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G R A N D E S R E P O R T A G E N S
DIVERSIDADE RELIGIOSAO silêncio mascara a intolerância às crenças afrodescendentes
Históriaesquecida
Negros de Joinville tentam resgatar cultura
Problemasocial
3,9 mil famílias vivem de forma irregular
Diário de superação
História marcada pela dor e vontade de viver
Vencendo o câncer
Disposição e apoio familiar ajudam no tratamento
JUNHO DE 2011
02 Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA Opinião
Outro semestre que chega ao fim...
Depois de um semestre inteiro de escolha de pau-
tas, distribuição de jornais, apuração de fatos, entre-
vistas e muitas, muitas discussões por e-mail, chega
às suas mãos a última edição do Primeira Pauta do
primeiro semestre de 2011.
Esta é uma edição especial, cheia
de grandes e interessantes reportagens
que foram trabalhadas em conjunto
com a disciplina de Redação V. Algu-
mas levaram o semestre inteiro para
serem concluídas, outras, mesmo que
apuradas em menos tempo, contam
histórias relevantes e inéditas.
Será que na poesia “Sílaba”, Djavan
estava se referindo aos jornalistas ao se
questionar quem poderia contar algo
com fidelidade? Mesmo que não fosse
essa a intenção, enquanto acadêmicos
de Jornalismo queremos ser o “quem”
deste texto, aquele que conta o fato de
uma forma imparcial e independente.
Para tanto, escolhemos pautas que nos
atraem e mexem conosco.
Através de seus repórteres, o Pri-
meira Pauta visitou a menina Letícia,
que é um exemplo de superação e força de vontade.
Contamos a dolorosa experiência do câncer vivida
por duas pessoas.
Junto conosco, você poderá ver também qual
foi a trajetória dos negros em Joinville até os dias
de hoje. Entramos nas escolinhas de basquete e no
ônibus universitário que vem de Itapoá, onde o jor-
nalismo de precisão nos mostra dados
e estatísticas sobre o perfil sócio cul-
tural do estudantes que viajam todos
os dias em busca de um futuro profis-
sonal. Visitamos Joinvilenses que têm
suas casas em áreas de risco e compar-
tilhamos um pouco da alegria que é
ter um intercambista hospedado em
casa. Nossos repórteres participaram
de cultos evangélicos para conhecer a
história de um ex-traficante que virou
pastor e visitaram também rituais de
candomblé e umbanda para retratar
o preconceito sofrido pelas religiões
afrodescendentes em Joinville.
Ufa! Quantas vidas e experiências
envolvidas nessas páginas. Aproveite
bem querido leitor, e esperamos ter
cumprido nosso papel de jornalistas
– aquele que, como disse Djavan, não
coloca, nem tira síbalas, que conta o
enredo, não altera o tom, nem o teor e o desfecho.
Aquele que não erra e nem muda uma vírgula. Boa
leitura e até o próximo semestre!
carta ao leitor
em foco
SUMÁRIO
Na porta de entrada do terreiro de Umbanda e Candomblé, da mãe-de-santo Jacila Barbosa, uma cumeeira que serve como
preparação para quem entra no espaço sagrado. A cumeeira purifica e segura as energias negativas.
DIRETORGERALDOBOMJESUS/IELUSC|Tito
LívioLermen
COORDENADOR DO CURSO | Sílvio Melatti
DISCIPLINA | Jornal Laboratório II
PROFESSOR RESPONSÁVEL | Lucio Baggio
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO | Neyfi Müller
EDITOR GRÁFICO | Ronaldo Santos
DIAGRAMADORES|AlineSeitenfus,AnaLuiza
Abdala,ArianePereira,EdineiKnop,EduardoSchmitz,
GabrielFronzi,NeyfiMüllereRonaldoSantos
EDITORES DE TEXTO | Aline Seitenfus, Ana
Luiza Abdala, Ariane Pereira, Edinei Knop,
Eduardo Schmitz, Gabriel Fronzi, Neyfi Müller
e Ronaldo Santos
REPÓRTERES | Augusta Gern, Bárbara Elice
da Silva, Diego Porcincula, Emanoele Girardi,
Francine Ribeiro, Luísa Desiderá, Neyfi Müller,
Patrícia Schmauch eTiffani dos Santos
EDITORA DE FOTOGRAFIA | Jéssica Michels
FOTÓGRAFOS | Ana Paula da Silva, Jéssica
Michels e Mayara Silva
IMPRESSÃO | A Notícia
TIRAGEM | 3 mil exemplares
Foto da capa | Ana Paula da Silva
Contato com a redação
Endereço: Rua Princesa Isabel, 438 - Centro
CEP 89201-270 | Joinville | Santa Catarina
Telefone: (47) 3026-8000 - Fax: (47) 3026-8090
E-mail: jornalismoielusc@gmail.com
Blog: primeirapautaielusc.blogspot.com
Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornalismo
Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc
XXI Prêmio de Direitos Humanos de
Jornalismo, MJDH - OAB/RS, 2004
EDIÇÃO ESPECIAL | Junho 2011
Diagramação e edição de Neyfi Müller
Edinei Knop
“Quem me dirá não
o que desejo nem o
que sei,
Mas aquilo de que
preciso
Sem botar nem tirar
uma sílaba?
Quem saberá contar o
enredo
Sem alterar o tom,
o teor e o desfecho
Sem errar, nem mudar
uma vírgula?”
(Sílaba – Djavan)
Quem?
Lição deVida Jovem cantora é exemplo de
superação após acidente
TiffanidosSantos03
Ocupação do Solo Habitação em Joinville:
um problema social
BárbaraElice12
Superação A história do ex-traficante
que se tornou pastor
NeyfiMüller08
Oportunidade O esporte como pauta para o
sucesso de novos talentos
DiegoPorcincula18
Força deVontade Câncer: história de
lutas e superação
FrancineRibeiro06
Afro-descendentes Joinville negra: imersa em
um passado de preconceito
PatríciaSchmauch15
Diversidade Religiosa Preconceito religioso
persiste na cidade
LuisaDesiderá10
Intercâmbio Uma vida inteira
em alguns meses
EmanoeleGirardi20
Ensino Superior O vai e vem dos estudantes
de Itapoá rumo à graduação
AugustaGern22
03
Diagramação e edição de Edinei Knop
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTASaúde
O
s primeiros
três dias de
2004 deixa-
ram marcas
para o resto
da vida de
Letícia Pauli. Férias escolares,
planos para a carreira de mode-
lo e cantora interrompidos em
questão de segundos. Aos 14
anos, a modelo recém formada
já possuía um CD gravado, “O
amor está em mim”, tinha na-
morado e se divertia como uma
garota normal da sua idade.
Era verão. Letícia recebeu
a visita de Thaisy Pauli, filha
de outro casamento com o pai
Hilário Pauli. A modelo profis-
sional de 19 anos morava em
São Paulo e trouxe consigo uma
amiga. Thaisy passou o Ano
Novo em Jaraguá do Sul e pre-
tendia voltar à capital paulista
dentro de pouco tempo.
As jovens curtiam as férias
em casa, mas queriam sair para
dançar, uma das coisas de que
Letícia sempre gostou. Nessa
época específica do ano, as cida-
des não litorâneas se esvaziam.
O que “bomba” são os clubes da
temporada. Era para a praia de
Piçarras que pretendiam ir Le-
tícia, o namorado, a meia-irmã
mais velha e sua amiga. Proibidas
pela matriarca da família, Solan-
ge de Souza, de viajar até a festa
desejada, escolheram um local
na própria cidade para dançar.
Por volta das 4h da manhã,
ao invés de voltarem direto para
casa, decidiram comer algo no
Centro. No caminho, a conver-
sa dentro do carro estava bem
animada. Havia cinco pessoas
no automóvel porque um ami-
go pegou carona com o grupo.
Letícia estava sentada ao lado
do namorado, Waldemar Schro-
eder Júnior, de 23 anos, que era
o motorista. Ela tirou os sapatos
e os colocou embaixo do ban-
co. Também soltou o cinto de
segurança para poder conversar
melhor com a meia-irmã mais
velha, que estava no banco atrás
do condutor. A conversa acabou
com uma curva. O jovem perdeu
o controle do carro e bateu vio-
lentamente contra uma árvore.
Com o impacto, a porta se abriu
e Letícia voou. A jovem deslizou
pelo asfalto e ficou deitada na
posição em que caiu. O moto-
rista, a amiga e o rapaz sofreram
ferimentos leves.
Cinco minutos. A ajuda che-
ga. Os bombeiros socorrem os
passageiros. No hospital, Letícia
já está em coma.
O IMPACTO DA NOTÍCIA
Quem avisou à família Pauli
sobre o acidente foi o sogro da
vítima. Disse sobre a batida, que
a situação era grave e que as duas
estavam no hospital. Hilário, o
pai, queria ver o carro. Solange, a
mãe, não quis “porque é sempre
pior”. Os pais chegam ao hospi-
tal meia hora depois do acidente.
Mais duas horas para ver Thaisy.
“Eu lembro que quando a gente
entrou não a reconhecemos de-
vido ao inchaço. O Hilário disse
‘Cadê a minha filha? Não é a mi-
nha filha essa aí’. Ela escutou e
respondeu: ‘Sou eu pai’. Mas não
tinha como reconhecer”, conta
a mãe. O diagnóstico da modelo
foi de afundamento da face. A
mãe acredita que Letícia e Thaisy
se chocaram uma com a outra,
dentro do carro. Três dentes da
jovem cantora foram encontra-
dos no veículo, o que explica uma
possível batida. Uma rachadura
na cabeça de Letícia, que conse-
quentemente se tornou um trau-
matismo craniano, também pode
ser uma possível confirmação
do choque entre as duas jovens.
O cérebro, já danificado, chacoa-
lhou no momento em que Letícia
era arremessada no asfalto.
Duas horas mais tarde, quan-
do o dia já estava claro, conse-
guem ver Letícia.
A médica de plan-
tão no hospital
São José disse que
o estado dela era
muito grave. “A
gente tinha medo
até de colocar a
mão, ela se espi-
chava, parecia um
gato, o sistema
nervoso estava afetado. Ela fazia
movimentos estranhos, mas não
dava pra ver nada na cabeça”.
Na tarde de sábado, Letícia
entrou na sala de cirurgia. O
cérebro foi retirado para desin-
char e ter espaço. Em seguida,
colocado novamente. Quando
o médico que a operou saiu da
sala, disse: “Hoje ela tem chan-
ce”. De acordo com Solange,
as estimativas de sobrevivência
na madrugada eram de apenas
2%. O comentário geral entre
os médicos era de que ela não
duraria dez dias.
Letícia teve uma lesão no
mesencéfalo. O médico expli-
cou aos pais que se o trauma-
tismo tivesse ocorrido só na
parte da rachadura, a garota não
teria ficado com tantas sequelas.
“Um hematoma do tamanho de
uma unha cortou a comunica-
ção com todos os sentidos. Ab-
solutamente tudo. O que mais
afetou a Letícia foi a fala, a vi-
são e a coordenação motora. O
equilíbrio, na verdade. Ela não
fazia nada”, explica a mãe.
Depois da cirurgia, a jovem
teve uma pequena melhora. Fo-
ram 25 dias na Unidade de Trata-
mento Intensivo (UTI), em coma.
Primeiro trataram o que era mais
grave.Letíciachegouacortaralín-
gua no acidente, mas só a costura-
ram uma semana depois. A febre
não podia aumentar demais, pois
o cérebro estava muito debilitado.
“Quando aumenta-
va, cobriam ela de
gelo, uma cena que
doía muito de ver.
Várias vezes a gente
teve que fazer, mas
depois disso a febre
estabilizou, foi mais
fácil”, relembra So-
lange. Contudo, as
sessões de gelo e o
ar condicionado afetaram direta-
mente o pulmão, motivo de mais
tratamento médico. Antes de ga-
nhar alta, mais surpresas. Exames
ainda revelaram hidrocefalia, acú-
mulo de água no cérebro. Isso fez
com que Letícia passasse por mais
uma cirurgia. Raspou a cabeça de
novo, mas o organismo começou
a reagir e a trabalhar. Mais três dias
e finalmente foi para casa.
Letícia Pauli era famosa em Jaraguá do Sul. Tragédia de carroque
mudousuavidarefletehojenumaconquistacontruídapassoapasso
Jovemcantoraéexemplo
desuperaçãoapósacidente
LIÇÃO DEVIDA
Letícia ficou 40 dias
internada. Desses,
25 foram na Unidade
deTratamento
Intensivo (UTI)
NO HOSPITAL
DO NASCIMENTO AO“NASCER DE NOVO”
Desde que nasci sempre fui uma
menina muito sapeca. Adorava
pular, correr, brincar e fazer arte.
Era uma criança ativa. Sempre fui o
orgulho dos meus pais.
Aos 14 anos, fiz curso de modelo
para perder minha timidez na hora
de cantar.Tinha tudo para dar certo,
mas não foi o que aconteceu...
Cantar sempre foi a minha
paixão. Ainda criança já
participava de concursos e aos
11 anos gravei meu próprio CD.
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL | ARTES: Stock.XCHNG
Este é um pedaço da trajetória de Letícia Pauli. As fotos retratam como sua vida
mudou, mas a história não termina aqui, muitas páginas ainda serão escritas.
Tiffani dos Santos
tiffanilds@gmail.com
04 Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Edinei Knop
Saúde
A chegada em casa só foi
possível com o auxílio de uma
ambulância. Letícia estava com
o corpo todo enrijecido. “Eu
imaginava que ela ía ficar mo-
linha, mas foi o contrário. Não
tinha mais as articulações fun-
cionando direito. Ela só movia
uma perna quando veio pra
casa”, enfatiza a mãe. Começa-
ram, então, as sessões de fisio-
terapia com a prima, que traba-
lhava em Blumenau com casos
iguais aos de Letícia. A partir
daí, a adolescente começou a se
recuperar. Solange destaca ain-
da, a ajuda da avó. “Era preci-
so que alguém ficasse 24 horas
junto da Letícia. A avó se dis-
ponibilizou e até fez um curso
para aprender noções de en-
fermagem.” Era necessário que
cinco pessoas segurassem a jo-
vem para colocá-la em pé. “Não
tinha condições de uma pessoa
ficar sozinha e cuidar dessa me-
nina com esse tamanho todo”,
diz a mãe fazendo referência,
em tom de brincadeira, à estatu-
ra de 1,70 metro da filha.
As talas, cadeiras de rodas e
todos os instrumentos de loco-
moção foram companheiros no
processo de reaprendizagem.
Letícia confessa que ficar de pé
foi muito difícil. Durante cinco
meses, a comida era ingerida
através de sonda. A família tra-
balhou com o auxílio da música,
paixão que impulsionou a jovem
a dar continuidade ao tratamen-
to. Letícia só fazia os exercícios
se tivesse música e queria que
dançassem com ela.
“Tudo era estímulo pra ela.
A dor, infelizmente, às vezes
ajudava porque ela queria pe-
gar a mão da fisioterapeuta pra
não deixar ela fazer. Era bem
difícil segurar. É como se você
fosse vacinar um bebê lindi-
nho e vê ele chorar sem poder
fazer nada. Assim eu tinha que
fazer com ela. Fechar os olhos
e fazer. Porque não adianta-
va nada ela melhorar, sair do
coma, daquele estado vegeta-
tivo e ela não poder caminhar
se eu não fiz as coisas certas”,
desabafou Solange.
Uma das sequelas mais gra-
ves do acidente foi a fala. Letícia
se comunicou pela primeira vez
através da língua de sinais, a libras,
que dominava. Fez com gestos
seu nome e foi a irmã mais nova,
Nathália, que identificou. Logo
depois, começou a gesticular e os
parentes a entenderem.
A música como companheira e
estímulo no intenso tratamento
Para me pôr de pé, era preciso aajuda de muitas pessoas. Umafase difícil e dolorosa, mas doinício do tratamento.
O sorriso nunca deixou de fazer
parte da minha vida. Mesmo nos
momentos difíceis haviam amigos
que estavam ao meu lado.
O dia 3 de janeiro de 2004 foi um
divisor de águas. Um acidente de
carro prejudicou o cérebro. Meu corpo
perdeu o controle dos estímulos que
coordenam o organismo humano.
UmaespéciedeUTIfoimontadanacasadeLetícia. Assessõesdefisioterapiaeramcomaprima,quetrabalhavacomessescasosemBlumenau
A explicação médica
O mesencéfalo atua como
uma espécie de ligação entre as
informações processadas no cére-
bro e sua distribuição para os sis-
temas que coordenam as funções
do organismo humano. De acor-
do com o médico neurologista e
professor da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), Paulo
CesarTrevisol Bittencourt, essa es-
truturacerebral
é responsável
pela recepção
e coordenação
dos movimen-
tos posturais.
Ele afirma que
traumas cra-
nianos associa-
dos a aciden-
tes de carro
são uma causa frequente para
provocar a lesão mesencefálica.
No caso específico de Letícia, Bit-
tencourt analisa as chances para
a recuperação da jovem. “Pessoas
jovens tendem a apresentar exce-
lente recuperação mesmo diante
de graves lesões neurológicas,
basta dar uma chance. E foi isso
que fizeram”.
O médico neurologista Vi-
cente Caropreso acompanhou,
por um tempo, o tratamento de
Letícia. Segundo ele, o trauma
sofrido pela adolescente altera
diretamente o funcionamento de
uma pessoa. O
neurologista
acredita que os
jovens sempre
surpreendem.
Na visão dele,
a parte psico-
lógica foi fun-
damental para
a recuperação.
“No caso dela,
muita coisa soprou a favor, prin-
cipalmente o clima positivo entre
os pais e a família em geral, que
nunca desistiram de procurar es-
timular a paciente, tanto médica
como espiritualmente”.
As dores emocionais
Em meio a tantas modificações na vida da cantora, a parte que
envolve o ex-namorado foi a mais intensa e dolorosa.“Levou um ano
pra que ela chorasse e ela chorou a primeira vez por quem?”, a mãe
questiona. Ela faz referência ao afastamento do companheiro de
Letícia. Após um ano“enrolando”, ele deixou de frequentar a casa da
família.“Além de toda a dor física, a dor emocional é muito pior”, en-
fatizou. Solange lembra que na época, mesmo sabendo das atitudes
do rapaz, a família aceitou as visitas esporádicas, pois, segundo ela,
impulsionavam a vontade da filha em se recuperar. A própria Letícia
comenta que o seu caso comparado com o da família do namorado,
que teve somente prejuízos materiais, só coincide na questão finan-
ceira.“Eles não sabem o quanto o filho deles me magoou. Eu tive
vontade de me estrangular”, conta Letícia gesticulando com as mãos.
ARQUIVO PESSOAL
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL | ARTES: Stock.XCHNG
DIVULGAÇÃO
MESENCÉFALO
05Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Edinei Knop
Onze meses após o acidente,
Letícia e a mãe foram à Brasí-
lia para o que seria apenas uma
consulta no hospital Sarah Ku-
bitschek, especialista em casos
de reabilitação. Viagem que du-
raria no máximo três dias. Mas
foram 45. Conforme Solange, a
filha já caminhava com ajuda e
conseguia pronunciar umas pa-
lavras. “As pessoas acham que
lá (no Sarah Kubitschek) é só
passar em uma máquina e sair
novinho”, ressalta. A mãe con-
ta que o segredo é a infraestru-
tura e a intensidade nas ativida-
des para os pacientes. Ela cita
como exemplo a fisioterapia,
que em Jaraguá Letícia reali-
zava uma vez por semana. No
hospital em Brasília eram duas
sessões diárias. A mãe ainda
complementa: “Toda a estrutu-
ra médica conseguimos de uma
só vez lá”. A jovem deixou o
hospital da capital federal an-
dando com a ajuda de bengala:
um sinal de evolução no trata-
mento. Em março de 2005, as
duas retornam ao hospital. O
tempo passou. O tamanho da
bengala diminuiu e a recupera-
ção foi ficando mais próxima.
Letícia volta às salas de aula
após três anos do acidente. A
inclusão social foi um processo
difícil. Tudo mudou nessa fase.
As atividades antes feitas com
facilidade, passaram a ser com-
plicadas. Essas dificuldades en-
tristeciam no começo. A apro-
ximação das pessoas também
foi uma etapa difícil. “Muitas
pessoas não chegam perto, não
por preconceito, mas por medo
de que não vai entender a outra
pessoa”, explicou a mãe. Até o
último ano do Ensino Médio,
Letícia se adaptou completa-
mente. E o mais importante:
as pessoas ao redor também se
adaptaram a ela.
A espiritualidade teve papel
preponderante na vontade de
continuar a viver. A família par-
ticipa da participativa na igreja
católica e a jovem voltou a cantar
dentro do movimento de jovens
do qual faz parte.
“UM SORRISO
AJUDA A MELHORAR”
Com bom humor e simpatia,
Letícia participa ativamente da
entrevista, fazendo até peque-
nas interrupções para comentá-
rios próprios sobre determina-
da parte de sua história. Até os
dias de hoje, ela permanece a
maior parte do tempo
junto à mãe, pratican-
do atividades como
o auxílio na louça,
trabalhos manuais e
de jardinagem, sem-
pre com a supervi-
são atenta de Solan-
ge. A rotina é regada
a trabalho voluntário,
orações no bairro e na
igreja e cafés na casa
da avó nas tardes de
segunda-feira. Não dis-
pensa uma caminhada
uma vez por semana nas
ruas do Centro da cidade.
A mãe desabafa sobre
as expectativas com relação
à minimização das sequelas.
“Como ela é nova, não tem
uma meta que diz ‘vai me-
lhorar até quando’, ne-
nhum médico, nenhum
exame vai dizer isso pra
gente”. E assim Letícia
prossegue tendo uma
vida praticamente nor-
mal. Perguntada sobre os seus
planos para o futuro é categórica
ao afirmar que envolvem a reli-
giosidade. “Os meus planos são
de continuar seguindo a igreja
que eu conheci, quer dizer, antes
eu cantava com amor, mas agora
aumentou o amor que eu sinto.
A visão que eu tinha de igre-
ja antes era diferente. Eu
não notava como é de-
licioso estar em comu-
nhão na igreja”, con-
clui com um sorriso
que desde os tempos
de cantora e modelo
faziam parte de sua
personalidade.
Saúde
conteúdo Informações exclusivas no portal eletrônico
www.primeirapautaielusc.blogspot.com
A esperança encontrada na capital federal Os meus planos são de
continuar seguindo a
igreja que eu conheci,
quer dizer, antes eu
cantava com amor,
mas agora aumentou o
amor que eu sinto
“
No hospital Sarah Kubitschek, em
Brasília, encontrei uma esquipe e uma
estrutura especializada fundamental
para minha reabilitação.
Hoje tenho uma vida praticamente
normal. As sequelas não afetaram os
meus sonhos de continuar cantando
e seguindo quem me deu mais uma
chance de viver: Deus!
A união familiar e a religiosidade foram fatores essenciais para a recuperação de Letícia
LETÍCIA PAULI
ARQUIVO PESSOAL
TIFFANI DOS SANTOS
06 Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Edinei Knop
Saúde
H
á 11 anos ele
recebeu um
diagnóstico
que muda-
ria sua vida.
Hoje, aos 68
anos, o aposentado Júlio Antô-
nio Conoradt prossegue sua luta
contra um câncer de próstata.
Com uma fé inabalável, ele acre-
dita que a cura está próxima.
Esforço para combater a en-
fermidade não faltou. Foram 43
sessões de radioterapia. A utiliza-
ção de medicação venosa a base
de cálcio também auxilia no tra-
tamento. A retirada do tumor não
foi feita devido a um infarto que
o aposentado sofreu em 2003.
“Não foi possível
realizar a cirurgia,
pois ela me traria
riscos”, conta.
Assessõeseram
diárias e trouxeram
efeitos colaterais
fortes para Júlio.
Ao final de cada
sessão, pensava em
desistir. “Ficava
muito enjoado, emagreci alguns
quilos e minha imunidade ficava
muito baixa”, afirma. Diante as
dificuldades, o apoio da família
foi fundamental. De acordo com
o aposentado, o in-
centivo para seguir
em frente veio do
suporte familiar.
Atualmente, Jú-
liopossuiqualidade
de vida e não sente
dor. Muito ligado à
Deus, ele atribui o
bem estar à sua fé e
às orações que são
feitas em seu nome. “Muitas pes-
soas oram por mim, nas diversas
religiões.” O fato de não possuir
nenhuma doença crônica, como
diabetes e hipertensão, colabora
para que a saúde seja preservada.
Em janeiro deste ano, Júlio
foi o primeiro paciente a utilizar
o acelerador linear no mesmo
dia em que completou 68 anos
de idade. O equipamento, usado
para o tratamento de câncer atra-
vés da radioterapia, age de forma
mais localizada e eficiente. A
cobaltoterapia – único tratamen-
to radioterápico disponível até a
vinda do novo equipamento – era
mais agressiva, já que expunha o
paciente à radiação durante apro-
ximadamente 40 minutos. Com o
acelerador linear, o tempo de ex-
posição caiu para 12 minutos.
O aposentado vê nas evolu-
ções da medicina mais um moti-
vo para não desanimar. Também,
pudera. Após anos de tratamen-
to, ele mostra que a qualidade
de vida é fundamental para sua
recuperação. Com as novas al-
ternativas oferecidas, a doença
pode ser tratada de forma mais
direcionada e particular.
Adisposiçãodopaciente,oapoiofamiliareosavançosdamedicinacontribuemcomosucessodotratamento
Câncer: histórias de lutas e superação
FORÇA DEVONTADE
No setor de oncologia de um
dos principais hospitais públicos
de Joinville, a rotina se repete.
Pacientes de diferentes localida-
des comparecem para receber
as doses, em alguns casos diá-
rias, de quimioterapia. No rosto
de cada um, desgaste e cansaço.
Mas também carregam consigo
a grande esperança de cura.
O tratamento é delicado e
consiste na aplicação de dro-
gas para combater o câncer. Os
medicamentos buscam destruir
as células doentes ou controlar
o desenvolvimento. As
doses podem ser mi-
nistradas com diferen-
tes objetivos, e estarem
aliadas a cirurgias e a
radioterapia, dependen-
do de fatores como tipo
de tumor, localização e
estágio da doença.
