1. 44 | exame CEO | abril 2015 abril 2015| exame CEO | 45
entrevista | jim o’neill
EXAME CEO Até dois anos atrás, o sr. acredi-
tava que o Brasil poderia crescer em média 5%
ao ano nesta década. Com o país à beira da re-
cessão, isso ainda é factível?
JIM O’NEILL Praticamentenãohámaischance
de o Brasil atingir os 5% de crescimento anual
nesta década. Fui otimista demais. Entre 2011 e
2014, o Brasil cresceu 1,6%. Então, o país teria de
crescer7,6%norestodoperíodo.Ditoisso,lembro
que o Brasil cresceu apenas 1,5% entre 2000 e
2003 -- época em que criei a sigla Bric. O fato é
que o Brasil oscila muito e poderia crescer 5% no
restantedadécada,masmesmoissoéimprovável.
A resposta simples para a sua pergunta é: o Brasil
parece ser apenas uma história movida por com-
modities e sua economia, portanto, move-se de
acordo com os ciclos de preços.
Mas por que o sr. achava, em 2001, que o Brasil
poderia ser algo mais do que uma história de
crescimento baseada em commodities?
Por causa da introdução de metas de inflação.
Achei que isso interromperia o processo de gran-
des crises recorrentes. Apesar dos problemas dos
últimos três anos, o Brasil é muito maior hoje do
que era há 13 anos. Tornou-se maior do que a Itá-
JasonAlden/eyevine/GlowImages
O governo
precisa sair do
caminho e
parar de
dirigir a
economia
Jim O’Neill,
economista, professor
da Universidade
de Manchester
britânico Jim O’Neillpassou quase duas
décadas na cúpula de um dos gigantes de Wall Street, o banco de inves-
timentos Goldman Sachs. Em seu último cargo, como presidente do
conselho da área de asset management, foi responsável por administrar
800 bilhões de dólares. Mas não é por isso que ele entrou no time dos eco-
nomistasmaisinfluentesdomundo.Emumestudopublicadoem2001,O’Neill
afirmou que os emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, agrupados sob o acrônimo Bric,
puxariam o crescimento mundial no século 21. A tese alimentou a euforia de empresas e
fundos de investimento – até o início desta década. Com as dificuldades enfrentadas pelo
Brasil e pela Rússia, investidores questionam se faz sentido mantê-los ao lado da China e da
Índia. Na entrevista a seguir, concedida de Londres, O’Neill defende a sigla que criou, mas
admite que está decepcionado com os rumos tomados por alguns integrantes do Bric.
O
Criador do acrônimo Bric, o economista Jim O’Neill
admite que “praticamente não há mais chance” de o Brasil alcançar
um crescimento de 5% ao ano nesta década, como havia previsto.
Ele afirma, porém, que é cedo para excluir o Brasil do primeiro time
das economias emergentes melina costa
Fui otimista
DEMAIS
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entrevista | jim o’neill
germanolüders
DanielCastellano/AgenciadeNoticiasGazetadoPovo
Se você olhar para o mundo nos últimos 50 anos,
não há muitos exemplos de produtores de com-
modities bem-sucedidos. Uma das melhores coi-
sas que ouvi em 35 anos no mundo dos negócios
veio de um ex-primeiro-ministro israelense. Ele
disse: “A melhor coisa de Israel é que não temos
nada”.Então,parapaísespequenosqueproduzem
commodities,comoaNoruega,épossívelteruma
economiabem-sucedidaeumaltonívelderique-
za. Mas é mais difícil quando você tem 200 mi-
lhõesdepessoas,comooBrasil.TalvezosEstados
Unidossejamumexemplo.Seusucessoinicialfoi
baseado em commodities. Eu consideraria reco-
mendar três coisas. Primeira, no que diz respeito
ao gasto público, o governo deveria assumir que
crises de commodities estarão sempre lá. Isso as-
segura que não haverá uma surpresa fiscal nega-
tiva quando o preço das commodities cair. E,
quando o preço subir, seria um bônus agradável.
Alguns países tentam fazer isso. Segunda, a ideia
deumfundosoberanogenuíno,emqueasreceitas
adicionaisdogovernonãoseriamimediatamente
gastas,masinvestidasparaosanosdifíceis. E,ter-
ceira, aumentar a produtividade em setores da
economia de não-commodities.
presença do governo acaba desencorajando o se-
tor privado na concessão de crédito].
O que o Brasil deveria fazer para deixar a de-
pendência das commodities para trás? Há
algum país que tenha conseguido fazer isso?
É uma boa pergunta, porque é fácil para pessoas
como eu dizerem essas coisas, mas é difícil fazer.
Soja colhida
no Mato Grosso
para o mercado
externo (à esq.)
e produção
de vergalhões
de aço em
São Paulo:
a dependência
de commodities
deixa o país
vulnerável
à oscilação
dos preços
lia dez anos antes do que havíamos projetado.
Nesse sentido, é importante que as pessoas se
lembrem de como o Brasil costumava ser volátil
e caótico. Embora os últimos três anos tenham
sido decepcionantes, para o padrão dos anos 70,
80 e 90, não foram tão ruins.
Em sua opinião, o que o governo da presiden-
te Dilma Rousseff deveria fazer ou deixar de
fazer em seu segundo mandato?
OBrasildeveria,simplesmente,deixardeserape-
nas uma economia movida por commodities. A
presidente deveria encorajar o investimento pri-
vado em outros setores. Além disso, o governo
precisa sair do caminho e deixar de ser mais chi-
nês do que a China. Ou seja, precisa deixar de ser
os mestres e parar de dirigir a economia. Espe-
cialmente,nousoagressivodoBNDESparadire-
cionar o financiamento. Eu disse diretamente
para as autoridades políticas: “Vocês estão se pa-
recendomaiscomaChinanummomentoemque
a China está se parecendo menos com ela”. Eles
precisam sair do caminho, deixar as taxas de juro
reaiscaíremepermitirqueosetorprivadodesen-
volva a confiança e o desejo de investir.
