Este documento apresenta parte de uma pesquisa de doutorado sobre a experiência de jovens professores iniciantes no Brasil. O autor propõe uma distinção conceitual entre "professores iniciantes" e "professores jovens", e discute como as noções de juventude variam entre a sociologia da educação e a sociologia da juventude. A metodologia inclui entrevistas e questionários com 32 professores iniciantes entre 20-30 anos de idade.
Jovens professores iniciantes e a distinção conceitual entre iniciante e juventude
1. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
1
Problemas de profesores principiantes
INFORMES DE EXPERIENCIAS FORMATIVAS SOBRE INDUCCIÓN
JOVENS PROFESSORES/AS E DOCENTES PRINCIPIANTES:
EMBATES, DEBATES E PROPOSIÇÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS
Leal, Álida Angélica Alves
alidamail@gmail.com
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Brasil
Resumo
Este trabalho faz parte de uma pesquisa de Doutorado, cujo objetivo consiste em investigar
experiências de jovens docentes iniciantes que lecionam para outros jovens em escolas
públicas situadas em uma região de Belo Horizonte/Minas Gerais (Brasil). No estudo
apresentado neste Congresso, exponho uma discussão teórica, associada a parte de uma
ampla investigação empírica, cujo intento consiste em propor uma distinção conceitual
entre as noções de “professores iniciantes/principiantes” e “jovens professores”/
”professores jovens”; sendo os/as primeiros/as aqueles/as que estavam iniciando a
profissão docente (até 05 anos – Veenman, 1995; Zanchet, Fagundes e Facin, 2012 apud
Lima, 2009) e os/as últimos/as aqueles/as que estavam vivendo determinado momento da
vida (a juventude) – que as políticas públicas no Brasil consideram como indivíduos que
possuem entre 15 e 29 anos de idade (atual consenso etário adotado na América Latina,
conforme Carrano, 2009) e que Dayrell (2007) prefere chamar de “condição juvenil”. A
investigação mais ampla, de natureza quantitativa e qualitativa, utiliza como fontes de
dados revisão bibliográfica, tratamento estatístico de banco de dados sobre o corpo
docente da rede pública de Ensino Médio regular no Brasil (PNAD/2013), além do
estabelecimento de contato e/ou aplicação de questionários e realização “entrevistas
narrativas” (Flick, 2004; Teixeira e Pádua, 2006) com 32 (trinta e dois) jovens docentes
iniciantes da rede pública estadual de Ensino Médio regular de uma região administrativa
do município investigado. Neste estudo, apresentamos parte destes dados, com destaque
para análises de narrativas 03 (três) destes jovens docentes iniciantes pesquisados. Os
resultados preliminares apontam que, embora as expressões “professores iniciantes/
principiantes” e “professores jovens”/”professores jovens” sejam, muitas vezes, tomadas
em investigações sobre iniciação à docência como sinônimas, as mesmas apresentam
significados diferentes. Isto acontece se cotejamos distintos campos do conhecimento
(Sociologia da Educação e Sociologia da Juventude, por exemplo) e se observamos
grandes levantamentos de dados, a exemplo da PNAD/2013. Tais indistinções conceituais
podem estar encobrindo uma compreensão mais ampla sobre os sujeitos que adentram na
profissão quando jovens, velando alguns problemas e questões que para eles/as se
apresentam, tais como: proximidade geracional entre docentes e discentes; construção de
relações de autoridade e as emoções na iniciação à docência por jovens; a relação de
jovens docentes iniciantes e suas mães professoras, entre outros aspectos, sendo aqui
destacados alguns mais marcantes para jovens docentes principiantes que lecionam no
Ensino Médio regular, em especial.
Palavras-chave: experiência docente, jovens professores/as, docentes iniciantes.
2. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
2
Introdução
Neste texto, apresento o recorte de um estudo mais amplo, referente a uma pesquisa de
Doutorado, que tem como objetivo investigar experiências de jovens docentes iniciantes
que lecionam para outros jovens em escolas públicas situadas em uma região de Belo
Horizonte/Minas Gerais (Brasil). De modo especifico, será aqui exposta uma discussão
teórica, associada a parte de uma ampla investigação empírica, cujo intento consiste em
propor uma distinção conceitual entre as noções de “professores iniciantes/principiantes”
e “jovens professores”/”professores jovens”; sendo os primeiros aqueles/as que estavam
iniciando a profissão docente (até 05 anos – Veenman, 1995; Zanchet, Fagundes e Facin,
2012 apud Lima, 2009) e os/as últimos/as aqueles/as que estavam vivendo determinado
momento da vida (a juventude) – que as políticas públicas no Brasil consideram como
individuos que possuem entre 15 e 29 anos de idade (atual consenso etário adotado na
América Latina, conforme Carrano, 2009) e que Dayrell (2007) prefere chamar de
“condição juvenil”.
De modo geral, enfatizo que em diversos trabalhos sobre professores iniciantes, dentre os
quais aponto como exemplo a pesquisa intitulada “Retrato do professor enquanto jovem”,
realizada por Cavaco (1990), o termo “jovem” é utilizado apenas como sinônimo de
“iniciante”, “novo”, referindo-se aos primeiros anos da profissão. Nestas investigações, ser
“jovem” na profissão significa exercê-la há pouco tempo – até 03 (três) anos, conforme
Carlos Marcelo (1995) e Huberman (2000); até 4 (quatro) anos, de acordo com Cavaco
(1995) ou até 05 (cinco) anos, consenso entre autores como Veenman (1995), Zanchet,
Fagundes e Facin (2012), entre outros, que aqui usamos como ponto de partida para a
investigação (autores mencionados por Lima, 2009).
Embora o termo “jovem” possa denotar algo que existe há pouco tempo, em consulta ao
dicionário, é possível perceber que seu significado não se restringe apenas ao que é
recente, como também diz respeito à juventude ou a quem está na juventude, quem tem
pouca idade; que ainda não é adulto. Pensando a partir disto e considerando formulações
que emergem da chamada Sociologia da Juventude, postulo a necessidade de
problematizarmos o termo “jovem” em pesquisas sobre a iniciação à docência a partir desta
segunda concepção.
Considero que a significação usualmente utilizada sobre o que é ser jovem em
investigações no campo da formação de professores (Sociologia da Educação) pode estar
encobrindo a compreensão mais ampla da temática, por não buscar diálogos com outros
campos do conhecimento (como a Sociologia da Juventude). Em outras palavras, a
definição usada em pesquisas sobre iniciação à docência pode estar restringindo a
compreensão sobre quem são, de fato, os jovens que estão iniciando a docência e,
consequentemente, limitando a capacidade heurística da categoria analítica “juventude”,
impedindo a ampliação da discussão sobre questões outras, ainda veladas, sobre estes
mesmos sujeitos.
Sendo assim, a proposta aqui apresentada, uma pesquisa sobre jovens professores
principiantes, consiste em um esforço no sentido de desnaturalizar, problematizar e atribuir
significados outros aos termos “jovem/jovens”, “juventude/ juventudes” e “condição juvenil”,
tal como formulam autores do campo da Sociologia da Juventude (Pais, 1993, Dayrell,
2007). Observamos que tal a discussão ainda é pouco explorada dentro do conjunto de
estudos sobre iniciação à docência, cujo crescimento é notável no Brasil, especialmente
3. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
3
na última década, quando a iniciação à docência começou a ser compreendida como um
desafio institucional das políticas públicas, não uma responsabilidade individual (Corrêa e
Portella, 2012).
Considerando a problemática que se perscruta, o desenho metodológico desta investigação,
detalhado mais à frente, se configura em torno de uma abordagem quantitativa e qualitativa.
Nos termos de Le Ven (2008, p.37), não nos cabe fazer uma oposição e nem sequer uma
avaliação comparativa entre ambas, uma vez que “precisa-se de ambos os lados da
dualidade para dar conta da complexidade social”. Para o autor, no lugar de preocupações
com a separação entre as abordagens, devemos atentar para a dissociação que as
mesmas podem provocar entre sujeito e objeto.
Marco teórico
Para o campo da Sociologia da Juventude, como analisa Weisheimer (2013), a juventude
consiste em uma construção social, cultural e histórica bastante complexa, sendo que cada
sociedade, em distintos períodos históricos, a ela atribuiu (e atribui) determinadas noções,
significados e papéis sociais. Enquanto categoria de análise sociológica necessária ao
estudo dos fenômenos juvenis, “seu significado é necessariamente relacional, de tal modo
que sempre somos jovens ou velhos em relação a alguém” (op.cit.,p.25). Socialmente, uma
das categorizações mais tradicionais das fases da vida passa pela definição de critérios
etários. No Brasil, por exemplo, políticas públicas voltadas para a juventude baseiam-se na
definição de que indivíduos de 15 a 29 anos são considerados jovens.
