1. Trata-se de um recurso ordinário interposto pelo Ministério Público de Contas contra um acórdão que julgou regular com ressalvas um termo de inexigibilidade de licitação realizado pela Prefeitura do Recife.
2. O recurso alega que o termo de inexigibilidade não atendeu aos requisitos legais e que a contratação direta não se enquadrava no instituto da inexigibilidade, uma vez que outras empresas poderiam executar o projeto.
3. Pede-se a reforma do ac
Contratação de evento Recife Verão Total do Frevo é irregular
1. INTEIRO TEOR DA DELIBERAÇÃO
44ª SESSÃO ORDINÁRIA DO TRIBUNAL PLENO REALIZADA EM 18/12/2013
PROCESSO TC Nº 1204719-3
RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS,
REPRESENTADO PELO PROCURADOR GILMAR SEVERINO DE LIMA, AO ACÓRDÃO
TC Nº 436/12 (PROCESSO TC Nº 0702230-0), DE INTERESSE DA
PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE.
ADVOGADOS: DR. MÁRCIO JOSÉ ALVES DE SOUZA – OAB/PE Nº 5.786;
DR. CARLOS HENRIQUE VIEIRA DE ANDRADA – OAB/PE Nº 12.135;
DR. DIMITRI DE LIMA VASCONCELOS – OAB/PE Nº 23.536; DRA. TERCIANA
CAVALCANTI SOARES – OAB/PE Nº 866-B; DR. AMARO ALVES DE
SOUZA NETTO - OAB/PE Nº 26.082; DR. EDSON MONTEIRO VERA CRUZ FILHO
– OAB/PE Nº 26.183; DR. EDUARDO DILETIERE COSTA CAMPOS TORRES –
OAB/PE Nº 26.760
RELATOR: CONSELHEIRO CARLOS PORTO
PRESIDENTE: CONSELHEIRA TERESA DUERE
RELATÓRIO
Trata-se
de
Recurso
Ordinário
interposto
pelo
Ministério Público de Contas, subscrito pelo Procurador Gilmar
Severino de Lima (fls. 01-12), ao Acórdão TC nº 436/12,
prolatado pela Primeira Câmara desta Corte, quando da apreciação
do Processo TC nº 0702230-0 (Auditoria Especial realizada na
Prefeitura da Cidade do Recife, referente à verificação da
regularidade do procedimento de Inexigibilidade nº 10/2006,
realizado para aquisição de “Cota de Apresentação” do projeto
“RECIFE VERÃO TOTAL DO FREVO”, no valor de R$ 2.950.000,00 –
dois milhões, novecentos e cinquenta mil reais), em sessão
realizada em 08.03.2012, oportunidade em que foi julgado
regular, com ressalvas, o objeto da aludida Auditoria Especial.
Às fls. 27-35, constam as contrarrazões apresentadas em
peça única por Samuel de Oliveira Neto (Secretário de Turismo e
autoridade que ratificou o Termo de Inexigibilidade em questão)
e por Carlos Lins Braga (Assessor Executivo da Secretaria de
Turismo e responsável pelo Termo de Inexigibilidade).
Os autos foram submetidos à análise do Ministério
Público de Contas, que se manifestou por meio do Parecer MPCO
n° 795/2013, da lavra da Procuradora Germana Galvão Cavalcanti
1
2. Laureano, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso
(fls. 42-52).
Faço integrar ao presente relatório o referido Parecer,
verbis:
1. RELATÓRIO
Trata-se de Recurso Ordinário interposto pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO DE CONTAS, por conduto do valoroso Procurador Gilmar
Severino de Lima, contra o teor do Acórdão TC nº 436/2012, que
julgou regular, com ressalvas, o objeto da Auditoria Especial TC
n° 0702230-0: contratação, mediante inexigibilidade de licitação
nº 10/2006, de aquisição da “Cota de Apresentação” do projeto
“RECIFE VERÃO TOTAL DO FREVO”, levada a efeito pela Prefeitura da
Cidade do Recife/Secretaria de Turismo.
A deliberação objurgada apresenta a seguinte fundamentação,
constante de seu voto condutor:
“A Prefeitura da Cidade do Recife instaurou o Termo de
Inexigibilidade de licitação nº 10/2006 do qual decorreu a
aquisição da cota de apresentação no projeto denominado
“RECIFE VERÃO TOTAL DO FREVO”. Para tanto foi contratada a
empresa A. K. BANDEIRA DE SOUZA, sendo o valor global do
projeto orçado em R$ 2.950.000,00 (fls. 13/16).