A desigualdade foi alçada ao centro das dis-
cussões entre economistas desde que Tho-
mas Piketty lançou seu livro O Capital no
Século 21. Seu argumento é que, nos países
ricos, a taxa de acumulação de renda tem
sido maior que as taxas de crescimento eco-
nômico. Esse é também o caso do Brasil?
Francamente, acho que essa teoria está essen-
cialmente errada e estou surpreso com o núme-
ro de pessoas que foram embriagadas por ela,
por dois motivos. Primeiro, estamos vivendo a
maior redução da desigualdade de renda global,
provavelmente, da história. Milhões de pessoas
ascenderam à classe média no Bric e em outros
lugares. Então, em nível global, essa tese não é
apoiada por evidências. Segundo, a taxa de re-
torno do capital tem de se conectar com a taxa de
crescimento real da economia. Mas no Brasil isso
não acontece. O Brasil precisa de taxas de juros
mais baixas e taxas de crescimento mais altas.
Para isso, o governo precisa parar de direcionar
a economia. As taxas de juros reais no Brasil têm
sido extraordinariamente altas apesar de seu co-
lapso no resto do mundo. Para mim, a explicação
só pode ser o efeito de crowding out [quando a
Apesar da decepção dos
últimos anos, o Brasil é
hoje muito maior
do que era em 2001
3. 48 | exame CEO | abril 2015
entrevista | jim o’neill
No atual cenário, seria o caso de tirar o “B”
do acrônimo Bric?
As pessoas me fizeram a mesma pergunta entre
2001e2003,mas,derepente,acharamqueeuera
um gênio quando o Brasil começou a florescer.
Acho que o “B” deveria ser tirado se a década co-
mo um todo for decepcionante, não apenas três
anos. O conceito do Bric tem a ver com uma ten-
dência de longo prazo, e não apenas um ciclo.
Como o sr. compararia o desempenho do Bra-
sil desde a década passada em relação aos
demais integrantes do Bric?
O Brasil tornou-se o mais decepcionante deles,
porque teve um desempenho pior do que previ
para esta década. A China é, facilmente, o caso
mais positivo. Apesar da sua desaceleração, até
agoraaeconomiachinesasuperouminhasexpec-
tativas nesta década e desacelerou menos do que
previ. E, ao contrário dos outros três, a China não
tenta se esconder de seus desafios e problemas,
enfrentando-os com determinação. A China foi e
continua sendo um grande sucesso: é uma vez e
meia maior do que os outros três países do Bric
juntos. Destaco a Índia em segundo lugar, graças
aos últimos 18 meses. A eleição do primeiro-mi-
nistroNarendraModié,provavelmente,amelhor
chance nos últimos 30 anos de implantar uma
liderança e uma governança forte no país. Isso
aumenta a probabilidade de a Índia crescer num
ritmo de 7% ou 8% na segunda metade desta dé-
cada.ARússiatambém,obviamente,desapontou.
O país já havia começado a desacelerar antes da
situaçãonaUcrânia.Elestêmumproblemapare-
cido com o do Brasil em relação às commodities.
Então, seria o caso de tirar o “R” do Bric?
Obviamente, com tudo o que está acontecendo,
é mais tentador tirar o “R”. Mas se eu decidi
não julgar o Brasil antes do fim desta década, eu
também não deveria julgar agora a Rússia. Mas
se a Rússia continuar do jeito que está, claro que
deveria sair do Bric. Eu diria que, se não houver
uma recuperação do rublo neste ano, a Rússia
não estará mais entre as dez maiores economias
do mundo ao fim de 2015.
O sr. tem citado recentemente um novo acrô-
nimo, o Mint: México, Indonésia, Nigéria e
Turquia. O Mint hoje é o Bric de ontem?
O Mint, basicamente, é uma nova divisão do
Bric. Mas seus integrantes nunca serão tão gran-
des, com exceção talvez da Indonésia. Defino os
países do Bric como economias que representam
ou têm potencial de representar, individualmen-
te,entre3%e5%doPIBglobal.Aseconomiasdo
Mint têm potencial para atingir até 3%. Os países
do Mint têm uma dinâmica populacional melhor
que a do Bric, com exceção da Índia, e devem ter
taxas de crescimento mais altas até 2030.
Por que o sr. continua otimista em relação às
economias emergentes em um cenário de re-
cuperação da economia americana?
Porque não é algo do tipo “nós contra eles”. Eu
também estou otimista em relação aos Estados
Unidos.Estruturalmente,estoumaisotimistaem
relação à China e à Índia do que aos Estados Uni-
dos.Mas,ciclicamente,estouotimistaemrelação
aos Estados Unidos.
O sr. pode explicar?
Os Estados Unidos têm uma boa dinâmica cíclica
por trás de sua recuperação. Mas, especialmente
agora, com o gás de xisto em xeque devido à que-
da no preço do petróleo, não sei como ser otimis-
ta estruturalmente. O país vai crescer, em média,
ao redor de 2,5% nos próximos 20 anos. Não vai
se urbanizar mais como a China, a Índia e outros
emergentes.Osconsumidoresrepresentamquase
70%doPIBamericanoeissotemquediminuir. A
expansão do consumo, no resto da década, conti-
nuará sendo puxada pelos países do Bric.
A China não tenta
se esconder de seus
desafios,enfrentando-os
com determinação