Entretanto, a noção de juventude não pode ser definida conforme um único aspecto ou
característica, como a idade, por exemplo, defendem Margulis e Urresti (1996). É preciso
que, para além dos critérios biológicos, aspectos de âmbito social também sejam
considerados. Para Dayrell (2007), falar em juventude implica em compreender o que
chama de “condição juvenil”. A mesma é constituída por duas dimensões, quais sejam: o
modo como a sociedade constitui uma multiplicidade de representações sociais associadas
à juventude, incluindo a análise de sua posição num espaço de relações sociais,
mencionando Pierre Bourdieu e a maneira como tal condição é vivida e experimentada por
jovens, conforme suas diferenças sociais – classe, etnia, gênero, identidades religiosas,
pertencimento territorial, entre outras –, a chamada “situação juvenil”.
O autor indica, pois, ser preciso pensar as múltiplas dimensões da condição juvenil. Há
que se considerar, inicialmente, o lugar social dos jovens na contemporaneidade, sua
relação com o mundo do trabalho, com as culturas juvenis (práticas que possibilitam a
demarcação de identidades entre os jovens – a música, a dança, o vídeo, o corpo e seu
visual, dentre outras), as relações de sociabilidade (como as “turmas de amizade”), além
das vivências espaço-temporais e suas resignificações. Por ser marcada pela diversidade,
Dayrell (2006, p.05) acredita que, “na realidade, não há tanto uma juventude e sim jovens,
enquanto sujeitos que a experimentam e sentem de acordo com um determinado contexto
sociocultural em que se inserem”.
Metodologia
A investigação, de natureza quantitativa e qualitativa, utiliza como fontes de dados revisão
bibliográfica, tratamento estatístico de banco de dados sobre o corpo docente da rede
pública de Ensino Médio regular no Brasil (PNAD/2013), além da realização de contato,
4. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
4
aplicação de questionários sobre perfil sócio-econômico e/ou realização de “entrevistas
narrativas” (Flick, 2004; Teixeira e Pádua, 2006), com 32 (trinta e dois) jovens docentes
iniciantes da rede pública estadual de Ensino Médio regular de uma região administrativa
do municipio investigado, que possuem até 05 anos de docência e idades entre 20 e 30
anos.
Gatti e Barreto (2009) apontam que, no Brasil, a pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
apresenta a vantagem de realizar a coleta de dados por indivíduo. Por este motivo, decidi
este banco de dados de 2013, quando foram entrevistados 1016 (mil e dezesseis)
professores do Ensino Médio regular na rede pública de ensino, sendo 304 (trezentos e
quatro) deles iniciantes (30%). A intenção foi de realizar uma caracterização etária dos
mesmos para responder a seguinte questão: afinal, todos os docentes iniciantes são
jovens, ou seja, possuem até 29 anos?
A verticalização da pesquisa foi realizada a partir do mapeamento de jovens professores
em escolas da rede pública estadual de Ensino Médio regular no municipio de Belo
Horizonte/Minas Gerais (Brasil), modalidade escolhida pelo fato da pesquisa mais ampla
ter como intento investigar jovens professores que lecionam para jovens. Identificamos as
regiões da cidade com maior presença destes sujeitos e decidimos investigar a terceira
região que com maior quantidade de jovens professores, aqui nomeada “regional Gama”,
que contava 47 (quarenta e sete) sujeitos. Destes, foram contatados 32 (trinta e dois)
docentes de 13 (treze) diferentes escolas, dos quais 25 (vinte e cinco) responderam
questionários e foram entrevistados, uma vez que atendiam aos critérios previamente
definidos. Aqui, serão apresentadas análises preliminares de 3 (três) sujeitos, cujos perfis
e narrativas serão expostos mais à frente.
