecimento dos narradores e suas famílias no bairro as ações dos agentes públicos, representadas como “facilidades”. Entre sonhos e desilusões as pessoas reinventam maneiras para se saírem das situações difíceis, isso fica perceptível em todas as narrativas. O certo é que a ousadia e a coragem em arriscar desses migrantes resultam em novas possibilidades e isso os ajuda a superar os
  • 40. 39 momentos incertos. 2.4 Como era o bairro Asa Branca que eu conheci. Do ponto de vista da capacidade que tem a memória de lembrar de acontecimentos e fatos do passado, percebe-se que não é difícil para as pessoas organizarem as lembranças, nas quais sobressai a comparação entre o passado e o presente, destacando que a subjetividade e o lugar de onde fala o sujeito influenciam no ato de lembrar e contar e na forma que se apresenta. Contudo, na fala sobre a experiência dos migrantes entrevistados há uma unanimidade, quando perguntados sobre como era o bairro naquela época e hoje em dia: todos contam que o lugar não contava com água, luz elétrica, transporte, ruas asfaltadas, saneamento básico e serviço de saúde e segurança, ou seja, tudo o que é essencial à vida urbana. Para o senhor Sebastião as condições do bairro no ano em que ele chegou eram precárias. Concorda com ele a Srª Maria Marlene Silva que diz: “olha, pra você ter ideia, aqui nem comércio existia. O que precisasse comprar tinha que ir ao centro e pra sair daqui e pegar um ônibus nós íamos andando para o Bairro Buritis, porque a linha do ônibus só vinha até lá”. O Sr Onizio cita, inclusive, a precariedade das próprias casas que eram improvisadas com “sarrafos” que eram pegos em uma serraria próxima a Rua Mestre Albano, diz ele “aqui no inverno era um lamaçal nas ruas e formava lagoas”. A época de chuvas era bem complicada, segundo a fala dos entrevistados se devia às grandes valas abertas nas ruas para construção de esgotos, os quais levaram anos para serem feitos, perdurando as valas abertas por muito tempo, dificultando assim a vida dos moradores durante o inverno. Ainda segundo Sr Onizio esse período, o inverno, era o mais difícil: “... quando chovia aqui tinha que erguer os móveis porque a água invadia a casa, nós ficávamos com água no joelho...”. Ele acrescenta que mesmo com a falta de estrutura do bairro na época, os políticos só apareciam lá em período eleitoral, com promessa de melhorar as condições do bairro. Vimos que os narradores são unânimes em explicitar a estratégia do aparelho politico do Estado, que funcionava em prol de interesses de alguns grupos políticos. Do ponto de vista do Sr José Gomes de Oliveira, somente a persistência e a esperança fez com que muitos permanecessem no bairro: sem água, sem luz, sem transporte e sem segurança. Apesar dessa realidade nenhum deles afirmou ter sentido saudades ou vontade de voltar para o lugar de onde vieram.
  • 41. 40 A Srª Maria Marlene ressalta: “olha, já vim de lá por dificuldades e por falta de oportunidades, acho que por isso não tenho saudade de lá”. Para o Sr Onizio, lembrar do passado e das tristezas que sentiu no Maranhão é sofrer duas vezes, por isso ele diz: “ não sinto saudade de lá e nem pretendo voltar até porque se você lembrar do lugar não tem como não recordar o sofrimento”. A Srª Maria Marlene considera o ano de 1985 como de maior crescimento populacional do bairro Asa Branca, a este respeito ela informa: “… nesse tempo muitas pessoas que saíam do garimpo vinham para o bairro. E com esse crescimento veio junto também à intranquilidade, pois a insegurança aumentou consideravelmente, as ruas se tornaram perigosas e as galeras começaram a aparecer”. O Sr Gomes lembra que na época só havia a Avenida General Ataíde Teive totalmente aberta e sobre isso ele explica: “no passado a Ataíde Teive era só um lavrado, no verão a poeira subia e no inverno era aquela situação caótica, lama e alagamento”. Comparando com hoje ele constata: “… já está muito mudado temos lojas, comércios, bancos e outras benfeitorias, mas ainda precisa-se de muitas melhorias, na saúde, segurança, saneamentos básico, são necessidades que merecem atenção especial por parte dos nossos governantes”. 2.5 O bairro Asa Branca hoje. O bairro Asa Branca se destaca hoje em nossa capital por acolher um dos maiores centros comerciais da cidade, que se diferencia por oferecer diversificados serviços, preços mais populares, geração de empregos e renda. É no bairro também que acontece uma das principais feiras, a tradicional Feira do Garimpeiro, que apesar de contestada por algumas pessoas por ocupar e bloquear uma das mais importantes avenida da cidade, oportuniza aos pequenos produtores rurais vender seus produtos aos domingos. Também se encontra no bairro, agências bancárias e lotéricas, agência dos correios, escolas, transporte urbano como ônibus e táxi lotação que atendem ao bairro. Apesar da aparente melhoria nas condições de vida de seus moradores ainda são notórios alguns problemas vividos há décadas atrás. Embora no passado tenham sofrido com a total falta de infraestrutura básica no bairro, hoje se torna indispensável a aplicação de politicas públicas que beneficiem os moradores do bairro Asa Branca. A Srª Maria Marlene aponta como uma das principais carências do bairro hoje