Aquimioterapiapode
apresentar diferentes fi-
nalidades. A curativa tem
como objetivo eliminar
o tumor. A adjuvante
é utilizada após a cirurgia para
prevenir o paciente e impedir o
surgimento de metástases – no-
vos tumores. Já na neo-adjuvante,
busca-se a redução parcial do tu-
mor. Muitas vezes, esse procedi-
mento é necessário para preparar
o paciente que será submetido a
cirurgias ou radioterapias.
Umadasopçõesestánasdoses
paliativas de quimioterapia. Nela,
não é visada a cura do tumor, mas
a qualidade de vida do paciente.
“Com as novas pesquisas, dentro
de alguns anos poderemos tratar
cada câncer de um modo específi-
co”, afirma o oncologista Ricardo
Polli. De acordo com o médico,
os avanços tecnológicos propor-
cionarão um melhor entendimen-
to da equipe médica sobre a fun-
ção molecular dos tumores, o que
fará que cada pessoa seja tratada
em sua particularidade. Como
reflexo, os tratamentos quimio-
terápicos e radioterápicos serão
menos agressivos para o doente,
que terá sua saúde preservada.
É a partir do diagnóstico da
doença que é decidida a melhor
combinação
de tratamen-
tos.Paraomédico,
o estudo de cada caso é impor-
tantíssimo para não comprome-
ter outros aspectos do paciente.
“A radioterapia, por exemplo, não
é indicada para o tratamento de
câncer infantil, pois a radiação in-
terfere no crescimento”, explica.
O tipo mais comum da do-
ença, conforme o especialista, é
o câncer de pele. A incidência se
dá principalmente pela exposi-
ção excessiva ao sol. “Mas este
é um tipo de diagnóstico mais
facilitado”, comenta. Polli tam-
bém reforça que alguns tipos
de câncer estão relacionados a
determinados fatores. O câncer
de colo do útero, por exemplo, é
mais comum na região Nordeste
do país porque lá as meninas ini-
ciam a vida sexual mais cedo.
Além disso, outros aspectos
também colaboram para o surgi-
mento da enfermidade. Nódulos
na mama, no intestino grosso e
as leucemias (mais comum em
jovens) podem estar ligados a
características genéticas. O diag-
nóstico precoce continua sendo
o aspecto decisivo para a cura da
doença. “As pessoas não se
dão conta aos sinais que o
corpo envia”, reforça Polli.
Conforme o oncologista,
o câncer de mama é um
exemplo claro da evolução e
importância do diagnóstico.
Antes era solicitado que as
mulheres realizassem o au-
toexame, a fim de localizar
possíveis nódulos. Hoje em
dia, a mamografia consegue
detectar as anomalias nos teci-
dos mamários antes mesmo
de estes serem palpáveis.
O diálogo entre médico e pa-
ciente é outro ponto importan-
tíssimo para o sucesso no tra-
tamento. De acordo com Polli,
após a confirmação do diagnós-
tico, o médico expõe as possibi-
lidades de cura e a eficiência de
cada uma delas. A escolha fica
a critério e responsabilidade do
paciente. No que depender dos
profissionais da medicina, a ba-
talha contra o câncer está pres-
tes a ser vencida.
A medicina aliada à esperança
Júlio Conoradt foi o
primeiro paciente a
utilizar o acelerador
linear em Joinville em
janeiro deste ano
TECNOLOGIA
O acelerador linear
diminui o tempo de
exposição à radição
em cada sessão. De 40
minutos passa para 12
MAYARA SILVA
O médico oncologista Ricardo Polli reforça
que o diagnóstico precoce é um aspecto
positivo para o sucesso do tratamento
Francine Ribeiro
francinetaina@gmail.com
07Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Edinei Knop
Saúde
Ela havia acabado de comple-
tar 31 anos de idade. Possuía uma
rotina intensa e estava prestes a se
formar na faculdade. A consulto-
ra de sistemas Flávia Fernandes
não esperava que este fosse o mo-
mento que seus dias mudariam de
uma hora para a outra.
O diagnóstico foi carcinoma
mucinoso de grau IV. Em ou-
tras palavras, um tumor embrio-
nário, em um nível bastante alto,
na mama direita. De acordo com
Flávia, num primeiro momento, a
sensação era de muito medo do
que estava por vir, mas sua idade
e os avanços proporcionados pela
medicina lhe trouxeram ainda
mais confiança para atravessar o
momento. “Com muita fé, perse-
verança e garra enfrentei tudo de
cabeça erguida, com vontade de
lutar e vencer”, recorda.
Primeiro foi realizada uma ci-
rurgia para a retirada do tumor.
Em seguida, Flávia foi submeti-
da a sessões de quimioterapia e
radioterapia, que eram realizadas
no mesmo período. Ao todo fo-
ram dez meses de tratamento.
Segundo ela, os efeitos co-
laterais foram os já conhecidos:
enjôos, vômitos, perda dos ca-
belos e pêlos e imunidade bai-
xa. O organismo ficou mais
suscetível a vírus e bactérias,
deixando o paciente mais vul-
nerável a gripes e infecções. Na
época, Flávia perdeu 12 qui-
los. “Não tinha apetite pra me
alimentar e só queria comer e
beber coisas geladas”, afirma.
Como sequela do tratamento
quimioterápico, a consultora
desenvolveu uma rinite crônica
e ainda não conseguiu um tra-
tamento que a curasse ou ame-
nizasse o problema. “Mas perto
de ter vencido um câncer, isso é
o de menos”, comemora.
Mesmo morando sozinha,
a jovem sentiu a presença e o
apoio dos familiares e amigos.
Este foi um ponto importante
para que continuasse sua luta.
O apego na fé também foi fun-
damental para que Flávia tivesse
força para prosse-
guir com o trata-
mento. Segundo
ela, os parentes lhe
telefonavam, con-
vidavam para sair e
visitavam, fazendo
com que ela nunca
se sentisse só.
Flávia recorda
que após uma das
sessões de quimioterapia, ela se
sentiu muito mal e não teve for-
çar para telefonar para sua mãe e
avisá-la. Neste dia, seu cachorro
foi quem lhe ajudou. “Ele correu
pro quintal e começou a latir até
que uma vizinha foi me chamar
pra saber se estava tudo bem.
Ele foi meu herói naquele dia”.
Conforme Flávia, sua mãe veio
em seguida para lhe auxiliar.
As aflições de um tratamento
complicado passaram a ser di-
vididas com pessoas de todo o
país. Em 2004, através de uma
rede social, ela decidiu criar uma
comunidade. “Eu fiz/faço qui-
mioterapia” foi um dos primeiros
canais que possibilitaram a troca
de experiências e impressões so-
bre o dia a dia da doença.
Através do meio, Flávia criou
importantes laços de amizade.
Essas relações são conservadas
até hoje. Ela fez visitas surpre-
sas em hospitais, foi em festas de
aniversário, viajou pra encontrar
esses amigos e viu nascimentos
de crianças que são filhos de pais
curados de câncer. “Fui até ma-
drinha de casamento de um casal
que se conheceu na minha co-
munidade”, conta.
Após a experiência – que se-
gundo Flávia deve sempre ser
encarada como difícil, mas com
hora pra acabar –
ela se mostra ain-
da mais otimista
diante à vida. Em
seu site www.
vidasemcancer.
com.br, a con-
sultora dá espaço
à informações
esclarecedoras
para quem está
enfrentando a doença. É man-
tida também a sessão “Casos de
Sucesso”, em que pessoas que
venceram o câncer contam um
pouco de sua história e como su-
peraram a enfermidade.
“Desde criança eu sempre
ouvia minha mãe dizer que se ela
perdesse algum filho, ela morre-
ria também”, afirma. De acor-
do com ela, a forte ligação que
sempre teve com os irmãos e a
família fez com que a vontade de
vencer fosse ainda maior.
Conforme Flávia, uma fra-
se – dita por sua vó quando ela
ainda era criança – nunca saiu de
sua cabeça e lhe acompanha du-
rante toda sua vida: Deus nunca
nos dá um fardo mais pesado do
que podemos carregar. “Todas
as vezes que me senti sem for-
ças, repetia essa frase e dizia que
Deus havia me mandado o peso
exato. Não queria decepcioná-lo,
pois Ele acreditou em mim”.
Internetaproximapacientese
auxiliaesclarecimentodedúvidas
São apenas 144 caracteres.
Mas que podem melhorar, e
muito, a saúde dos pacientes on-
cológicos de todo o Brasil. São
mensagens de apoio e motivação
que estão mudando a rotina de
quem está em tratamento em di-
versos pontos do país. Trata-se
do projeto Doe Palavras, ideali-
zado pela assessoria de impren-
sa do Instituto Mário Penna, de
Belo Horizonte, e a agência de
comunicação RC.
De acordo com Sergio Pra-
tes, assessor de imprensa do
instituto responsável pelo proje-
to, a intenção era elaborar uma
forma de aproximar o paciente
das pessoas. “Foi idealizado esse
sistema inédito que, através de
mensagens e palavras de força,
aproxima pessoas de qualquer
lugar aos pacientes dos hospitais
e lares”, explica.
Engana-se quem acha que
apenas os hospitais das Minas
Gerais podem contar com esse
projeto. Conforme Prates, o site
www.doepalavras.com.br, o com-
plexo e o sistema são disponibi-
lizados sem nenhum custo pelo
instituto para hospitais e clínicas
de oncologia do Brasil e de qual-
quer outro país. Basta apenas
obter a permissão e dados para
instalação através do e-mail hos-
pitais@doepalavras.com.br.
Ao acessar o site, pode-se
conferir a transmissão ininter-
rupta das mensagens, que po-
dem ser enviadas também atra-
vés do micro blog Twitter pela
utilização da hashtag (palavras
chaves utilizadas no micro blog)
#doepalavras. Em 137 países, o
conteúdo pode ser acessado não
somente em português, como
também em espanhol e inglês, o
que possibilita um alto número
de participação internacional.
“O Doe Palavras conquis-
tou adeptos de países diferentes,
como Bósnia, Cambodja, Congo,
Irã, Lituânia, Paquistão, Taiwan e
os territórios Palestinos. Do ex-
terior, a campanha tem recebido
maior número de mensagens
dos Estados Unidos, Portugal,
Alemanha, Inglaterra, Espanha,
França, Japão, Itália, Canadá e
Argentina”, expõe Prates.
No dia 8 de abril, o projeto
completou um ano de existência.
Para comemorar o sucesso, foi
lançado um livro com mais de 500
mensagens selecionadas. Dentre
elas, a de um notório paciente,
que lutou bravamente contra a
doença. Trata-se de José Alencar
Gomes da Silva, ex-vice-presiden-
te do Brasil (morto em 29 de mar-
ço deste ano) que dizia: “Deve-
mos sempre ter fé e confiança. Fé
em Deus, confiança nos médicos.
Esse é o caminho para alcançar-
mos o nosso objetivo”.
A iniciativa, premiada em
eventos como Yahoo Big Idea Chair
2010, foi selecionada pelo 90°
Festival Art Directors Club de New
York como a melhor ação de co-
municação na categoria Internet
e ficou como shortlist do Festival
Internacional de Cannes.
Os resultados ultrapassam
as estatísticas comprovadas no
que diz respeito à participação
do público e aos prêmios dos
quais concorreu. O Doe Pala-
vras traz um importante e sig-
nificativo reflexo aos pacientes
e familiares. “Mesmo sem ter
sido realizada nenhuma pesqui-
sa científica depois da iniciativa,
foi comprovada notável melhora
no processo de cura de grande
parte dos pacientes dos hospitais
e lares do Instituto”, comemora
Prates. Até o mês de abril (quan-
do o projeto completou um ano
de existência) moradores da ci-
dade de Joinville haviam enviado
10.177 mensagens de motivação
aos pacientes.
Palavras que curam
Criação de uma
comunidade em site
de relacionamentos
trouxe grandes
amizades para Flávia
AMIZADE
REPRODUÇÃO
O site www.vidasemcancer.com.br foi criado por Flávia com o objetivo de esclarecer dúvidas e trocar experiências sobre o tratamento
Em144caracteresépossíveltransmitirumamensagemdemotivaçãoapacientesdetodopaís
REPRODUÇÃO
08
Diagramação e edição de Aline Seitenfus
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA Especial
Rudi,suaesposaDanielleeseufilhoLucas. O atualpastorusoudiversostiposdedrogasdurantesuajuventudeehojeajudaoutrosviciados
É
com grande
senso de hu-
mor que Rudi
Sano começa
a maioria dos
seus sermões.
Formado em Teologia e His-
tória, pastor da Comunidade
Batista Vida Nova, em Guara-
mirim, coordenador da ONG
Cristo’s Cross e do Espaço
Vida, vice presidente do con-
selho municipal da juventude
de Jaraguá do Sul e colunista
da Revista Blessing, com 34
anos, é atualmente referência
para centenas de jovens. Mas
nem sempre foi assim.
Rudi e seus quatro irmãos
nasceram em uma família de
classe média. O pai engenhei-
ro e a mãe professora universi-
tária. Mesmo tendo uma famí-
lia esclarecida, com 11 anos, o
adolescente quis experimen-
tar algo diferente. Em um
determinado dia, acordou e
decidiu que iria descobrir o
prazer que as drogas pode-
riam proporcionar. Fumou
maconha. “Comecei com a
maconha, tempos depois ex-
perimentei a cocaína, tudo
sozinho. Depois, um amigo
meu me ensinou a injetar ao
invés de aspirar. Após isso
entrei fundo nas drogas”, re-
lembra o pastor.
Com o tempo, Rudi foi
para uma droga ainda mais
forte, o crack, que na verda-
de nem era muito conhecido
no Brasil na época, mas um
amigo foi para Nova York,
aprendeu a receita, e faziam
em casa para consumirem.
O atual pastor começou
a se tornar popular no meio
dos usuários, e passou a in-
termediar a venda de drogas
para universitários e estudan-
tes de cursinhos pré-vestibu-
lar. Chegou a ser investigado
e seguido várias vezes pela
polícia, mas nunca foi pego
em flagrante. “Me lembro de
uma festa que organizei para
dois mil universitários, onde
cheguei a ser preso e saí alge-
mado, mas a polícia não pode
me segurar por falta de pro-
vas”, conta Rudi.
O pastor lembra que ficou
treze anos no vício e comenta
sobre as pessoas que ficam a
vida inteira, mesmo sabendo
do mal oferecido a ponto de
excluir o viciado da sociedade.
Ele afirma que quem decide
por essa vida acaba se distan-
ciando da família, de esposa,
filhos, ou seja, é uma escolha
pelas drogas.
Apesar de
utilizar esses
entorpecentes,
Rudi continua-
va trabalhando e
estudando “com
algumas limita-
ções”, diz, mas,
tentava levar a
vida normal. Os
pais desconfia-
ram que havia
algo errado e não sabiam lidar
com o problema. Segundo o
pastor, existem dois tipos de
pais: os que não querem enxer-
gar e os que não sabem como
lidar com a situação. No caso
de Rudi, chegou uma fase em
que ele não conseguiu mais
conciliar a vida normal com o
uso de drogas. Passou a mo-
rar na rua, perdeu o emprego
e a família, mudou de cidade,
e não queria ter contato com
ninguém que conhecia.
Quando viu que não ha-
via mais solução e já estava
no fundo do poço, procurou
ajuda do pai. Foi quando ele
internou em uma clínica e fez
nove meses de tratamento.
“Pra família é sempre um
choque, porque a gente não
consegue entender os moti-
vos que levam o jovem a pro-
curar isso. O viciado só con-
segue ver o lado do prazer,
a família é quem fica com o
lado ruim”, afirma.
Até hoje, o pastor comen-
ta que sofre consequências da
época em que usava drogas, al-
gumas são físicas e há também
questões psicológicas ainda o
incomodam. “O jovem expe-
rimenta um negócio que vai
destruir a vida dele, mas ele
só está vendo a questão do
prazer.” Rudi afirma que se
a pessoa quiser largar o vício
tem que tomar uma decisão e
se posicionar, apesar carregar
isso pro resto da vida. “Não
pense que hoje quando eu es-
tou saturado de coisas, estou
de saco cheio de tudo, na mi-
nha cabeça não passa: “ahh,
vamos dar um rolê, fumar al-
guma coisa... isso acontece”.
Para ele é uma luta diária. O
“ex-viciado tem que saber li-
dar com as crises, tem que su-
blimar isso”, desabafa o pas-
tor.
Ele compara com o “só
por hoje” dos narcóticos
anônimos, é necessário viver
um dia de cada vez. Quando
questionado sobre a fase em
que decidiu largar as drogas,
o pastor comenta que não há
solução se o viciado não alme-
jar isso realmente: “se ele não
quiser, vai passar o resto da
vida entrando e saindo de ca-
sas de recuperação, pode ter o
melhor apoio terapêutico que
for”, diz Rudi.
Em suas pa-
lestras, Rudi pro-
cura aliar o sério
com o engraçado
para que possa
atrair a atenção
de todos e trans-
formar vidas.
Em um culto de
jovens, sábado a
noite em Jaraguá
do Sul, Rudi iniciou o sermão
com a seguinte brincadeira:
“John Lenon foi assassinado
por um grande fã. Até hoje eu
não sei por que nenhum fã do
Luan Santana e do Justin Bie-
ber se manifestou para fazer
o mesmo. A minha maior tris-
teza foi quando o meu filho
de 3 anos – com o cabelão
Black Power – apareceu com
um cachinho caído na testa
falando que era a franja do
Justin Bieber. Eu creio que
no céu haverá um rio de Co-
ca-cola e tocará rock durante
todo o tempo.”
Nesse mesmo culto em
que iniciou falando acerca de
Justin Bieber e Luan Santana,
o pastor ensinou os jovens
sobre a importância do cará-
ter honesto e sobre o amor
de Deus, que não vê aparên-
cia, como nós, seres humanos
geralmente fazemos, mas vê
coração. Muitos jovens foram
impactados naquela noite.
Depois que largou as dro-
gas, há 10 anos, Rudi casou e
atualmente tem um filho de
3 anos. Prega para jovens, e
adultos e sempre conta um
pouco de sua história du-
rante os sermões. Com isso
ele pretende ajudar a quem
necessita sair desse mundo
das dorgas.
Neyfi Müller
neyfimuller@gmail.com
Um vício que destrói
muitos lares no
Brasil. Para largar é
necessário força de
vontade
DROGAS
Como um jovem encontrou em Deus a saída para a dependência
química e hoje lidera uma rede que auxília jovens usuários de drogas
A história do ex-traficante
que se tornou pastor
SUPERAÇÃO
ARQUIVO PESSOAL
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Serviços prestados pela Cristo´s Cross
Diagramação e edição de Aline Seitenfus
Especial 09
Há quatro anos, iniciou a
ONG Cristo’s Cross. “Surgiu
da experiência, assim como eu
fui ajudado um dia por uma
instituição - passei por uma
clinica – quis ajudar também”,
comenta o pastor Rudi. Ele co-
menta que não são apenas pes-
soas carentes que aparecem pe-
dindo ajuda: “Hoje temos aqui
gente que vem precisando de
auxílio e acompanhamento que
são filhos de senador, políticos,
empresários, gente que mora
na favela, então não existe um
nível social pra drogas”.
A Cristo’s Cross atualmen-
te oferece diversas oficinas que
acontecem regularmente du-
rante a semana e contam com a
presença de 20 a 30 jovens todas
as noites. Os cursos oferecidos
envolvem dança, capoeira, hip-
hop, pintura, e acontecem inter-
caladamente todas
as noites de segun-
da a sábado. Exis-
tem também cur-
sos que acontecem
esporádicamente
ou somente quan-
do financiado por
alguma pessoa ou
entidade. A última
oficina ministra-
da sobre pintura e grafite, por
exemplo, foi financiada pelo
governo do Estado e durante
dois meses os alunos foram até
o Espaço Vida – nome dado a
sede da ONG - e aprenderam
noções básicas de cores, pro-
fundidade, tinta, pincel, stencil,
spray, entre outros.
RudicomentaquevênaONG
um lugar onde os que necessitam
de de auxilio são encaminhados
para clínicas de recuperação para
um tratamento mais intenso e
os demais. Utilizam o Espaço
Vida para desenvolver suas ha-
bilidades, conhecer mais acerca
de si mesmo, descansar, relaxar
e aprender coisas diferentes. “Te-
mos esse espaço para mostrar
para o jovem que há condições
de melhorar a vida. Aliamos tudo
isso a espiritualidade, nossa filo-
sofia inclui Deus nesse processo,
porque entendemos que o ser
humano foi criado por Deus e
tem necessidade de preencher
esse canal de comunicação. En-
tão, é pra isso hoje que existe o
espaço também.”
O pastor comenta a impor-
tância de aliar esses dois pontos,
pois no processo dele de saída
das drogas. A aproximação com
Deus ajudou bastante: “Eu creio
que você tem que saber lidar
com as crises, com os problemas.
Através da minha experiência e
dos casos que vemos na Cristo’s
Cross, temos observado que essa
busca por Deus é fundamental.
Cremos que como seres criados
por Deus, Ele não pode ficar
fora da nossa vida, tem que estar
presente na nossa rotina e temos
que fazer parte do projeto que
Deus criou para o homem no
geral, como humanidade.”
Essa visão da parte espiritual
do indivíduo é tida como funda-
mental na organi-
zação. Segundo os
responsáveis pela
ONG, é visível a
evolução quando
há comparação
entre quem passa
por um tratamento
ou tenta mudar de
vida somente com
motivação pes-
soal e social, e aqueles que tem
aliado isso a busca de Deus, fé,
a oração e bíblia. Os resultados
que a Cristo’s Cross tem gerado
são muito satisfatórios. Rudi tem
visto muitos casos em que a pes-
soa saiu de um contexto de risco
social, que pode ser a violência
doméstica, vícios, alcoolismo e
mudou de vida.
A acadêmica de Adminis-
tração Alessandra Gonçalves
Lopes fez uma pesquisa com
os freqüentadores do Espaço
Vida. A cada 50 integrantes, ela
entrevistou dez. O resultado foi
bastante significativo e concluiu-
se que a ONG cumpre seu papel
social. Os frequentadores atendi-
dos sentem necessidade de estar
em comunhão com os colegas
em um mesmo propósito, e o
percentual de entrevistados que
consideram a ONG um segundo
lar foi de 55%. Já 33% disseram
que o Espaço é a forma que eles
têm para mudar de vida.
A ONG tem um grande
significado para os jovens que
não preisam mais ficar nas
ruas. “Alguns ainda tem hábi-
tos como fumar, beber, e eles
fazem isso do portão pra fora,
mas quando eles vem pra cá,
participam das oficinas”.
Denis Paulo Barbi de, 29
anos, nasceu em Jaraguá do Sul
e está na ONG há dois anos.
Aos seis, seus pais se separa-
ram e algum tempo depois ele
foi morar em Curitiba com o
pai. Foi na capital do Paraná
que Denis conheceu as drogas.
Cheirou cola, fumou maconha,
foi para a cocaína e finalmente,
o crack. Quando tinha 21 anos,
sofreu um “pane” no sistema
nervoso por causa da grande
quantidade de drogas que usa-
va e foi internado. Depois que
recebeu alta do hospital, foi di-
reto para a clínica de recupera-
ção, onde ficou três meses.
“Dentro da clínica, surgiu
o grupo de hip-hop Palavra
Sagrada, formado por quatro
integrantes. Eu, Deus, Jesus e
o Espírito Santo”, conta De-
nis. Nesse período, ele compôs
canções e saiu decidido a mu-
dar de vida. Passou por diver-
sos médicos, como psiquiatras,
psicólogos e cardiologistas.
Até hoje, Denis conta que so-
fre com problemas de saúde
devido ao uso de drogas.
Quando saiu da clinica, co-
meçou a freqüentar os cultos
da Igreja Batista, e conta que
sofreu muito preconceito devi-
do as roupas e bonés que usava
dentro da igreja, mas não desis-
tiu de ir, e foi em um dos cultos
que conheceu sua esposa, Da-
niela Spezia Barbi.
Atualmente,Denis é co-
ordenador institucional da
Cristo’s Cross e realiza ofici-
nas de grafite.
Oficinas fazem parte do processo de reabilitação
Denis é coordenador da ONG e ensina grafite aos frequentadores do EspaçoVida
Grupo de jovens que participa dos projetos de ação social e das oficinas oferecidas pela ONG Cristo´s Cross de Jaraguá do Sul
A ONG Cristo´s Cross
é a relaização de um
sonho e a esperança
para muitos jovens
viciados
SATISFAÇÃO
1º - Home Repairs ou Pe-
quenos reparos – Forma-se
uma equipe que contém en-
genheiros, arquitetos, pedrei-
ros, e esse grupo vai na casa
de pessoas que tem peque-
nos reparos para fazer.
2º Home Care – Esse pro-
grama oferece assistência
para pessoas em situação
pós-cirúrgica, que neces-
sitam de curativos, medi-
camentos, injeções, e a fa-
mília não sabe como agir.
3º Home Work – Este
é o projeto de reforço
escolar. Forma-se um
grupo de crianças que
receberão acompanha-
mento.
ARQUIVO PESSOAL
ARQUIVO PESSOAL
10 Especial
Diagramação e edição de Aline Seitenfus
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
O
Centro de
Operações da
Polícia Militar
(Copom) de
Joinville, atra-
vés do 190,
nunca recebeu denúncias de ocor-
rências relacionadas à discrimina-
ção étnica, à intolerância religiosa
e demais formas de preconceito.
“Se há casos, eles não chegaram
ao nosso conhecimento”, diz An-
derson de Souza, soldado do setor
de estatísticas do Copom. A que
estaria atribuído o resultado nulo?
O tenente coronel da Polícia Mi-
litar Edivar Bedin acredita que se
houvesse crimes religiosos na ci-
dade, a população denunciaria. E
mesmo que não o fizesse, a mídia
tomaria conta de lar luz aos fatos.
Em sua avaliação, “o joinvilense
está acostumado a respeitar a mis-
cigenação de culturas e a diversi-
dade étnica”.
A antropóloga Sonia Regina
Lourenço não compartilha da
opinião: “Joinville é uma cidade
dissimulada. Há discriminação,
mas de maneira velada”. O fato
de ninguém ter criticado (pelo
menos não publicamente) a Se-
mana da Consciência Negra é,
para ela, um indicativo disso. É a
tática do silêncio. Sonia conta que
um integrante da comissão antiga
do museu foi contra a exposição
“Comunidades Negras de Santa
Catarina: Invernada dos Negros,
Sertão de Valongo e São Roque”,
por negar a importância dos ne-
gros na história do município.
