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OS LUSÍADAS
Você já leu o Canto II de Os Lusíadas?
O Canto II caracterizado como crônica rimada (rimas cruzadas e
emparelhadas) e ficção poética foi escrito por volta de 1554 e
narra a trajetória enfrentada por Vasco da Gama, navegador
português para descobrir o caminho marítimo para as Índias, os
preparativos da grande viagem, a descrição geográfica das
regiões orientais e os feitos históricos praticados pelos
portugueses nestas regiões. O subgênero maravilhoso (presença
de algum acontecimento sobrenatural) se faz presente na estrofe
22, versos 1 a 4, cena esta marcada pela luta de Vênus e das
Nereidas contra os ventos e as correntes marítimas.
Nos Lusíadas - Epopeia escrita por Camões – o poeta narra os feitos dos portugueses
no Oriente durante o período do Quinhentismo (período marcado pelas primeiras
manifestações literárias no Brasil – 1500-1601). No Canto II presentifica-se o conflito
entre homens e deuses num período marcado pelo humanismo, pelo fim do
Renascimento pela crença nos valores humanos (Antropocentrismo) em oposição à
crença nas forças divinas e sobrenaturais (Teocentrismo). O objetivo do poema é
cantar o amor da pátria e os feitos lusitanos no passado e no presente sob a ótica do
poeta épico que traz tudo para diante dos nossos olhos como se fossem os seus.
Os poemas épicos possuem maior ligação com a História e tendem a expressar o
momento vivido pelo poeta. Geralmente o poeta épico pretende nos contar algo, fazer-
nos ver a realidade por ele observada, tornando presente os fatos passados.
Obras como “História do Descobrimento” e “Conquistas da Índias pelos portugueses”
de Fernão Lopes de Castanheda e “Ásia” de João de Barros serviram de fontes para
Camões escrever o canto II.
Canto II
Ao chegar em Mombaça Vasco da Gama
desconfiado envia dois mensageiros para
confirmar a paz com o Rei Mouro.
Os enviados avistam Baco falsamente vestido
de sacerdote católico em adoração;
Vasco da Gama pensando tratar-se de local
seguro inicia os trabalhos para desembarcar
quando a deusa Vênus intervém em favor dos
marinheiros portugueses, dificultando a
entrada dos navios no Porto. Vasco percebe a
cilada e afasta-se de Mombaça prosseguindo
viagem.
Estrofes 2, 3, 4: Narra o encontro dos mensageiros do Rei de Mombaça com Vasco da
Gama dizendo-lhe que o Rei sente grande alegria e satisfação em recebê-los, que
desejava muito vê-los para dar-lhes acomodações. Que Vasco da Gama deveria entrar
na Barra com toda sua frota sem receio para receber uma preciosa carga (especiarias
e pedrarias) necessária para a sua viagem. Com isso, o Rei de Mombaça consegue
convencer o Capitão a entrar no Porto de Mombaça:
“Capitão, valeroso que cortado
Tens de Netuno o reino e salsa via,
O Rei que manda esta Ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria
Que nada deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te e do necessário reformar-te (Estr.2)
“E porque está em extremo desejoso
De te ver como cousa nomeada,
Te roga que de nada receoso,
Entres a barra tu com toda armada;
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e cansada,
Diz que na terra podes reforma-la (Estr.3)
Na estrofe 4 Camões descreve as especiarias por ordem de importância oferecidas
pelo Rei a Vasco da Gama: canela, cravo, ardente especiaria ou droga salutífera e
prestante seguido das pedras preciosas: rubi e diamante.
“E se buscando vás mercadoria
Que produz o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria.
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo.
Estrofe 5: O Capitão agradece as palavras do Rei e diz que não vai atracar a
embarcação porque se faz noite, mas assim que o Sol despontar cumprirá sem receio
seu mandado.
Ao mensageiro o Capitão responde,
As palavras do Rei agradecendo,
E diz que, porque o Sol no mar se esconde, (v.3
Não entra para dentro, obedecendo; (v.4)
Porém que, como a luz mostrar por onde
Vá sem perigo a frota, não temendo,
Cumprirá sem receio seu mandado,
Que a mais por tal senhor está obrigado (Estr. 5)
Pergunta-lhe depois se estão na terra
Cristãos, como o piloto lhe dizia
O mensageiro astuto, que não erra,
Lhe diz que a mais da gente em Cristo cria.
Desta sorte do peito lhe desterra
Toda suspeita e cauta fantasia;
Por onde o Capitão seguramente
Se fia da infiel e falsa gente. (Estr. 6)
Estrofe 7: Contudo, apesar das evidências que nos levam a pensar que o capitão
confiava nos mouros, sua atitude não condiz com seu pensamento, pois envia dois
condenados para verificar as verdadeiras condições da terra, antes de entrar no Porto:
E de alguns que trazia, condenados
Por culpas e por feitos vergonhosos,
Por que pudessem ser aventurados
Em casos desta sorte duvidosos,
Manda dois mais sagazes, ensaiados,
Por que notem dos Mouros enganosos
A cidade e poder, e por que vejam
Os Cristãos, que só tanto ver desejam (Estr.7)
Na verdade, Vasco da Gama estava mesmo era ganhando “tempo”, visto que havia
recebido ordens expressas de Dom Sebastião para não se arriscar.
A estrofe 9 apresenta-nos a chegada dos mensageiros, a entrega dos presentes ao
Rei Mouro e a malícia dos mouros que se resguardavam de lhes mostrar tudo quanto
existia naquela cidade. Na estrofe 10 o poeta se refere a Baco ou Dionísio, deus do
vinho, filho de Tione, chamada de Sêmele pelos gregos, inimigo dos heróis portugueses
e suas façanhas para enganar os mensageiros. Nas estrofes 11 e 12 Camões narra a
chegada dos mensageiros a casa onde Baco, metamorfoseado de homem, vestido de
sacerdote muçulmano, adorava uma imagem do Espírito Santo em forma de pintura.