A inexigibilidade de licitação foi fundamentada no art. 25,
caput da Lei nº 8.666/93, fls. 17.
No Relatório foram apontadas onze irregularidades no Termo de
Inexigibilidade nº 10/2006, conforme descrito às fls. 87/88.
A despeito da ocorrência de falhas formais, deterei minha
atenção ao que parece de maior relevo nestes autos, qual
seja, o cabimento ou não do Termo de Inexigibilidade nº
10/2006.
A auditoria constatou que a empresa ATIVA COMUNICAÇÃO E
ASSOCIADOS LTDA detinha junto ao INPI o registro da marca
“VERÃO ENERGIA TOTAL” e que cedeu a empresa A.K BANDEIRA
SOUZA o direito de produção e uso de imagem do evento
denominado “Verão Total”. Ocorre que a Prefeitura desenvolveu
o projeto “Recife Verão Total Frevo”, desvinculado da marca
pertencente à ATIVA, logo podendo contratar através de
licitação.
Depreende-se que a auditoria, corroborada pelo Parecer do
MPCO, considerou a marca de propriedade da ATIVA era
diferente do projeto pretendido pela Prefeitura, logo,
inexistente a exclusividade que o motivou o Termo nº 10/2006.
A defesa da empresa A. K. PRODUÇÕES, fls. 111/112, alega que
o “Projeto Verão Total” é de exclusividade da Ativa
Promoções, sendo que em 2007, excepcionalmente e em homenagem
2
3. ao centenário do frevo, foi utilizado o nome de fantasia
“Verão Total Frevo”. Ou seja, o projeto desenvolvido foi o
mesmo, apenas com a denominação modificada, logo procedente a
exclusividade que resultou no termo de inexigibilidade.
Afirmou, ainda, que a “ATIVA” repassou apenas os direitos da
execução do projeto, porém, coordenou todas as atividades
através do seu representante, Sr. Carlos Eduardo Carvalho
Fernandes.
Contrapondo as conclusões da auditoria, a defesa da A.K
Produções, demonstrou que a Prefeitura não foi a única
patrocinadora do evento. Também patrocinaram: Rede Globo
Nordeste,
Guaraná
Antarctica,
Gatorade,
Hospital
HOPE/Esperança, Velox e Eletroshopping, além de apoiadores
como a Academia R2, Academia Corpo Livre, etc.
No mesmo sentido, aduziu que a justificativa de preços foi
detalhadamente demonstrada nos autos, fls. 155/161.
A defesa coletiva dos gestores da PCR basicamente sustentou
as mesmas razões expostas pela A.K Produções.
A despeito de algumas falhas formais, restou claro que a
marca “Verão Total” pertencia à ATIVA PROMOÇÕES”, sendo feita
apenas um modificação no título do evento para adaptá-lo ao
centenário do frevo. A ATIVA cedeu os direitos de execução
para a A.K Produções, procedimento alheio à Administração
contra o qual nada existe nos autos para descaracterizá-lo.
Considero razoável que a empresa cedente designe um
representante para coordenar a execução, até para manter o
nível de qualidade do evento nos moldes como foi concebido e
que gerou a patente.
O evento teve repercussão na cidade e foi desenvolvido com a
participação de vários patrocinadores de porte. A planilha de
preços apresentada merecia maiores desdobramentos, porém não
há como imputar excessos porventura acontecidos.
Isso posto, e com todas as vênias ao Ministério Público de
Contas,
Julgo regular, com ressalvas, o Termo de Inexigibilidade nº
10/2006.” (grifos aditados)
Em
suas
razões
recursais,
o
Representante
do
Órgão
Ministerial de Contas sustentou que, ao revés do assentado no
decisum, nem a marca “Verão Total do Frevo” pertencia à empresa
Ativa Promoções, nem foi apresentada qualquer documentação que
comprovasse a existência de outros patrocinadores ao projeto,
inexistindo, ainda, justificativa do preço contratado.