  • 42. 41 a “saúde de qualidade”: “...é uma das principais necessidades do bairro e precisa melhorar o atendimento”. Ressalta que “hoje temos um único posto médico, mas se você for lá tem dia que não tem nem sequer curativo e muito menos o remédio que o médico receita. Para mim a principal carência do bairro”. Já para o Srº José Gomes a segurança deveria ser prioridade, pois, o bairro cresceu e aumentaram os problemas de violência: “sabemos que esta situação não é exclusiva do nosso bairro, mas quando acontece algo que se precisa da policia, ligamos e a demora em atender é enorme. Fora isso eu considero o bairro tranquilo para se viver”. Nas narrativas apresentadas percebemos que o passado e o presente estão estritamente ligados, as realidades apresentadas por vezes parecem homogêneas no modo de narrar, contudo a percepção e a subjetividade intermediam a memória na hora de falar. Desse modo ganha força o que diz Alberti (2005, p.171), “o entrevistado transforma o que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando acontecimentos de acordo com determinado sentido”. Falaram os narradores, mas muito ainda há para ser dito e ouvido. Neste movimento de falar e ouvir, enfatizamos que a presença de nordestinos na “construção” do bairro Asa Branca tem um significado próprio e dá ao bairro uma identidade e uma característica regional bem acentuada, a começar pelo nome que foi dado ao bairro. Neste sentido podemos afirmar que também a memória coletiva tem um lugar de destaque na preservação da história do bairro e na relação entre os seus moradores. Nesse contexto, um aspecto importante a ser lembrado é que, como afirma Vale (2005), “nos processos migratórios contemporâneos, os migrantes mantêm múltiplas relações tanto na sociedade de destino quanto na de origem”. Em outras palavras, esses processos são responsáveis por estreitar laços de pertencimento e de identidade, sejam de caráter social, cultural e até étnico. Maurice Halbwachs em seu estudo sobre a memória coletiva (2006) também enfatizou a inseparabilidade do tempo e do espaço na memória. Segundo ele, o tempo da memória só se concretiza quando encontra a resistência de um espaço. A memória tem uma dimensão individual, mas, conforme nos aponta o autor, muitos dos referentes dessa memória individual, que é por definição única, estão também numa memória intersubjetiva, uma memória compartilhada, uma memória coletiva. Para Halbwachs (2006): … a memória coletiva envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas. A memória coletiva evolui de acordo com suas próprias leis. Daí se algumas lembranças individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que sejam recolocadas num conjunto que não é mais [aquele da] consciência pessoal.
  • 43. 42 Diante das entrevistas pensamos na complexidade e nos variados desdobramentos que envolvem a memória e a relação entre a memória individual e a coletiva. Para Halbwachs (2006), ela é um conjunto de lembranças construídas socialmente e referenciadas a um grupo que transcende o indivíduo. A partir desse conceito o autor é enfático ao apontar o caráter familiar, grupal e social da memória, contudo, sem negar a importância da memória individual, pois, segundo ele, a capacidade de lembrar é determinada, não pela aderência de um indivíduo a um determinado espaço que habitou, um espaço em que trabalhou, um espaço em que viveu, mas em um espaço que foi compartilhado por uma coletividade, por um certo tempo, seja ele a residência familiar, a vizinhança, o bairro, o local de trabalho. A partir desta reflexão, inserimos as narrativas das pessoas que ajudaram a construir este trabalho. Pessoas essas, em sua maioria nordestinas, provenientes principalmente do estado do Maranhão, que com o espírito destemido enfrentaram muitos momentos árduos em sua luta diária, por um pedaço de chão para morar, por uma melhoria de vida que passa pelo paradigma da terra dos sonhos e das oportunidades. Destaca exemplarmente dona Marlene em seu depoimento: … tivemos que ter muita coragem e força de vontade para encarar aquela situação aqui em nosso bairro, mas nós não tínhamos alternativa, a não ser persistir e graças a Deus superamos. Hoje olhamos para o Asa Branca e vemos um grande centro comercial em nossa cidade, pensar que aqui um dia era vala e muita poeira e hoje está assim é gratificante para nós. Segundo Abreu (2011) a memória individual pode contribuir para a recuperação da memória das cidades. A partir dela, ou de seus registros, pode-se enveredar pelas lembranças das pessoas e atingir momentos urbanos que já passaram e formas espaciais que já desapareceram. Podemos considerar nesse processo de reconstruir o passado de um bairro através da memória, que o individual e o coletivo se entrelaçam para definir e dar uma identidade a um lugar, a um grupo de pessoas, os moradores do Asa Branca.