E depois que ao Rei apresentaram
Com o recado os presentes que traziam,
À cidade correram, e notaram
Muito menos daquilo que queriam;
Que os Mouros cautelosos se guardaram
De lhes mostrarem tudo o que pediam;
Que onde reina a malícia, está o receio
Que a faz imaginar no peito alheio. (Estr.9)
Estrofe 10: Cena em que Camões menciona os falsos mercenários cristãos adorando
a imagem do Espírito Santo.
Mas aquele que sempre a mocidade
Tem no rosto perpétua, e foi nascido
De duas mães, que urdia a falsidade
Por ver o navegante destruído,
Estava na casa da cidade,
Com rosto humano e hábito fingido,
Mostrando-se Cristão, e fabricava
Um altar suntuoso que adorava (Estr.10)
Ali tinha em retrato afigurada
Do alto e Santo Espírito a pintura,
A cândida Pombinha, debuxada
Sobre a única Fênix, virgem pura;
A companhia santa está pintada,
Dos doze, tão torvados na figura
Como os que, só das línguas que caíram
De fogo, várias línguas referiram (Estr.11)
Na Estrofe 12 – Camões faz uso de um processo artístico ao associar os mercenários
cristãos à imagem do deus Baco transformado em homem.
Aqui os dois companheiros conduzidos
Onde com este engano Baco estava,
Põem em terra os joelhos, e os sentidos
Naquele Deus que o Mundo governava.
Os cheiros excelentes, produzidos
Na Pancaia odorífera, queimava
O Tioneu, e assim por derradeiro
O falso Deus adora o verdadeiro (Estr.12)
Baco ou Dionísio
Estrofes 13 a 15 – narram a boa recepção dos mensageiros pelos Mouros, o retorno
dos mensageiros que o Capitão havia enviado e a notícia de que naquela terra havia
Cristãos e nenhum risco existia:
Aqui foram de noite agasalhados,
Com todo o bom e honesto tratamento
Os dois Cristãos, não vendo que enganados
Os tinha o falso e santo fingimento.
Mas, assim como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e num momento
Apareceu no rúbido Horizonte
Na moça de Titão a roxa fronte, (Estr.13)
Tornam da terra os Mouros com recado
Do Rei para que entrassem, e consigo
Os dois que o Capitão tinha mandado,
A quem se o Rei mostrou sincero amigo;
E sendo o Português certificado
De não haver receio de perigo
E que gente de Cristo em terra havia,
Dentro no salso rio entrar queria. (Estr.14)
Dizem-lhe os que mandou que em terra viram
Sacras aras e sacerdote santo;
Que ali se agasalharam e dormiram
Enquanto a luz cobriu o escuro manto:
E que no Rei e gentes não sentiram
Senão contentamento e gosto tanto
Que não podia certo haver suspeita
Na mostra tão clara e tão perfeita. (Estr.15)
Estrofe 16 – Devido as informações trazidas pelos mensageiros o Capitão se convence
de tal forma de que nenhum perigo havia que ingenuamente permite a presença dos
Mouros a bordo com pretensão de acompanhar sua entrada em Mombaça.
Com isto o nobre Gama recebia
Alegremente os Mouros que subiam
Que levemente um ânimo se fia
De mostras que tão certas pareciam.
A nau da gente pérfida se enchia,
Deixando a bordo os barcos que traziam.
Alegres vinham todos porque creem
Que a presa desejada certa têm (Estr.16)
Estrofes 18 a 21 – Narram a interferência dos deuses, a intervenção milagrosa de
Vênus e das Nereidas que eram em torno de 50, filhas de Nereu, deus do mar e Dóris
impedindo assim que a nau avançasse em direção ao Porto.
As âncoras tenazes vão levando,
Com a náutica grita costumada;
Da proa as velas sós ao vento dando,
Inclinam para a barra abalizada.
Mas a linda Ericina, que guardando
Andava sempre a gente assinalada,
Vendo a cilada grande e tão secreta,
Voa do Céu ao mar como a seta. (Estr.18)
Convoca as alvas filhas de Nereu,
Com toda a mais cerúlea companhia,
Que, porque no salgado mar nasceu,
Das águas o poder lhe obedecia;
E, propondo-lhe a causa a que desceu,
Com todos juntamente se partia
Para estorvar que a armada não chegasse
Aonde para sempre se acabasse. (Estr.19)
Estrofe 22: o poeta narra a luta que aconteceu entre os homens, as forças divinas e
os elementos da natureza conduzidos pelos deuses para impedir que a nau entrasse no
porto de Mombaça.
Põe-se a Deusa com outras em direito
Da proa capitânia, e ali fechando
O caminho da barra, estão de jeito
Que em vão assopra o vento, a vela inchando;
Põem no madeiro duro o brando peito,
Para detrás a forte nau forçando;
Outras em derredor levando-a estavam
E da barra inimiga a desviavam. (Estr.22)
Estrofes 24 a 29: Narram o alvoroço provocado pela corrida dos marinheiros para os
equipamentos de bordo para proteger a nau do choque contra a rocha (penedo), a
fuga dos mouros temerosos de serem descobertos.
Torna para detrás a nau, forçada,
Apesar dos que leva, que, gritando,
Mareiam velas; ferve a gente irada,
O leme a um bordo e a outro atravessando;
O mestre astuto em vão da popa brada,
Vendo como diante ameaçando
Os estava um marítimo penedo,
Que de quebrar-lhe a nau lhe mete medo (Estr.24)
A celeuma medonha se alevanta
No rudo marinheiro que trabalha;
O grande estrondo a Maura1 gente espanta,
Como se vissem hórrida batalha;
Não sabem a razão de fúria tanta,
Não sabem nesta pressa quem lhe valha:
Cuidam que seus enganos são sabidos
E que hão-de-ser por isso aqui punidos (Estr.25)
Ei-los subitamente se lançavam
A seus batéis velozes que traziam;
Outros em cima o mar alevantavam
Saltando n’água, a nado se acolhiam;
De um bordo e doutro súbito saltavam,
Que o medo os compelia do que viam;
Que antes querem ao mar aventurar-se
Que nas mãos inimigas entregar-se (Estr.26)
1
Mauro(a)= mouro, moura.