Aduziu, ainda, que a Inexigibilidade nº 10/2006 não guardou
reverência aos ditames dos arts. 26 e 38 da Lei de Licitações,
porquanto não formalizado um procedimento administrativo, tampouco
justificado o preço da contratação, além de não apresentada
certidão negativa de débito da contratada e de sua regularidade
3
4. para com o FGTS. Acrescenta que, ao apreciar outro Termo de
Inexigibilidade firmado na mesma época, em condições análogas,
pela mesma Prefeitura do Recife (projeto “Reveillon Místico, alvo
do Processo TC nº 0701074-6), proclamou a Corte de Contas a sua
irregularidade, em deliberação relatada pelo mesmo Conselheiro
Relator do presente feito, conforme Acórdão TC nº 204/2012.
Impugnou o próprio socorro ao instituto da inexigibilidade,
sob o fundamento de que nem a AK Bandeira de Souza, nem a Ativa
Comunicação detinham a exclusividade da marca: “Verão Total do
Frevo”, agregando que, em verdade, não fora concedido um
patrocínio ao evento, mas contratados, sem licitação, serviços de
montagem de estrutura armada em espaço público para fins de
realização de diversos eventos. Citou, em abono da tese, a
ausência
de
comprovação
da
alegada
existência
de
outros
patrocinadores e a insuficiência do capital social da empresa
contratada, da ordem de R$ 10.000,00, para o custeio de um projeto
orçado em quase seis milhões de reais.
Por fim, apontou que o órgão julgador não atentou para o
irregular pagamento antecipado da 1º parcela da cota de patrocínio
no valor de R$ 2.350.000,00, sem qualquer exigência de garantia da
contratada, cujo reduzido capital social mostrava-se insuficiente
para suportar qualquer sanção por eventual inexecução contratual.
Com estas considerações, propugnou pela reforma do provimento
atacado, para efeito de julgar-se irregular a contratação,
mediante inexigibilidade de licitação nº 10/2006, de aquisição da
“Cota de Apresentação” do projeto “RECIFE VERÃO TOTAL DO FREVO” –
objeto da Auditoria Especial TC n° 0702230-0, com a remessa da
documentação pertinente ao Ministério Público Estadual, dados os
indícios de cometimento do delito previsto no art. 89 da Lei
Federal nº 8.666/93.
Regularmente notificados, os Recorridos, Srs. Samuel de
Oliveira Neto e Carlos Lins Braga, ofertaram as contrarrazões
presentes às fls. 27-35, em cujo bojo contrastaram o apontamento
de deficiência na formalização da inexigibilidade, afirmando a
existência de diversos dos elementos tratados nos arts. 26 e 38 do
Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, bem como
advogando o descabimento de justificativa de preço em hipóteses
que tais e enfatizando a ausência de dano ao erário.
Insistiram, ainda, na tese da inviabilidade de competição, ao
argumento de que a empresa A.K Bandeira, por cessionária do
direito de uso do detentor da marca Verão Energia Total (que,
asseveraram, visando ao prestígio da cultura local, fora
intitulada “Verão Total do Frevo”), era a única legitimada à
execução do projeto, conforme documentos de fls. 185-189 dos autos
principais; projeto esse que, segundo sua narrativa, não se
resumia à montagem de estrutura em espaço público, compreendendo
outras atividades discriminadas às fls. 193-224. Ponderaram, em
arremate, que a aquisição de cota máster de patrocínio, pela sua
4
5. própria natureza, não se compadece com a competição ínsita à
licitação, não havendo, pois, que se falar em irregularidade da
contratação direta, via inexigibilidade.
Com esse estágio de informação, aportaram os autos a este
órgão ministerial, para fins de análise e parecer.
É o relatório.
2.
2.1
ANÁLISE
ADMISSIBILIDADE
Nos termos da Lei Estadual nº 12.600/2004 (Lei Orgânica do
TCE-PE), os recursos ordinários devem ser interpostos no prazo de
30 (trinta) dias, contados da publicação do Acórdão recorrido na
Imprensa Oficial (artigo 78, § 1º).
No caso vertente, o Acórdão recorrido, TC n° 436/12, foi
disponibilizado na edição de 17.04.2012 do Diário Oficial do
Estado, vindo o recurso a ser interposto em 18.06.2012.
Considerando que o art. 77, § 5°, da Lei Orgânica do Tribunal de
Contas confere à instituição ministerial com assento na Corte
prazo em dobro para recorrer, inolvidável a tempestividade do
recurso.
A propósito da legitimidade e do interesse recursal, emergem
das disposições assinaladas no art. 77, §3°, c/c o art. 114, III,
da LOTCE/PE.
Logo, opina-se, em juízo preliminar de admissibilidade, com
fundamento no art. 78, caput, §§ 1◦ e 2◦, da Lei Orgânica desta
Corte, pelo conhecimento do presente Recurso Ordinário.