Quanto aos questionários, compostos por questões abertas e fechadas, foram destinados
a traçar perfis socioculturais e econômicos dos participantes investigados. Tal instrumento,
composto por 21 questões, foi dividido em 02 (dois) blocos, a saber: a) dados de
identificação pessoal e familiar e b) trajetória escolar, acadêmica e profissional. Também
realizamos “entrevistas narrativas”, destacadas por Teixeira e Pádua (2006, p. 03) como
uma estratégia metodológica caracterizada por menor intervenção do pesquisador,
“pode[ndo] ser um importante recurso metodológico na análise destes (...) movimentos de
subjetivação”. Flick (2004) destaca que, na entrevista narrativa, o fundamento consiste
convidar os entrevistados a apresentar relatos longos e coerentes, sob a forma de uma
narrativa, sobre sua vida ou parte dela.
O tratamento dos dados quantitativos foi realizado através de análises estatísticas
descritivas. Com as entrevistas gravadas e transcritas, foi realizada análise de conteúdo
(Bardin, 2009), demarcando algumas categorias analíticas. Indica-se que a pesquisa
observou os cuidados éticos, destacando-se que os nomes da regional investigada e dos
docentes foram modificados, a fim de garantir seu anonimato.
Resultados
Conforme tratamento de dados da PNAD/2013 sobre docentes do Ensino Médio da rede
pública no país, considerando o total da amostra (1016 sujeitos), identificamos que que
874 (86%) docentes declararam possuir 30 anos de idade ou mais, sendo que os 142
restantes (14%) eram jovens, ou seja, possuíam até 29 anos de idade. Do total de
5. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
5
professores, constatamos que 305 sujeitos (30%) eram iniciantes, ou seja, possuiam até
05 anos de profissão.
Analisando os grupos separadamente, dentro do grupo de jovens professores,
identificamos que havia mais sujeitos iniciantes na profissão do que dentro do grupo de
não jovens. Enquanto 88,2% dos jovens tinham 05 (cinco) anos ou menos de docência,
apenas 24,9% dos não jovens encontravam-se nesta condição.
Se considerarmos apenas o grupo de 305 (trezentos e cinco) professores principiantes,
36,8% deste total foi composto por jovens e 63,2% por não jovens (Tabela 01). Em outros
termos, podemos afirmar que se, por um lado, a maioria dos jovens docentes no ensino
médio público regular é principiante, por outro lado, a maioria dos docentes principiantes
nesta modalidade de ensino não é composta por professores jovens.
Anos de
docência
Nº de docentes
jovens
% de docentes jovens
em relação ao total
Nº de docentes
não-jovens
% docentes não-
jovens em relação
ao total
0 anos 34 11,2 22 7,2
1 ano 20 6,6 26 8,6
2 anos 23 7,6 38 12,5
3 anos 16 5,3 29 9,5
4 anos 7 2,3 35 11,5
5 anos 12 3,9 42 13,8
Total 112 36,8 192 63,2
Tabela 01
Fonte: Elaborada pela autora com base em Microdados PNAD (IBGE, 2013)
Tendo estes dados em vista e considerando a discussão teórica anteriormente posta,
considero que uma importante distinção conceitual pode ser feita entre ser jovem docente
e ser professor principiante. Por um lado, entendo que ser um professor iniciante ou uma
professora iniciante refere-se às vivências e experiências da condição docente em um
momento espcífico, da entrada na profissão, de ingresso neste “estado” do processo de
construção sócio-histórica do ofício docente, em suas dimensões objetivas e subjetivas,
como diz Tenti Fanfani (2010 apud Teixeira, 2007) ou de inauguração de uma situação na
qual determinado sujeito se torna professor, um processo de permanente reconstrução,
como formula Teixeira (2007). Por outro lado, ser jovem professor ou uma jovem professora
diz respeito às suas vivências e experiências da condição juvenil, desta maneira e ser e
estar perante a vida e a sociedade sendo jovem, como nos ensina Dayrell (2006).
Mesmo sabendo de suas limitações, mas tomando como pontos de partida nesta
investigação os 05 (cinco) primeiros anos de exercício profissional para caracterizar a
iniciação à docência e os 29 (vinte e nove) anos de idade como marco cronológico que
delimita o encerramento da juventude, podemos indicar que nem sempre a vivência das
condições juvenil e de iniciação à docência são concomitantes na vida de professores e
professoras.