Descendente de negros e ín-
dios, a antropóloga é seguidora
do candomblé, nação Jeje Nagô.
Em 1999, foi acompanhar uma
amiga num terreiro, em Curitiba,
e gostou. Desde então, carrega
no pescoço suas guias de pro-
teção (fios de conta), sem medo
de mostrá-las. “É alto o índice de
setores sociais que negam a vio-
lência, mas ela é real. Existe um
imaginário de que o Brasil é um
país cordial, em função da grande
miscigenação étnica. Mas, há uma
demanda de pessoas que sofrem
preconceito”, reflete Sonia. O Es-
tatuto da Igualdade Racial foi cria-
do em 2010, com o propósito de
combater a violação dos direitos
humanos à liberdade.
Sobre as novas diretrizes, o
ministro-chefe da Secretaria de
Políticas de Promoção de Igualda-
de Racial (SEPPIR), Eloi Ferrei-
ra de Araujo, falou no programa
de rádio Bom dia, Ministro, do
governo federal: “O Estatuto in-
troduz no meio jurídico brasileiro
as possibilidades para a promoção
da igualdade racial no mundo do
trabalho, no mundo do empreen-
dimento, no mundo das comuni-
cações e da utilização dos meios
de comunicação, para a juventu-
de, para a população negra como
um todo”. No ano
anterior, Joinvil-
le criou o Comitê
Gestor de Políticas
para a Promoção
da Igualdade Racial
(CGPPIR) e assi-
nou um termo de
adesão ao Fórum
Intergovernamen-
tal de Promoção da Igualdade Ra-
cial (FIPIR), passando a integrar
as ações de políticas públicas da
SEPPIR.
Na visão da antropóloga So-
nia, integrante do CGPPIR, es-
ses órgãos e associações foram
criados porque a intolerância
existe. Ela cita a pesquisadora Li-
lia Moritz Schwarcz ao dizer que
“91% dos brasileiros dizem não
ser racistas, mas conhecem um
vizinho que é”. Como se a ideia
do politicamente correto inibisse
as pessoas de manifestarem seus
preconceitos, embora continuem
ali. Para Sonia, esse tipo de into-
lerância não precisa de relato na
delegacia para provar a existência,
basta observar. “O preconceito se
dá nos olhares, quando as guias
aparecem. Pessoas me olham
atravessado quando estou de rou-
pa branca e ojá (pano branco) na
cabeça. Já me perguntaram se era
macumbeira da magia negra”,
conta a seguidora do candomblé.
A Yalorixá (mãe de santo) da
Casa da Vó Joaqui-
na, Jacila de Souza
Barbosa, acredita
que é feita uma idea-
lização sobre as reli-
giões afrobrasileiras,
com o objetivo de
coibir a prática. “O
catolicismo passa a
ideia de que nós cul-
tuamos o diabo. Assim, dissemi-
na o medo que, aliado à falta de
informação, gera o preconceito”,
explica. Sua vida religiosa come-
çou aos sete anos de idade. Hoje,
com 58 anos, a carioca diz ter nas-
cido na umbanda e estar acostu-
mada a com os rótulos.
Quando chegou a Joinville,
em 1990, sentiu rejeição das pes-
soas. Vestida com roupas brancas,
como usavam as escravas, saía às
ruas e não havia quem não voltas-
se o olhar com estranhamento e
desaprovação. Certa vez, uma se-
nhoraaparouequestionou:“Você
não é daqui, é? Por que anda as-
sim, é baiana?”. “Não, sou do Rio
de Janeiro e sou mãe de santo”,
respondeu Jacila. Constrangida,
a mulher se afastou. Mas, a um-
bandista e também seguidora do
candomblé observa que a reação
é melhor hoje em dia. A aceitação
vem sendo construída ao longo
dos anos.
Em novembro de 2009, Jacila
apresentou um abaixo-assinado
à Câmara de Vereadores, reivin-
dicando a utilização de espaços
públicos para todas as religiões.
“Se os católicos e os evangélicos
podem professar sua fé em vias
públicas, por que nós não pode-
mos?”, argumenta. O manifesto
foi entregue junto com a Yalorixá
Yagunã Dalzira Maria Aparecida
que, com 77 anos, viajou de Curi-
tiba a Joinville para defender a li-
berdade religiosa. O documento
reclama o direito ao uso de praças,
rios e quedas para a expressão de
cultos afrobrasileiros. Há vários
relatos de filhos de santo, como
são chamados os seguidores da
umbanda e do candomblé, que
foram barrados lugares públicos,
enquanto cultuavam sua fé. A re-
sistência em aceitar a diversidade
de crenças e doutrinas pode não
ser declarada, mas aparece na ati-
tude das pessoas.
Se a discriminação religiosa é
negada por quem a pratica, tam-
bém o é por quem a sofre. O
censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)
de 2000 mostrou que 0,3% dos
brasileiros (525 mil pessoas) eram
praticantes de religiões de origem
africana, como candomblé, um-
banda, omolocô, tambor de mina,
batuque, entre outras. O percen-
tual não condiz com a realidade,
segundo avaliação do Coletivo de
Entidades Negras (CEN). Fes-
tejos e caminhadas pelos orixás,
somente no Rio de Janeiro e em
Salvador, costumam reunir um
número muito maior de simpa-
tizantes. A organização lançou a
campanha No censo 2010 afir-
me sua identidade religiosa, afi-
nal, quem é de axé diz que é!, por
notar que o povo de santo tem
medo de assumir sua crença.
Medo de sofrer perseguição.
Esse seria o principal motivo
para o Copom de Joinville nunca
ter registrado casos de discrimi-
nação religiosa, na impressão de
Sonia. A antropóloga conclui que
as pessoas sentem a intolerância e,
por isso, negam sua religião. Para
alguém denunciar um crime, pre-
cisaria primeiro declarar pertencer
à determinada doutrina, justa-
mente, o alvo do ato criminoso.
Assim, o silêncio se mostra uma
via de mão dupla. Máscara para
uns, e escudo para outros.
LuísaDesiderá
luludesidera@gmail.com
Diferenças culturais e religiosas ainda são vistas com desconfiança por cidadãos joinvilenses
Aindiferençaqueamparaopreconceito
DIVERSIDADE RELIGIOSA
ANA PAULA DA SILVA
Em Joinville foram
criados órgãos que
garantem os direitos a
toda população negra
da cidade
DISCRIMINAÇÃO
O Candomblé e a Umbanda utilizam imagens de santos. Muitas vezes isso é motivo de discriminação e preconceito por parte de quem desconhece a crença e prática de seus seguidores
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA 11Especial
Diagramação e edição de Aline Seitenfus
Os escravos eram proibidos
de adorar seus santos africanos.
O cristianismo lhes era impos-
to. Para consagrar sua fé sem
que ninguém percebesse, os ne-
gros elegeram um santo católi-
co para representar cada orixá.
Assim, ao olhar para a imagem
de Jesus Cristo, os escravos,
na verdade, adoravam Oxalá.
O sincretismo foi a artimanha
responsável pela preservação
da doutrina religiosa afro.
Segundo a mitologia africana,
os orixás foram semideuses que
viveram na terra. Eles deixaram
descendentes que, ao longo dos
séculos, se tornaram o seu povo
(e passaram a associá-los às forças
da natureza). Por isso, o “povo de
santo” é como uma família – tem
o pai, os filhos e os irmãos. Cada
tribo africana é uma nação, a na-
ção de um orixá que são milhares,
na África. Mas, no Brasil são 16
os principais. O sincretismo varia
de região para região.
Xangô é o rei das pedreiras
e da justiça é associado a São
Pedro. Oxum é a mãe das águas
doces, é a fecundidade repre-
sentada na imagem de Nossa
Senhora Aparecida. Oxossi é
o rei da mata, da prosperida-
de, cultuado na figura de São
Sebastião. Omolu é o médico
dos negros, o curandeiro é São
Lázaro. Obá é a guerreira do
fogo, da feminilidade, é San-
ta Catarina. Oxalá é o filho de
Zambi, criador de todos os ori-
xás na terra, é a salvação, é Je-
sus Cristo.
Oxaguiã é Oxalá quando
criança, é o início, o menino
Jesus. Iemanjá é a rainha das
águas salgadas, a mãe de to-
dos os santos, é Nossa Senho-
ra. Nanã é a Iemanjá velha, as
águas profundas, a proteção, é a
Nossa Senhora Santana. Logum
é o filho de Oxossi e Oxum, é
caçador, também representado
por São Sebastião. Ossãi é a rai-
nha das ervas, a cura, é São Be-
nedito. Oxumarê é o arco-íris,
faz o transporte da água entre o
céu e a terra, é São Bartolomeu.
Iansã é a mãe dos raios e dos
ventos, a renovação, é Santa
Bárbara. Erê é o santo mirim,
as crianças, é São Cosme e São
Damião. Ogum é o guerreiro
das demandas, a força, repre-
sentado por São Jorge. E Exu
é o mensageiro, a comunicação
entre os homens e os orixás, foi
associado, pelo cristianismo, à
figura do diabo.
O caboclo é considerado o
rei das terras brasileiras. Não
tem origem africana, mas é cul-
tuado como o orixá do Brasil.
Representa a força, a coragem
e a sabedoria da natureza. As
religiões afrobrasileiras não
seguem nenhum livro, como
a Bíblia e o Alcorão, a doutri-
na é passada de pai para filho
oralmente. A ancestralidade é o
fundamento da fé.
Sincretismo: Orixás disfarçados
de santos devido o preconceito
Religião em números
O documento Cidade em dados 2010, do Instituto de Pesqui-
sa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville
(Ippuj), divulgou dados levantados pelo Censo Domiciliar 2002-2003,
do SEBRAE de Santa Catarina. Uma tabela mostra a distribuição da
população por crença religiosa:
Porcentagem Religiões Templos
72,60% Católicos 198
19,10% Evangélicos 304
3,80% Protestantes 36
0,60% Espíritas 9
0,10% Budistas e islâmicos 0
1,90% Outra 38
1,80% Não tem religião -
0,10% Umbanda Não informado
0 Judeu -
O historiador Gerson Macha-
do, educador do Museu Arqueo-
lógico de Sambaqui, produz uma
tese sobre as trajetórias e as iden-
tidades religiosas locais. Douto-
rando pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), o pes-
quisador tenta levantar o número
de terreiros e fieis em Joinville.
Pautado em entrevistas e depoi-
mentos, o historiador acredita
que sejam mais de 200 casas de
umbanda e candomblé.
A tarefa é complicada, pois
as pessoas não querem se iden-
tificar. Ele elaborou formulários
para montar um cadastro das
casas de santo e deixou nas três
lojas de artigos religiosos afro-
brasileiros da cidade. Em dois
meses, de 90 formulários, apenas
um foi respondido.
Gerson conta sobre um caso
de violência e discriminação con-
tra um terreiro, em 2005, no bair-
ro Adhemar Garcia. Um dia antes
de o proprietário inaugurar o tem-
plo, vizinhos chamaram a polícia
porque um morador ameaçava
perturbar a ordem na comunida-
de. Os policiais invadiram o lugar
e levaram o proprietário para a
delegacia. O homem passava por
um ritual de iniciação que o torna-
ria pai de santo.
A fim de combater a falta de
conhecimento, principal causa
do preconceito, o Congresso Na-
cional aprovou a Lei Nº 10.639,
em 2003, que torna obrigatório
o aprendizado sobre a África em
todas as escolas do ensino funda-
mental e médio do país. O Plano
Nacional de Implantação das Di-
retrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o ensino
de História e Cultura Afrobrasi-
leira e Africana estabelece metas
e estratégias para que a determi-
nação seja cumprida. Entre elas,
estão a elaboração de material
didático, a sensibilização dos
gestores da educação e a forma-
ção dos professores.
Eliton Felipe de Souza (26)
participou do primeiro curso,
oferecido na região, sobre Histó-
ria e Cultura Africana, em 2009,
quando lecionava para alunos de
sexto ao nono ano do ensino es-
tadual. O professor confessa que
os encontros foram essenciais
para preencher uma lacuna de sua
própria educação. Estudiosos de
todo o país (USP, UFSC, UFPR,
UFRJ) palestraram sobre geogra-
fia, política, sociedade e outros
aspectos da África, em uma casa
de candomblé, em Araquari, a 25
quilômetros de Joinville.
O Babalorixá Kelauê Tata de
Inkisse foi o pai de santo anfitrião
do curso. Arildo da Silva recebeu,
aproximadamente, 60 docentes,
durante um mês, em seu terreiro.
Na sua avaliação, o resultado foi
positivo. Diferente da experiência
que viveu quando abriu as portas
para uma turma de estudantes de
uma escola municipal. O sacerdo-
te conta que os professores orien-
taram as crianças a pedir a auto-
rização dos pais para participar.
Algumas, porém, desobedeceram
e foram sem o conhecimento da
família. Durante o encontro, um
grupo de pais ocupou a entrada
do lugar e criou uma confusão.
Fizeram ofensas e questionaram
as intenções de Arildo. Mas, o que
chamou mesmo a atenção dele foi
ouvir os alunos justificarem: “Eu
quis vir por curiosidade, mas aqui
não tem diabo, não”.
O pai de santo lamenta o epi-
sódio e enfatiza que a maior parte
daquelas pessoas não se considera
preconceituosa. O mau julgamen-
to feito sobre as religiões afrobra-
sileiras é uma herança histórica,
está enraizado na formação do
indivíduo, dentro do próprio lar.
Políticas públicas de repressão à
intolerância são importantes. Mas,
a discriminação não é apenas um
caso de polícia, é uma guerra ide-
ológica. Deve ser combatida com
informação e conhecimento. Aril-
do acha graça quando alguém per-
gunta se ele é macumbeiro. Com
bom humor, informa: “A ma-
cumba é um instrumento musical
africano, feito de madeira oca. O
macumbeiro é quem toca o ins-
trumento”.
Governocrialeiquetornaobrigatórioensinosobre África
OBabalorixáKelauêTatadeInkissefoianfitirãodecursosobreHistóriaeCulturaAfricana. Oencontroreuniucercade60docentesdetodopaís
12 Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA Ecolo
Diagramação e edição
Ecolo
Diagramação e edição
BOA VISTA III
Possui Cessão
Ano: 1993
Urbanização a ser aprovada
663 famílias beneficiadas
Áreatotaldacessão:822.358,42m²
As famílias já têm Contratos com
Secretaria de Habitação
ESPINHEIROS I, II, III e IV
Possuem Cessão
Ano: 1991
Urbanizações I, II e III aprovadas.
Urbanização IV em processo de
aprovação.
1419 famílias beneficiadas
Área total da cessão:
1.152.982,68 m²
JARDIM IRIRIÚ
Possui Cessão
Ano: 1993
Urbanização aprovada
373 famílias beneficiadas
Áreatotaldacessão:352.309,43m²
RIOCACHOEIRA
Foi solicitada a Cessão
34 famílias beneficiadas
Área total da cessão: 18.900,23 m²
ESPINHEIROS V
Possui Cessão
Ano: 1994
Aproximadamente 180 famílias
beneficiadas
Área total da Cessão
Espinheiros II: 180.132,42 m²
Maisde3,9milfamíliasmoramemáreas
abitaç
um pr
OCUPAÇÃO DE SO
N
a cida-
de com a
maior po-
pulação de
Santa Ca-
tarina, os
subúrbios superlotados e a má
administração de terras estão
presentes, assim como em to-
das as grandes cidades do país.
O intenso desenvolvimento
econômico de Joinville exige
uma demanda de trabalhadores
e indústrias que não comporta
mais fisicamente. De 1937 a
2004, a cidade expandiu até os
limites, saturando terrenos lo-
tados da zona Sul e ocupando
áreas impróprias. Isto revela
as irregularidades existentes
e consequentemente a desi-
gualdade social
no município,
ao modelar o
centro comer-
cial rodeado de
bairros sobre
terrenos sem re-
gulamentação.
O estudo
“A questão da
moradia em
Joinville”, da Universidade Fe-
deral do Paraná, mostra que
nos anos 90 a zona Leste al-
cançou os mangues e o Norte
foi preenchido pelo Distrito
Industrial. Segundo o autor
da pesquisa, Hernandez Vivan
Eichenberger, “o esgotamento
do perímetro urbano passou
a dificultar e a renda da terra
que, por sua vez, gerou a mo-
nopolização da terra através de
investimentos do capital indus-
trial”. Até há espaços, mas não
é possível ocupá-los. O mu-
nicípio tem mais de 1.100km²
de área total, destes, apenas
400km² são considerados ter-
ritório urbano, o restante soma
a região rural.
Mas não é possível urbani-
zar, pois a Prefeitura criou me-
canismos ao longo dos anos
que proíbem o crescimento
para estas regiões. “O grande
problema da regularização fun-
diária, é que tem ligação direta
com a terra. Terra, no Brasil,
sempre foi muito concentra-
da. Um arcabouço jurídico”,
declarou o diretor executivo
da Secretaria de Habitação de
Joinville, José Teixeira Cha-
ves. Além dos lotes públicos e
privados irregulares, e da área
rural – a situação mais pro-
blemática, por exigir deman-
das de energia,
saneamento e
infraestrutura
diferenciada –
ainda existem as
terras da União,
que pertencem à
marinha.
Em 2009, a
Prefeitura criou
a Comissão de
Regularização Fundiária e as-
sinou um termo de coopera-
ção com a Superintendência
do Patrimônio da União de
Santa Catarina (SPU-SC). As-
sim, quem precisa regularizar
o lote não precisa ir até Flo-
rianópolis, basta ir à Secretaria
de Habitação. Com o acerto,
foram estabelecidos critérios
para priorizar a regulamenta-
ção: interesse social, ação civil
pública e maior número de fa-
mílias. Antigamente o mora-
dor que ganhava o direito da
terra tinha de ir ao SPU pe-
Desenvolvimento
econômicoaceleradoe
desordenadocontribuiu
muitoparaocupação
irregulardesolo
EXPANSÃO
imagens do google maps fornecidas pela prefeitura
ogia
o de Eduardo Schmitz
ogia
o de Eduardo Schmitz
13Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
RIO DO FERRO
Possui Cessão
Ano: 2004
Urbanização a ser Aprovada e
Regularizada dentro do Projeto HBB
(Habitar Brasil do BID)
17 famílias beneficiadas
Áreatotaldacessão: 8.825,38 m²
RIO GUAXANDUVA E IRIRIÚ MIRIM
Foram solicitadas as Cessões
Ano: 2009
Urbanizações a serem aprovadas
640 famílias beneficiadas
Área total da cessão: 614.928,02 m²
Investimentos de 14 milhões já
garantidos pelo Município via FNHIS –
Área de Urbanização, Regularização e
Integração de Assentamentos Precários
RIO ITAUM MIRIM
Foi solicitada a Cessão
Ano: 1993
500 famílias beneficiadas
Área total de: 468.517,78 m²
Captado recursos junto ao Governo
Federal para elaboração de Projeto
de Regularização Fundiária
VIGORELLI
Foi solicitada a Cessão
Ano: 1998
100 famílias beneficiadas
Área total de: 79.817,00 m²
Ação Civil Pública (IBAMA, SPU e
PMJ)
Projeto de requalificação da área
ocupada propondo a permanência
no mínimo das famílias residentes.
sirregularesecompoucainfraestrutura
çãoemJoinville:
roblema social
OLO
gar a Certidão de Autorização
para Transferência, depois a
Certidão de Quitação da Se-
cretaria de Habitação, para
finalmente ter o registro do
imóvel. A escritura pública,
que dá a posse do lote, custa
10% do valor do imóvel.
Agora a realidade é outra.
A Prefeitura dá o primeiro
passo, ao pedir a cessão da
terra à União. Em seguida, a
Secretaria de Habitação iden-
tifica as famílias por lote e
quadra. Tudo isso facilitando
o processo burocrático. Em
maio, o prefeito Carlito Merss
assinou um ofício que solici-
ta ao desembargador Solon
d’Eça Neves, da Corregedoria
Geral de Justiça do Estado de
Santa Catarina, a isenção ou a
redução de taxas e emolumen-
tos das escrituras públicas de
transferência de imóveis cedi-
dos pela União. Já são cinco
áreas cedidas à Prefeitura e três
ainda aguardam cessão. No to-
tal, 3.926 famílias moram em
lotes irregulares. Destas, 1.792
já solicitaram a regularização e
2.134 ainda precisam regula-
mentar os documentos.
As famílias que moram nas
áreas identificadas nos mapas
destas páginas têm a chance de
regularizarem os lotes porque
estão ali há anos. Na época
que compraram ou ocuparam
as terras, não existia restrição
ambiental. O loteamento Boa
Vista III, por exemplo, exis-
te desde 1954. Mesmo com a
identificação das Áreas de Pre-
servação Permanente (APP),
não há possibilidade de retirar
estas pessoas nem de mantê-
las nestas condições.
Histórico de Desigualdade
Nota-se que o desenvolvi-
mento de bairros como Vila
Nova e Morro do Meio é muito
tardio comparado aos da região
Leste. “Famílias de migrantes
foram instaladas às margens
de todo o manguezal da cidade
por uma questão de economia.
Visando a não construção das
infraestruturas viárias, colo-
cou-se a população operária
próxima ao local de trabalho”,
declarou o cientista social e
mestrando em urbanismo,
Charles Henrique Voos. Com
o crescimento populacional,
as camadas mais pobres foram
alocadas em regiões da cidade
onde não havia a mínima in-
fraestrutura necessária. Assim
surgiram dificuldades em levar
investimentos básicos, porque
o custo era dobrado devido as
grandes distâncias do centro.
De acordo com o cientista
social, a concentração acon-
tece, em Joinville, principal-
mente na zona rural da cidade.
Na região urbana, a ocupação
provoca outro fenômeno: os
vazios urbanos. Terrenos que
poderiam ser ocupados para
adensar a cidade, não podem
porque a iniciativa privada o
retém, valorizando e vendendo
somente após o máximo de in-
fraestrutura instalada. “O capi-
talismo tem que excluir alguns
para a acumulação de outros.
É a regra do jogo. E essas de-
sigualdades se espacializam na
cidade no cenário da ocupação
urbana ocorrida por aqui ao
longo dos anos”.
Bárbara Elice
bahfck@gmail.com
14 Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA Ecologia
Diagramação e edição de Eduardo Schmitz
Literalmente marginalizado às
indústrias, o pescador Rosinaldo
Cartapasso tem a baía da Babiton-
ga como quintal de casa e local de
trabalho. O terreno, que a família
comprou de uma imobiliária há 25
anos, fica na região menos urbani-
zada, sem pavimentação, com es-
goto e com luz clandestina. Visto
como um representante das famí-
lias de uma das áreas do Espinhei-
ros, ele já fez os procedimentos
para regularização há vinte dias e,
agora, aguarda a liberação.
Rosinaldo afirma que o maior
problema é a energia elétrica. Ape-
sardasnegociaçõescomoGerente
Regional da Companhia de Eletri-
cidade de Santa Catarina (Celesc),
Eduardo Cesconeto de Souza, as
fiações clandestinas sempre são
desligadas. O pescador afirma que
está há bastante tempo tentando
regularizar o lote, mas a burocracia
sempre travou o processo. “Nós
não queremos nada de graça, nós
queremos pagar, mas parece que
eles não dão importância”.
O assentamento no José Lou-
reiroviveumarealidadeaindapior:
não há previsão para regularizar
os lotes. Por ser uma ocupação
recente, é inviável a urbanização
sobre áreas de preservação, como
o mangue. Diferente das cessões
antigas, como a do Boa Vista, es-
tes lotes foram cedidos em 2004.
“Quando a prefeitura adquiriu
aquela área, não era mais mangue,
mas fez o loteamento para 600
famílias”, afirmou o diretor da Se-
cretaria de Habitação. Após a Lei
do Loteamento, é preciso fazer pa-
vimentação, drenagem, esgoto. A
única a fazer esse loteamento sem
toda a infraestrutura foi a prefei-
tura. Chaves aponta nesta região,
a prioridade para 40 famílias que
moram em cima do Rio Velho,
pois estão ali há mais tempo. Ele
afirma compromisso de entrega
dos apartamentos no Paranagua-
mirim em 2012.
Alongaesperapelaregularização
O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) de Joinville é o
mapeamento ambiental do município. O estudo, apresentado
pelo agrônomo da Fundema Giampaolo Marchesini mostra o
detalhamento das áreas de mangue localizadas à beira da Baia
da Babitonga e segue até a floresta de montanha, na divisa com
Campo Alegre. Alguns itens do ZZE como as áreas na região da
serra e os corredores ecológicos, poderão ser incluídos na nova
Lei de Ordenamento Territorial, em construção pelo executivo.
A Fundema vai propor diminuição do crescimento urbano em
Áreas de Preservação Ambiental (APA).
O SIMGeo é um sistema
para integrar todas as in-
formações cartográficas de
Joinville desde 1937 até
hoje. O sistema é alimenta-
do quase que diariamente
por todas as secretarias que
têm núcleos de geoproces-
samento. Áreas de Preserva-
ção Permanente, limites de
área de marinha, plano viário,
loteamento, regularização
fundiária e licenciamento
ambiental poderão ser con-
sultadas pela comunidade.
O secretário de Habitação de Joinville, Alsione
Gomes de Oliveira Filho, assinou uma Portaria con-
cedendo benefícios e as condições adequadas para
estimular os beneficiários de lotes urbanizados nas
áreas cedidas pela União a regularizarem a titulação
de 4.936 lotes. Pela Portaria, quem deseja requerer
à legalização do imóvel não poderá ser possuidor
de outro imóvel ou ter sido atendido por outros
programas habitacionais oferecidos pelo municí-
pio, além de não ter débitos de qualquer natureza
cadastrados no imóvel. O secretário adiantou que“a
Portaria não se aplica ao caso das famílias que já for-
malizaram transferência mediante Escritura Pública
e Registro de Imóveis”.
A Secretaria de Habitação
solicitou a isenção ou a redu-
ção de taxas e emolumentos
nos procedimentos para ob-
tenção das escrituras públicas
de transferência dos imóveis
cedidos pela União ao muni-
cípio de Joinville. O ofício foi
assinado no dia 30 de maio
pelo prefeito Carlito Merss e
pela Superintendência do Pa-
trimônio da União de Santa
Catarina (SPU/SC), represen-
tada pela superindente Drª
Isolde Espíndola.