2.2
MÉRITO
Por método, examinarei em tópicos individuais e apartados
cada um dos argumentos lançados na petição recursal com o desígnio
de alterar a conclusão encerrada no Acórdão TC nº 436/12.
2.2.1.
Do
descabimento
inexigibilidade de licitação
da
contratação
mediante
Consoante registrado no tópico dedicado à sinopse fática,
entendeu a Câmara julgadora que a hipótese dos autos era de
inviabilidade de competição, a legitimar a inexigibilidade de
licitação, em razão da impossibilidade de outra empresa, diversa
da detentora da marca “Verão Energia Total”, realizar o projeto.
Enfatizou-se que o projeto realizado fora mesmo o “Verão Energia
Total”, de exclusividade da Ativa Promoções, que cedeu os direitos
de uso à empresa contratada: A.K Bandeira de Souza, decorrendo a
alteração da denominação para “Verão Total do Frevo” do interesse
em adaptar ao cenário local, onde se comemorava o centenário do
frevo. Afirmou-se, ainda, que o projeto fora executado com a
5
6. participação de vários patrocinadores de porte, a revelar que não
se tratou de uma aquisição de serviços sem licitação, mas de uma
verdadeira concessão de patrocínio.
Ponderou o órgão ministerial que nem a AK Bandeira de Souza,
nem a Ativa Comunicação detinham a exclusividade da marca “Verão
Total do Frevo”, acrescentando que o objeto da contratação:
estrutura armada em espaço público com a realização de diversos
eventos, revela que houve prestação de serviços sem licitação, uma
vez que a utilização da referida nomenclatura não tornou o projeto
o único apto à satisfação do interesse público, reforçado, ainda,
pela ausência de comprovação nos autos do processo de outros
patrocinadores ao projeto.
Os
Recorridos
apresentaram
argumentação
alinhada
à
fundamentação do provimento objurgado para defender a regularidade
do socorro ao instituto da inexigibilidade de licitação, na medida
em que insistiram na tese da inviabilidade de competição, ao
argumento de que a empresa A.K Bandeira, por cessionária do
direito de uso do detentor da marca Verão Energia Total (que,
asseveraram, visando ao prestígio da cultura local, fora
intitulada “Verão Total do Frevo”), era a única legitimada à
execução do projeto, conforme documentos de fls. 185-189 dos autos
principais; projeto esse que, segundo sua narrativa, não se
resumia à montagem de estrutura em espaço público, compreendendo
outras atividades discriminadas às fls. 193-224. Ponderaram, em
arremate, que a aquisição de cota máster de patrocínio, pela sua
própria natureza, não se compadece com a competição ínsita à
licitação, não havendo, pois, que se falar em irregularidade da
contratação direta, via inexigibilidade.
Colho dos autos duas razões básicas para afirmar a
procedência da impugnação recursal.
A primeira diz respeito à própria natureza da contratação
efetuada pela Secretaria de Turismo com vistas à implementação do
projeto Verão Total do Frevo.
Em tese, para atingimento de tal objetivo, tinha a Prefeitura
do Recife duas opções: a) poderia licitar (por item ou lote) cada
item do objeto pretendido e assumir a posição de única titular e
financiadora dos eventos; ou b) poderia conceder apoio cultural,
via
contratação
direta
(inexigibilidade
de
licitação)
consistente em copatrocínio - a projeto concebido e desenvolvido
por terceiros, limitando-se, neste caso, a ter sua “marca”
divulgada, conforme plano de mídia pré-aprovado (19-20 e 218-223
dos autos originais).
Na hipótese dos autos, denominou-se o ajuste efetuado de
contrato de aquisição de cota máster de patrocínio, a revelar que
a Prefeitura do Recife optou por conceder auxílio financeiro, via
aquisição de cota de patrocínio, a projeto cultural apresentado
pela empresa contratada. Consta, inclusive, no plano de mídia
colacionado às fls. 19-21 e 218-224, dos autos originais, que o
6
7. valor do patrocínio seria de 50% do valor estimado do projeto,
cabendo à Prefeitura da Cidade do Recife, adquirente dessa cota,
assinatura de sua marca, conforme se depreende do folder à fl. 220
dos autos principais (vol. 2).