Estrofe 27 – Graças à saída inoportuna do piloto de Moçambique, Vasco da Gama
reconhece a perfídia daquela falsa gente e a proteção que recebera das forças divinas.
Assim fogem os Mouros; e o piloto,
Que ao perigo grande às naus guiara,
Crendo que seu engano estava noto,
Também foge, saltando na água amarga.
Mas, por não darem no penedo imoto,
Onde percam a vida doce e cara,
A âncora solta logo a capitânia.
Qualquer das outras junto dela amaina. (Estr.27)
Vendo o Gama, atentado, a estranheza
Dos Mouros, não cuidada, e juntamente
O piloto fugir-lhe com presteza,
Entende o que ordenava a bruta gente;
E vendo, sem contraste e sem braveza
Dos ventos ou das águas sem corrente,
Que a nau passar avante não podia,
Havendo-o por milagre, assim dizia: (Estr.28)
Estrofe 66 – Ao aguardar na entrada do Porto de Mombaça a ocasião de partir, os
Mouros escondidos tentaram cortar as amarras da embarcação, com o objetivo de
levá-los à costa:
Neste tempo que as âncoras levavam,
Na sombra escura os Mouros escondidos
Mansamente as amarras lhe cortavam,
Por serem, dando à costa, destruídos;
Mas com vista de linces vigiavam
Os Portugueses, sempre apercebidos;
Eles como acordados os sentiram
Voando, e não remando, lhe fugiram. (Estr.66)
Amarras de um navio
Estrofe 68 – Ao deixarem Mombaça, a frota portuguesa, após um dia de viagem,
depara-se com dois navios mouros que fogem amedrontados. Um deles consegue
escapar, enquanto o outro é apreendido:
Tinha a volta dado o Sol ardente
E noutra começava, quando viram
Ao longe dois navios, brandamente
Com ventos navegando, que respiram.
Porque haviam de ser da 2Maura gente,
Para eles arribando, as velas viram.
Um, de temor do mal que arreceava,
2
Maura: o mesmo que moura
Por se salvar a gente à costa dava. (Estr.68)
Estrofe 69 – O poeta narra o motivo que levou Vasco da Gama a aprisionar o navio
mouro: “desejava apenas um piloto que o levasse à Índia.
E como o Gama muito desejasse
Piloto para a Índia, que buscava,
Cuidou que entre estes Mouros o tomasse,
Mas não lhe sucedeu como cuidava;
Que nenhum deles há que lhe ensinasse
A que parte dos céus a Índia estava;
Porém dizem-lhe todos que tem perto
Melinde, onde acharão piloto certo. (Estr.70)
Estrofe 73 – O poeta narra a chegada da frota portuguesa a Melinde, cidade esta
que festejava neste dia a Páscoa.
Quando chegava a frota àquela parte
Onde o Reino Melinde já se via,
De toldos adornada e leda de arte
Que bem mostra estimar o Santo dia.
Treme a bandeira, voa o estandarte,
A cor purpúrea ao longe aparecia;
Soam os atambores e pandeiros;
E assim entravam ledos3 e guerreiros. (Estr.73).
Estrofe 75 – Nesta estrofe é bem visível a fama dos portugueses, engrandecidos
pelos feitos heróicos e reconhecida pelo Rei Mouro:
O Rei, que já sabia da nobreza
Que tanto os Portugueses engrandece
Tomarem o seu porto tanto preza
Quanto a gente fortíssima merece;
E com verdadeiro ânimo e pureza,
Que os peitos generosos enobrece,
Lhe manda rogar muito que saíssem
Para que de seus reinos se servissem. (Estr.75)
Estrofe 76 – Em Melinde os nobres cavaleiros são recebidos com presentes
oferecidos pelo soberano Mouro:
São oferecimentos verdadeiros
E palavras sinceras, não dobradas,
As que o Rei manda aos nobres cavaleiros
Que tanto mar e terras têm passadas.
Manda-lhe mais lanígeros carneiros
E galinhas domésticas cevadas,
Com as frutas que na terra havia
E a vontade à dádiva excedia. (Estr. 76).
3
Ledos: felizes, alegres, jubilosos
Estrofe 77 – Em agradecimento Vasco da Gama envia presentes ao Rei de Melinde:
Recebe o Capitão alegremente
O mensageiro ledo e seu recado;
E logo manda ao Rei outro presente,
Que de longe trazia aparelhado:
4Escarlate púrpura, cor ardente,
O ramoso coral, fino e prezado,
Que debaixo das águas mole cresce,
E, como é fora delas, se endurece. (Estr.77)
Estrofe 79- Vasco da Gama enaltece as qualidades do Rei de Melinde:
- “Sublime Rei, a quem do Olimpo puro
Foi da suma justiça concedido
Refrear o soberbo povo duro,
Não menos dele amado, que temido:
Como porto mui forte e mui seguro,
De todo Oriente conhecido,
Te vimos a buscar para que achemos
Em ti o remédio certo que queremos. (Estr.79)
Estrofe 80 – A seguir, o mesmo mensageiro que levou os presentes ao Rei de Melinde
também leva um recado do Capitão, por meio do qual chega ao conhecimento daquele
Rei os objetivos pacíficos da missão:
“Não somos roubadores que, passando
Pelas fracas cidades descuidadas,
A ferro e a fogo as gentes vão matando,
Por roubar-lhe as fazendas cobiçadas;
Mas, da soberba Europa navegando,
Imos5 buscando as terras apartadas
Da Índia, grande e rica, por mandado
De um Rei que temos, alto e sublimado (Estr.80)
Estrofe 83 – O mensageiro do capitão português expõe ao Rei de Melinde seus
princípios de fidelidade ao Rei de Portugual, Dom Sebastião, que o impossibilitavam
de desembarcar devido a uma ordem real recebida no momento da partida:
“E não cuides, o Rei, que não saísse
O nosso Capitão esclarecido
A ver-te ou a servir-te, porque visse
Ou suspeitasse em ti peito fingido;
Mas saberás que o fez, por que cumprisse
O regimento, em tudo obedecido,
De seu Rei, que lhe manda que não saia,
Deixando a frota, em nenhum porto ou praia (Estr.83)
4
Pano em que o traje era confeccionado
5
“Imos” é uma forma antiga do português. Hoje a forma empregada é vamos.