Em outros termos, nem sempre um professor ou professora iniciante é, também, um ou
uma pessoa que vivencia distintas dimensões da condição juvenil em sua vida cotidiana (a
exemplo de questões ligadas à cultural juvenil, por exemplo). Deste modo, por um lado,
6. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
6
identificamos que um indivíduo pode ser um jovem professor, mas não ser iniciante na
profissão. Este foi o caso de dois professores de Química, um jovem e uma jovem, aos
quais tive acesso em duas diferentes escolas de Ensino Médio inestigadas. Aos 25 anos,
a jovem professora já possuía 7 anos de profissão, ao passo que o jovem professor, aos
28 anos, já possuía 10 anos de docência, portanto, não eram mais docentes iniciantes,
embora fossem jovens. Questões ligadas à escassez de docentes na área de Ciências
exatas no país, associadas a outras questões (como condições socioeconômicas familiares
desfavoráveis, por exemplo), têm feito com que jovens que decidem cursar estes campos
disciplinares adentrem mais cedo na profissão, de forma precária, demarcando suas
experiências e seu campo de possibilidades (Dayrell, 2007).
Por outro lado, constatamos que um indivíduo pode ser iniciante na profissão e não estar
mais vivenciando vários aspectos da condição juvenil, seja porque os marcos cronológicos
aqui adotados como critérios já não permitem classificá-lo como jovem, seja porque o
próprio indivíduo já se considera e se enxerga totalmente adulto, por variados motivos.
Sendo assim, conforme os critérios iniciais adotados, reiteramos: nem todo jovem professor
é iniciante na profissão e nem todo professor iniciante é jovem.
Sabendo que a distinção conceitual entre “professores iniciantes/principiantes” e “docentes
jovens” foi factível ao tratarmos dados quantitativos da pesquisa, indagamos, a partir dos
dados coletados via entrevistas: quais aspectos singularizam experiências de professores
que, além de iniciantes, também são jovens na profissão e, no caso desta pesquisa,
também lecionam para outros jovens, seus alunos?
Com base no tratamento dos dados coletados, em especial de parte das entrevistas
realizadas com 25 (vinte e cinco) jovens docentes principiantes que lecionam para jovens
em escolas públicas que ofertam Ensino Médio regular, destacamos, dentre outros, três
destes aspectos, quais sejam: a) a proximidade geracional entre docentes e discentes, b)
relações de autoridade entre professores jovens principiantes e seus jovens alunos e as
emoções na iniciação à docência por jovens e c) relação dos docentes e suas famílias.
Considerando ser esta uma investigação ainda em curso e enfatizando que o processo de
análise dos dados coletados via entrevista ainda seguem sendo interpretados,
apresentamos trechos de algumas narrativas, capazes de ilustrar as questões postas
anteriormente. Trazemos parte do relato de três docentes, a seguir apresentados. Todos
possuem contratos temporários com a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais,
sendo chamados “professores designados” (conforme legislação).
O primeiro deles é Nem, um professor de 30 anos de idade e 4 anos de docência, licenciado
e bacharel em Geografia que leciona esta disciplina em uma escola pública estadual
(colégio militar) nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio (ambos
regulares). Era a quarta escola na qual trabalhava. Ministrava aulas para 04 turmas.
Considera-se pardo e não pratica nenhuma religião. Sua vida estudantil transcorreu em
escola pública (Ensino Fundamental) e escola pública e privada (Ensino Médio). Mora em
um bairro da periferia da cidade com a avó (pensionista). Teve uma infância, adolescência
e juventude bastante conturbadas, marcadas pela ausência da mãe, a presença
intermitente do pai e forte vínculo com diferentes grupos de amizade no espaço da rua.
Quando foi entrevistado, namorava uma colega de trabalho, uma jovem professora
iniciante de História, que tinha 26 anos de idade e 04 anos/03 meses de profissão. Tinha
7. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
7
o costume de conversar com os estudantes via redes sociais e narrou uma relação de
vínculo bastante forte e amistoso com grande parte de seus estudantes.