Todavia, os demais elementos insertos no feito, fazem ver
que, a despeito da nomenclatura atribuída ao ajuste, a ação da
Administração Municipal foi de transferência a uma única empresa
de recursos para organizar evento por ela própria idealizado com o
único propósito de esquivar-se do dever de licitar.
De efeito, além de a empresa contratada A.K. Bandeira dispor
de capital social de apenas dez mil reais (fl. 29, vol. 01, dos
autos principais) – montante absolutamente incompatível com a
realização de evento do porte do projeto em lume, orçado em seis
milhões de reais, não comprovou o recebimento dos outros
patrocínios alegados, das empresas Rede Globo Nordeste, Guaraná
Antarctica,
Gatorade,
Hospital
HOPE/Esperança,
Velox
e
Eletroshopping, Academias Maysa, R2 e Corpo livre, Restaurante
Hakata, Abrasel, Casa Lapa, Lapinha, Stampa Outdoor e Rádio
Transamérica, Nagem, Esposende e Vitarela.
A decisão recorrida asseverou que houve demonstração da
existência de tais patrocínios à míngua de qualquer comprovação
nesse sentido, seja no curso da instrução processual, seja em grau
recursal, sendo forçoso reconhecer que a Prefeitura do Recife, por
conduto da Secretaria de Turismo, foi a única a liberar recursos
financeiros para o projeto, em nítida configuração de contratação
de serviços sem a precedência dos competentes procedimentos
licitatórios.
Poder-se-ia argumentar que o caso é apenas de deficiência de
comprovação
documental,
e
não
de
inexistência
de
outros
patrocinadores e apoiadores. Tal tese, entretanto, não se coaduna
com as demais evidências reunidas no processo, como o briefing do
evento (fls. 203-224 dos autos originais, vol. 2), que nada
menciona a respeito dos demais adquirentes das cotas de apoio a
projeto, omitindo-se quanto à indicação da quantidade de tais
cotas, seus valores e benefícios.
Mencione-se, ainda, que fosse mesmo a hipótese de concessão
de patrocínio, por certo existiria na prestação de contas dos
recursos repassados – e não existe - a comprovação de que o plano
de mídia fora fielmente observado, com a demonstração de:
gravações de 100 comerciais para TV; 600 chamadas em rádio; 06
páginas em jornais em circulação no Recife; 100 tabuletas
distribuídas no Recife; 150 tabuletas distribuídas em Maceió, João
Pessoa e Natal; 03 painéis luminosos; 5.000 cartazes; 500.000
panfletos; 300 banners; hot site em portal da internet; 08 placas
de chão; 10 bandeiras; 06 placas superiores; 40m de testeira; 1
blimp na arena esportiva; 1 blimp nas estruturas de apoio dos
bairros; aplicação da logomarca em 2 painéis informativos;
aplicação da logomarca junto ao palco, etc.
7
8. A par de não vislumbrar na contratação efetuada a natureza
que se lhe fora atribuída, de aquisição de cota de patrocínio, em
ordem a caracterizar a ilegalidade da ação administrativa, que,
sob tal rótulo, efetuou a contratação de serviços de vultoso
valor, sem a precedência de licitação, também não diviso a
inviabilidade de competição almejada, em razão da exclusividade de
uso da marca “Verão Energia Total”.
É que, apesar de comprovado que a empresa Ativa Comunicação
detinha a exclusividade de uso da marca “Verão Energia Total”,
traspassando-o temporariamente para a empresa A.K Bandeira sob a
epígrafe “Verão Total”, conforme documentos de fls. 31 e 34 dos
autos principais, vê-se da documentação exibida que o projeto
patrocinado pela Prefeitura do Recife foi outro, de nome “Verão
Total do Frevo”, soando desarrazoado pretender equiparar as marcas
pelo simples fato de encerrarem expressões similares, com
utilização de signos vocabulares comuns.
Ora, se a marca registrada no INPI era outra – e era – e
sobre a marca utilizada no projeto em lume: Verão Total do Frevo
não havia qualquer proteção de exclusividade, ressai óbvio que se
entremostrava viável – e exigível – a competição ínsita aos
certames licitatórios.
Logo, considerando que o caso revela, em verdade, aquisição
de serviços sem a precedência de licitação, em contexto de
viabilidade de competição, opino, pelo provimento do recurso
quanto ao ponto, para efeito de proclamar a irregularidade do
socorro ao instituto da inexigibilidade de licitação.
2.2.2.