O poeta nos faz ver a imagem de bom marinheiro desejada por Vasco da Gama e
repassada ao Rei de Melinde. Devido aos objetivos que tinha, era de fundamental
importância a conquista da amizade do Rei, o piloto que buscava e, sobretudo a
manutenção da segurança pessoal e da frota. Possivelmente, deste fato sobrevém a
falácia da afirmação de que nunca havia desembarcado durante a viagem. Em segundo
plano, o que tinha em mente era levar o Rei de Melinde a conceber a visita como uma
honra proporcionada pela frota portuguesa.
Estrofe 88 – Aqui o poeta expressa a admiração e o desejo do Rei de Melinde para
com a frota portuguesa: “homens que havia muito tempo andavam pelo mar”:
“Porém, como a luz crástina chegada
Ao mundo for, em minhas almadias
Eu irei visitar a forte armada,
Que ver tanto desejo a tantos dias.
E, se vier do mar desbaratada
Do furioso vento e longas vias,
Aqui terá de limpos pensamentos
Piloto, munições e mantimentos."(Estr. 88)
Estrofe 94 – Encontro do Rei de Melinde com o Capitão português, Vasco da Gama
em alto mar:
Um batel grande e largo, que toldado
Vinha de sedas de diversas cores,
Traz o Rei de Melinde, acompanhado
De nobres de seu Reino e de senhores.
Vem de ricos vestidos adornado,
Segundo seus costumes e primores;
Na cabeça, a frota guarnecido
De ouro, e de seda e de algodão tecida (Estr.94)
Estrofe 95 – Descrição dos trajes do Rei de Melinde:
Cabaia de Damsco rico e digno,
Da Tíria cor, entre eles estimada;
Um colar aos pescoço, de ouro fino,
Onde a matéria da obra é superada,
Com resplendor reluz adamantino;
Na cinta a rica adaga, bem lavrada;
Nas alparcas dos pés, em fim de tudo,
Cobrem ouro e aljôfar ao veludo.
Estrofe 97 – Descrição dos trajes de Vasco da Gama:
Não menos guarnecido, o Lusitano,
Nos seus batéis, da frota se partia,
A receber no mar o Melindano,
Com lustrosa e honrada companhia.
Vestido o Gama vem ao modo Hispano,
Mas Francesa era a roupa que vestia,
De cetim da Adriática Veneza,
Carmesim, cor que a gente tanto preza. (Estr.97)
De botões d’ouro as mangas vêm tomadas
Onde o Sol, reluzindo, a vista cega;
As calças saldadescas, recamadas
Do metal que Fortuna a tantos nega;
E com pontas do mesmo, delicadas,
Os golpes do gibão ajunta e achega;
Ao itálico modo a áureas espada;
Pruma na gorra, um pouco declinada. (Estr.98).
Estrofes 101 a 103 – O Rei Mouro recebe os Lusitanos com grande espanto,
admiração e estima, enaltecendo-lhes a fama e os feitos heroicos.
Já no batel entrou do Capitão
O Rei, que nos seus braços o levava;
Ele, com a cortesia que a razão
(Por ser Rei) requeria, lhe falava.
Com mostras de espanto e admiração,
O Mouro o gesto e o modo lhe notava,
Como quem em mui grande estima tinha
Gente que de tão longe à Índia vinha.(Estr.101)
E com grandes palavras lhe oferece
Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse,
E que, se mantimento lhe faltasse,
Como se próprio fosse, lhe pedisse.
Diz-lhe mais que por fama bem conhece
A gente Lusitana, sem que a visse;
Que já ouviu dizer que noutra terra
Com gente de sua Lei tivesse guerra; (Estr.102)
E como por toda África se soa,
Lhe diz, os grandes feitos que fizeram
Quando nela ganharam a coroa
Do Reino onde as 6Hespérides viveram;
E com muitas palavras apregoa
O menos que os de Luso mereceram
E o mais que pela fama o Rei sabia;
Mas desta sorte o Gama respondia. (Estr.103)
Estrofe 108 – Diferentemente do Rei de Mombaça, o Rei mouro de Melinde parecia
agora deleitar-se de tão encantado que estava com os feitos heroicos dos navegantes
portugueses:
6
Deusas que representam o espírito fertilizador da natureza. Disponível em: wikipedia.org.
Em práticas o Mouro diferentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas e excelentes
Com povo havidas que a Mafoma adora;
Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hespéria última, onde mora;
Agora, pelos povos seus vizinhos,
Agora, pelos úmidos caminhos. (Estr.108)
- “Mas antes, valoroso Capitão,
Nos conta (lhe dizia), diligente,
Da terra tua o clima e região
Do mundo onde morais, distintamente;
E assim de vossa antiga geração,
E o princípio do Reino tão potente,
Com sucessos das guerras do começo,
Que, sem sabê-las, sei que são de preço; (Estr.109).
Referências
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. 1ªedição.Cotia, SP: Pé da Letra, 2018. págs. 30-58.
PRETI, D.F. Camões e a realidade histórica: presença nas crônicas históricas e roteiros
de viagens em Os Lusíadas – estudo do Canto II. Disponível em:
https://pos.fflch.usp.br/node/39497.