Benefíciosparalegalizaçãodelotesirregulares
ZoneamentoEcológico
Isençãodetaxas
cartoráriasemJoinville
Sistema de informações
georreferenciadas
Rosinaldo convive com a baia da Babitonga
como vizinha. A construção onde guarda a
lancha fica bem próxima à água
Nós não queremos
nada de graça,
nós queremos
pagar, mas parece
que eles não dão
importância
“
ROSINALDO CARTAPASSO
morador
bárbara elice
15
Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala
Cultura Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
D
ia ensolarado,
brisa de leve e
movimento
tranquilo nas
vias que cru-
zamaruaCo-
ronel Francisco Gomes, no bairro
Bucarein, em Joinville. Quase
não há veículos, e há alguns pas-
sos do antigo campo do Santos, já
se escuta o ritmo contagiante do
samba vindo de uma casa simples,
localizada em uma das muitas
ruas de barro sem saída. Da antiga
Avenida Cubas, palco de muitas
histórias de afrodescendentes da
cidade, hoje restam poucos des-
cendentes negros. A maioria dos
moradores é “de origem”, como
são popularmente chamados os
brancos. Na Avenida Cubas vive-
ram Butiaco, Tuca, Fioca e o eter-
no músico Bera, alguns dos mais
ilustres e inusitados personagens
afrodescendentes de Joinville. A
maioria deles, esquecidos na his-
tória da cidade.
Morando há 45 anos em Join-
ville, Eugênio Miranda Corrêa,
carinhosamente chamado de
Butiaco, faz parte dessa história
esquecida. Hoje com 60 anos,
relembra os tempos em que veio
para Joinville, transferido de um
emprego em uma rádio de São
Francisco do Sul. “Vim para cá
aos 13 anos junto com a minha
família. O dono da rádio onde
eu trabalhava tinha uma emisso-
ra em Joinville e me transferiu”,
conta. Butiaco sempre trabalhou
na parte técnica das rádios e tam-
bém da televisão. Ele já passou
pela rádio Colon, Difusora, Cul-
tura e se aposentou na Câmara de
Vereadores de Joinville. Foi nos
meios de comunicação que Eu-
gênio ficou conhecido pelo ape-
lido de Butiaco. “Tinha um rapaz
que jogava no time do Caxias e
era muito parecido comigo. Aí o
apelido pegou”.
Butiaco pouco sabe sobre os
antepassados. Quando ele era
criança, ninguém falava sobre a
escravidão. Seus avós paternos
vieram da África e, provavelmen-
te, foram utilizados como escra-
vos na região de São Francisco do
Sul e Joinville. Os antepassados
maternos são originários da região
do Vale do Itapocu, hoje municí-
Os marinheiros batiam
nas janelas das casas à
procura de companhia
feminina para passar
a noite
PASSADO
Esquecidos na história da cidade, os negros buscam resgatar sua
cultura em meio à germanização desde os tempos da escravidão
Joinvillenegra:imersaem
umpassadodepreconceito
AFRODESCENDENTES
pio de Araquari. Segundo docu-
mentos do Arquivo Histórico de
Joinville, a presença de escravos
em atividades agrícolas da região
era grande.
Da Avenida Cubas, Butiaco só
guarda boas lembranças. Ele mo-
rou por mais de 30 anos no local e
lembra que era conhecida como a
região portuária de Joinville – por
terminar no chamado portinho
do Bucarein, hoje a Ponte do Tra-
balhador. Cubas tinha aluguéis
baixos e casas de
prostituição. Essas
condições aliadas
à forte presença
negra contribuíam
para que a Avenida
fosse mal vista pelo
resto da cidade.
Uma das parti-
cularidades da re-
gião era a vocação
dos moradores para o futebol. Na
década de 40, a Avenida Cubas
chegou a abrigar dois campos: o
do Santos Futebol Clube e o do
Estrela do Sul. Os dois times dis-
putaram a segunda divisão da Liga
Jonvilense de Desportos, criada
em 1942, e o Santos chegou a se
tornar campeão da competição.
De lá, também surgiram alguns
talentos no futebol, como Piava,
jogador do Caxias; Loli, jogador
do América; e Vieira, que jogou
no Grêmio, de Porto Alegre.
A exemplo de Butiaco e incen-
tivada pelo baixo preço de mora-
dia, Dilma Emília Borba, 74 anos,
e a mãe Maria do Carmo Barbo-
sa, 92 anos, residiram durante 15
anos no local. Hoje, as duas mo-
ram no bairro Guanabara, mas
Dilma garante que é do período
que morava na Avenida Cubas
que ela guarda as maiores recor-
dações da sua vida.
“Naquele tempo
atracavam no porto
grandes navios que
vinham de São Pau-
lo e Rio de Janeiro.
Quando o navio
apitava, as crianças
saiam correndo”,
relembra. Os navios
transportavam sal
e erva-mate até o porto de São
Francisco do Sul, onde embarca-
ções levavam os produtos para o
exterior.
Segundo Dilma, as canoas que
navegavam pelo rio Bucarein tra-
ziam peixes capturados no Canal
do Linguado para o Mercado Mu-
nicipal de Joinville. Com tanto
movimento de barcos e pesca, os
homens que residiam na Aveni-
da Cubas tomaram a estiva como
profissão. Como o local era consi-
derado um porto, os marinheiros
atracavam os barcos e batiam nas
janelas das casas à procura de uma
companhia feminina para a noi-
te. Dilma lembra que os padres
diziam “que o lugar não era para
a moradia de mulheres direitas”.
“Quando meu namorado pergun-
tou onde ficava minha casa, eu en-
rolei e não respondi, porque todo
mundo achava que ali só morava
mulher da vida”, afirma.
Além de mal visto e excluído
pelo resto da população, o local
enfrentava muitos problemas
de infraestrutura e dificuldades,
como a falta de água. Dilma ia até
a bica todos os dias. A fonte fica-
va onde é a atual Escola de Ensino
Fundamental Rui Barbosa, há qua-
se três quilômetros de distância. Na
volta, se já estava escuro, ela passava
bem longe de uma grande figueira
que havia em frente ao campo do
Santos. Os mais velhos diziam que
a árvore era mal assombrada e fala-
vam de um lobisomem que ficava
por perto durante a noite. “Nin-
guém se arriscava”, recorda.
Talvez pela forte espiritualida-
de, a longevidade dos moradores
negros parece ser uma das caracte-
rísticas mais marcantes da Avenida.
O lugar já abrigou casas de muitos
moradores centenários. Uma delas,
a já falecida Mazilda Alvez, viveu
103 anos. Era natural de São Fran-
cisco do Sul e chegou ao reduto em
1937.
O nome “Cubas” remete ao
antigo dono da maioria das casas
da região: Darcy Schroeder Cubas.
Além das residências alugadas,
Cubas tinha um cartório que leva-
va seu nome, na rua Abdon Batista.
Hoje, o 2º Tabelionato de Notas e
3º de Ofícios e Protestos.
Patrícia Schmauch
patriciaschmauch@hotmail.com
ANA PAULA DA SILVA
Butiaco morou durante 30 anos na Avenida Cubas e só guarda boas lembranças do lugar AAvenidaCubasfoipalcodemuitashistóriasdeafrodescendentes.Algumasdécadasdepois,amaiorpartedosmoradoresédecorbranca
ANA PAULA DA SILVA
16 Cultura
O Kênia surgiu em
uma sociedade
preconceituosa e hoje
garante a preservação
da cultura afro
TRADIÇÃO
Dono de memória e lucidez
invejáveis, Butiaco explica, sen-
tado na cozinha de sua casa, que
a cultura dos negros está se esgo-
tando. “As grandes festas, danças e
tradições da cultura afro-brasilei-
ra estão desaparecendo porque as
crianças negras não são ensinadas
nas escolas sobre a memória dos
seus antepassados”, diz.
Ao chegar a
Joinville, ele se de-
parou com um ra-
cismo muito forte.
Para se divertir, os
negros eram obri-
gados a frequentar
lugares diferentes
dos brancos. Um
deles, existentes até
hoje, é o Kênia Clu-
be de Joinville.
Imerso em uma sociedade pre-
conceituosa quanto às diferenças
raciais, nascia um clube como
forma de defesa contra a exclusão.
Hoje a tonalidade da pele já não é
o principal motivo para a existên-
cia do Kênia. Além da paixão pelo
samba, o que embala os mais de
50 anos vividos pelo clube é a pre-
servação e valorização da cultura
afro dentro de toda a cidade.
Everaldo José Pereira, atual
presidente do Kênia, conta que
até a década de 1960, Joinville ti-
nha o hábito de consagrar os imi-
grantes de descendentes alemães
e ignorar a existência afrodescen-
dente. A população de negros na
cidade era praticamente insigni-
ficante se comparada ao número
de louros de olhos claros que cir-
culavam pelas ruas. “O negro não
tinha lugar de diversão. Podia ir
nas sociedades para os brancos,
mas era obrigado a ficar sentado”,
relembra Pereira. Hoje, o Kênia é
o único clube afro de Santa Cata-
rina em atividade constante.
Os primeiros movimentos ne-
gros do Estado, com o objetivo
da criação de as-
sociações de lazer,
datam de alguns
anos após a aboli-
ção da escravatu-
ra, em 1888. Em
Joinville, os locais
surgem com reu-
niões e festas entre
famílias, sobretudo
nas décadas de 40 e
50 – época da Campanha de Na-
cionalização de Getúlio Vargas.
Durante o período, as colônias
alemãs eram perseguidas e per-
diam forças, enquanto os afrodes-
cendentes fundavam clubes e en-
tidades, garantindo a preservação
da sua cultura.
Foi de Hélio Cardoso Verís-
simo, José Francisco Ramos, Ru-
bens Martins, Marcelino Rocha,
Luis Paulo do Rosário, José Do-
mingos Cardoso e Oziel Silva a
ideia de fundar um clube só para
os negros, onde tocasse o samba,
seu ritmo preferido, e pudessem
divertir-se à vontade. O nome faz
alusão ao país do continente afri-
cano idealizado por eles. Paralelo
ao clube surgiu também um time
de futebol, o Senegal, extinto
poucos anos depois.
A inauguração do clube foi
marcada por um grande baile,
com a escolha da rainha e das
princesas das mais bem concei-
tuadas famílias negras, em 6 de
setembro de 1960. Luxo e exu-
berância marcaram o evento, a
exemplo do que acontecia nas
festas brancas. As mais belas
mulatas da cidade podiam ser
vistas com salto alto e vestidos
que salientavam as curvas do
corpo; um misto de delicadeza,
fragilidade e beleza. Fotografias
da época mostravam as mulhe-
res com um cabelo muito liso,
seguindo o padrão europeu. E
os ritmos dançantes do bolero,
samba, valsa e tcha-tcha-tcha
embalavam os convidados du-
rante a noite inteira. Os partici-
pantes, homens e mulheres mal
remunerados e discriminados
durante a semana.
O Kênia serviu tanto para di-
vertir a parcela negra da popula-
ção quanto para unir a comunida-
de. Das festas dominicais, saíram
muitos casamentos e famílias. O
samba das festas luxuosas emba-
lou algumas histórias de amor:
Butiaco conheceu a esposa em
uma festa na sociedade e o gaúcho
João Nestor Padilha também.
Algumas histórias do Kênia
Há 51 anos atrás, chegava em
Joinville aos 16 anos de idade,
um gaúcho negro, com sombran-
celhas e voz grossas e traços for-
tes. Em um dos muitos bailes do
Kênia conheceu uma namorada,
sua atual esposa. “Foi inesquecí-
vel”, afirma.
Hoje, com três filhos, Padi-
lha olha para o passado e vê que
nem tudo mudou. Adora morar
em Joinville, mas, para ele, o
preconceito continua existin-
do. “Negro remete a tudo que é
ruim”, diz, indignado. Na hora
de arranjar um emprego, Padilha
passou por dificuldades devido
à cor da pele. Dos antepassados,
ele ouviu falar pouco.
Zelândia Custódio da Costa,
67 anos, carinhosamente apeli-
dada de Fioca, frequenta o Kênia
desde a época da fundação. “Éra-
mos olhados com outros olhos”,
relata. Ainda hoje, Fioca desfi-
la no Carnaval do Kênia Clube
como baiana. Em sua trajetória já
foi porta-bandeira e passista.
A paixão pelo Carnaval vem
desde a infância. Aos cinco anos
de idade, em 1951, veio de São
Francisco do Sul a Joinville em
clima de centenário e Carnaval.
Inicialmente morou na região da
Avenida Cubas e tem vontade de
um dia morar por lá novamente.
“Todos eram amigos”, lembra. O
apelido, ninguém sabe o que sig-
nifica. Há quem diga que é pelo
seu tamanho pequeno, “miudinha
feito uma fioca”.
Em meio à trajetória, nem só
de glória viveu a Sociedade Kênia
Clube. Nestas cinco décadas, o
salão já fechou e reabriu por di-
versas vezes. Por não ter sócios,
há dificuldade em arrecadar re-
cursos. Os eventos e pequenos
encontros são regados a samba e
pagode, o que se restringe a uma
única fonte financeira.
Hoje, o Kênia tem uma esco-
la de samba, a primeira de Join-
ville: Príncipes do Samba. Antes
chamada de “Amigos do Kênia”,
a escola iniciou as atividades em
1968, desfilando pelas ruas da ci-
dadecomapenas20participantes.
Depois de alguns anos sem entrar
na avenida, em 2010 os carnava-
lescos já passavam de 400. Dona
Fioca lembra que o primeiro des-
file foi um dos mais marcantes.
Em 1986, a escola fez uma home-
nagem a Joinville. Apesar de pe-
queno, a cidade tinha na época o
terceiro maior Carnaval de Santa
Catarina, perdendo apenas para
Florianópolis e Laguna.
Fioca vê a tradição do Carnaval
sendo seguida pelas duas netas e fi-
lha Sueli Regina de Oliveira. “Fico
muito orgulhosa”, afirma. O Kênia
setransformouemumlugardeale-
gria que não faz distinção de raças.
“Às vezes tem mais branco do que
negro nas festas. Não há mais dife-
rença”, observa Pereira.
Sociedade Kênia Clube: diversão
não apenas para negros A conhecida dona Tuca é a moradora mais antiga da região.
Dona de uma fala calma, voz suave e um olhar concentrado, Rosa
Maria Rodrigues da Silva, 73 anos, é viúva de Luiz da Silva, o Mestre
Bera, conhecido músico da cidade. Cada memória da história do
casal é lembrada por Tuca através de imagens. O sambista morreu
em 1997, aos 63 anos, quando o casal completaria 41 anos juntos.
Tuca nasceu em Joinville e viveu perto da Estação Ferroviária.
Ao se casar, em maio de 1956, passou a morar na residência atual,
na Avenida Cubas. Local onde está há mais de 50 anos. Para ela, é o
melhor lugar para viver.“Quando o pessoal quer fazer samba, fica o
dia inteiro festando”, diz.
O apelido vem de criança. A família paterna era turca, e
por isso, quando pequena, era chamada de Tuca. Rosa guar-
da muitas histórias do tempo de casada, especialmente so-
bre as “fugidas” de seu marido Bera. Ele dizia que saía para to-
car, mas o bandolim ficava guardado no estofado. “Quando ele
voltava, o pau fechava”, recorda dona Tuca, com um ar de graça.
Mesmo com a ausência do marido devido aos shows que fazia
como músico, Rosa destaca que ele sempre teve preocupação es-
pecial com a família. E não apenas com a que tinha laços de sangue:
Bera era querido por toda a vizinhança e vivia fazendo festa.
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Zelândia Custódio da Costa, mais conhecida como Fioca, frequenta o Kênia Clube desde a época da sua fundação e diz que hoje já não há distinção entre negros e brancos
Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala
Meio século de histórias
PATRÍCIA SCHMAUCH
17Cultura
Distante da Avenida Cubas,
no tempo e na geografia, o cul-
tivo de farinha de mandioca,
açúcar mascavo e a produção
de melado e aguardente estava
deslanchando. Em meados do
século 18, o dia a dia nas terras
da região do Cubatão era difícil.
Principalmente para os escravos
da fazenda de Januário de Oli-
veira Cercal, português que se
estabeleceu em 1786 na região
do Morro do La-
ranjal, atual Jar-
dim Paraíso.
A tataraneta
de Januário, Ma-
ria Luiza Cercal,
74 anos, tem
muita disposição
e vitalidade para
contar a história
da sua família,
tradicionalmente
conhecida na região pela posse
de negros. Segundo ela, em uma
perigosa travessia do Atlântico,
o tataravô, a família e mais 13
escravos embarcaram em um
navio à vela rumo a São Francis-
co do Sul. A viagem durou mais
de seis meses.
Junto à família e aos escravos,
Januário trouxe engenhos de
ferro e farinha, cana e uma má-
quina para fazer vinho. A família
morou em São Francisco do Sul
durante 30 anos, quando Januá-
rio requereu a primeira conces-
são de sesmaria, equivalente às
terras da atual região do Jardim
Paraíso. Em documentos do Ar-
quivo Histórico, a família apare-
ce com outras três concessões:
Região do Itapocu, Araquari
e Morro do Cachoeira. Após
cinco gerações, restam 1600
metros quadrados de terras. O
resto do terreno foi vendido e
abriga pequenas empresas, resi-
dências e comércio.
Maria Luiza e o marido,
Angelo de Araújo, contam que
os navios que vinham para a
atual região de Joinville eram
enfeitados com fitas coloridas
para atrair os ne-
gros. Eles entravam
para ver o que era e
quando a embarca-
ção enchia, o navio
desatracava e seguia
viagem. As famílias
nunca mais ficavam
sabendo de notícias
dos que partiam.
No porto de São
Francisco, os escra-
vos eram vendidos.
Com os proprietários de es-
cravos, todos os dias, antes do
sol nascer, os negros começa-
vam seu trabalho. A maioria cui-
dava da agricultura, os outros,
da fábrica de cachaça e melado.
Poucas mulheres, escolhidas a
dedo, faziam os serviços domés-
ticos. Além de cuidar das casas,
serviam como amas de leite.
Durante a semana, os escra-
vos carregavam os seus patrões
e produtos até a Baía da Babi-
tonga, para o comércio em São
Francisco do Sul. Durante o
trajeto, era comum os negros
tentarem fugas mal sucedidas.
Em páginas amareladas do jor-
nal Kolonie Zeitung, constam
alguns nomes e desenhos dos
escravos fujões. Os capatazes e
caçadores de escravos ficavam
atentos, pois normalmente se
oferecia boa recompensa para
quem encontrasse os fugitivos.
Tradição no
melado e cachaça
O cabelo grisalho não escon-
de a idade avançada, mas tam-
bém não é sinal que a memória
está fraca. Aos 81 anos, Angelo
Araújo, marido de Maria Luiza,
ainda lembra das escravas que
conheceu quando criança. “Eu
ia para a escola e elas estavam
velhinhas, e me contavam muitas
histórias no caminho”, afirma.
Mesmo já libertos, após a
abolição da escravatura, em
1888, os escravos não tinham
nenhuma perspectiva de vida ou
política de inclusão social. Aca-
bavam ficando com as famílias.
O tataravô de Angelo, Oresto
Araújo, pagava os ex-escravos
com pequenos pedaços de ter-
ra. “Hoje, muitos descendentes
moram do outro lado do ri-
beirão do Cubatão. Antes, eles
vendiam vassouras, cordas, fari-
nha”, lembra.
A trajetória dos negros na re-
gião é repleta de histórias. Uma
delas conta que Oresto Araújo
escondeu um tesouro. Há 25
anos, um tratorista estava fa-
zendo a terraplanagem da área
e desapareceu. Dias depois, foi
encontrado um buraco com al-
gumas moedas de ouro. Não há
quem duvide que o tratorista
achou o tesouro e se deu bem.
Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA
Em caso de
desobediências os
escravos não dormiam
dentro do galpão junto
com os outros
CASTIGO
O trabalho escravo nos engenhos da família Cercal
Outra história fala de um filho
de escravo que matou uma onça
que amedrontava as pessoas do
Cubatão. Todos ficaram agrade-
cidos a ele.
Parte das terras da família
Araújo pertencem a Angelo até
hoje. A casa onde o casal mora
atualmente tem mais de 50 anos,
construídos no terreno que abri-
gava um engenho e tinha escra-
vos. Além das muitas histórias,
a residência tem as portas das
primeiras casas de São Francisco
do Sul, de 500 anos atrás. Cada
detalhe foi minuciosamente es-
colhido por Antonio Eleutério
de Araújo, pai de Angelo, que
dá também nome à rua onde o
casal mora.
O tataravô de Angelo, Ores-
to Araújo, veio ao Brasil em
1806 e trouxe cerca de 15 escra-
vos junto com ele. Há 20 anos,
o engenho foi desativado total-
mente. Mas até hoje, a tradição
da família permanece viva: há
um alambique da família na re-
gião, que ainda produz melado e
cachaça.
Escravostambémparaos
imigrantes
Recortes de jornais com regis-
tros de comércio e óbito de escra-
vos e petições de sesmarias são
materiais disponíveis no Arquivo
Histórico de Joinville sobre a cul-
tura dos negros na cidade. Muitos
documentos apontam a presença
de escravos desde 1804 nos bairros
Bucarein, Itaum, Boa Vista, Pira-
beiraba, Paranaguamirim e Morro
do Amaral.
Comparado a outros municí-
pios, Joinville tinha um número
baixo de escravos. Documentos
da Coletoria de Joinville, ligada à
Igreja Católica, confirmam que
em 1887, a cidade tinha 96 escra-
vos, metade de cada sexo. Dados
do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE) dizem
que em Joinville, 7,3% da popu-
lação é negra. Raquel Queiroz,
coordenadora do Comitê Gestor
de Promoção à Igualdade Racial,
contesta esse número. “Acredito
que o número seja maior. Grande
parte dos negros de Joinville fica
invisível”, garante.
De acordo com o livro “His-
tória do Trabalho em Joinville”,
do historiador Dilney Cunha, as
camadas mais pobres também
economizavam e adquiriam um ou
dois escravos para ajudar nos ga-
nhos. Os filhos dos escravos não
eram desejados porque não tinham
onde serem negociados, gerando
apenas gastos.
Na década de 1850, o comér-
cio escravista começou a decair.
A Inglaterra proibiu os navios ne-
greiros, aumentando o preço dos
cativos vindos da África. Mesmo
sem a permissão para a posse de
escravos, tem-se registros que
acontecia a escravidão entre os
colonos germânicos. No Arquivo
Histórico, há indícios de que Feli-
zarda, africana, falecida em 1880,
com aproximadamente 45 anos,
foi escrava de Eduard Trinks, co-
merciante alemão que residia na
atual estrada Dona Francisca.
A descoberta de 13 afrodes-
cendentes enterrados no Cemi-
tério dos Imigrantes de Joinville,
em 2009, sepultados no período
de 1862 e 1870, também são
testemunhos históricos do pa-
pel importante dos negros no
processo de formação da cida-
de. Na época, o fato foi bastante
questionado, sobretudo pelos
descendentes alemães.
O preconceito camuflado e
exclusão social dos negros ten-
de a diminuir em Joinville. Com
a finalidade de discutir políticas
públicas voltadas à promoção e
igualdade dos negros, sobretudo
nas áreas de saúde, educação e
cultura, o Comitê Gestor de Pro-
moção à Igualdade Racial, criado
em 2009, promove a inclusão dos
negros nas atividades de Joinvil-
le – música, dança, trabalho nas
fábricas,serviçopúblicoepromo-
ve movimentos culturais nos
bairros. De acordo com Raquel
de Queiroz, o racismo ainda é
forte em Joinville.“Aqui, os negros
sempre tentaram ser germaniza-
dos”, enfatiza.
Para Alessandra Cristina Ber-
nadino, coordenadora pedagó-
gica na Casa de Cultura de São
Francisco do Sul, o racismo está
muito evidente nos dias de hoje.
“O Nordeste tem o maior índice
de assassinatos contra jovens ne-
gros,amortedegestantesnegras
por falta de atendimento pela cor
de sua pele”, afirma. Além disso,
os doentes de AIDS, os analfabe-
tos,entreoutrosíndicesquecom-
provam que o racismo age com
muita eficiência nestas categorias
dentro da nossa sociedade.“Sem
contar que a cada 15 minutos
uma pessoa é vítima de racismo
em nosso país de Norte a Sul”, diz.
Cemitério também de negros
d
Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala
Há20anos,oengenholocalizadonoterrenoondehojeestáacasadeMariaLuizaCercaledomarido AngeloAraújo,foidesativadocompletamente
PATRÍCIA SCHMAUCH
18 Joinville - Junho 2011
PRIMEIRA PAUTA Esporte
Diagramação e edição de Gabriel Fronzi
A
lgumas crian-
ças da zona
sul de Joinville
não têm ídolos
como Messi,
Ronaldo ou
Neymar. Para elas, são apenas
nomes e não fazem diferença no
vocabulário. O gramado, chutei-
ras e outros aspectos do futebol
assim como tão pouco a atenção
desses meninos e meninas. Uma
bola laranja, dribles diferencia-
dos e as cestas quase impossíveis
fazem com que o basquete seja
a modalidade preferida desses
pequenos.
Segundo dados do Instituto
de Planejamento Urbano de Join-
ville (Ippuj) de 2010, o bairro
Itinga tem 6.358 moradores. As
indústrias e as casas da classe mé-
dia escondem as moradias mais
simples nas ruas de barro. Muitos
que vivem fora do conforto não
sonham com luxo e riqueza, mas
apenas com
op or tun ida -
des. O bairro é
muito extenso
e faz divisa com
a cidade de Ara-
quari. As dife-
renças sociais
também fazem
parte da histó-
ria da região.
Um núcleo de basquete che-
gou para tentar acabar com o
preconceito e diminuir diferen-
ças entre as crianças. O esporte
tem atraído interessados de ou-
tros bairros da região como Pe-
trópolis e Boehmerwald, pois em
nenhum deles existem aulas de
basquete nas escolas. O projeto
“Escolinhas de Basquete” é idea-
lizado pelo time
profissional, o
Brascola/Join-
ville, 7º colo-
cado na última
edição do Novo
Basquete Bra-
sil (NBB). A
prefeitura não
faz nenhum in-
vestimento nas
escolinhas, segundo o coorde-
nador Annibal Pires de Oliveira
Junior. Ele explica que o projeto
foi aprovado na Lei de Incentivo
Federal. Assim, empresas dispo-
nibilizam verbas para a continui-
dade da iniciativa.