Falhas
inexigibilidade
na
formalização
do
procedimento
de
Como visto, também apontadas pelo Recorrente falhas na
formalização do procedimento de inexigibilidade nº 10/2006, sob o
pretexto de que inobservados os comandos dos arts. 26 e 38 da Lei
de Licitações, notadamente pela não formalização de processo, pela
ausência de justificativa de preço da contratação, além de não
apresentação de certidão negativa de débito da contratada e de sua
regularidade para com o FGTS.
Os Recorridos, porém, afirmaram a existência de diversos dos
elementos tratados nos arts. 26 e 38 do Estatuto das Licitações e
Contratos Administrativos, advogando, ainda, o descabimento de
justificativa de preço em hipóteses que tais e enfatizando a
ausência de dano ao erário.
Tenho que também quanto ao tema, merece provimento o pleito
recursal.
É que, a despeito de haver sido comprovada a existência de
uma série de documentos afeitos à contratação em lume, a exemplo
de instrumento contratual, solicitação de autorização para
contratar, Termo de Inexigibilidade nº 10/2006, Plano de Trabalho,
8
9. planilha de custos do projeto (fls. 03-58, vol. 01, dos autos
principais), acrescidos de outros tantos carreados ao ensejo da
apresentação de Defesa: certidões negativas, parecer jurídico,
briefing do projeto, etc. (fls. 141-224, vols. 1-2, dos autos
principais), não fora evidenciada a sua prévia reunião em um
procedimento
administrativo,
como
reclama
o
Estatuto
das
Licitações e Contratos Administrativos, porquanto suas páginas não
estão numeradas.
E mais grave, não fora demonstrada a existência da
justificativa de preço exigida pelo art. 26, parágrafo único, da
Lei Federal nº 8.666/93, afinal não se pode conceber como
justificativa de preço, como o fez o provimento desafiado, a
planilha de preços exibida pela empresa contratada! Trata-se de
documento que identifica o preço praticado, mas não o justificada,
na medida em que não fundamenta a sua conformidade ao mercado, ou
mesmo o que o conduz a discrepar do usualmente praticado no
mercado.
De tão equivocada, a tese adotada pelo julgado primário, no
sentido de equiparar planilha de preços com justificativa de
preços, não fora sequer incorporada pelos Recorridos em suas
contrarrazões. Preferiram eles defender que o preceito legal não
exige a justifica de preços para todos os casos de contratação
direta, haja vista o uso da locução: “no que couber”, resultando
inconciliável a justificativa com a situação dos autos, dado o seu
ineditismo.
Sucede que o uso da referenciada locução “no que couber”,
constante do preceito legal que exige a justificativa de preço nas
contratações diretas, não tem o sentido que lhe pretendem
emprestar os Recorridos, de mera possibilidade. Nessa linha,
inclusive, já se pronunciou essa Corte de Contas, conforme revela
o trecho abaixo reproduzido do voto condutor da deliberação
proferida nos autos do Processo TC nº 1050076-5:
“(...) Quanto ao primeiro item (a) a defesa alega que o
dispositivo legal não obriga a administração a, em todos os
casos, justificar o preço.
Art. 26, Parágrafo único. O processo de dispensa, de
inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo,
será instruído, no que couber, com os seguintes elementos.
A interpretação que deve ser dada ao dispositivo não é de
livre discricionariedade do administrador público para
dispensar
a
justificativa
do
preço.
Entendo
que
a
justificativa deve ser feita dentro do que couber, havendo
inversão do ônus da prova, a fim de comprovar com um mínimo
de razoabilidade o preço estabelecido. (...)” (Acórdão TC nº
1665/2012, Rel. Cons. Dirceu Rodolfo, Doe: 27.10.2012)
Destaquei
9
10. Como se vê, a justificativa de preço – sempre obrigatória deve ser apresentada dentro do que couber, isto é, em relação às
parcelas do objeto contratado que foram precificadas, e não ser
apresentada apenas em alguns casos, “quando couber” – como
advogado pelos Recorridos.
E não poderia ser diferente, afinal, se a demonstração da
conformidade ao mercado do preço contratado se impõe nos casos de
licitação propriamente dita, em que há disputa entre os
interessados, com maior razão se revela intransponível nas
hipóteses de dispensa e inexigibilidade, em que não competição!