HESPÉRIDES. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Wikipedia 2017. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hesp%C3%A9rides. Acesso em: 10/08/2021.

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Os Lusíadas

  • 1. OS LUSÍADAS Você já leu o Canto II de Os Lusíadas? O Canto II caracterizado como crônica rimada (rimas cruzadas e emparelhadas) e ficção poética foi escrito por volta de 1554 e narra a trajetória enfrentada por Vasco da Gama, navegador português para descobrir o caminho marítimo para as Índias, os preparativos da grande viagem, a descrição geográfica das regiões orientais e os feitos históricos praticados pelos portugueses nestas regiões. O subgênero maravilhoso (presença de algum acontecimento sobrenatural) se faz presente na estrofe 22, versos 1 a 4, cena esta marcada pela luta de Vênus e das Nereidas contra os ventos e as correntes marítimas. Nos Lusíadas - Epopeia escrita por Camões – o poeta narra os feitos dos portugueses no Oriente durante o período do Quinhentismo (período marcado pelas primeiras manifestações literárias no Brasil – 1500-1601). No Canto II presentifica-se o conflito entre homens e deuses num período marcado pelo humanismo, pelo fim do Renascimento pela crença nos valores humanos (Antropocentrismo) em oposição à crença nas forças divinas e sobrenaturais (Teocentrismo). O objetivo do poema é cantar o amor da pátria e os feitos lusitanos no passado e no presente sob a ótica do poeta épico que traz tudo para diante dos nossos olhos como se fossem os seus. Os poemas épicos possuem maior ligação com a História e tendem a expressar o momento vivido pelo poeta. Geralmente o poeta épico pretende nos contar algo, fazer- nos ver a realidade por ele observada, tornando presente os fatos passados. Obras como “História do Descobrimento” e “Conquistas da Índias pelos portugueses” de Fernão Lopes de Castanheda e “Ásia” de João de Barros serviram de fontes para Camões escrever o canto II.
  • 2. Canto II Ao chegar em Mombaça Vasco da Gama desconfiado envia dois mensageiros para confirmar a paz com o Rei Mouro. Os enviados avistam Baco falsamente vestido de sacerdote católico em adoração; Vasco da Gama pensando tratar-se de local seguro inicia os trabalhos para desembarcar quando a deusa Vênus intervém em favor dos marinheiros portugueses, dificultando a entrada dos navios no Porto. Vasco percebe a cilada e afasta-se de Mombaça prosseguindo viagem. Estrofes 2, 3, 4: Narra o encontro dos mensageiros do Rei de Mombaça com Vasco da Gama dizendo-lhe que o Rei sente grande alegria e satisfação em recebê-los, que desejava muito vê-los para dar-lhes acomodações. Que Vasco da Gama deveria entrar na Barra com toda sua frota sem receio para receber uma preciosa carga (especiarias e pedrarias) necessária para a sua viagem. Com isso, o Rei de Mombaça consegue convencer o Capitão a entrar no Porto de Mombaça: “Capitão, valeroso que cortado Tens de Netuno o reino e salsa via, O Rei que manda esta Ilha, alvoroçado Da vinda tua, tem tanta alegria Que nada deseja mais que agasalhar-te, Ver-te e do necessário reformar-te (Estr.2) “E porque está em extremo desejoso De te ver como cousa nomeada, Te roga que de nada receoso, Entres a barra tu com toda armada; E porque do caminho trabalhoso Trarás a gente débil e cansada, Diz que na terra podes reforma-la (Estr.3) Na estrofe 4 Camões descreve as especiarias por ordem de importância oferecidas pelo Rei a Vasco da Gama: canela, cravo, ardente especiaria ou droga salutífera e prestante seguido das pedras preciosas: rubi e diamante.
  • 3. “E se buscando vás mercadoria Que produz o aurífero Levante, Canela, cravo, ardente especiaria Ou droga salutífera e prestante; Ou se queres luzente pedraria. O rubi fino, o rígido diamante, Daqui levarás tudo tão sobejo Com que faças o fim a teu desejo. Estrofe 5: O Capitão agradece as palavras do Rei e diz que não vai atracar a embarcação porque se faz noite, mas assim que o Sol despontar cumprirá sem receio seu mandado. Ao mensageiro o Capitão responde, As palavras do Rei agradecendo, E diz que, porque o Sol no mar se esconde, (v.3 Não entra para dentro, obedecendo; (v.4) Porém que, como a luz mostrar por onde Vá sem perigo a frota, não temendo, Cumprirá sem receio seu mandado, Que a mais por tal senhor está obrigado (Estr. 5) Pergunta-lhe depois se estão na terra Cristãos, como o piloto lhe dizia O mensageiro astuto, que não erra, Lhe diz que a mais da gente em Cristo cria. Desta sorte do peito lhe desterra Toda suspeita e cauta fantasia; Por onde o Capitão seguramente Se fia da infiel e falsa gente. (Estr. 6) Estrofe 7: Contudo, apesar das evidências que nos levam a pensar que o capitão confiava nos mouros, sua atitude não condiz com seu pensamento, pois envia dois condenados para verificar as verdadeiras condições da terra, antes de entrar no Porto: E de alguns que trazia, condenados Por culpas e por feitos vergonhosos, Por que pudessem ser aventurados Em casos desta sorte duvidosos, Manda dois mais sagazes, ensaiados, Por que notem dos Mouros enganosos A cidade e poder, e por que vejam Os Cristãos, que só tanto ver desejam (Estr.7) Na verdade, Vasco da Gama estava mesmo era ganhando “tempo”, visto que havia recebido ordens expressas de Dom Sebastião para não se arriscar.