A segunda é Késsia, uma jovem professora graduada em Ciências Sociais (licenciatura)
de 23 anos de idade e 09 meses de docência, que ministrava Sociologia em 12 turmas do
Ensino Médio regular (matutino) e Educação de Jovens e Adultos (EJA - noturno). Era a
primeira escola na qual trabalhava. Não quis declarar cor/etnia e não pratica nenhuma
religião. Auto-identificada como “uma professora feminista lésbica”, depois de morar 04
(quatro) anos em uma cidade do interior do estado para cursar a graduação em uma
universidade pública federal, a jovem retornou para a casa dos pais e do irmão menor, em
uma cidade da periferia metropolitana de Belo Horizonte. Lá, ela havia estudado em escola
pública durante toda a Educação Básica (na qual não via muito sentido, especialmente no
Ensino Médio), tinha uma banda feminina de punk rock e participava de movimentos sociais
e coletivos (punks, feministas e anarquistas). É solteira, gosta de ter os/as amigos/as por
perto e costumava se encontrar com seus jovens estudantes, com os quais tinha intereses
e gostos em comum, em outros espaços da cidade, nos quais não mais sentia
desempenhar o papel de professora.
A terceira professora é Rúbia, uma jovem de 25 anos e 06 meses de exercício profissional,
graduada em Design de Interiores e que leciona Arte em turmas do Ensino Médio regular
e, também, do Ensino Fundamental regular. Era a segunda escola na qual trabalhava.
Declarou-se parda e praticante da religião católica. Mora em Belo Horizonte com os pais e
um irmão, tendo cursado a Educação Básica em escolas públicas (municipal e estadual).
Tal como Késsia, também leciona para 12 turmas, porém nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio (regulares). Iniciou a docência trabalhando em uma escola
pública estadual, situada em cidade da periferia metropolitana, sendo a segunda escola
por ela considerada de “classe social” diferente e melhor para se trabalhar, aspecto que a
incentivou a seguir na profissão. Sua mãe, Pedagoga com pós-graduação na área de
Psicologia, é professora recém-aposentada na Educação Básica.
Sobre a proximidade geracional entre jovens professores principiantes e seus jovens
alunos, Nem nos fala que suas vivências juvenis, bem como os gostos e costumes que
teve e/ou ainda mantém, relativos à cultura juvenil (esportes, jogos eletrônicos, obras
cinematográficas, música etc) reverberam em suas práticas, fazendo com que seja mais
próximo dos/as estudantes e com eles/as estabeleça vínculos:
Porque é muito comum, e é muito mais comum em escola pública, a arrogância que os
professores tratam os meninos né? […] Então isso, esse meu primeiro contato é
importante. […] Eu vou conversando certos assuntos, assuntos fora de sala... “Olha, eu
já joguei futebol também! Você joga?”; “Ah, eu já joguei vídeo-game, mas agora eu não
jogo mais. Mas eu conheço uns jogos. Você joga?”. Seriados, animes, filmes, shows...
Então a gente vai conversando e eles vão se abrindo... Então eles vão abrindo o
comportamento e criando um vínculo. E aqueles que não dão abertura, eu também vou
fazendo um movimento. […] Essas informações minhas do passado, ficaram muitas
coisas, assim, sensitivas pra eu perceber do aluno. Tanto o que eu vivi, estudei e vi
próximo de outras famílias. Acho que isso me ajudou muito a compreender esse novo
aluno. Claro, não é possível compreender todos, o que é impossível, mas não só
compreender, mas entender algumas situações que acontecem na sala de aula, né?
Compreender que muitas vezes o aluno utiliza a sala de aula para conseguir extravasar
8. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
8
o que não consegue extravasar na rua ou dentro de casa. Então isso pra mim é
fundamental!
Acerca das relações de autoridade entre professores jovens principiantes e seus jovens
alunos, Késsia nos disse sobre a dificuldade de construir relações hierárquicas em sua vida
cotidiana. Neste sentido, logo quando chegou na escola, sendo inicialmente confundida
pelos estudantes como uma “aluna novata”, propôs, de modo evidente, que desejava
construir relações mais horizontalizadas com os estudantes. Disse que os considerava
“colegas de trabalho como quaisquer outros”, não sendo, pois, subordinados a ela. “Vamos
buscar ter uma relação de igual pra igual”, foi o que disse em sua apresentação aos
estudantes.