As unidades dos bairros Bom
Retiro, Glória, Jardim Sofia, Jar-
dim Paraíso e Itinga oferecem
aulas de basquete três vezes por
semana e totalmente gratuitas.
São mais de 380 crianças de 10
a 16 anos atendidas em todos os
núcleos da cidade.
Na fundação Padre Luiz Fac-
chini, eles se reúnem todas as se-
gundas,quartasesextas-feiraspara
aprender e jogar a modalidade
que está ganhando mais espaço na
maior cidade do Estado. As aulas
acontecem no período da manhã
e tarde com mais de 80 crianças e
adolescente. Os horários são divi-
didos pelas idades e turno escolar
de cada participante.
Crianças e adolescentes buscam no basquetebol a chance de se tornarem
atletas profissionais da modalidade e garantir um futuro melhor
O esporte como pauta para
o sucesso de novos talentos
OPORTUNIDADE
Queremos mostrar
que ricos e pobres
podem jogar basquete
sem preconceito ou
discriminação.
“ALCIDES JÚNIOR
Monitor
O monitor da unidade, Alci-
des Porcincula Junior, diz que o
objetivo do projeto é fazer com
o basquete seja praticado por
todas as crianças do bairro e, o
principal, achar talentos para o
time. “Temos crianças com mui-
to potencial e que merecem es-
paço na base do time principal”,
comenta. Para o professor, o es-
porte é um meio de transformar
as crianças em bons cidadãos,
pois aprendem em atividades
coletivas a respeitar todas as di-
ferenças que encontram no pro-
jeto. Ele explica que o esporte
não pode selecionar alvos e sim
atingir todos. “Queremos mos-
trar que ricos e pobres podem
jogar basquete sem preconceito
ou discriminação”.
Tentar jogar no time prin-
cipal e o amor pela modalidade
levou Tiago da Silva Quintino,
13 anos, para a escolinha. A re-
ferência no esporte é grande as-
sim como seus sonhos. O astro
americano do Miami Heat, Le-
Bron James, de 2,03m, inspira
o pequeno garoto nas jogadas
e nos treinos que executa sema-
nalmente. “Acho que tenho ha-
bilidade e bastante motivação
para jogar na base”, acredita.
Descobriu o projeto por amigos
e conquistou o apoio dos pais.
Ele diz que o mesmo empenho
dedicado ao esporte é retribuído
nas atividades escolares.
O basquete também surgiu
na vida de Ruan Ademir Bruch,
13 anos, a princípio como exercí-
cio físico e não por paixão. Rece-
beu recomendações para praticar
algum esporte e escolheu a mo-
dalidade. Os amigos indicaram a
escolinha e ele resolveu apostar.
Assim como Tiago Quintino, a
inspiração também vem do ame-
ricano LeBron James. De uma
simples recomendação a uma
oportunidade de crescimento es-
portivo. O garoto foi convidado
para treinar na categoria de base
do time principal e está muito
motivado. “Jogo na base desde
o início do ano e a experiência é
muito boa”.
As quadras onde os núcleos
estão instalados são de boa quali-
dade. A pintura é renovada quan-
do apresenta desgaste, as tabelas
e aros em boas condições e as
bolas são novas e em quantidade
suficiente para atender os interes-
sados. O núcleo do Bom Retiro
utiliza as dependências da Uni-
versidade da Região de Joinville
(Univille) que é parceira do time
da cidade. Os núcleos do Glória,
Jardim Paraíso e Jardim Sofia uti-
lizam as quadras esportivas das
escolas. Cada participante rece-
be uma camiseta regata para os
treinamentos.
Diego Porcincula
diegoporcincula@gmail.comMesmo diante as dificuldades, Alcides (centro) trabalha como monitor e coordena o projeto que tem o intuito de revelar novos talentos do basquetebol para a cidade de Joinville
Diego Porcincula
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  • 1. G R A N D E S R E P O R T A G E N S DIVERSIDADE RELIGIOSAO silêncio mascara a intolerância às crenças afrodescendentes Históriaesquecida Negros de Joinville tentam resgatar cultura Problemasocial 3,9 mil famílias vivem de forma irregular Diário de superação História marcada pela dor e vontade de viver Vencendo o câncer Disposição e apoio familiar ajudam no tratamento JUNHO DE 2011
  • 2. 02 Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Opinião Outro semestre que chega ao fim... Depois de um semestre inteiro de escolha de pau- tas, distribuição de jornais, apuração de fatos, entre- vistas e muitas, muitas discussões por e-mail, chega às suas mãos a última edição do Primeira Pauta do primeiro semestre de 2011. Esta é uma edição especial, cheia de grandes e interessantes reportagens que foram trabalhadas em conjunto com a disciplina de Redação V. Algu- mas levaram o semestre inteiro para serem concluídas, outras, mesmo que apuradas em menos tempo, contam histórias relevantes e inéditas. Será que na poesia “Sílaba”, Djavan estava se referindo aos jornalistas ao se questionar quem poderia contar algo com fidelidade? Mesmo que não fosse essa a intenção, enquanto acadêmicos de Jornalismo queremos ser o “quem” deste texto, aquele que conta o fato de uma forma imparcial e independente. Para tanto, escolhemos pautas que nos atraem e mexem conosco. Através de seus repórteres, o Pri- meira Pauta visitou a menina Letícia, que é um exemplo de superação e força de vontade. Contamos a dolorosa experiência do câncer vivida por duas pessoas. Junto conosco, você poderá ver também qual foi a trajetória dos negros em Joinville até os dias de hoje. Entramos nas escolinhas de basquete e no ônibus universitário que vem de Itapoá, onde o jor- nalismo de precisão nos mostra dados e estatísticas sobre o perfil sócio cul- tural do estudantes que viajam todos os dias em busca de um futuro profis- sonal. Visitamos Joinvilenses que têm suas casas em áreas de risco e compar- tilhamos um pouco da alegria que é ter um intercambista hospedado em casa. Nossos repórteres participaram de cultos evangélicos para conhecer a história de um ex-traficante que virou pastor e visitaram também rituais de candomblé e umbanda para retratar o preconceito sofrido pelas religiões afrodescendentes em Joinville. Ufa! Quantas vidas e experiências envolvidas nessas páginas. Aproveite bem querido leitor, e esperamos ter cumprido nosso papel de jornalistas – aquele que, como disse Djavan, não coloca, nem tira síbalas, que conta o enredo, não altera o tom, nem o teor e o desfecho. Aquele que não erra e nem muda uma vírgula. Boa leitura e até o próximo semestre! carta ao leitor em foco SUMÁRIO Na porta de entrada do terreiro de Umbanda e Candomblé, da mãe-de-santo Jacila Barbosa, uma cumeeira que serve como preparação para quem entra no espaço sagrado. A cumeeira purifica e segura as energias negativas. DIRETORGERALDOBOMJESUS/IELUSC|Tito LívioLermen COORDENADOR DO CURSO | Sílvio Melatti DISCIPLINA | Jornal Laboratório II PROFESSOR RESPONSÁVEL | Lucio Baggio SECRETÁRIO DE REDAÇÃO | Neyfi Müller EDITOR GRÁFICO | Ronaldo Santos DIAGRAMADORES|AlineSeitenfus,AnaLuiza Abdala,ArianePereira,EdineiKnop,EduardoSchmitz, GabrielFronzi,NeyfiMüllereRonaldoSantos EDITORES DE TEXTO | Aline Seitenfus, Ana Luiza Abdala, Ariane Pereira, Edinei Knop, Eduardo Schmitz, Gabriel Fronzi, Neyfi Müller e Ronaldo Santos REPÓRTERES | Augusta Gern, Bárbara Elice da Silva, Diego Porcincula, Emanoele Girardi, Francine Ribeiro, Luísa Desiderá, Neyfi Müller, Patrícia Schmauch eTiffani dos Santos EDITORA DE FOTOGRAFIA | Jéssica Michels FOTÓGRAFOS | Ana Paula da Silva, Jéssica Michels e Mayara Silva IMPRESSÃO | A Notícia TIRAGEM | 3 mil exemplares Foto da capa | Ana Paula da Silva Contato com a redação Endereço: Rua Princesa Isabel, 438 - Centro CEP 89201-270 | Joinville | Santa Catarina Telefone: (47) 3026-8000 - Fax: (47) 3026-8090 E-mail: jornalismoielusc@gmail.com Blog: primeirapautaielusc.blogspot.com Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornalismo Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc XXI Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo, MJDH - OAB/RS, 2004 EDIÇÃO ESPECIAL | Junho 2011 Diagramação e edição de Neyfi Müller Edinei Knop “Quem me dirá não o que desejo nem o que sei, Mas aquilo de que preciso Sem botar nem tirar uma sílaba? Quem saberá contar o enredo Sem alterar o tom, o teor e o desfecho Sem errar, nem mudar uma vírgula?” (Sílaba – Djavan) Quem? Lição deVida Jovem cantora é exemplo de superação após acidente TiffanidosSantos03 Ocupação do Solo Habitação em Joinville: um problema social BárbaraElice12 Superação A história do ex-traficante que se tornou pastor NeyfiMüller08 Oportunidade O esporte como pauta para o sucesso de novos talentos DiegoPorcincula18 Força deVontade Câncer: história de lutas e superação FrancineRibeiro06 Afro-descendentes Joinville negra: imersa em um passado de preconceito PatríciaSchmauch15 Diversidade Religiosa Preconceito religioso persiste na cidade LuisaDesiderá10 Intercâmbio Uma vida inteira em alguns meses EmanoeleGirardi20 Ensino Superior O vai e vem dos estudantes de Itapoá rumo à graduação AugustaGern22
  • 3. 03 Diagramação e edição de Edinei Knop Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTASaúde O s primeiros três dias de 2004 deixa- ram marcas para o resto da vida de Letícia Pauli. Férias escolares, planos para a carreira de mode- lo e cantora interrompidos em questão de segundos. Aos 14 anos, a modelo recém formada já possuía um CD gravado, “O amor está em mim”, tinha na- morado e se divertia como uma garota normal da sua idade. Era verão. Letícia recebeu a visita de Thaisy Pauli, filha de outro casamento com o pai Hilário Pauli. A modelo profis- sional de 19 anos morava em São Paulo e trouxe consigo uma amiga. Thaisy passou o Ano Novo em Jaraguá do Sul e pre- tendia voltar à capital paulista dentro de pouco tempo. As jovens curtiam as férias em casa, mas queriam sair para dançar, uma das coisas de que Letícia sempre gostou. Nessa época específica do ano, as cida- des não litorâneas se esvaziam. O que “bomba” são os clubes da temporada. Era para a praia de Piçarras que pretendiam ir Le- tícia, o namorado, a meia-irmã mais velha e sua amiga. Proibidas pela matriarca da família, Solan- ge de Souza, de viajar até a festa desejada, escolheram um local na própria cidade para dançar. Por volta das 4h da manhã, ao invés de voltarem direto para casa, decidiram comer algo no Centro. No caminho, a conver- sa dentro do carro estava bem animada. Havia cinco pessoas no automóvel porque um ami- go pegou carona com o grupo. Letícia estava sentada ao lado do namorado, Waldemar Schro- eder Júnior, de 23 anos, que era o motorista. Ela tirou os sapatos e os colocou embaixo do ban- co. Também soltou o cinto de segurança para poder conversar melhor com a meia-irmã mais velha, que estava no banco atrás do condutor. A conversa acabou com uma curva. O jovem perdeu o controle do carro e bateu vio- lentamente contra uma árvore. Com o impacto, a porta se abriu e Letícia voou. A jovem deslizou pelo asfalto e ficou deitada na posição em que caiu. O moto- rista, a amiga e o rapaz sofreram ferimentos leves. Cinco minutos. A ajuda che- ga. Os bombeiros socorrem os passageiros. No hospital, Letícia já está em coma. O IMPACTO DA NOTÍCIA Quem avisou à família Pauli sobre o acidente foi o sogro da vítima. Disse sobre a batida, que a situação era grave e que as duas estavam no hospital. Hilário, o pai, queria ver o carro. Solange, a mãe, não quis “porque é sempre pior”. Os pais chegam ao hospi- tal meia hora depois do acidente. Mais duas horas para ver Thaisy. “Eu lembro que quando a gente entrou não a reconhecemos de- vido ao inchaço. O Hilário disse ‘Cadê a minha filha? Não é a mi- nha filha essa aí’. Ela escutou e respondeu: ‘Sou eu pai’. Mas não tinha como reconhecer”, conta a mãe. O diagnóstico da modelo foi de afundamento da face. A mãe acredita que Letícia e Thaisy se chocaram uma com a outra, dentro do carro. Três dentes da jovem cantora foram encontra- dos no veículo, o que explica uma possível batida. Uma rachadura na cabeça de Letícia, que conse- quentemente se tornou um trau- matismo craniano, também pode ser uma possível confirmação do choque entre as duas jovens. O cérebro, já danificado, chacoa- lhou no momento em que Letícia era arremessada no asfalto. Duas horas mais tarde, quan- do o dia já estava claro, conse- guem ver Letícia. A médica de plan- tão no hospital São José disse que o estado dela era muito grave. “A gente tinha medo até de colocar a mão, ela se espi- chava, parecia um gato, o sistema nervoso estava afetado. Ela fazia movimentos estranhos, mas não dava pra ver nada na cabeça”. Na tarde de sábado, Letícia entrou na sala de cirurgia. O cérebro foi retirado para desin- char e ter espaço. Em seguida, colocado novamente. Quando o médico que a operou saiu da sala, disse: “Hoje ela tem chan- ce”. De acordo com Solange, as estimativas de sobrevivência na madrugada eram de apenas 2%. O comentário geral entre os médicos era de que ela não duraria dez dias. Letícia teve uma lesão no mesencéfalo. O médico expli- cou aos pais que se o trauma- tismo tivesse ocorrido só na parte da rachadura, a garota não teria ficado com tantas sequelas. “Um hematoma do tamanho de uma unha cortou a comunica- ção com todos os sentidos. Ab- solutamente tudo. O que mais afetou a Letícia foi a fala, a vi- são e a coordenação motora. O equilíbrio, na verdade. Ela não fazia nada”, explica a mãe. Depois da cirurgia, a jovem teve uma pequena melhora. Fo- ram 25 dias na Unidade de Trata- mento Intensivo (UTI), em coma. Primeiro trataram o que era mais grave.Letíciachegouacortaralín- gua no acidente, mas só a costura- ram uma semana depois. A febre não podia aumentar demais, pois o cérebro estava muito debilitado. “Quando aumenta- va, cobriam ela de gelo, uma cena que doía muito de ver. Várias vezes a gente teve que fazer, mas depois disso a febre estabilizou, foi mais fácil”, relembra So- lange. Contudo, as sessões de gelo e o ar condicionado afetaram direta- mente o pulmão, motivo de mais tratamento médico. Antes de ga- nhar alta, mais surpresas. Exames ainda revelaram hidrocefalia, acú- mulo de água no cérebro. Isso fez com que Letícia passasse por mais uma cirurgia. Raspou a cabeça de novo, mas o organismo começou a reagir e a trabalhar. Mais três dias e finalmente foi para casa. Letícia Pauli era famosa em Jaraguá do Sul. Tragédia de carroque mudousuavidarefletehojenumaconquistacontruídapassoapasso Jovemcantoraéexemplo desuperaçãoapósacidente LIÇÃO DEVIDA Letícia ficou 40 dias internada. Desses, 25 foram na Unidade deTratamento Intensivo (UTI) NO HOSPITAL DO NASCIMENTO AO“NASCER DE NOVO” Desde que nasci sempre fui uma menina muito sapeca. Adorava pular, correr, brincar e fazer arte. Era uma criança ativa. Sempre fui o orgulho dos meus pais. Aos 14 anos, fiz curso de modelo para perder minha timidez na hora de cantar.Tinha tudo para dar certo, mas não foi o que aconteceu... Cantar sempre foi a minha paixão. Ainda criança já participava de concursos e aos 11 anos gravei meu próprio CD. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL | ARTES: Stock.XCHNG Este é um pedaço da trajetória de Letícia Pauli. As fotos retratam como sua vida mudou, mas a história não termina aqui, muitas páginas ainda serão escritas. Tiffani dos Santos tiffanilds@gmail.com
  • 4. 04 Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Diagramação e edição de Edinei Knop Saúde A chegada em casa só foi possível com o auxílio de uma ambulância. Letícia estava com o corpo todo enrijecido. “Eu imaginava que ela ía ficar mo- linha, mas foi o contrário. Não tinha mais as articulações fun- cionando direito. Ela só movia uma perna quando veio pra casa”, enfatiza a mãe. Começa- ram, então, as sessões de fisio- terapia com a prima, que traba- lhava em Blumenau com casos iguais aos de Letícia. A partir daí, a adolescente começou a se recuperar. Solange destaca ain- da, a ajuda da avó. “Era preci- so que alguém ficasse 24 horas junto da Letícia. A avó se dis- ponibilizou e até fez um curso para aprender noções de en- fermagem.” Era necessário que cinco pessoas segurassem a jo- vem para colocá-la em pé. “Não tinha condições de uma pessoa ficar sozinha e cuidar dessa me- nina com esse tamanho todo”, diz a mãe fazendo referência, em tom de brincadeira, à estatu- ra de 1,70 metro da filha. As talas, cadeiras de rodas e todos os instrumentos de loco- moção foram companheiros no processo de reaprendizagem. Letícia confessa que ficar de pé foi muito difícil. Durante cinco meses, a comida era ingerida através de sonda. A família tra- balhou com o auxílio da música, paixão que impulsionou a jovem a dar continuidade ao tratamen- to. Letícia só fazia os exercícios se tivesse música e queria que dançassem com ela. “Tudo era estímulo pra ela. A dor, infelizmente, às vezes ajudava porque ela queria pe- gar a mão da fisioterapeuta pra não deixar ela fazer. Era bem difícil segurar. É como se você fosse vacinar um bebê lindi- nho e vê ele chorar sem poder fazer nada. Assim eu tinha que fazer com ela. Fechar os olhos e fazer. Porque não adianta- va nada ela melhorar, sair do coma, daquele estado vegeta- tivo e ela não poder caminhar se eu não fiz as coisas certas”, desabafou Solange. Uma das sequelas mais gra- ves do acidente foi a fala. Letícia se comunicou pela primeira vez através da língua de sinais, a libras, que dominava. Fez com gestos seu nome e foi a irmã mais nova, Nathália, que identificou. Logo depois, começou a gesticular e os parentes a entenderem. A música como companheira e estímulo no intenso tratamento Para me pôr de pé, era preciso aajuda de muitas pessoas. Umafase difícil e dolorosa, mas doinício do tratamento. O sorriso nunca deixou de fazer parte da minha vida. Mesmo nos momentos difíceis haviam amigos que estavam ao meu lado. O dia 3 de janeiro de 2004 foi um divisor de águas. Um acidente de carro prejudicou o cérebro. Meu corpo perdeu o controle dos estímulos que coordenam o organismo humano. UmaespéciedeUTIfoimontadanacasadeLetícia. Assessõesdefisioterapiaeramcomaprima,quetrabalhavacomessescasosemBlumenau A explicação médica O mesencéfalo atua como uma espécie de ligação entre as informações processadas no cére- bro e sua distribuição para os sis- temas que coordenam as funções do organismo humano. De acor- do com o médico neurologista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo CesarTrevisol Bittencourt, essa es- truturacerebral é responsável pela recepção e coordenação dos movimen- tos posturais. Ele afirma que traumas cra- nianos associa- dos a aciden- tes de carro são uma causa frequente para provocar a lesão mesencefálica. No caso específico de Letícia, Bit- tencourt analisa as chances para a recuperação da jovem. “Pessoas jovens tendem a apresentar exce- lente recuperação mesmo diante de graves lesões neurológicas, basta dar uma chance. E foi isso que fizeram”. O médico neurologista Vi- cente Caropreso acompanhou, por um tempo, o tratamento de Letícia. Segundo ele, o trauma sofrido pela adolescente altera diretamente o funcionamento de uma pessoa. O neurologista acredita que os jovens sempre surpreendem. Na visão dele, a parte psico- lógica foi fun- damental para a recuperação. “No caso dela, muita coisa soprou a favor, prin- cipalmente o clima positivo entre os pais e a família em geral, que nunca desistiram de procurar es- timular a paciente, tanto médica como espiritualmente”. As dores emocionais Em meio a tantas modificações na vida da cantora, a parte que envolve o ex-namorado foi a mais intensa e dolorosa.“Levou um ano pra que ela chorasse e ela chorou a primeira vez por quem?”, a mãe questiona. Ela faz referência ao afastamento do companheiro de Letícia. Após um ano“enrolando”, ele deixou de frequentar a casa da família.“Além de toda a dor física, a dor emocional é muito pior”, en- fatizou. Solange lembra que na época, mesmo sabendo das atitudes do rapaz, a família aceitou as visitas esporádicas, pois, segundo ela, impulsionavam a vontade da filha em se recuperar. A própria Letícia comenta que o seu caso comparado com o da família do namorado, que teve somente prejuízos materiais, só coincide na questão finan- ceira.“Eles não sabem o quanto o filho deles me magoou. Eu tive vontade de me estrangular”, conta Letícia gesticulando com as mãos. ARQUIVO PESSOAL FOTOS: ARQUIVO PESSOAL | ARTES: Stock.XCHNG DIVULGAÇÃO MESENCÉFALO
  • 5. 05Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Diagramação e edição de Edinei Knop Onze meses após o acidente, Letícia e a mãe foram à Brasí- lia para o que seria apenas uma consulta no hospital Sarah Ku- bitschek, especialista em casos de reabilitação. Viagem que du- raria no máximo três dias. Mas foram 45. Conforme Solange, a filha já caminhava com ajuda e conseguia pronunciar umas pa- lavras. “As pessoas acham que lá (no Sarah Kubitschek) é só passar em uma máquina e sair novinho”, ressalta. A mãe con- ta que o segredo é a infraestru- tura e a intensidade nas ativida- des para os pacientes. Ela cita como exemplo a fisioterapia, que em Jaraguá Letícia reali- zava uma vez por semana. No hospital em Brasília eram duas sessões diárias. A mãe ainda complementa: “Toda a estrutu- ra médica conseguimos de uma só vez lá”. A jovem deixou o hospital da capital federal an- dando com a ajuda de bengala: um sinal de evolução no trata- mento. Em março de 2005, as duas retornam ao hospital. O tempo passou. O tamanho da bengala diminuiu e a recupera- ção foi ficando mais próxima. Letícia volta às salas de aula após três anos do acidente. A inclusão social foi um processo difícil. Tudo mudou nessa fase. As atividades antes feitas com facilidade, passaram a ser com- plicadas. Essas dificuldades en- tristeciam no começo. A apro- ximação das pessoas também foi uma etapa difícil. “Muitas pessoas não chegam perto, não por preconceito, mas por medo de que não vai entender a outra pessoa”, explicou a mãe. Até o último ano do Ensino Médio, Letícia se adaptou completa- mente. E o mais importante: as pessoas ao redor também se adaptaram a ela. A espiritualidade teve papel preponderante na vontade de continuar a viver. A família par- ticipa da participativa na igreja católica e a jovem voltou a cantar dentro do movimento de jovens do qual faz parte. “UM SORRISO AJUDA A MELHORAR” Com bom humor e simpatia, Letícia participa ativamente da entrevista, fazendo até peque- nas interrupções para comentá- rios próprios sobre determina- da parte de sua história. Até os dias de hoje, ela permanece a maior parte do tempo junto à mãe, pratican- do atividades como o auxílio na louça, trabalhos manuais e de jardinagem, sem- pre com a supervi- são atenta de Solan- ge. A rotina é regada a trabalho voluntário, orações no bairro e na igreja e cafés na casa da avó nas tardes de segunda-feira. Não dis- pensa uma caminhada uma vez por semana nas ruas do Centro da cidade. A mãe desabafa sobre as expectativas com relação à minimização das sequelas. “Como ela é nova, não tem uma meta que diz ‘vai me- lhorar até quando’, ne- nhum médico, nenhum exame vai dizer isso pra gente”. E assim Letícia prossegue tendo uma vida praticamente nor- mal. Perguntada sobre os seus planos para o futuro é categórica ao afirmar que envolvem a reli- giosidade. “Os meus planos são de continuar seguindo a igreja que eu conheci, quer dizer, antes eu cantava com amor, mas agora aumentou o amor que eu sinto. A visão que eu tinha de igre- ja antes era diferente. Eu não notava como é de- licioso estar em comu- nhão na igreja”, con- clui com um sorriso que desde os tempos de cantora e modelo faziam parte de sua personalidade. Saúde conteúdo Informações exclusivas no portal eletrônico www.primeirapautaielusc.blogspot.com A esperança encontrada na capital federal Os meus planos são de continuar seguindo a igreja que eu conheci, quer dizer, antes eu cantava com amor, mas agora aumentou o amor que eu sinto “ No hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, encontrei uma esquipe e uma estrutura especializada fundamental para minha reabilitação. Hoje tenho uma vida praticamente normal. As sequelas não afetaram os meus sonhos de continuar cantando e seguindo quem me deu mais uma chance de viver: Deus! A união familiar e a religiosidade foram fatores essenciais para a recuperação de Letícia LETÍCIA PAULI ARQUIVO PESSOAL TIFFANI DOS SANTOS