  • 4. A estrofe 9 apresenta-nos a chegada dos mensageiros, a entrega dos presentes ao Rei Mouro e a malícia dos mouros que se resguardavam de lhes mostrar tudo quanto existia naquela cidade. Na estrofe 10 o poeta se refere a Baco ou Dionísio, deus do vinho, filho de Tione, chamada de Sêmele pelos gregos, inimigo dos heróis portugueses e suas façanhas para enganar os mensageiros. Nas estrofes 11 e 12 Camões narra a chegada dos mensageiros a casa onde Baco, metamorfoseado de homem, vestido de sacerdote muçulmano, adorava uma imagem do Espírito Santo em forma de pintura. E depois que ao Rei apresentaram Com o recado os presentes que traziam, À cidade correram, e notaram Muito menos daquilo que queriam; Que os Mouros cautelosos se guardaram De lhes mostrarem tudo o que pediam; Que onde reina a malícia, está o receio Que a faz imaginar no peito alheio. (Estr.9) Estrofe 10: Cena em que Camões menciona os falsos mercenários cristãos adorando a imagem do Espírito Santo. Mas aquele que sempre a mocidade Tem no rosto perpétua, e foi nascido De duas mães, que urdia a falsidade Por ver o navegante destruído, Estava na casa da cidade, Com rosto humano e hábito fingido, Mostrando-se Cristão, e fabricava Um altar suntuoso que adorava (Estr.10) Ali tinha em retrato afigurada Do alto e Santo Espírito a pintura, A cândida Pombinha, debuxada Sobre a única Fênix, virgem pura; A companhia santa está pintada, Dos doze, tão torvados na figura Como os que, só das línguas que caíram De fogo, várias línguas referiram (Estr.11)
  • 5. Na Estrofe 12 – Camões faz uso de um processo artístico ao associar os mercenários cristãos à imagem do deus Baco transformado em homem. Aqui os dois companheiros conduzidos Onde com este engano Baco estava, Põem em terra os joelhos, e os sentidos Naquele Deus que o Mundo governava. Os cheiros excelentes, produzidos Na Pancaia odorífera, queimava O Tioneu, e assim por derradeiro O falso Deus adora o verdadeiro (Estr.12) Baco ou Dionísio Estrofes 13 a 15 – narram a boa recepção dos mensageiros pelos Mouros, o retorno dos mensageiros que o Capitão havia enviado e a notícia de que naquela terra havia Cristãos e nenhum risco existia: Aqui foram de noite agasalhados, Com todo o bom e honesto tratamento Os dois Cristãos, não vendo que enganados Os tinha o falso e santo fingimento. Mas, assim como os raios espalhados Do Sol foram no mundo, e num momento Apareceu no rúbido Horizonte Na moça de Titão a roxa fronte, (Estr.13) Tornam da terra os Mouros com recado Do Rei para que entrassem, e consigo Os dois que o Capitão tinha mandado, A quem se o Rei mostrou sincero amigo; E sendo o Português certificado De não haver receio de perigo E que gente de Cristo em terra havia, Dentro no salso rio entrar queria. (Estr.14) Dizem-lhe os que mandou que em terra viram Sacras aras e sacerdote santo; Que ali se agasalharam e dormiram Enquanto a luz cobriu o escuro manto: E que no Rei e gentes não sentiram Senão contentamento e gosto tanto Que não podia certo haver suspeita Na mostra tão clara e tão perfeita. (Estr.15)
  • 6. Estrofe 16 – Devido as informações trazidas pelos mensageiros o Capitão se convence de tal forma de que nenhum perigo havia que ingenuamente permite a presença dos Mouros a bordo com pretensão de acompanhar sua entrada em Mombaça. Com isto o nobre Gama recebia Alegremente os Mouros que subiam Que levemente um ânimo se fia De mostras que tão certas pareciam. A nau da gente pérfida se enchia, Deixando a bordo os barcos que traziam. Alegres vinham todos porque creem Que a presa desejada certa têm (Estr.16) Estrofes 18 a 21 – Narram a interferência dos deuses, a intervenção milagrosa de Vênus e das Nereidas que eram em torno de 50, filhas de Nereu, deus do mar e Dóris impedindo assim que a nau avançasse em direção ao Porto. As âncoras tenazes vão levando, Com a náutica grita costumada; Da proa as velas sós ao vento dando, Inclinam para a barra abalizada. Mas a linda Ericina, que guardando Andava sempre a gente assinalada, Vendo a cilada grande e tão secreta, Voa do Céu ao mar como a seta. (Estr.18) Convoca as alvas filhas de Nereu, Com toda a mais cerúlea companhia, Que, porque no salgado mar nasceu, Das águas o poder lhe obedecia; E, propondo-lhe a causa a que desceu, Com todos juntamente se partia Para estorvar que a armada não chegasse Aonde para sempre se acabasse. (Estr.19) Estrofe 22: o poeta narra a luta que aconteceu entre os homens, as forças divinas e os elementos da natureza conduzidos pelos deuses para impedir que a nau entrasse no porto de Mombaça. Põe-se a Deusa com outras em direito Da proa capitânia, e ali fechando O caminho da barra, estão de jeito Que em vão assopra o vento, a vela inchando; Põem no madeiro duro o brando peito, Para detrás a forte nau forçando; Outras em derredor levando-a estavam E da barra inimiga a desviavam. (Estr.22)
  • 7. Estrofes 24 a 29: Narram o alvoroço provocado pela corrida dos marinheiros para os equipamentos de bordo para proteger a nau do choque contra a rocha (penedo), a fuga dos mouros temerosos de serem descobertos. Torna para detrás a nau, forçada, Apesar dos que leva, que, gritando, Mareiam velas; ferve a gente irada, O leme a um bordo e a outro atravessando; O mestre astuto em vão da popa brada, Vendo como diante ameaçando Os estava um marítimo penedo, Que de quebrar-lhe a nau lhe mete medo (Estr.24) A celeuma medonha se alevanta No rudo marinheiro que trabalha; O grande estrondo a Maura1 gente espanta, Como se vissem hórrida batalha; Não sabem a razão de fúria tanta, Não sabem nesta pressa quem lhe valha: Cuidam que seus enganos são sabidos E que hão-de-ser por isso aqui punidos (Estr.25) Ei-los subitamente se lançavam A seus batéis velozes que traziam; Outros em cima o mar alevantavam Saltando n’água, a nado se acolhiam; De um bordo e doutro súbito saltavam, Que o medo os compelia do que viam; Que antes querem ao mar aventurar-se Que nas mãos inimigas entregar-se (Estr.26) 1 Mauro(a)= mouro, moura.