Ademais, não soa ocioso frisar que o art. 26, parágrafo
único, do Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos
expressamente se reporta também às situações de retardamento
motivado da execução da obra/serviço, nas quais desnecessários
alguns elementos enumerados em seus incisos, a exemplo da
justificativa do preço, razão pela qual esclarecida pelo
legislador a exigibilidade apenas daquilo que é compatível com os
institutos ali disciplinados.
Por outro lado, a circunstância de o projeto patrocinado
configurar singularidade (objeto inédito ou raríssimo) não
impossibilita a justificativa do preço, como afirmado pelos
Recorridos,
pois
o
parâmetro
poderia,
perfeitamente,
ser
contratação similar, de aquisição de cota de patrocínio para
eventos de correlata envergadura.
Por fim, o fato de não ter sido apontada lesão ao erário
decorrente da contratação em lume não socorre aos Recorridos,
afinal a potencialidade de lesão só poderia ter sido afastada se
os preços tivessem sido justificados. A omissão dessa relevante
providência impossibilitou o cotejamento dos preços pagos pela
Secretaria de Turismo do Recife com os valores do mercado
específico, prejudicando o reconhecimento de sua exequibilidade ou
de eventual superfaturamento.
Reconhecer que, dada a não demonstração de prejuízo ao
erário, a falta se reveste de menor importância, equivale a
permitir que o gestor se beneficie de sua própria e deliberada
omissão, quando, em verdade, a deliberada omissão, mormente para
uma contratação de tal monta, já permite presumir a intenção de
escamotear o inflacionamento dos valores.
Opino, pois, pelo provimento do pleito recursal, também
quanto a este aspecto.
2.2.3. Pagamento
garantia da contatada
antecipado
e
sem
qualquer
exigência
de
Apontou, ainda, o Recorrente irregularidade subjacente à
contratação, não abordada pelo Acórdão recorrido, qual seja, o
pagamento antecipado da 1º parcela da cota de patrocínio no valor
de R$ 2.350.000,00 (fl. 174 dos autos originais, vol. 1) e sem
10
11. qualquer exigência de garantia da contatada, cujo capital social:
R$ 10.000,00, mostrava-se insuficiente para suportar qualquer
sanção por possível inexecução contratual.
A questão não foi objeto de considerações pelos Recorridos.
Compulsando os autos, percebe-se que, de fato, os gestores da
Secretaria de Turismo do Recife liberaram a 1ª parcela da cota de
patrocínio em momento bem anterior à realização das despesas pela
empresa contratada, precisamente em 20.12.2006, (fls. 173-174 dos
autos originais, vol. 1), sem a exigência de qualquer garantia de
adimplemento das obrigações da contratada, discriminadas no plano
de mídia (fls. 218-224 dos autos primitivos, vol. 2).
Eventual argumento – possivelmente sobrevindo – no sentido de
que a conduta não causou prejuízo ao erário, é de logo rechaçada.
A uma, porque inexiste nos autos comprovação de que aquelas
obrigações encravadas no plano de mídia foram cumpridas pela
empresa beneficiada. E a duas, porque, ainda que existisse – o que
se admite apenas para fins de sequenciamento de raciocínio – não
se prestaria a afastar a negligência com que se houve o gestor no
trato dos recursos públicos a si confiados.
Logo, opino pelo provimento do recurso, também quanto a esse
ponto.
3. CONCLUSÃO
Frente
ao
exposto,
considerando
a
concorrência
dos
pressupostos de admissibilidade, opino, em preliminar, pelo
conhecimento do recurso ordinário interposto.
Em sede meritória, considerando que a nominada aquisição de
cota máster de patrocínio do projeto “Verão Total do Frevo”
consubstanciou,
em
verdade,
aquisição
de
serviços
pela
Administração Municipal sem a precedência de licitação, em
contexto de viabilidade de competição; considerando a falha na
formalização da inexigibilidade de licitação, dada a inexistência
de
procedimento
próprio
e,
notadamente,
da
obrigatória
justificativa de preço da contratação; considerando que parcela do
valor contratado fora previamente liberada em favor da empresa
contratada sem a exigência de garantia de adimplemento das
obrigações por ela assumidas, apesar de seu inexpressivo capital
social, frente ao volume da contratação; opino que seja conferido
PROVIMENTO ao recurso ordinário interposto, para efeito de julgar
irregular o objeto da Auditoria Especial em lume, de contratação,
mediante inexigibilidade de licitação nº 10/2006, de aquisição da
“Cota de Apresentação” do projeto “RECIFE VERÃO TOTAL DO FREVO”,
levada a efeito pela Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de
Turismo, sob a responsabilidade dos Srs. Samuel Oliveira Neto
(Secretário de Turismo à época - autoridade de ratificou o Termo
de Inexigibilidade) e Carlos Lins Braga (então Assessor Executivo
da
Secretaria
de
Turismo
e
responsável
pelo
Termo
de
11
12. Inegixibilidade), com remessa da documentação correlata ao
Ministério Público Estadual, dados os indícios de prática de ato
de improbidade administrativa e do delito tipificado no art. 89 do
Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos.