  • 6. 06 Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Diagramação e edição de Edinei Knop Saúde H á 11 anos ele recebeu um diagnóstico que muda- ria sua vida. Hoje, aos 68 anos, o aposentado Júlio Antô- nio Conoradt prossegue sua luta contra um câncer de próstata. Com uma fé inabalável, ele acre- dita que a cura está próxima. Esforço para combater a en- fermidade não faltou. Foram 43 sessões de radioterapia. A utiliza- ção de medicação venosa a base de cálcio também auxilia no tra- tamento. A retirada do tumor não foi feita devido a um infarto que o aposentado sofreu em 2003. “Não foi possível realizar a cirurgia, pois ela me traria riscos”, conta. Assessõeseram diárias e trouxeram efeitos colaterais fortes para Júlio. Ao final de cada sessão, pensava em desistir. “Ficava muito enjoado, emagreci alguns quilos e minha imunidade ficava muito baixa”, afirma. Diante as dificuldades, o apoio da família foi fundamental. De acordo com o aposentado, o in- centivo para seguir em frente veio do suporte familiar. Atualmente, Jú- liopossuiqualidade de vida e não sente dor. Muito ligado à Deus, ele atribui o bem estar à sua fé e às orações que são feitas em seu nome. “Muitas pes- soas oram por mim, nas diversas religiões.” O fato de não possuir nenhuma doença crônica, como diabetes e hipertensão, colabora para que a saúde seja preservada. Em janeiro deste ano, Júlio foi o primeiro paciente a utilizar o acelerador linear no mesmo dia em que completou 68 anos de idade. O equipamento, usado para o tratamento de câncer atra- vés da radioterapia, age de forma mais localizada e eficiente. A cobaltoterapia – único tratamen- to radioterápico disponível até a vinda do novo equipamento – era mais agressiva, já que expunha o paciente à radiação durante apro- ximadamente 40 minutos. Com o acelerador linear, o tempo de ex- posição caiu para 12 minutos. O aposentado vê nas evolu- ções da medicina mais um moti- vo para não desanimar. Também, pudera. Após anos de tratamen- to, ele mostra que a qualidade de vida é fundamental para sua recuperação. Com as novas al- ternativas oferecidas, a doença pode ser tratada de forma mais direcionada e particular. Adisposiçãodopaciente,oapoiofamiliareosavançosdamedicinacontribuemcomosucessodotratamento Câncer: histórias de lutas e superação FORÇA DEVONTADE No setor de oncologia de um dos principais hospitais públicos de Joinville, a rotina se repete. Pacientes de diferentes localida- des comparecem para receber as doses, em alguns casos diá- rias, de quimioterapia. No rosto de cada um, desgaste e cansaço. Mas também carregam consigo a grande esperança de cura. O tratamento é delicado e consiste na aplicação de dro- gas para combater o câncer. Os medicamentos buscam destruir as células doentes ou controlar o desenvolvimento. As doses podem ser mi- nistradas com diferen- tes objetivos, e estarem aliadas a cirurgias e a radioterapia, dependen- do de fatores como tipo de tumor, localização e estágio da doença. Aquimioterapiapode apresentar diferentes fi- nalidades. A curativa tem como objetivo eliminar o tumor. A adjuvante é utilizada após a cirurgia para prevenir o paciente e impedir o surgimento de metástases – no- vos tumores. Já na neo-adjuvante, busca-se a redução parcial do tu- mor. Muitas vezes, esse procedi- mento é necessário para preparar o paciente que será submetido a cirurgias ou radioterapias. Umadasopçõesestánasdoses paliativas de quimioterapia. Nela, não é visada a cura do tumor, mas a qualidade de vida do paciente. “Com as novas pesquisas, dentro de alguns anos poderemos tratar cada câncer de um modo específi- co”, afirma o oncologista Ricardo Polli. De acordo com o médico, os avanços tecnológicos propor- cionarão um melhor entendimen- to da equipe médica sobre a fun- ção molecular dos tumores, o que fará que cada pessoa seja tratada em sua particularidade. Como reflexo, os tratamentos quimio- terápicos e radioterápicos serão menos agressivos para o doente, que terá sua saúde preservada. É a partir do diagnóstico da doença que é decidida a melhor combinação de tratamen- tos.Paraomédico, o estudo de cada caso é impor- tantíssimo para não comprome- ter outros aspectos do paciente. “A radioterapia, por exemplo, não é indicada para o tratamento de câncer infantil, pois a radiação in- terfere no crescimento”, explica. O tipo mais comum da do- ença, conforme o especialista, é o câncer de pele. A incidência se dá principalmente pela exposi- ção excessiva ao sol. “Mas este é um tipo de diagnóstico mais facilitado”, comenta. Polli tam- bém reforça que alguns tipos de câncer estão relacionados a determinados fatores. O câncer de colo do útero, por exemplo, é mais comum na região Nordeste do país porque lá as meninas ini- ciam a vida sexual mais cedo. Além disso, outros aspectos também colaboram para o surgi- mento da enfermidade. Nódulos na mama, no intestino grosso e as leucemias (mais comum em jovens) podem estar ligados a características genéticas. O diag- nóstico precoce continua sendo o aspecto decisivo para a cura da doença. “As pessoas não se dão conta aos sinais que o corpo envia”, reforça Polli. Conforme o oncologista, o câncer de mama é um exemplo claro da evolução e importância do diagnóstico. Antes era solicitado que as mulheres realizassem o au- toexame, a fim de localizar possíveis nódulos. Hoje em dia, a mamografia consegue detectar as anomalias nos teci- dos mamários antes mesmo de estes serem palpáveis. O diálogo entre médico e pa- ciente é outro ponto importan- tíssimo para o sucesso no tra- tamento. De acordo com Polli, após a confirmação do diagnós- tico, o médico expõe as possibi- lidades de cura e a eficiência de cada uma delas. A escolha fica a critério e responsabilidade do paciente. No que depender dos profissionais da medicina, a ba- talha contra o câncer está pres- tes a ser vencida. A medicina aliada à esperança Júlio Conoradt foi o primeiro paciente a utilizar o acelerador linear em Joinville em janeiro deste ano TECNOLOGIA O acelerador linear diminui o tempo de exposição à radição em cada sessão. De 40 minutos passa para 12 MAYARA SILVA O médico oncologista Ricardo Polli reforça que o diagnóstico precoce é um aspecto positivo para o sucesso do tratamento Francine Ribeiro francinetaina@gmail.com
  • 7. 07Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Diagramação e edição de Edinei Knop Saúde Ela havia acabado de comple- tar 31 anos de idade. Possuía uma rotina intensa e estava prestes a se formar na faculdade. A consulto- ra de sistemas Flávia Fernandes não esperava que este fosse o mo- mento que seus dias mudariam de uma hora para a outra. O diagnóstico foi carcinoma mucinoso de grau IV. Em ou- tras palavras, um tumor embrio- nário, em um nível bastante alto, na mama direita. De acordo com Flávia, num primeiro momento, a sensação era de muito medo do que estava por vir, mas sua idade e os avanços proporcionados pela medicina lhe trouxeram ainda mais confiança para atravessar o momento. “Com muita fé, perse- verança e garra enfrentei tudo de cabeça erguida, com vontade de lutar e vencer”, recorda. Primeiro foi realizada uma ci- rurgia para a retirada do tumor. Em seguida, Flávia foi submeti- da a sessões de quimioterapia e radioterapia, que eram realizadas no mesmo período. Ao todo fo- ram dez meses de tratamento. Segundo ela, os efeitos co- laterais foram os já conhecidos: enjôos, vômitos, perda dos ca- belos e pêlos e imunidade bai- xa. O organismo ficou mais suscetível a vírus e bactérias, deixando o paciente mais vul- nerável a gripes e infecções. Na época, Flávia perdeu 12 qui- los. “Não tinha apetite pra me alimentar e só queria comer e beber coisas geladas”, afirma. Como sequela do tratamento quimioterápico, a consultora desenvolveu uma rinite crônica e ainda não conseguiu um tra- tamento que a curasse ou ame- nizasse o problema. “Mas perto de ter vencido um câncer, isso é o de menos”, comemora. Mesmo morando sozinha, a jovem sentiu a presença e o apoio dos familiares e amigos. Este foi um ponto importante para que continuasse sua luta. O apego na fé também foi fun- damental para que Flávia tivesse força para prosse- guir com o trata- mento. Segundo ela, os parentes lhe telefonavam, con- vidavam para sair e visitavam, fazendo com que ela nunca se sentisse só. Flávia recorda que após uma das sessões de quimioterapia, ela se sentiu muito mal e não teve for- çar para telefonar para sua mãe e avisá-la. Neste dia, seu cachorro foi quem lhe ajudou. “Ele correu pro quintal e começou a latir até que uma vizinha foi me chamar pra saber se estava tudo bem. Ele foi meu herói naquele dia”. Conforme Flávia, sua mãe veio em seguida para lhe auxiliar. As aflições de um tratamento complicado passaram a ser di- vididas com pessoas de todo o país. Em 2004, através de uma rede social, ela decidiu criar uma comunidade. “Eu fiz/faço qui- mioterapia” foi um dos primeiros canais que possibilitaram a troca de experiências e impressões so- bre o dia a dia da doença. Através do meio, Flávia criou importantes laços de amizade. Essas relações são conservadas até hoje. Ela fez visitas surpre- sas em hospitais, foi em festas de aniversário, viajou pra encontrar esses amigos e viu nascimentos de crianças que são filhos de pais curados de câncer. “Fui até ma- drinha de casamento de um casal que se conheceu na minha co- munidade”, conta. Após a experiência – que se- gundo Flávia deve sempre ser encarada como difícil, mas com hora pra acabar – ela se mostra ain- da mais otimista diante à vida. Em seu site www. vidasemcancer. com.br, a con- sultora dá espaço à informações esclarecedoras para quem está enfrentando a doença. É man- tida também a sessão “Casos de Sucesso”, em que pessoas que venceram o câncer contam um pouco de sua história e como su- peraram a enfermidade. “Desde criança eu sempre ouvia minha mãe dizer que se ela perdesse algum filho, ela morre- ria também”, afirma. De acor- do com ela, a forte ligação que sempre teve com os irmãos e a família fez com que a vontade de vencer fosse ainda maior. Conforme Flávia, uma fra- se – dita por sua vó quando ela ainda era criança – nunca saiu de sua cabeça e lhe acompanha du- rante toda sua vida: Deus nunca nos dá um fardo mais pesado do que podemos carregar. “Todas as vezes que me senti sem for- ças, repetia essa frase e dizia que Deus havia me mandado o peso exato. Não queria decepcioná-lo, pois Ele acreditou em mim”. Internetaproximapacientese auxiliaesclarecimentodedúvidas São apenas 144 caracteres. Mas que podem melhorar, e muito, a saúde dos pacientes on- cológicos de todo o Brasil. São mensagens de apoio e motivação que estão mudando a rotina de quem está em tratamento em di- versos pontos do país. Trata-se do projeto Doe Palavras, ideali- zado pela assessoria de impren- sa do Instituto Mário Penna, de Belo Horizonte, e a agência de comunicação RC. De acordo com Sergio Pra- tes, assessor de imprensa do instituto responsável pelo proje- to, a intenção era elaborar uma forma de aproximar o paciente das pessoas. “Foi idealizado esse sistema inédito que, através de mensagens e palavras de força, aproxima pessoas de qualquer lugar aos pacientes dos hospitais e lares”, explica. Engana-se quem acha que apenas os hospitais das Minas Gerais podem contar com esse projeto. Conforme Prates, o site www.doepalavras.com.br, o com- plexo e o sistema são disponibi- lizados sem nenhum custo pelo instituto para hospitais e clínicas de oncologia do Brasil e de qual- quer outro país. Basta apenas obter a permissão e dados para instalação através do e-mail hos- pitais@doepalavras.com.br. Ao acessar o site, pode-se conferir a transmissão ininter- rupta das mensagens, que po- dem ser enviadas também atra- vés do micro blog Twitter pela utilização da hashtag (palavras chaves utilizadas no micro blog) #doepalavras. Em 137 países, o conteúdo pode ser acessado não somente em português, como também em espanhol e inglês, o que possibilita um alto número de participação internacional. “O Doe Palavras conquis- tou adeptos de países diferentes, como Bósnia, Cambodja, Congo, Irã, Lituânia, Paquistão, Taiwan e os territórios Palestinos. Do ex- terior, a campanha tem recebido maior número de mensagens dos Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Inglaterra, Espanha, França, Japão, Itália, Canadá e Argentina”, expõe Prates. No dia 8 de abril, o projeto completou um ano de existência. Para comemorar o sucesso, foi lançado um livro com mais de 500 mensagens selecionadas. Dentre elas, a de um notório paciente, que lutou bravamente contra a doença. Trata-se de José Alencar Gomes da Silva, ex-vice-presiden- te do Brasil (morto em 29 de mar- ço deste ano) que dizia: “Deve- mos sempre ter fé e confiança. Fé em Deus, confiança nos médicos. Esse é o caminho para alcançar- mos o nosso objetivo”. A iniciativa, premiada em eventos como Yahoo Big Idea Chair 2010, foi selecionada pelo 90° Festival Art Directors Club de New York como a melhor ação de co- municação na categoria Internet e ficou como shortlist do Festival Internacional de Cannes. Os resultados ultrapassam as estatísticas comprovadas no que diz respeito à participação do público e aos prêmios dos quais concorreu. O Doe Pala- vras traz um importante e sig- nificativo reflexo aos pacientes e familiares. “Mesmo sem ter sido realizada nenhuma pesqui- sa científica depois da iniciativa, foi comprovada notável melhora no processo de cura de grande parte dos pacientes dos hospitais e lares do Instituto”, comemora Prates. Até o mês de abril (quan- do o projeto completou um ano de existência) moradores da ci- dade de Joinville haviam enviado 10.177 mensagens de motivação aos pacientes. Palavras que curam Criação de uma comunidade em site de relacionamentos trouxe grandes amizades para Flávia AMIZADE REPRODUÇÃO O site www.vidasemcancer.com.br foi criado por Flávia com o objetivo de esclarecer dúvidas e trocar experiências sobre o tratamento Em144caracteresépossíveltransmitirumamensagemdemotivaçãoapacientesdetodopaís REPRODUÇÃO
  • 8. 08 Diagramação e edição de Aline Seitenfus Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Especial Rudi,suaesposaDanielleeseufilhoLucas. O atualpastorusoudiversostiposdedrogasdurantesuajuventudeehojeajudaoutrosviciados É com grande senso de hu- mor que Rudi Sano começa a maioria dos seus sermões. Formado em Teologia e His- tória, pastor da Comunidade Batista Vida Nova, em Guara- mirim, coordenador da ONG Cristo’s Cross e do Espaço Vida, vice presidente do con- selho municipal da juventude de Jaraguá do Sul e colunista da Revista Blessing, com 34 anos, é atualmente referência para centenas de jovens. Mas nem sempre foi assim. Rudi e seus quatro irmãos nasceram em uma família de classe média. O pai engenhei- ro e a mãe professora universi- tária. Mesmo tendo uma famí- lia esclarecida, com 11 anos, o adolescente quis experimen- tar algo diferente. Em um determinado dia, acordou e decidiu que iria descobrir o prazer que as drogas pode- riam proporcionar. Fumou maconha. “Comecei com a maconha, tempos depois ex- perimentei a cocaína, tudo sozinho. Depois, um amigo meu me ensinou a injetar ao invés de aspirar. Após isso entrei fundo nas drogas”, re- lembra o pastor. Com o tempo, Rudi foi para uma droga ainda mais forte, o crack, que na verda- de nem era muito conhecido no Brasil na época, mas um amigo foi para Nova York, aprendeu a receita, e faziam em casa para consumirem. O atual pastor começou a se tornar popular no meio dos usuários, e passou a in- termediar a venda de drogas para universitários e estudan- tes de cursinhos pré-vestibu- lar. Chegou a ser investigado e seguido várias vezes pela polícia, mas nunca foi pego em flagrante. “Me lembro de uma festa que organizei para dois mil universitários, onde cheguei a ser preso e saí alge- mado, mas a polícia não pode me segurar por falta de pro- vas”, conta Rudi. O pastor lembra que ficou treze anos no vício e comenta sobre as pessoas que ficam a vida inteira, mesmo sabendo do mal oferecido a ponto de excluir o viciado da sociedade. Ele afirma que quem decide por essa vida acaba se distan- ciando da família, de esposa, filhos, ou seja, é uma escolha pelas drogas. Apesar de utilizar esses entorpecentes, Rudi continua- va trabalhando e estudando “com algumas limita- ções”, diz, mas, tentava levar a vida normal. Os pais desconfia- ram que havia algo errado e não sabiam lidar com o problema. Segundo o pastor, existem dois tipos de pais: os que não querem enxer- gar e os que não sabem como lidar com a situação. No caso de Rudi, chegou uma fase em que ele não conseguiu mais conciliar a vida normal com o uso de drogas. Passou a mo- rar na rua, perdeu o emprego e a família, mudou de cidade, e não queria ter contato com ninguém que conhecia. Quando viu que não ha- via mais solução e já estava no fundo do poço, procurou ajuda do pai. Foi quando ele internou em uma clínica e fez nove meses de tratamento. “Pra família é sempre um choque, porque a gente não consegue entender os moti- vos que levam o jovem a pro- curar isso. O viciado só con- segue ver o lado do prazer, a família é quem fica com o lado ruim”, afirma. Até hoje, o pastor comen- ta que sofre consequências da época em que usava drogas, al- gumas são físicas e há também questões psicológicas ainda o incomodam. “O jovem expe- rimenta um negócio que vai destruir a vida dele, mas ele só está vendo a questão do prazer.” Rudi afirma que se a pessoa quiser largar o vício tem que tomar uma decisão e se posicionar, apesar carregar isso pro resto da vida. “Não pense que hoje quando eu es- tou saturado de coisas, estou de saco cheio de tudo, na mi- nha cabeça não passa: “ahh, vamos dar um rolê, fumar al- guma coisa... isso acontece”. Para ele é uma luta diária. O “ex-viciado tem que saber li- dar com as crises, tem que su- blimar isso”, desabafa o pas- tor. Ele compara com o “só por hoje” dos narcóticos anônimos, é necessário viver um dia de cada vez. Quando questionado sobre a fase em que decidiu largar as drogas, o pastor comenta que não há solução se o viciado não alme- jar isso realmente: “se ele não quiser, vai passar o resto da vida entrando e saindo de ca- sas de recuperação, pode ter o melhor apoio terapêutico que for”, diz Rudi. Em suas pa- lestras, Rudi pro- cura aliar o sério com o engraçado para que possa atrair a atenção de todos e trans- formar vidas. Em um culto de jovens, sábado a noite em Jaraguá do Sul, Rudi iniciou o sermão com a seguinte brincadeira: “John Lenon foi assassinado por um grande fã. Até hoje eu não sei por que nenhum fã do Luan Santana e do Justin Bie- ber se manifestou para fazer o mesmo. A minha maior tris- teza foi quando o meu filho de 3 anos – com o cabelão Black Power – apareceu com um cachinho caído na testa falando que era a franja do Justin Bieber. Eu creio que no céu haverá um rio de Co- ca-cola e tocará rock durante todo o tempo.” Nesse mesmo culto em que iniciou falando acerca de Justin Bieber e Luan Santana, o pastor ensinou os jovens sobre a importância do cará- ter honesto e sobre o amor de Deus, que não vê aparên- cia, como nós, seres humanos geralmente fazemos, mas vê coração. Muitos jovens foram impactados naquela noite. Depois que largou as dro- gas, há 10 anos, Rudi casou e atualmente tem um filho de 3 anos. Prega para jovens, e adultos e sempre conta um pouco de sua história du- rante os sermões. Com isso ele pretende ajudar a quem necessita sair desse mundo das dorgas. Neyfi Müller neyfimuller@gmail.com Um vício que destrói muitos lares no Brasil. Para largar é necessário força de vontade DROGAS Como um jovem encontrou em Deus a saída para a dependência química e hoje lidera uma rede que auxília jovens usuários de drogas A história do ex-traficante que se tornou pastor SUPERAÇÃO ARQUIVO PESSOAL
  • 9. Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Serviços prestados pela Cristo´s Cross Diagramação e edição de Aline Seitenfus Especial 09 Há quatro anos, iniciou a ONG Cristo’s Cross. “Surgiu da experiência, assim como eu fui ajudado um dia por uma instituição - passei por uma clinica – quis ajudar também”, comenta o pastor Rudi. Ele co- menta que não são apenas pes- soas carentes que aparecem pe- dindo ajuda: “Hoje temos aqui gente que vem precisando de auxílio e acompanhamento que são filhos de senador, políticos, empresários, gente que mora na favela, então não existe um nível social pra drogas”. A Cristo’s Cross atualmen- te oferece diversas oficinas que acontecem regularmente du- rante a semana e contam com a presença de 20 a 30 jovens todas as noites. Os cursos oferecidos envolvem dança, capoeira, hip- hop, pintura, e acontecem inter- caladamente todas as noites de segun- da a sábado. Exis- tem também cur- sos que acontecem esporádicamente ou somente quan- do financiado por alguma pessoa ou entidade. A última oficina ministra- da sobre pintura e grafite, por exemplo, foi financiada pelo governo do Estado e durante dois meses os alunos foram até o Espaço Vida – nome dado a sede da ONG - e aprenderam noções básicas de cores, pro- fundidade, tinta, pincel, stencil, spray, entre outros. RudicomentaquevênaONG um lugar onde os que necessitam de de auxilio são encaminhados para clínicas de recuperação para um tratamento mais intenso e os demais. Utilizam o Espaço Vida para desenvolver suas ha- bilidades, conhecer mais acerca de si mesmo, descansar, relaxar e aprender coisas diferentes. “Te- mos esse espaço para mostrar para o jovem que há condições de melhorar a vida. Aliamos tudo isso a espiritualidade, nossa filo- sofia inclui Deus nesse processo, porque entendemos que o ser humano foi criado por Deus e tem necessidade de preencher esse canal de comunicação. En- tão, é pra isso hoje que existe o espaço também.” O pastor comenta a impor- tância de aliar esses dois pontos, pois no processo dele de saída das drogas. A aproximação com Deus ajudou bastante: “Eu creio que você tem que saber lidar com as crises, com os problemas. Através da minha experiência e dos casos que vemos na Cristo’s Cross, temos observado que essa busca por Deus é fundamental. Cremos que como seres criados por Deus, Ele não pode ficar fora da nossa vida, tem que estar presente na nossa rotina e temos que fazer parte do projeto que Deus criou para o homem no geral, como humanidade.” Essa visão da parte espiritual do indivíduo é tida como funda- mental na organi- zação. Segundo os responsáveis pela ONG, é visível a evolução quando há comparação entre quem passa por um tratamento ou tenta mudar de vida somente com motivação pes- soal e social, e aqueles que tem aliado isso a busca de Deus, fé, a oração e bíblia. Os resultados que a Cristo’s Cross tem gerado são muito satisfatórios. Rudi tem visto muitos casos em que a pes- soa saiu de um contexto de risco social, que pode ser a violência doméstica, vícios, alcoolismo e mudou de vida. A acadêmica de Adminis- tração Alessandra Gonçalves Lopes fez uma pesquisa com os freqüentadores do Espaço Vida. A cada 50 integrantes, ela entrevistou dez. O resultado foi bastante significativo e concluiu- se que a ONG cumpre seu papel social. Os frequentadores atendi- dos sentem necessidade de estar em comunhão com os colegas em um mesmo propósito, e o percentual de entrevistados que consideram a ONG um segundo lar foi de 55%. Já 33% disseram que o Espaço é a forma que eles têm para mudar de vida. A ONG tem um grande significado para os jovens que não preisam mais ficar nas ruas. “Alguns ainda tem hábi- tos como fumar, beber, e eles fazem isso do portão pra fora, mas quando eles vem pra cá, participam das oficinas”. Denis Paulo Barbi de, 29 anos, nasceu em Jaraguá do Sul e está na ONG há dois anos. Aos seis, seus pais se separa- ram e algum tempo depois ele foi morar em Curitiba com o pai. Foi na capital do Paraná que Denis conheceu as drogas. Cheirou cola, fumou maconha, foi para a cocaína e finalmente, o crack. Quando tinha 21 anos, sofreu um “pane” no sistema nervoso por causa da grande quantidade de drogas que usa- va e foi internado. Depois que recebeu alta do hospital, foi di- reto para a clínica de recupera- ção, onde ficou três meses. “Dentro da clínica, surgiu o grupo de hip-hop Palavra Sagrada, formado por quatro integrantes. Eu, Deus, Jesus e o Espírito Santo”, conta De- nis. Nesse período, ele compôs canções e saiu decidido a mu- dar de vida. Passou por diver- sos médicos, como psiquiatras, psicólogos e cardiologistas. Até hoje, Denis conta que so- fre com problemas de saúde devido ao uso de drogas. Quando saiu da clinica, co- meçou a freqüentar os cultos da Igreja Batista, e conta que sofreu muito preconceito devi- do as roupas e bonés que usava dentro da igreja, mas não desis- tiu de ir, e foi em um dos cultos que conheceu sua esposa, Da- niela Spezia Barbi. Atualmente,Denis é co- ordenador institucional da Cristo’s Cross e realiza ofici- nas de grafite. Oficinas fazem parte do processo de reabilitação Denis é coordenador da ONG e ensina grafite aos frequentadores do EspaçoVida Grupo de jovens que participa dos projetos de ação social e das oficinas oferecidas pela ONG Cristo´s Cross de Jaraguá do Sul A ONG Cristo´s Cross é a relaização de um sonho e a esperança para muitos jovens viciados SATISFAÇÃO 1º - Home Repairs ou Pe- quenos reparos – Forma-se uma equipe que contém en- genheiros, arquitetos, pedrei- ros, e esse grupo vai na casa de pessoas que tem peque- nos reparos para fazer. 2º Home Care – Esse pro- grama oferece assistência para pessoas em situação pós-cirúrgica, que neces- sitam de curativos, medi- camentos, injeções, e a fa- mília não sabe como agir. 3º Home Work – Este é o projeto de reforço escolar. Forma-se um grupo de crianças que receberão acompanha- mento. ARQUIVO PESSOAL ARQUIVO PESSOAL