Em função de suas crenças e visões de mundo, suas concepções sobre Educação, seus
processos formativos vividos no seio de movimentos sociais específicos, de suas memórias
sobre a escola, das representações sobre os estudantes, além de especificidades da
disciplina que leciona, Késsia aponta ter apresentado dificuldades relativas à questão da
construção daquilo que ela concebia como autoridade na relação com os estudantes. “Com
autoridade não se educa, se adestra”, era a concepção da docente.
Isto trouxe para ela uma série de tensões emocionais, manifestas, por exemplo, no dia em
que saiu de sala chorando, “bolada”1
, porque os estudantes disseram que a ela dava sua
opinião e não era imparcial nas aulas. Em ocasiões como estas, a professora destaca:
Eu chegava em casa chorando, tipo: ‘Mãe, pelo amor de Deus, eu vou pedir pra sair!
Não aguento esses meninos, são uns demônios, eu não consigo’. [...] Eu chegava em
casa chorando e ficava na bad2
, ficava querendo procurar outro emprego, e aí eu ficava
sofrendo”.
Raiva, ódio, indiferença, irritação, estresse, angústia... Estes foram alguns dos sentimentos
apontados por Késsia quando relatou sobre dificuldades vividas no início de sua inserção
profissional. É possível supor, em função da proximidade geracional entre professora e
seus estudantes, que a dimensão emocional na iniciação à docência de jovens professores
seja um fator de extrema relevância a ser destacado, talvez mostrando que este pode ser
um fator que ajuda a singularizar as experiências destes sujeitos.
Concernente à relação dos docentes com suas respectivas famílias, as mães, em especial,
Rúbia nos conta:
Eu trabalhei em uma escola em Santa Luzia3
. Lá era bem mais difícil, a classe muito
baixa… Então, os meninos eram sem limite nenhum […] E aqui na escola é muito
tranquilo, os meninos são muito educados, eles respeitam mais os professores. Eu
acho que aqui na escola é o que me incentivou mais de não querer sair da área, eu
pretendo ficar, pretendo fazer uma especialização e continuar dando aula nessa parte
de Arte. Eu tô gostando muito desde o dia em que eu comecei. […] Mesmo lá também
eu gostava, apesar dessas dificuldades. Mas eu acho também que é porque minha mãe
deu aula muitos anos, ela aposentou agora como professora. Eu converso muito em
1 Gíria utilizada pela docente que significa chateação, indignação, nervosismo, raiva.
2
Gíria usada quando alguém quer dizer que está pra baixo, deprimido.
3 Cidade periférica da região metropolitana de Belo Horizonte
9. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
9
casa com minha mãe […] Então ela tem muito mais jeito da situação. Aí eu pego muito
apoio com ela em relação a questões de dificuldades, ela tem muito material também.
Não é assim, ligado diretamente na minha materia, mas que ajuda na psicologia geral
dos alunos, entendeu?! Eu tiro muitas dúvidas em casa também.[…] Vamos dizer, ela
aposentou mas continua porque tudo assim ela me dá muitas dicas de tudo, em relação
a planos, de fazer as coisas…[…] Então assim, eu acho que é como se eu tivesse uma
supervisora particular! Porque, tipo assim, ela teve muita experiência porque ela
trabalhou tanto com fundamental, quanto com médio, deu poucas aulas também pra
EJA. Então qualquer base ela consegue me explicar, já tem mais experiência na área,
né? Aí ajuda muito.
Sobre esta questão, é preciso destacar que, a despeito de visões do senso comum,
estudos no campo da Sociologia da Juventude têm apontado a familia como suporte e
inspiração para a construção de projetos de futuro de jovens (Vilas e Nonato, 2014). Neste
sentido, sublinho e dou ênfase à presença de mães professoras na vida de alguns dos
docentes investigados. Nogueira (2013) trabalhou com a hipótese de que “o fato de ser
professor impacta positivamente as práticas educativas parentais, trazendo benefícios para
a escolarização dos filhos”, havendo “nuances desse favorecimento, tendo em vista a
dinamicidade das práticas educativas familiares” (op.cit.,p.65).
Parafraseando as discussões da referida autora, podemos dizer que, para além de
condições de trabalho específicas, destaca-se o “efeito mãe professora na iniciação
profissional de jovens professores”, que, no caso analisado, impactou significativa e
positivamente o processo de iniciação à docência de Rúbia. Isto também foi observado em
outros casos, nos quais a presença marcante de algumas mães professoras (aposentadas
e na ativa), que funcionam como suportes, têm contribuído para que jovens docentes não
sintam, com tanta força, o impacto do “choque de realidade” (Veenman,1984) na iniciação
à docência. Compreendo que tal questão precisa ser aprofundada quando tratamos sobre
jovens professores iniciantes.