  • 8. Estrofe 27 – Graças à saída inoportuna do piloto de Moçambique, Vasco da Gama reconhece a perfídia daquela falsa gente e a proteção que recebera das forças divinas. Assim fogem os Mouros; e o piloto, Que ao perigo grande às naus guiara, Crendo que seu engano estava noto, Também foge, saltando na água amarga. Mas, por não darem no penedo imoto, Onde percam a vida doce e cara, A âncora solta logo a capitânia. Qualquer das outras junto dela amaina. (Estr.27) Vendo o Gama, atentado, a estranheza Dos Mouros, não cuidada, e juntamente O piloto fugir-lhe com presteza, Entende o que ordenava a bruta gente; E vendo, sem contraste e sem braveza Dos ventos ou das águas sem corrente, Que a nau passar avante não podia, Havendo-o por milagre, assim dizia: (Estr.28) Estrofe 66 – Ao aguardar na entrada do Porto de Mombaça a ocasião de partir, os Mouros escondidos tentaram cortar as amarras da embarcação, com o objetivo de levá-los à costa: Neste tempo que as âncoras levavam, Na sombra escura os Mouros escondidos Mansamente as amarras lhe cortavam, Por serem, dando à costa, destruídos; Mas com vista de linces vigiavam Os Portugueses, sempre apercebidos; Eles como acordados os sentiram Voando, e não remando, lhe fugiram. (Estr.66) Amarras de um navio Estrofe 68 – Ao deixarem Mombaça, a frota portuguesa, após um dia de viagem, depara-se com dois navios mouros que fogem amedrontados. Um deles consegue escapar, enquanto o outro é apreendido: Tinha a volta dado o Sol ardente E noutra começava, quando viram Ao longe dois navios, brandamente Com ventos navegando, que respiram. Porque haviam de ser da 2Maura gente, Para eles arribando, as velas viram. Um, de temor do mal que arreceava, 2 Maura: o mesmo que moura
  • 9. Por se salvar a gente à costa dava. (Estr.68) Estrofe 69 – O poeta narra o motivo que levou Vasco da Gama a aprisionar o navio mouro: “desejava apenas um piloto que o levasse à Índia. E como o Gama muito desejasse Piloto para a Índia, que buscava, Cuidou que entre estes Mouros o tomasse, Mas não lhe sucedeu como cuidava; Que nenhum deles há que lhe ensinasse A que parte dos céus a Índia estava; Porém dizem-lhe todos que tem perto Melinde, onde acharão piloto certo. (Estr.70) Estrofe 73 – O poeta narra a chegada da frota portuguesa a Melinde, cidade esta que festejava neste dia a Páscoa. Quando chegava a frota àquela parte Onde o Reino Melinde já se via, De toldos adornada e leda de arte Que bem mostra estimar o Santo dia. Treme a bandeira, voa o estandarte, A cor purpúrea ao longe aparecia; Soam os atambores e pandeiros; E assim entravam ledos3 e guerreiros. (Estr.73). Estrofe 75 – Nesta estrofe é bem visível a fama dos portugueses, engrandecidos pelos feitos heróicos e reconhecida pelo Rei Mouro: O Rei, que já sabia da nobreza Que tanto os Portugueses engrandece Tomarem o seu porto tanto preza Quanto a gente fortíssima merece; E com verdadeiro ânimo e pureza, Que os peitos generosos enobrece, Lhe manda rogar muito que saíssem Para que de seus reinos se servissem. (Estr.75) Estrofe 76 – Em Melinde os nobres cavaleiros são recebidos com presentes oferecidos pelo soberano Mouro: São oferecimentos verdadeiros E palavras sinceras, não dobradas, As que o Rei manda aos nobres cavaleiros Que tanto mar e terras têm passadas. Manda-lhe mais lanígeros carneiros E galinhas domésticas cevadas, Com as frutas que na terra havia E a vontade à dádiva excedia. (Estr. 76). 3 Ledos: felizes, alegres, jubilosos
  • 10. Estrofe 77 – Em agradecimento Vasco da Gama envia presentes ao Rei de Melinde: Recebe o Capitão alegremente O mensageiro ledo e seu recado; E logo manda ao Rei outro presente, Que de longe trazia aparelhado: 4Escarlate púrpura, cor ardente, O ramoso coral, fino e prezado, Que debaixo das águas mole cresce, E, como é fora delas, se endurece. (Estr.77) Estrofe 79- Vasco da Gama enaltece as qualidades do Rei de Melinde: - “Sublime Rei, a quem do Olimpo puro Foi da suma justiça concedido Refrear o soberbo povo duro, Não menos dele amado, que temido: Como porto mui forte e mui seguro, De todo Oriente conhecido, Te vimos a buscar para que achemos Em ti o remédio certo que queremos. (Estr.79) Estrofe 80 – A seguir, o mesmo mensageiro que levou os presentes ao Rei de Melinde também leva um recado do Capitão, por meio do qual chega ao conhecimento daquele Rei os objetivos pacíficos da missão: “Não somos roubadores que, passando Pelas fracas cidades descuidadas, A ferro e a fogo as gentes vão matando, Por roubar-lhe as fazendas cobiçadas; Mas, da soberba Europa navegando, Imos5 buscando as terras apartadas Da Índia, grande e rica, por mandado De um Rei que temos, alto e sublimado (Estr.80) Estrofe 83 – O mensageiro do capitão português expõe ao Rei de Melinde seus princípios de fidelidade ao Rei de Portugual, Dom Sebastião, que o impossibilitavam de desembarcar devido a uma ordem real recebida no momento da partida: “E não cuides, o Rei, que não saísse O nosso Capitão esclarecido A ver-te ou a servir-te, porque visse Ou suspeitasse em ti peito fingido; Mas saberás que o fez, por que cumprisse O regimento, em tudo obedecido, De seu Rei, que lhe manda que não saia, Deixando a frota, em nenhum porto ou praia (Estr.83) 4 Pano em que o traje era confeccionado 5 “Imos” é uma forma antiga do português. Hoje a forma empregada é vamos.