  • 10. 10 Especial Diagramação e edição de Aline Seitenfus Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA O Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) de Joinville, atra- vés do 190, nunca recebeu denúncias de ocor- rências relacionadas à discrimina- ção étnica, à intolerância religiosa e demais formas de preconceito. “Se há casos, eles não chegaram ao nosso conhecimento”, diz An- derson de Souza, soldado do setor de estatísticas do Copom. A que estaria atribuído o resultado nulo? O tenente coronel da Polícia Mi- litar Edivar Bedin acredita que se houvesse crimes religiosos na ci- dade, a população denunciaria. E mesmo que não o fizesse, a mídia tomaria conta de lar luz aos fatos. Em sua avaliação, “o joinvilense está acostumado a respeitar a mis- cigenação de culturas e a diversi- dade étnica”. A antropóloga Sonia Regina Lourenço não compartilha da opinião: “Joinville é uma cidade dissimulada. Há discriminação, mas de maneira velada”. O fato de ninguém ter criticado (pelo menos não publicamente) a Se- mana da Consciência Negra é, para ela, um indicativo disso. É a tática do silêncio. Sonia conta que um integrante da comissão antiga do museu foi contra a exposição “Comunidades Negras de Santa Catarina: Invernada dos Negros, Sertão de Valongo e São Roque”, por negar a importância dos ne- gros na história do município. Descendente de negros e ín- dios, a antropóloga é seguidora do candomblé, nação Jeje Nagô. Em 1999, foi acompanhar uma amiga num terreiro, em Curitiba, e gostou. Desde então, carrega no pescoço suas guias de pro- teção (fios de conta), sem medo de mostrá-las. “É alto o índice de setores sociais que negam a vio- lência, mas ela é real. Existe um imaginário de que o Brasil é um país cordial, em função da grande miscigenação étnica. Mas, há uma demanda de pessoas que sofrem preconceito”, reflete Sonia. O Es- tatuto da Igualdade Racial foi cria- do em 2010, com o propósito de combater a violação dos direitos humanos à liberdade. Sobre as novas diretrizes, o ministro-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualda- de Racial (SEPPIR), Eloi Ferrei- ra de Araujo, falou no programa de rádio Bom dia, Ministro, do governo federal: “O Estatuto in- troduz no meio jurídico brasileiro as possibilidades para a promoção da igualdade racial no mundo do trabalho, no mundo do empreen- dimento, no mundo das comuni- cações e da utilização dos meios de comunicação, para a juventu- de, para a população negra como um todo”. No ano anterior, Joinvil- le criou o Comitê Gestor de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (CGPPIR) e assi- nou um termo de adesão ao Fórum Intergovernamen- tal de Promoção da Igualdade Ra- cial (FIPIR), passando a integrar as ações de políticas públicas da SEPPIR. Na visão da antropóloga So- nia, integrante do CGPPIR, es- ses órgãos e associações foram criados porque a intolerância existe. Ela cita a pesquisadora Li- lia Moritz Schwarcz ao dizer que “91% dos brasileiros dizem não ser racistas, mas conhecem um vizinho que é”. Como se a ideia do politicamente correto inibisse as pessoas de manifestarem seus preconceitos, embora continuem ali. Para Sonia, esse tipo de into- lerância não precisa de relato na delegacia para provar a existência, basta observar. “O preconceito se dá nos olhares, quando as guias aparecem. Pessoas me olham atravessado quando estou de rou- pa branca e ojá (pano branco) na cabeça. Já me perguntaram se era macumbeira da magia negra”, conta a seguidora do candomblé. A Yalorixá (mãe de santo) da Casa da Vó Joaqui- na, Jacila de Souza Barbosa, acredita que é feita uma idea- lização sobre as reli- giões afrobrasileiras, com o objetivo de coibir a prática. “O catolicismo passa a ideia de que nós cul- tuamos o diabo. Assim, dissemi- na o medo que, aliado à falta de informação, gera o preconceito”, explica. Sua vida religiosa come- çou aos sete anos de idade. Hoje, com 58 anos, a carioca diz ter nas- cido na umbanda e estar acostu- mada a com os rótulos. Quando chegou a Joinville, em 1990, sentiu rejeição das pes- soas. Vestida com roupas brancas, como usavam as escravas, saía às ruas e não havia quem não voltas- se o olhar com estranhamento e desaprovação. Certa vez, uma se- nhoraaparouequestionou:“Você não é daqui, é? Por que anda as- sim, é baiana?”. “Não, sou do Rio de Janeiro e sou mãe de santo”, respondeu Jacila. Constrangida, a mulher se afastou. Mas, a um- bandista e também seguidora do candomblé observa que a reação é melhor hoje em dia. A aceitação vem sendo construída ao longo dos anos. Em novembro de 2009, Jacila apresentou um abaixo-assinado à Câmara de Vereadores, reivin- dicando a utilização de espaços públicos para todas as religiões. “Se os católicos e os evangélicos podem professar sua fé em vias públicas, por que nós não pode- mos?”, argumenta. O manifesto foi entregue junto com a Yalorixá Yagunã Dalzira Maria Aparecida que, com 77 anos, viajou de Curi- tiba a Joinville para defender a li- berdade religiosa. O documento reclama o direito ao uso de praças, rios e quedas para a expressão de cultos afrobrasileiros. Há vários relatos de filhos de santo, como são chamados os seguidores da umbanda e do candomblé, que foram barrados lugares públicos, enquanto cultuavam sua fé. A re- sistência em aceitar a diversidade de crenças e doutrinas pode não ser declarada, mas aparece na ati- tude das pessoas. Se a discriminação religiosa é negada por quem a pratica, tam- bém o é por quem a sofre. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000 mostrou que 0,3% dos brasileiros (525 mil pessoas) eram praticantes de religiões de origem africana, como candomblé, um- banda, omolocô, tambor de mina, batuque, entre outras. O percen- tual não condiz com a realidade, segundo avaliação do Coletivo de Entidades Negras (CEN). Fes- tejos e caminhadas pelos orixás, somente no Rio de Janeiro e em Salvador, costumam reunir um número muito maior de simpa- tizantes. A organização lançou a campanha No censo 2010 afir- me sua identidade religiosa, afi- nal, quem é de axé diz que é!, por notar que o povo de santo tem medo de assumir sua crença. Medo de sofrer perseguição. Esse seria o principal motivo para o Copom de Joinville nunca ter registrado casos de discrimi- nação religiosa, na impressão de Sonia. A antropóloga conclui que as pessoas sentem a intolerância e, por isso, negam sua religião. Para alguém denunciar um crime, pre- cisaria primeiro declarar pertencer à determinada doutrina, justa- mente, o alvo do ato criminoso. Assim, o silêncio se mostra uma via de mão dupla. Máscara para uns, e escudo para outros. LuísaDesiderá luludesidera@gmail.com Diferenças culturais e religiosas ainda são vistas com desconfiança por cidadãos joinvilenses Aindiferençaqueamparaopreconceito DIVERSIDADE RELIGIOSA ANA PAULA DA SILVA Em Joinville foram criados órgãos que garantem os direitos a toda população negra da cidade DISCRIMINAÇÃO O Candomblé e a Umbanda utilizam imagens de santos. Muitas vezes isso é motivo de discriminação e preconceito por parte de quem desconhece a crença e prática de seus seguidores
  • 11. Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA 11Especial Diagramação e edição de Aline Seitenfus Os escravos eram proibidos de adorar seus santos africanos. O cristianismo lhes era impos- to. Para consagrar sua fé sem que ninguém percebesse, os ne- gros elegeram um santo católi- co para representar cada orixá. Assim, ao olhar para a imagem de Jesus Cristo, os escravos, na verdade, adoravam Oxalá. O sincretismo foi a artimanha responsável pela preservação da doutrina religiosa afro. Segundo a mitologia africana, os orixás foram semideuses que viveram na terra. Eles deixaram descendentes que, ao longo dos séculos, se tornaram o seu povo (e passaram a associá-los às forças da natureza). Por isso, o “povo de santo” é como uma família – tem o pai, os filhos e os irmãos. Cada tribo africana é uma nação, a na- ção de um orixá que são milhares, na África. Mas, no Brasil são 16 os principais. O sincretismo varia de região para região. Xangô é o rei das pedreiras e da justiça é associado a São Pedro. Oxum é a mãe das águas doces, é a fecundidade repre- sentada na imagem de Nossa Senhora Aparecida. Oxossi é o rei da mata, da prosperida- de, cultuado na figura de São Sebastião. Omolu é o médico dos negros, o curandeiro é São Lázaro. Obá é a guerreira do fogo, da feminilidade, é San- ta Catarina. Oxalá é o filho de Zambi, criador de todos os ori- xás na terra, é a salvação, é Je- sus Cristo. Oxaguiã é Oxalá quando criança, é o início, o menino Jesus. Iemanjá é a rainha das águas salgadas, a mãe de to- dos os santos, é Nossa Senho- ra. Nanã é a Iemanjá velha, as águas profundas, a proteção, é a Nossa Senhora Santana. Logum é o filho de Oxossi e Oxum, é caçador, também representado por São Sebastião. Ossãi é a rai- nha das ervas, a cura, é São Be- nedito. Oxumarê é o arco-íris, faz o transporte da água entre o céu e a terra, é São Bartolomeu. Iansã é a mãe dos raios e dos ventos, a renovação, é Santa Bárbara. Erê é o santo mirim, as crianças, é São Cosme e São Damião. Ogum é o guerreiro das demandas, a força, repre- sentado por São Jorge. E Exu é o mensageiro, a comunicação entre os homens e os orixás, foi associado, pelo cristianismo, à figura do diabo. O caboclo é considerado o rei das terras brasileiras. Não tem origem africana, mas é cul- tuado como o orixá do Brasil. Representa a força, a coragem e a sabedoria da natureza. As religiões afrobrasileiras não seguem nenhum livro, como a Bíblia e o Alcorão, a doutri- na é passada de pai para filho oralmente. A ancestralidade é o fundamento da fé. Sincretismo: Orixás disfarçados de santos devido o preconceito Religião em números O documento Cidade em dados 2010, do Instituto de Pesqui- sa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Ippuj), divulgou dados levantados pelo Censo Domiciliar 2002-2003, do SEBRAE de Santa Catarina. Uma tabela mostra a distribuição da população por crença religiosa: Porcentagem Religiões Templos 72,60% Católicos 198 19,10% Evangélicos 304 3,80% Protestantes 36 0,60% Espíritas 9 0,10% Budistas e islâmicos 0 1,90% Outra 38 1,80% Não tem religião - 0,10% Umbanda Não informado 0 Judeu - O historiador Gerson Macha- do, educador do Museu Arqueo- lógico de Sambaqui, produz uma tese sobre as trajetórias e as iden- tidades religiosas locais. Douto- rando pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o pes- quisador tenta levantar o número de terreiros e fieis em Joinville. Pautado em entrevistas e depoi- mentos, o historiador acredita que sejam mais de 200 casas de umbanda e candomblé. A tarefa é complicada, pois as pessoas não querem se iden- tificar. Ele elaborou formulários para montar um cadastro das casas de santo e deixou nas três lojas de artigos religiosos afro- brasileiros da cidade. Em dois meses, de 90 formulários, apenas um foi respondido. Gerson conta sobre um caso de violência e discriminação con- tra um terreiro, em 2005, no bair- ro Adhemar Garcia. Um dia antes de o proprietário inaugurar o tem- plo, vizinhos chamaram a polícia porque um morador ameaçava perturbar a ordem na comunida- de. Os policiais invadiram o lugar e levaram o proprietário para a delegacia. O homem passava por um ritual de iniciação que o torna- ria pai de santo. A fim de combater a falta de conhecimento, principal causa do preconceito, o Congresso Na- cional aprovou a Lei Nº 10.639, em 2003, que torna obrigatório o aprendizado sobre a África em todas as escolas do ensino funda- mental e médio do país. O Plano Nacional de Implantação das Di- retrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afrobrasi- leira e Africana estabelece metas e estratégias para que a determi- nação seja cumprida. Entre elas, estão a elaboração de material didático, a sensibilização dos gestores da educação e a forma- ção dos professores. Eliton Felipe de Souza (26) participou do primeiro curso, oferecido na região, sobre Histó- ria e Cultura Africana, em 2009, quando lecionava para alunos de sexto ao nono ano do ensino es- tadual. O professor confessa que os encontros foram essenciais para preencher uma lacuna de sua própria educação. Estudiosos de todo o país (USP, UFSC, UFPR, UFRJ) palestraram sobre geogra- fia, política, sociedade e outros aspectos da África, em uma casa de candomblé, em Araquari, a 25 quilômetros de Joinville. O Babalorixá Kelauê Tata de Inkisse foi o pai de santo anfitrião do curso. Arildo da Silva recebeu, aproximadamente, 60 docentes, durante um mês, em seu terreiro. Na sua avaliação, o resultado foi positivo. Diferente da experiência que viveu quando abriu as portas para uma turma de estudantes de uma escola municipal. O sacerdo- te conta que os professores orien- taram as crianças a pedir a auto- rização dos pais para participar. Algumas, porém, desobedeceram e foram sem o conhecimento da família. Durante o encontro, um grupo de pais ocupou a entrada do lugar e criou uma confusão. Fizeram ofensas e questionaram as intenções de Arildo. Mas, o que chamou mesmo a atenção dele foi ouvir os alunos justificarem: “Eu quis vir por curiosidade, mas aqui não tem diabo, não”. O pai de santo lamenta o epi- sódio e enfatiza que a maior parte daquelas pessoas não se considera preconceituosa. O mau julgamen- to feito sobre as religiões afrobra- sileiras é uma herança histórica, está enraizado na formação do indivíduo, dentro do próprio lar. Políticas públicas de repressão à intolerância são importantes. Mas, a discriminação não é apenas um caso de polícia, é uma guerra ide- ológica. Deve ser combatida com informação e conhecimento. Aril- do acha graça quando alguém per- gunta se ele é macumbeiro. Com bom humor, informa: “A ma- cumba é um instrumento musical africano, feito de madeira oca. O macumbeiro é quem toca o ins- trumento”. Governocrialeiquetornaobrigatórioensinosobre África OBabalorixáKelauêTatadeInkissefoianfitirãodecursosobreHistóriaeCulturaAfricana. Oencontroreuniucercade60docentesdetodopaís
  • 12. 12 Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Ecolo Diagramação e edição Ecolo Diagramação e edição BOA VISTA III Possui Cessão Ano: 1993 Urbanização a ser aprovada 663 famílias beneficiadas Áreatotaldacessão:822.358,42m² As famílias já têm Contratos com Secretaria de Habitação ESPINHEIROS I, II, III e IV Possuem Cessão Ano: 1991 Urbanizações I, II e III aprovadas. Urbanização IV em processo de aprovação. 1419 famílias beneficiadas Área total da cessão: 1.152.982,68 m² JARDIM IRIRIÚ Possui Cessão Ano: 1993 Urbanização aprovada 373 famílias beneficiadas Áreatotaldacessão:352.309,43m² RIOCACHOEIRA Foi solicitada a Cessão 34 famílias beneficiadas Área total da cessão: 18.900,23 m² ESPINHEIROS V Possui Cessão Ano: 1994 Aproximadamente 180 famílias beneficiadas Área total da Cessão Espinheiros II: 180.132,42 m² Maisde3,9milfamíliasmoramemáreas abitaç um pr OCUPAÇÃO DE SO N a cida- de com a maior po- pulação de Santa Ca- tarina, os subúrbios superlotados e a má administração de terras estão presentes, assim como em to- das as grandes cidades do país. O intenso desenvolvimento econômico de Joinville exige uma demanda de trabalhadores e indústrias que não comporta mais fisicamente. De 1937 a 2004, a cidade expandiu até os limites, saturando terrenos lo- tados da zona Sul e ocupando áreas impróprias. Isto revela as irregularidades existentes e consequentemente a desi- gualdade social no município, ao modelar o centro comer- cial rodeado de bairros sobre terrenos sem re- gulamentação. O estudo “A questão da moradia em Joinville”, da Universidade Fe- deral do Paraná, mostra que nos anos 90 a zona Leste al- cançou os mangues e o Norte foi preenchido pelo Distrito Industrial. Segundo o autor da pesquisa, Hernandez Vivan Eichenberger, “o esgotamento do perímetro urbano passou a dificultar e a renda da terra que, por sua vez, gerou a mo- nopolização da terra através de investimentos do capital indus- trial”. Até há espaços, mas não é possível ocupá-los. O mu- nicípio tem mais de 1.100km² de área total, destes, apenas 400km² são considerados ter- ritório urbano, o restante soma a região rural. Mas não é possível urbani- zar, pois a Prefeitura criou me- canismos ao longo dos anos que proíbem o crescimento para estas regiões. “O grande problema da regularização fun- diária, é que tem ligação direta com a terra. Terra, no Brasil, sempre foi muito concentra- da. Um arcabouço jurídico”, declarou o diretor executivo da Secretaria de Habitação de Joinville, José Teixeira Cha- ves. Além dos lotes públicos e privados irregulares, e da área rural – a situação mais pro- blemática, por exigir deman- das de energia, saneamento e infraestrutura diferenciada – ainda existem as terras da União, que pertencem à marinha. Em 2009, a Prefeitura criou a Comissão de Regularização Fundiária e as- sinou um termo de coopera- ção com a Superintendência do Patrimônio da União de Santa Catarina (SPU-SC). As- sim, quem precisa regularizar o lote não precisa ir até Flo- rianópolis, basta ir à Secretaria de Habitação. Com o acerto, foram estabelecidos critérios para priorizar a regulamenta- ção: interesse social, ação civil pública e maior número de fa- mílias. Antigamente o mora- dor que ganhava o direito da terra tinha de ir ao SPU pe- Desenvolvimento econômicoaceleradoe desordenadocontribuiu muitoparaocupação irregulardesolo EXPANSÃO imagens do google maps fornecidas pela prefeitura
  • 13. ogia o de Eduardo Schmitz ogia o de Eduardo Schmitz 13Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA RIO DO FERRO Possui Cessão Ano: 2004 Urbanização a ser Aprovada e Regularizada dentro do Projeto HBB (Habitar Brasil do BID) 17 famílias beneficiadas Áreatotaldacessão: 8.825,38 m² RIO GUAXANDUVA E IRIRIÚ MIRIM Foram solicitadas as Cessões Ano: 2009 Urbanizações a serem aprovadas 640 famílias beneficiadas Área total da cessão: 614.928,02 m² Investimentos de 14 milhões já garantidos pelo Município via FNHIS – Área de Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários RIO ITAUM MIRIM Foi solicitada a Cessão Ano: 1993 500 famílias beneficiadas Área total de: 468.517,78 m² Captado recursos junto ao Governo Federal para elaboração de Projeto de Regularização Fundiária VIGORELLI Foi solicitada a Cessão Ano: 1998 100 famílias beneficiadas Área total de: 79.817,00 m² Ação Civil Pública (IBAMA, SPU e PMJ) Projeto de requalificação da área ocupada propondo a permanência no mínimo das famílias residentes. sirregularesecompoucainfraestrutura çãoemJoinville: roblema social OLO gar a Certidão de Autorização para Transferência, depois a Certidão de Quitação da Se- cretaria de Habitação, para finalmente ter o registro do imóvel. A escritura pública, que dá a posse do lote, custa 10% do valor do imóvel. Agora a realidade é outra. A Prefeitura dá o primeiro passo, ao pedir a cessão da terra à União. Em seguida, a Secretaria de Habitação iden- tifica as famílias por lote e quadra. Tudo isso facilitando o processo burocrático. Em maio, o prefeito Carlito Merss assinou um ofício que solici- ta ao desembargador Solon d’Eça Neves, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, a isenção ou a redução de taxas e emolumen- tos das escrituras públicas de transferência de imóveis cedi- dos pela União. Já são cinco áreas cedidas à Prefeitura e três ainda aguardam cessão. No to- tal, 3.926 famílias moram em lotes irregulares. Destas, 1.792 já solicitaram a regularização e 2.134 ainda precisam regula- mentar os documentos. As famílias que moram nas áreas identificadas nos mapas destas páginas têm a chance de regularizarem os lotes porque estão ali há anos. Na época que compraram ou ocuparam as terras, não existia restrição ambiental. O loteamento Boa Vista III, por exemplo, exis- te desde 1954. Mesmo com a identificação das Áreas de Pre- servação Permanente (APP), não há possibilidade de retirar estas pessoas nem de mantê- las nestas condições. Histórico de Desigualdade Nota-se que o desenvolvi- mento de bairros como Vila Nova e Morro do Meio é muito tardio comparado aos da região Leste. “Famílias de migrantes foram instaladas às margens de todo o manguezal da cidade por uma questão de economia. Visando a não construção das infraestruturas viárias, colo- cou-se a população operária próxima ao local de trabalho”, declarou o cientista social e mestrando em urbanismo, Charles Henrique Voos. Com o crescimento populacional, as camadas mais pobres foram alocadas em regiões da cidade onde não havia a mínima in- fraestrutura necessária. Assim surgiram dificuldades em levar investimentos básicos, porque o custo era dobrado devido as grandes distâncias do centro. De acordo com o cientista social, a concentração acon- tece, em Joinville, principal- mente na zona rural da cidade. Na região urbana, a ocupação provoca outro fenômeno: os vazios urbanos. Terrenos que poderiam ser ocupados para adensar a cidade, não podem porque a iniciativa privada o retém, valorizando e vendendo somente após o máximo de in- fraestrutura instalada. “O capi- talismo tem que excluir alguns para a acumulação de outros. É a regra do jogo. E essas de- sigualdades se espacializam na cidade no cenário da ocupação urbana ocorrida por aqui ao longo dos anos”. Bárbara Elice bahfck@gmail.com
  • 14. 14 Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Ecologia Diagramação e edição de Eduardo Schmitz Literalmente marginalizado às indústrias, o pescador Rosinaldo Cartapasso tem a baía da Babiton- ga como quintal de casa e local de trabalho. O terreno, que a família comprou de uma imobiliária há 25 anos, fica na região menos urbani- zada, sem pavimentação, com es- goto e com luz clandestina. Visto como um representante das famí- lias de uma das áreas do Espinhei- ros, ele já fez os procedimentos para regularização há vinte dias e, agora, aguarda a liberação. Rosinaldo afirma que o maior problema é a energia elétrica. Ape- sardasnegociaçõescomoGerente Regional da Companhia de Eletri- cidade de Santa Catarina (Celesc), Eduardo Cesconeto de Souza, as fiações clandestinas sempre são desligadas. O pescador afirma que está há bastante tempo tentando regularizar o lote, mas a burocracia sempre travou o processo. “Nós não queremos nada de graça, nós queremos pagar, mas parece que eles não dão importância”. O assentamento no José Lou- reiroviveumarealidadeaindapior: não há previsão para regularizar os lotes. Por ser uma ocupação recente, é inviável a urbanização sobre áreas de preservação, como o mangue. Diferente das cessões antigas, como a do Boa Vista, es- tes lotes foram cedidos em 2004. “Quando a prefeitura adquiriu aquela área, não era mais mangue, mas fez o loteamento para 600 famílias”, afirmou o diretor da Se- cretaria de Habitação. Após a Lei do Loteamento, é preciso fazer pa- vimentação, drenagem, esgoto. A única a fazer esse loteamento sem toda a infraestrutura foi a prefei- tura. Chaves aponta nesta região, a prioridade para 40 famílias que moram em cima do Rio Velho, pois estão ali há mais tempo. Ele afirma compromisso de entrega dos apartamentos no Paranagua- mirim em 2012. Alongaesperapelaregularização O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) de Joinville é o mapeamento ambiental do município. O estudo, apresentado pelo agrônomo da Fundema Giampaolo Marchesini mostra o detalhamento das áreas de mangue localizadas à beira da Baia da Babitonga e segue até a floresta de montanha, na divisa com Campo Alegre. Alguns itens do ZZE como as áreas na região da serra e os corredores ecológicos, poderão ser incluídos na nova Lei de Ordenamento Territorial, em construção pelo executivo. A Fundema vai propor diminuição do crescimento urbano em Áreas de Preservação Ambiental (APA). O SIMGeo é um sistema para integrar todas as in- formações cartográficas de Joinville desde 1937 até hoje. O sistema é alimenta- do quase que diariamente por todas as secretarias que têm núcleos de geoproces- samento. Áreas de Preserva- ção Permanente, limites de área de marinha, plano viário, loteamento, regularização fundiária e licenciamento ambiental poderão ser con- sultadas pela comunidade. O secretário de Habitação de Joinville, Alsione Gomes de Oliveira Filho, assinou uma Portaria con- cedendo benefícios e as condições adequadas para estimular os beneficiários de lotes urbanizados nas áreas cedidas pela União a regularizarem a titulação de 4.936 lotes. Pela Portaria, quem deseja requerer à legalização do imóvel não poderá ser possuidor de outro imóvel ou ter sido atendido por outros programas habitacionais oferecidos pelo municí- pio, além de não ter débitos de qualquer natureza cadastrados no imóvel. O secretário adiantou que“a Portaria não se aplica ao caso das famílias que já for- malizaram transferência mediante Escritura Pública e Registro de Imóveis”. A Secretaria de Habitação solicitou a isenção ou a redu- ção de taxas e emolumentos nos procedimentos para ob- tenção das escrituras públicas de transferência dos imóveis cedidos pela União ao muni- cípio de Joinville. O ofício foi assinado no dia 30 de maio pelo prefeito Carlito Merss e pela Superintendência do Pa- trimônio da União de Santa Catarina (SPU/SC), represen- tada pela superindente Drª Isolde Espíndola. Benefíciosparalegalizaçãodelotesirregulares ZoneamentoEcológico Isençãodetaxas cartoráriasemJoinville Sistema de informações georreferenciadas Rosinaldo convive com a baia da Babitonga como vizinha. A construção onde guarda a lancha fica bem próxima à água Nós não queremos nada de graça, nós queremos pagar, mas parece que eles não dão importância “ ROSINALDO CARTAPASSO morador bárbara elice