Algumas considerações finais
Os resultados preliminares apontam que, embora as expressões “professores iniciantes/
principiantes” e “professores jovens”/”professores jovens” sejam, muitas vezes, tomadas
em investigações sobre iniciação à docência como sinônimas, as mesmas apresentam
significados diferentes. Isto acontece se cotejamos distintos campos do conhecimento
(Sociologia da Educação e Sociologia da Juventude, por exemplo) e se observamos
grandes levantamentos de dados, a exemplo da PNAD/2013.
Neste sentido, indistinções conceituais podem estar encobrindo uma compreensão mais
ampla sobre os sujeitos que adentram na profissão quando jovens, velando alguns
problemas e questões que para eles/as se apresentam. Recomenda-se que estudos sobre
jovens professores/as iniciantes construam diálogos com investimentos teóricos de outros
campos do conhecimento, como a Sociologia da Juventude, a fim de que se possa
vislumbrar aspectos ainda pouco discutidos sobre a entrada de jovens na carreira docente
(tais como: proximidade geracional entre docentes e discentes; construção de relações de
autoridade e as emoções na iniciação à docência por jovens; a relação de jovens docentes
iniciantes e suas mães professoras, entre outros aspectos, sendo aqui destacados alguns
mais marcantes para jovens docentes principiantes que lecionam no Ensino Médio regular,
em especial).
10. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
10
Referências Bibliográficas
Bardin, L. (2009) Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, LDA.
Carrano, P. (2009). Jovens, escolas e cidades: entre diversidades, desigualdades e
desafios à convivência. II Colóquio Luso-Brasileiro de Sociologia da Educação. Porto
Alegre.
Corrêa, P. M; Portella. V. C. M. (2012) As pesquisas sobre professores iniciantes no Brasil:
uma revisão.Olhar de professor, Ponta Grossa, p. 223-236
Dayrell, J. (2007). A escola faz juventudes? Reflexões em torno da socialização da
juventude. In: VIEIRA, Maria Manuel (Coord.). Actores educativos: escola, jovens e
media. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.
Dayrell, J. (2006) Juventude, produção cultural e Educação de Jovens e Adultos. In:
SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria Amélia; GOMES, Nilma Lino (Orgs.). Diálogos
na Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica.
Flick, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman.
Gatti, B. A. e Barreto, E. S. S. (Org.). (2009) Professores do Brasil: impasses e desafios.
Brasília: UNESCO
Le Ven, M. M. (2008). Afeto e Política – Metodologia Qualitativa: História Oral e Sociologia
Clínica. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2008. 228 p.
Lima, E. F. et al (2007). Sobrevivendo ao início da carreira docente e permanecendo nela.
Como? Por quê? O que dizem alguns estudos. Educação e Linguagem, São Paulo, ano
10, n. 15, p. 138-160, jan./jun.
Nogueira, M. O. (2013) Efeito pai professor: o impacto da profissão docente na vida
escolar dos filhos. Rev. Bras. Educ. [online]. vol.18, n.52, pp.65-79.
Pais, J.M. (1993) Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Teixeira, I. A. C. (2007). Da condição docente: primeiras aproximações teóricas. Educ.
Soc., Campinas, V. 28, n. 99, p. 426-443, maio/ago.
Teixeira, I. A. C.; Pádua, K. C. (2006). Virtualidades e Alcances da Entrevista Narrativa. In:
Congresso Internacional sobre Pesquisa (Auto) Biográfica, II, Salvador. Anais. Salvador:
UNEB, CD-ROM.
Veenman, S. (1984) Perceived Problems of Beginning Teachers. Review of Educational
Research, Catholic University of Nijmegen, v. 54, n. 2, p. 143-178.
11. V CONGRESO INTERNACIONALSOBRE EL PROFESORADO PRINCIPIANTEY LAINDUCCIÓN
A LA DOCENCIA
11
Weisheimer, N. et al (2013). Sociologias da juventude. Curitiba: Intersaberes.