  • 11. O poeta nos faz ver a imagem de bom marinheiro desejada por Vasco da Gama e repassada ao Rei de Melinde. Devido aos objetivos que tinha, era de fundamental importância a conquista da amizade do Rei, o piloto que buscava e, sobretudo a manutenção da segurança pessoal e da frota. Possivelmente, deste fato sobrevém a falácia da afirmação de que nunca havia desembarcado durante a viagem. Em segundo plano, o que tinha em mente era levar o Rei de Melinde a conceber a visita como uma honra proporcionada pela frota portuguesa. Estrofe 88 – Aqui o poeta expressa a admiração e o desejo do Rei de Melinde para com a frota portuguesa: “homens que havia muito tempo andavam pelo mar”: “Porém, como a luz crástina chegada Ao mundo for, em minhas almadias Eu irei visitar a forte armada, Que ver tanto desejo a tantos dias. E, se vier do mar desbaratada Do furioso vento e longas vias, Aqui terá de limpos pensamentos Piloto, munições e mantimentos."(Estr. 88) Estrofe 94 – Encontro do Rei de Melinde com o Capitão português, Vasco da Gama em alto mar: Um batel grande e largo, que toldado Vinha de sedas de diversas cores, Traz o Rei de Melinde, acompanhado De nobres de seu Reino e de senhores. Vem de ricos vestidos adornado, Segundo seus costumes e primores; Na cabeça, a frota guarnecido De ouro, e de seda e de algodão tecida (Estr.94) Estrofe 95 – Descrição dos trajes do Rei de Melinde: Cabaia de Damsco rico e digno, Da Tíria cor, entre eles estimada; Um colar aos pescoço, de ouro fino, Onde a matéria da obra é superada, Com resplendor reluz adamantino; Na cinta a rica adaga, bem lavrada; Nas alparcas dos pés, em fim de tudo, Cobrem ouro e aljôfar ao veludo. Estrofe 97 – Descrição dos trajes de Vasco da Gama: Não menos guarnecido, o Lusitano, Nos seus batéis, da frota se partia, A receber no mar o Melindano,
  • 12. Com lustrosa e honrada companhia. Vestido o Gama vem ao modo Hispano, Mas Francesa era a roupa que vestia, De cetim da Adriática Veneza, Carmesim, cor que a gente tanto preza. (Estr.97) De botões d’ouro as mangas vêm tomadas Onde o Sol, reluzindo, a vista cega; As calças saldadescas, recamadas Do metal que Fortuna a tantos nega; E com pontas do mesmo, delicadas, Os golpes do gibão ajunta e achega; Ao itálico modo a áureas espada; Pruma na gorra, um pouco declinada. (Estr.98). Estrofes 101 a 103 – O Rei Mouro recebe os Lusitanos com grande espanto, admiração e estima, enaltecendo-lhes a fama e os feitos heroicos. Já no batel entrou do Capitão O Rei, que nos seus braços o levava; Ele, com a cortesia que a razão (Por ser Rei) requeria, lhe falava. Com mostras de espanto e admiração, O Mouro o gesto e o modo lhe notava, Como quem em mui grande estima tinha Gente que de tão longe à Índia vinha.(Estr.101) E com grandes palavras lhe oferece Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse, E que, se mantimento lhe faltasse, Como se próprio fosse, lhe pedisse. Diz-lhe mais que por fama bem conhece A gente Lusitana, sem que a visse; Que já ouviu dizer que noutra terra Com gente de sua Lei tivesse guerra; (Estr.102) E como por toda África se soa, Lhe diz, os grandes feitos que fizeram Quando nela ganharam a coroa Do Reino onde as 6Hespérides viveram; E com muitas palavras apregoa O menos que os de Luso mereceram E o mais que pela fama o Rei sabia; Mas desta sorte o Gama respondia. (Estr.103) Estrofe 108 – Diferentemente do Rei de Mombaça, o Rei mouro de Melinde parecia agora deleitar-se de tão encantado que estava com os feitos heroicos dos navegantes portugueses: 6 Deusas que representam o espírito fertilizador da natureza. Disponível em: wikipedia.org.
  • 13. Em práticas o Mouro diferentes Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas e excelentes Com povo havidas que a Mafoma adora; Agora lhe pergunta pelas gentes De toda a Hespéria última, onde mora; Agora, pelos povos seus vizinhos, Agora, pelos úmidos caminhos. (Estr.108) - “Mas antes, valoroso Capitão, Nos conta (lhe dizia), diligente, Da terra tua o clima e região Do mundo onde morais, distintamente; E assim de vossa antiga geração, E o princípio do Reino tão potente, Com sucessos das guerras do começo, Que, sem sabê-las, sei que são de preço; (Estr.109). Referências CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. 1ªedição.Cotia, SP: Pé da Letra, 2018. págs. 30-58. PRETI, D.F. Camões e a realidade histórica: presença nas crônicas históricas e roteiros de viagens em Os Lusíadas – estudo do Canto II. Disponível em: https://pos.fflch.usp.br/node/39497. HESPÉRIDES. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Wikipedia 2017. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hesp%C3%A9rides. Acesso em: 10/08/2021.