  • 15. 15 Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala Cultura Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA D ia ensolarado, brisa de leve e movimento tranquilo nas vias que cru- zamaruaCo- ronel Francisco Gomes, no bairro Bucarein, em Joinville. Quase não há veículos, e há alguns pas- sos do antigo campo do Santos, já se escuta o ritmo contagiante do samba vindo de uma casa simples, localizada em uma das muitas ruas de barro sem saída. Da antiga Avenida Cubas, palco de muitas histórias de afrodescendentes da cidade, hoje restam poucos des- cendentes negros. A maioria dos moradores é “de origem”, como são popularmente chamados os brancos. Na Avenida Cubas vive- ram Butiaco, Tuca, Fioca e o eter- no músico Bera, alguns dos mais ilustres e inusitados personagens afrodescendentes de Joinville. A maioria deles, esquecidos na his- tória da cidade. Morando há 45 anos em Join- ville, Eugênio Miranda Corrêa, carinhosamente chamado de Butiaco, faz parte dessa história esquecida. Hoje com 60 anos, relembra os tempos em que veio para Joinville, transferido de um emprego em uma rádio de São Francisco do Sul. “Vim para cá aos 13 anos junto com a minha família. O dono da rádio onde eu trabalhava tinha uma emisso- ra em Joinville e me transferiu”, conta. Butiaco sempre trabalhou na parte técnica das rádios e tam- bém da televisão. Ele já passou pela rádio Colon, Difusora, Cul- tura e se aposentou na Câmara de Vereadores de Joinville. Foi nos meios de comunicação que Eu- gênio ficou conhecido pelo ape- lido de Butiaco. “Tinha um rapaz que jogava no time do Caxias e era muito parecido comigo. Aí o apelido pegou”. Butiaco pouco sabe sobre os antepassados. Quando ele era criança, ninguém falava sobre a escravidão. Seus avós paternos vieram da África e, provavelmen- te, foram utilizados como escra- vos na região de São Francisco do Sul e Joinville. Os antepassados maternos são originários da região do Vale do Itapocu, hoje municí- Os marinheiros batiam nas janelas das casas à procura de companhia feminina para passar a noite PASSADO Esquecidos na história da cidade, os negros buscam resgatar sua cultura em meio à germanização desde os tempos da escravidão Joinvillenegra:imersaem umpassadodepreconceito AFRODESCENDENTES pio de Araquari. Segundo docu- mentos do Arquivo Histórico de Joinville, a presença de escravos em atividades agrícolas da região era grande. Da Avenida Cubas, Butiaco só guarda boas lembranças. Ele mo- rou por mais de 30 anos no local e lembra que era conhecida como a região portuária de Joinville – por terminar no chamado portinho do Bucarein, hoje a Ponte do Tra- balhador. Cubas tinha aluguéis baixos e casas de prostituição. Essas condições aliadas à forte presença negra contribuíam para que a Avenida fosse mal vista pelo resto da cidade. Uma das parti- cularidades da re- gião era a vocação dos moradores para o futebol. Na década de 40, a Avenida Cubas chegou a abrigar dois campos: o do Santos Futebol Clube e o do Estrela do Sul. Os dois times dis- putaram a segunda divisão da Liga Jonvilense de Desportos, criada em 1942, e o Santos chegou a se tornar campeão da competição. De lá, também surgiram alguns talentos no futebol, como Piava, jogador do Caxias; Loli, jogador do América; e Vieira, que jogou no Grêmio, de Porto Alegre. A exemplo de Butiaco e incen- tivada pelo baixo preço de mora- dia, Dilma Emília Borba, 74 anos, e a mãe Maria do Carmo Barbo- sa, 92 anos, residiram durante 15 anos no local. Hoje, as duas mo- ram no bairro Guanabara, mas Dilma garante que é do período que morava na Avenida Cubas que ela guarda as maiores recor- dações da sua vida. “Naquele tempo atracavam no porto grandes navios que vinham de São Pau- lo e Rio de Janeiro. Quando o navio apitava, as crianças saiam correndo”, relembra. Os navios transportavam sal e erva-mate até o porto de São Francisco do Sul, onde embarca- ções levavam os produtos para o exterior. Segundo Dilma, as canoas que navegavam pelo rio Bucarein tra- ziam peixes capturados no Canal do Linguado para o Mercado Mu- nicipal de Joinville. Com tanto movimento de barcos e pesca, os homens que residiam na Aveni- da Cubas tomaram a estiva como profissão. Como o local era consi- derado um porto, os marinheiros atracavam os barcos e batiam nas janelas das casas à procura de uma companhia feminina para a noi- te. Dilma lembra que os padres diziam “que o lugar não era para a moradia de mulheres direitas”. “Quando meu namorado pergun- tou onde ficava minha casa, eu en- rolei e não respondi, porque todo mundo achava que ali só morava mulher da vida”, afirma. Além de mal visto e excluído pelo resto da população, o local enfrentava muitos problemas de infraestrutura e dificuldades, como a falta de água. Dilma ia até a bica todos os dias. A fonte fica- va onde é a atual Escola de Ensino Fundamental Rui Barbosa, há qua- se três quilômetros de distância. Na volta, se já estava escuro, ela passava bem longe de uma grande figueira que havia em frente ao campo do Santos. Os mais velhos diziam que a árvore era mal assombrada e fala- vam de um lobisomem que ficava por perto durante a noite. “Nin- guém se arriscava”, recorda. Talvez pela forte espiritualida- de, a longevidade dos moradores negros parece ser uma das caracte- rísticas mais marcantes da Avenida. O lugar já abrigou casas de muitos moradores centenários. Uma delas, a já falecida Mazilda Alvez, viveu 103 anos. Era natural de São Fran- cisco do Sul e chegou ao reduto em 1937. O nome “Cubas” remete ao antigo dono da maioria das casas da região: Darcy Schroeder Cubas. Além das residências alugadas, Cubas tinha um cartório que leva- va seu nome, na rua Abdon Batista. Hoje, o 2º Tabelionato de Notas e 3º de Ofícios e Protestos. Patrícia Schmauch patriciaschmauch@hotmail.com ANA PAULA DA SILVA Butiaco morou durante 30 anos na Avenida Cubas e só guarda boas lembranças do lugar AAvenidaCubasfoipalcodemuitashistóriasdeafrodescendentes.Algumasdécadasdepois,amaiorpartedosmoradoresédecorbranca ANA PAULA DA SILVA
  • 16. 16 Cultura O Kênia surgiu em uma sociedade preconceituosa e hoje garante a preservação da cultura afro TRADIÇÃO Dono de memória e lucidez invejáveis, Butiaco explica, sen- tado na cozinha de sua casa, que a cultura dos negros está se esgo- tando. “As grandes festas, danças e tradições da cultura afro-brasilei- ra estão desaparecendo porque as crianças negras não são ensinadas nas escolas sobre a memória dos seus antepassados”, diz. Ao chegar a Joinville, ele se de- parou com um ra- cismo muito forte. Para se divertir, os negros eram obri- gados a frequentar lugares diferentes dos brancos. Um deles, existentes até hoje, é o Kênia Clu- be de Joinville. Imerso em uma sociedade pre- conceituosa quanto às diferenças raciais, nascia um clube como forma de defesa contra a exclusão. Hoje a tonalidade da pele já não é o principal motivo para a existên- cia do Kênia. Além da paixão pelo samba, o que embala os mais de 50 anos vividos pelo clube é a pre- servação e valorização da cultura afro dentro de toda a cidade. Everaldo José Pereira, atual presidente do Kênia, conta que até a década de 1960, Joinville ti- nha o hábito de consagrar os imi- grantes de descendentes alemães e ignorar a existência afrodescen- dente. A população de negros na cidade era praticamente insigni- ficante se comparada ao número de louros de olhos claros que cir- culavam pelas ruas. “O negro não tinha lugar de diversão. Podia ir nas sociedades para os brancos, mas era obrigado a ficar sentado”, relembra Pereira. Hoje, o Kênia é o único clube afro de Santa Cata- rina em atividade constante. Os primeiros movimentos ne- gros do Estado, com o objetivo da criação de as- sociações de lazer, datam de alguns anos após a aboli- ção da escravatu- ra, em 1888. Em Joinville, os locais surgem com reu- niões e festas entre famílias, sobretudo nas décadas de 40 e 50 – época da Campanha de Na- cionalização de Getúlio Vargas. Durante o período, as colônias alemãs eram perseguidas e per- diam forças, enquanto os afrodes- cendentes fundavam clubes e en- tidades, garantindo a preservação da sua cultura. Foi de Hélio Cardoso Verís- simo, José Francisco Ramos, Ru- bens Martins, Marcelino Rocha, Luis Paulo do Rosário, José Do- mingos Cardoso e Oziel Silva a ideia de fundar um clube só para os negros, onde tocasse o samba, seu ritmo preferido, e pudessem divertir-se à vontade. O nome faz alusão ao país do continente afri- cano idealizado por eles. Paralelo ao clube surgiu também um time de futebol, o Senegal, extinto poucos anos depois. A inauguração do clube foi marcada por um grande baile, com a escolha da rainha e das princesas das mais bem concei- tuadas famílias negras, em 6 de setembro de 1960. Luxo e exu- berância marcaram o evento, a exemplo do que acontecia nas festas brancas. As mais belas mulatas da cidade podiam ser vistas com salto alto e vestidos que salientavam as curvas do corpo; um misto de delicadeza, fragilidade e beleza. Fotografias da época mostravam as mulhe- res com um cabelo muito liso, seguindo o padrão europeu. E os ritmos dançantes do bolero, samba, valsa e tcha-tcha-tcha embalavam os convidados du- rante a noite inteira. Os partici- pantes, homens e mulheres mal remunerados e discriminados durante a semana. O Kênia serviu tanto para di- vertir a parcela negra da popula- ção quanto para unir a comunida- de. Das festas dominicais, saíram muitos casamentos e famílias. O samba das festas luxuosas emba- lou algumas histórias de amor: Butiaco conheceu a esposa em uma festa na sociedade e o gaúcho João Nestor Padilha também. Algumas histórias do Kênia Há 51 anos atrás, chegava em Joinville aos 16 anos de idade, um gaúcho negro, com sombran- celhas e voz grossas e traços for- tes. Em um dos muitos bailes do Kênia conheceu uma namorada, sua atual esposa. “Foi inesquecí- vel”, afirma. Hoje, com três filhos, Padi- lha olha para o passado e vê que nem tudo mudou. Adora morar em Joinville, mas, para ele, o preconceito continua existin- do. “Negro remete a tudo que é ruim”, diz, indignado. Na hora de arranjar um emprego, Padilha passou por dificuldades devido à cor da pele. Dos antepassados, ele ouviu falar pouco. Zelândia Custódio da Costa, 67 anos, carinhosamente apeli- dada de Fioca, frequenta o Kênia desde a época da fundação. “Éra- mos olhados com outros olhos”, relata. Ainda hoje, Fioca desfi- la no Carnaval do Kênia Clube como baiana. Em sua trajetória já foi porta-bandeira e passista. A paixão pelo Carnaval vem desde a infância. Aos cinco anos de idade, em 1951, veio de São Francisco do Sul a Joinville em clima de centenário e Carnaval. Inicialmente morou na região da Avenida Cubas e tem vontade de um dia morar por lá novamente. “Todos eram amigos”, lembra. O apelido, ninguém sabe o que sig- nifica. Há quem diga que é pelo seu tamanho pequeno, “miudinha feito uma fioca”. Em meio à trajetória, nem só de glória viveu a Sociedade Kênia Clube. Nestas cinco décadas, o salão já fechou e reabriu por di- versas vezes. Por não ter sócios, há dificuldade em arrecadar re- cursos. Os eventos e pequenos encontros são regados a samba e pagode, o que se restringe a uma única fonte financeira. Hoje, o Kênia tem uma esco- la de samba, a primeira de Join- ville: Príncipes do Samba. Antes chamada de “Amigos do Kênia”, a escola iniciou as atividades em 1968, desfilando pelas ruas da ci- dadecomapenas20participantes. Depois de alguns anos sem entrar na avenida, em 2010 os carnava- lescos já passavam de 400. Dona Fioca lembra que o primeiro des- file foi um dos mais marcantes. Em 1986, a escola fez uma home- nagem a Joinville. Apesar de pe- queno, a cidade tinha na época o terceiro maior Carnaval de Santa Catarina, perdendo apenas para Florianópolis e Laguna. Fioca vê a tradição do Carnaval sendo seguida pelas duas netas e fi- lha Sueli Regina de Oliveira. “Fico muito orgulhosa”, afirma. O Kênia setransformouemumlugardeale- gria que não faz distinção de raças. “Às vezes tem mais branco do que negro nas festas. Não há mais dife- rença”, observa Pereira. Sociedade Kênia Clube: diversão não apenas para negros A conhecida dona Tuca é a moradora mais antiga da região. Dona de uma fala calma, voz suave e um olhar concentrado, Rosa Maria Rodrigues da Silva, 73 anos, é viúva de Luiz da Silva, o Mestre Bera, conhecido músico da cidade. Cada memória da história do casal é lembrada por Tuca através de imagens. O sambista morreu em 1997, aos 63 anos, quando o casal completaria 41 anos juntos. Tuca nasceu em Joinville e viveu perto da Estação Ferroviária. Ao se casar, em maio de 1956, passou a morar na residência atual, na Avenida Cubas. Local onde está há mais de 50 anos. Para ela, é o melhor lugar para viver.“Quando o pessoal quer fazer samba, fica o dia inteiro festando”, diz. O apelido vem de criança. A família paterna era turca, e por isso, quando pequena, era chamada de Tuca. Rosa guar- da muitas histórias do tempo de casada, especialmente so- bre as “fugidas” de seu marido Bera. Ele dizia que saía para to- car, mas o bandolim ficava guardado no estofado. “Quando ele voltava, o pau fechava”, recorda dona Tuca, com um ar de graça. Mesmo com a ausência do marido devido aos shows que fazia como músico, Rosa destaca que ele sempre teve preocupação es- pecial com a família. E não apenas com a que tinha laços de sangue: Bera era querido por toda a vizinhança e vivia fazendo festa. Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Zelândia Custódio da Costa, mais conhecida como Fioca, frequenta o Kênia Clube desde a época da sua fundação e diz que hoje já não há distinção entre negros e brancos Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala Meio século de histórias PATRÍCIA SCHMAUCH
  • 17. 17Cultura Distante da Avenida Cubas, no tempo e na geografia, o cul- tivo de farinha de mandioca, açúcar mascavo e a produção de melado e aguardente estava deslanchando. Em meados do século 18, o dia a dia nas terras da região do Cubatão era difícil. Principalmente para os escravos da fazenda de Januário de Oli- veira Cercal, português que se estabeleceu em 1786 na região do Morro do La- ranjal, atual Jar- dim Paraíso. A tataraneta de Januário, Ma- ria Luiza Cercal, 74 anos, tem muita disposição e vitalidade para contar a história da sua família, tradicionalmente conhecida na região pela posse de negros. Segundo ela, em uma perigosa travessia do Atlântico, o tataravô, a família e mais 13 escravos embarcaram em um navio à vela rumo a São Francis- co do Sul. A viagem durou mais de seis meses. Junto à família e aos escravos, Januário trouxe engenhos de ferro e farinha, cana e uma má- quina para fazer vinho. A família morou em São Francisco do Sul durante 30 anos, quando Januá- rio requereu a primeira conces- são de sesmaria, equivalente às terras da atual região do Jardim Paraíso. Em documentos do Ar- quivo Histórico, a família apare- ce com outras três concessões: Região do Itapocu, Araquari e Morro do Cachoeira. Após cinco gerações, restam 1600 metros quadrados de terras. O resto do terreno foi vendido e abriga pequenas empresas, resi- dências e comércio. Maria Luiza e o marido, Angelo de Araújo, contam que os navios que vinham para a atual região de Joinville eram enfeitados com fitas coloridas para atrair os ne- gros. Eles entravam para ver o que era e quando a embarca- ção enchia, o navio desatracava e seguia viagem. As famílias nunca mais ficavam sabendo de notícias dos que partiam. No porto de São Francisco, os escra- vos eram vendidos. Com os proprietários de es- cravos, todos os dias, antes do sol nascer, os negros começa- vam seu trabalho. A maioria cui- dava da agricultura, os outros, da fábrica de cachaça e melado. Poucas mulheres, escolhidas a dedo, faziam os serviços domés- ticos. Além de cuidar das casas, serviam como amas de leite. Durante a semana, os escra- vos carregavam os seus patrões e produtos até a Baía da Babi- tonga, para o comércio em São Francisco do Sul. Durante o trajeto, era comum os negros tentarem fugas mal sucedidas. Em páginas amareladas do jor- nal Kolonie Zeitung, constam alguns nomes e desenhos dos escravos fujões. Os capatazes e caçadores de escravos ficavam atentos, pois normalmente se oferecia boa recompensa para quem encontrasse os fugitivos. Tradição no melado e cachaça O cabelo grisalho não escon- de a idade avançada, mas tam- bém não é sinal que a memória está fraca. Aos 81 anos, Angelo Araújo, marido de Maria Luiza, ainda lembra das escravas que conheceu quando criança. “Eu ia para a escola e elas estavam velhinhas, e me contavam muitas histórias no caminho”, afirma. Mesmo já libertos, após a abolição da escravatura, em 1888, os escravos não tinham nenhuma perspectiva de vida ou política de inclusão social. Aca- bavam ficando com as famílias. O tataravô de Angelo, Oresto Araújo, pagava os ex-escravos com pequenos pedaços de ter- ra. “Hoje, muitos descendentes moram do outro lado do ri- beirão do Cubatão. Antes, eles vendiam vassouras, cordas, fari- nha”, lembra. A trajetória dos negros na re- gião é repleta de histórias. Uma delas conta que Oresto Araújo escondeu um tesouro. Há 25 anos, um tratorista estava fa- zendo a terraplanagem da área e desapareceu. Dias depois, foi encontrado um buraco com al- gumas moedas de ouro. Não há quem duvide que o tratorista achou o tesouro e se deu bem. Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Em caso de desobediências os escravos não dormiam dentro do galpão junto com os outros CASTIGO O trabalho escravo nos engenhos da família Cercal Outra história fala de um filho de escravo que matou uma onça que amedrontava as pessoas do Cubatão. Todos ficaram agrade- cidos a ele. Parte das terras da família Araújo pertencem a Angelo até hoje. A casa onde o casal mora atualmente tem mais de 50 anos, construídos no terreno que abri- gava um engenho e tinha escra- vos. Além das muitas histórias, a residência tem as portas das primeiras casas de São Francisco do Sul, de 500 anos atrás. Cada detalhe foi minuciosamente es- colhido por Antonio Eleutério de Araújo, pai de Angelo, que dá também nome à rua onde o casal mora. O tataravô de Angelo, Ores- to Araújo, veio ao Brasil em 1806 e trouxe cerca de 15 escra- vos junto com ele. Há 20 anos, o engenho foi desativado total- mente. Mas até hoje, a tradição da família permanece viva: há um alambique da família na re- gião, que ainda produz melado e cachaça. Escravostambémparaos imigrantes Recortes de jornais com regis- tros de comércio e óbito de escra- vos e petições de sesmarias são materiais disponíveis no Arquivo Histórico de Joinville sobre a cul- tura dos negros na cidade. Muitos documentos apontam a presença de escravos desde 1804 nos bairros Bucarein, Itaum, Boa Vista, Pira- beiraba, Paranaguamirim e Morro do Amaral. Comparado a outros municí- pios, Joinville tinha um número baixo de escravos. Documentos da Coletoria de Joinville, ligada à Igreja Católica, confirmam que em 1887, a cidade tinha 96 escra- vos, metade de cada sexo. Dados do Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística (IBGE) dizem que em Joinville, 7,3% da popu- lação é negra. Raquel Queiroz, coordenadora do Comitê Gestor de Promoção à Igualdade Racial, contesta esse número. “Acredito que o número seja maior. Grande parte dos negros de Joinville fica invisível”, garante. De acordo com o livro “His- tória do Trabalho em Joinville”, do historiador Dilney Cunha, as camadas mais pobres também economizavam e adquiriam um ou dois escravos para ajudar nos ga- nhos. Os filhos dos escravos não eram desejados porque não tinham onde serem negociados, gerando apenas gastos. Na década de 1850, o comér- cio escravista começou a decair. A Inglaterra proibiu os navios ne- greiros, aumentando o preço dos cativos vindos da África. Mesmo sem a permissão para a posse de escravos, tem-se registros que acontecia a escravidão entre os colonos germânicos. No Arquivo Histórico, há indícios de que Feli- zarda, africana, falecida em 1880, com aproximadamente 45 anos, foi escrava de Eduard Trinks, co- merciante alemão que residia na atual estrada Dona Francisca. A descoberta de 13 afrodes- cendentes enterrados no Cemi- tério dos Imigrantes de Joinville, em 2009, sepultados no período de 1862 e 1870, também são testemunhos históricos do pa- pel importante dos negros no processo de formação da cida- de. Na época, o fato foi bastante questionado, sobretudo pelos descendentes alemães. O preconceito camuflado e exclusão social dos negros ten- de a diminuir em Joinville. Com a finalidade de discutir políticas públicas voltadas à promoção e igualdade dos negros, sobretudo nas áreas de saúde, educação e cultura, o Comitê Gestor de Pro- moção à Igualdade Racial, criado em 2009, promove a inclusão dos negros nas atividades de Joinvil- le – música, dança, trabalho nas fábricas,serviçopúblicoepromo- ve movimentos culturais nos bairros. De acordo com Raquel de Queiroz, o racismo ainda é forte em Joinville.“Aqui, os negros sempre tentaram ser germaniza- dos”, enfatiza. Para Alessandra Cristina Ber- nadino, coordenadora pedagó- gica na Casa de Cultura de São Francisco do Sul, o racismo está muito evidente nos dias de hoje. “O Nordeste tem o maior índice de assassinatos contra jovens ne- gros,amortedegestantesnegras por falta de atendimento pela cor de sua pele”, afirma. Além disso, os doentes de AIDS, os analfabe- tos,entreoutrosíndicesquecom- provam que o racismo age com muita eficiência nestas categorias dentro da nossa sociedade.“Sem contar que a cada 15 minutos uma pessoa é vítima de racismo em nosso país de Norte a Sul”, diz. Cemitério também de negros d Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala Há20anos,oengenholocalizadonoterrenoondehojeestáacasadeMariaLuizaCercaledomarido AngeloAraújo,foidesativadocompletamente PATRÍCIA SCHMAUCH
  • 18. 18 Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA Esporte Diagramação e edição de Gabriel Fronzi A lgumas crian- ças da zona sul de Joinville não têm ídolos como Messi, Ronaldo ou Neymar. Para elas, são apenas nomes e não fazem diferença no vocabulário. O gramado, chutei- ras e outros aspectos do futebol assim como tão pouco a atenção desses meninos e meninas. Uma bola laranja, dribles diferencia- dos e as cestas quase impossíveis fazem com que o basquete seja a modalidade preferida desses pequenos. Segundo dados do Instituto de Planejamento Urbano de Join- ville (Ippuj) de 2010, o bairro Itinga tem 6.358 moradores. As indústrias e as casas da classe mé- dia escondem as moradias mais simples nas ruas de barro. Muitos que vivem fora do conforto não sonham com luxo e riqueza, mas apenas com op or tun ida - des. O bairro é muito extenso e faz divisa com a cidade de Ara- quari. As dife- renças sociais também fazem parte da histó- ria da região. Um núcleo de basquete che- gou para tentar acabar com o preconceito e diminuir diferen- ças entre as crianças. O esporte tem atraído interessados de ou- tros bairros da região como Pe- trópolis e Boehmerwald, pois em nenhum deles existem aulas de basquete nas escolas. O projeto “Escolinhas de Basquete” é idea- lizado pelo time profissional, o Brascola/Join- ville, 7º colo- cado na última edição do Novo Basquete Bra- sil (NBB). A prefeitura não faz nenhum in- vestimento nas escolinhas, segundo o coorde- nador Annibal Pires de Oliveira Junior. Ele explica que o projeto foi aprovado na Lei de Incentivo Federal. Assim, empresas dispo- nibilizam verbas para a continui- dade da iniciativa. As unidades dos bairros Bom Retiro, Glória, Jardim Sofia, Jar- dim Paraíso e Itinga oferecem aulas de basquete três vezes por semana e totalmente gratuitas. São mais de 380 crianças de 10 a 16 anos atendidas em todos os núcleos da cidade. Na fundação Padre Luiz Fac- chini, eles se reúnem todas as se- gundas,quartasesextas-feiraspara aprender e jogar a modalidade que está ganhando mais espaço na maior cidade do Estado. As aulas acontecem no período da manhã e tarde com mais de 80 crianças e adolescente. Os horários são divi- didos pelas idades e turno escolar de cada participante. Crianças e adolescentes buscam no basquetebol a chance de se tornarem atletas profissionais da modalidade e garantir um futuro melhor O esporte como pauta para o sucesso de novos talentos OPORTUNIDADE Queremos mostrar que ricos e pobres podem jogar basquete sem preconceito ou discriminação. “ALCIDES JÚNIOR Monitor O monitor da unidade, Alci- des Porcincula Junior, diz que o objetivo do projeto é fazer com o basquete seja praticado por todas as crianças do bairro e, o principal, achar talentos para o time. “Temos crianças com mui- to potencial e que merecem es- paço na base do time principal”, comenta. Para o professor, o es- porte é um meio de transformar as crianças em bons cidadãos, pois aprendem em atividades coletivas a respeitar todas as di- ferenças que encontram no pro- jeto. Ele explica que o esporte não pode selecionar alvos e sim atingir todos. “Queremos mos- trar que ricos e pobres podem jogar basquete sem preconceito ou discriminação”. Tentar jogar no time prin- cipal e o amor pela modalidade levou Tiago da Silva Quintino, 13 anos, para a escolinha. A re- ferência no esporte é grande as- sim como seus sonhos. O astro americano do Miami Heat, Le- Bron James, de 2,03m, inspira o pequeno garoto nas jogadas e nos treinos que executa sema- nalmente. “Acho que tenho ha- bilidade e bastante motivação para jogar na base”, acredita. Descobriu o projeto por amigos e conquistou o apoio dos pais. Ele diz que o mesmo empenho dedicado ao esporte é retribuído nas atividades escolares. O basquete também surgiu na vida de Ruan Ademir Bruch, 13 anos, a princípio como exercí- cio físico e não por paixão. Rece- beu recomendações para praticar algum esporte e escolheu a mo- dalidade. Os amigos indicaram a escolinha e ele resolveu apostar. Assim como Tiago Quintino, a inspiração também vem do ame- ricano LeBron James. De uma simples recomendação a uma oportunidade de crescimento es- portivo. O garoto foi convidado para treinar na categoria de base do time principal e está muito motivado. “Jogo na base desde o início do ano e a experiência é muito boa”. As quadras onde os núcleos estão instalados são de boa quali- dade. A pintura é renovada quan- do apresenta desgaste, as tabelas e aros em boas condições e as bolas são novas e em quantidade suficiente para atender os interes- sados. O núcleo do Bom Retiro utiliza as dependências da Uni- versidade da Região de Joinville (Univille) que é parceira do time da cidade. Os núcleos do Glória, Jardim Paraíso e Jardim Sofia uti- lizam as quadras esportivas das escolas. Cada participante rece- be uma camiseta regata para os treinamentos. Diego Porcincula diegoporcincula@gmail.comMesmo diante as dificuldades, Alcides (centro) trabalha como monitor e coordena o projeto que tem o intuito de revelar novos talentos do basquetebol para a cidade de Joinville Diego Porcincula