Retornaram-me os autos em 25.11.2013.
É o relatório.
VOTO DO RELATOR
Tenho
por
escorreita
a
análise
realizada
pela
representante ministerial, motivo pelo qual adoto os argumentos
esposados no parecer supratranscrito como razões de decidir no
presente julgamento.
Assim, deve ser acolhida a pretensão recursal, com a
consequente modificação do Acórdão TC nº 436/12, prolatado pela
Primeira Câmara desta Corte, quando da apreciação do Processo TC
nº 0702230-0 (Auditoria Especial realizada na Prefeitura da
Cidade do Recife, referente à verificação da regularidade do
procedimento de Inexigibilidade nº 10/2006, realizado para
aquisição de “Cota de Apresentação” do projeto “RECIFE VERÃO
TOTAL DO FREVO”, no valor de R$ 2.950.000,00 – dois milhões,
novecentos e cinquenta mil reais), para que seja julgado
irregular o objeto da referida Auditoria Especial, levada a
efeito pela Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de
Turismo, sob a responsabilidade dos Srs. Samuel Oliveira Neto
(Secretário de Turismo à época - autoridade de ratificou o Termo
de Inexigibilidade) e Carlos Lins Braga (então Assessor
Executivo da Secretaria de Turismo e responsável pelo Termo de
Inegixibilidade), com remessa da documentação correlata ao
Ministério Público Estadual, dados os indícios de prática de ato
de improbidade administrativa e do delito tipificado no artigo
89 do Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos.
Ex positis,
CONSIDERANDO a tempestividade e a legitimidade da parte
para recorrer, nos termos do artigo 78 da Lei Orgânica do
Tribunal de Contas (Lei Estadual nº 12.600/2004);
12
13. CONSIDERANDO os termos do Parecer MPCO n° 795/2013, do
Ministério Público de Contas;
CONSIDERANDO que a nominada aquisição de cota máster de
patrocínio do projeto “Verão Total do Frevo” consubstanciou, em
verdade, aquisição de serviços pela Administração Municipal sem
a precedência de licitação, em contexto de viabilidade de
competição;
CONSIDERANDO a falha na formalização da inexigibilidade
de licitação, dada a inexistência de procedimento próprio e,
notadamente,
da
obrigatória
justificativa
de
preço
da
contratação;
CONSIDERANDO que parcela do valor contratado fora
previamente liberada em favor da empresa contratada sem a
exigência de garantia de adimplemento das obrigações por ela
assumidas, apesar de seu inexpressivo capital social, frente ao
volume da contratação;
CONHEÇO DO RECURSO, por atender aos pressupostos de
admissibilidade,
e,
no
mérito,
DOU-LHE
PROVIMENTO
para,
modificando o Acórdão TC nº 436/12, prolatado pela Primeira
Câmara desta Corte, quando da apreciação do Processo TC nº
0702230-0 (Auditoria Especial realizada na Prefeitura da Cidade
do
Recife,
referente
à
verificação
da
regularidade
do
procedimento de Inexigibilidade nº 10/2006, realizado para
aquisição de “Cota de Apresentação” do projeto “RECIFE VERÃO
TOTAL DO FREVO”, no valor de R$ 2.950.000,00 – dois milhões,
novecentos e cinquenta mil reais), julgar irregular o objeto da
referida Auditoria Especial, levada a efeito pela Prefeitura da
Cidade do Recife/Secretaria de Turismo, sob a responsabilidade
dos Srs. Samuel Oliveira Neto (Secretário de Turismo à época autoridade de ratificou o Termo de Inexigibilidade) e Carlos
Lins Braga (então Assessor Executivo da Secretaria de Turismo e
responsável pelo Termo de Inegixibilidade), com remessa da
documentação correlata ao Ministério Público Estadual, dado os
indícios de prática de ato de improbidade administrativa e do
delito tipificado no artigo 89 do Estatuto das Licitações e
Contratos Administrativos.
13