1. www.cers.com.br
OAB XV EXAME – 1ª FASE
ECA
Cristiane Dupret
1
Lei Menino Bernardo na alteração do
Estatuto da Criança e do Adolescente
No dia 27 de junho de 2014 foi sancionada a
Lei 13.010, intitulada lei da palmada, passando
a ser conhecida como lei Menino Bernardo, em
referência a Bernardo Boldrino, de 11 anos,
que após ficar desaparecido por vários dias,
teve seu corpo encontrado em Frederico
Westphalen, após ter, supostamente, recebido
uma injeção letal.
O Projeto de Lei 7672 tramitou desde 2010, se
destinando à alteração da Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto
da Criança e do Adolescente, para estabelecer
o direito da criança e do adolescente de serem
educados e cuidados sem o uso de castigos
corporais ou de tratamento cruel ou
degradante. Só na Comissão de Constituição e
Justiça, o projeto tramitou por dois anos. Ao
seguir para o Senado, já em 2014, o projeto foi
intitulado Lei menino Bernardo.
O texto sofreu duras críticas durante a
tramitação, sobretudo com base na
argumentação de que a lei poderia interferir na
educação familiar. O relator Alessandro Molon
(PT-RJ) acrescentou à definição de castigo a
expressão "que resulte em sofrimento físico ou
lesão" à criança ou ao adolescente.
O Projeto, de autoria da Deputada Federal
Maria do Rosário, teve origem na "Petição por
uma Pedagogia Não Violenta" e que recebeu
no Brasil, Peru e Argentina mais de 200 mil
assinaturas. Com a entrada em vigor da lei, o
Brasil segue tendência já consagrada no direito
contemporâneo, que pune expressamente a
utilização de violência contra criança ou
adolescente, ainda que utilizada para fins
pedagógicos. A título de exemplo, pode ser
citada a legislação Sueca, que em 1979 adotou
a lei Anti-spanking Law, que proibiu a punição
corporal ou qualquer outro tratamento
humilhante contra crianças. A Comissão
Européia de Direitos Humanos já decidiu que a
punição corporal de crianças constitui violação
aos direitos humanos.
A lei da família e da juventude, aprovada na
Áustria, no fim da década de 80, evita a
punição corporal direcionada à educação. No
mesmo sentido podemos ainda citar a
legislação da Dinamarca, Noruega, Alemanha,
Itália, Canadá, Reino Unido, México e Nova
Zelândia. No ano de 2000, a Suprema Corte de
Israel reconheceu a inadmissibilidade de
utilização da punição corporal de crianças por
seus pais e responsáveis.
Transformado na lei ordinária 13010/14, o texto
original sofreu alguns vetos.
A lei inclui no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8069/90) os artigos 18 A, 18
B e 70 A e altera seu artigo 13, assim como
altera o artigo 26 da Lei 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A
alteração do artigo 245 do Estatuto da Criança
e do Adolescente foi vetada.
O artigo 18 A estabelece que “criança e o
adolescente têm o direito de ser educados e
cuidados sem o uso de castigo físico ou de
tratamento cruel ou degradante, como formas
de correção, disciplina, educação ou qualquer
outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da
família ampliada, pelos responsáveis, pelos
agentes públicos executores de medidas
socioeducativas ou por qualquer pessoa
encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-
los ou protegê-los.”
Nos parece que a nomenclatura da lei
realmente precisava ser trocada, com
abandono da expressão lei da palmada. Isso
porque a lei passa a descrever qual seria o
castigo físico proibido, como ação de natureza
disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da
força física sobre a criança ou o adolescente
que resulte em sofrimento físico ou lesão.
Também é conceituado o tratamento cruel ou
degradante, como conduta ou forma cruel de
tratamento em relação à criança ou ao
adolescente que humilhe, ameace gravemente
ou ridicularize.
A lei atribui ao Conselho Tutelar a aplicação de
medidas que resultem da utilização de castigo
físico ou de tratamento cruel ou degradante por
parte dos pais, integrantes da família ampliada,
responsáveis, agentes públicos executores de
2. www.cers.com.br
OAB XV EXAME – 1ª FASE
ECA
Cristiane Dupret
2
medidas socioeducativas ou qualquer pessoa
encarregada de cuidar de crianças e de
adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-
los. As medidas previstas são:
encaminhamento a programa oficial ou
comunitário de proteção à família;
encaminhamento a tratamento psicológico ou
psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou
programas de orientação; obrigação de
encaminhar a criança a tratamento
especializado e advertência.
Com a inclusão do artigo 70 A no Estatuto da
Criança e do Adolescente, a lei prevê várias
ações que devem ser adotadas pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, de
forma a atuar de forma articulada na
elaboração de políticas públicas e na execução
de ações destinadas a coibir o uso de castigo
físico ou de tratamento cruel ou degradante e
difundir formas não violentas de educação de
crianças e de adolescents. Dentre essas
ações, cite-se a promoção de campanhas
educativas permanentes para a divulgação do
direito da criança e do adolescente de serem
educados e cuidados sem o uso de castigo
físico ou de tratamento cruel ou degradante e
dos instrumentos de proteção aos direitos
humanos.
A nova redação do artigo 13 do ECA passa a
estabelecer que Os casos de suspeita ou
confirmação de castigo físico, de tratamento
cruel ou degradante e de maus-tratos contra
criança ou adolescente serão obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar da
respectiva localidade, sem prejuízo de outras
providências legais. Antes da alteração, o
artigo 13 apenas fazia referencia a maus tratos.
No que tange à lei de diretrizes e bases, a
inclusão do parágrafo 8o no artigo 26
estabelece que Conteúdos relativos aos
direitos humanos e à prevenção de todas as
formas de violência contra a criança e o
adolescente serão incluídos, como temas
transversais, nos currículos escolares da
educação infantil, do ensino fundamental e do
ensino médio, tendo como diretriz a Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990.
De acordo com o Projeto de Lei, também seria
alterado o artigo 245 do ECA, que prevê
infração administrativa, sancionada com multa,
para alguns profissionais que deixem de
comunicar suspeita ou confirmação de maus
tratos contra crianças e adolescentes. O
projeto ampliava o rol de obrigados, assim
como alterava a sanção prevista. A alteração
foi vetada, sob argumentação de que A
ampliação do rol de profissionais sujeitos à
obrigação de comunicar à autoridade
competente os casos de castigo físico,
tratamento cruel ou degradante ou maus-tratos
contra criança ou adolescentes, acabaria por
obrigar profissionais sem habilitações
específicas e cujas atribuições não guardariam
qualquer relação com a temática. Além disso, a
alteração da multa de salários de referência
para salaries mínimos, além de destoar em
relação aos demais dispositivos do Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA, violaria o
disposto no art. 7º, inciso IV da Constituição.