Este documento descreve as características sociais e culturais do primeiro período medieval em Portugal, incluindo a estrutura de classes da sociedade, as cantigas de amigo e de amor, e as variedades dessas cantigas. Resume também as características das cantigas de amor provençais e como elas foram adaptadas na Península Ibérica.
Características sociais e culturais do primeiro período medieval
1. CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E CULTURAIS DO PRIMEIRO PERÍODO MEDIEVAL
Este período abrange a época que decorre entre o aparecimento do primeiro documento escrito em
português por volta de 1200 até, segundo alguns académicos, o ano de 1354 em que morreu D. Pedro,
Conde de Barcelos e último trovador conhecido e, segundo outros estudiosos, até à crise dinástica de 1383-
1385. A sociedade encontrava-se dividida em três classes distintas e inconfundíveis: o clero, a nobreza e o
povo.
Clero: o Papa era o senhor supremo dos próprios reis e a lei civil estava subordinada à lei eclesiástica. O clero
era a única classe com instrução, possuindo escolas nos seus mosteiros. Era ainda uma classe possuidora de
incalculáveis bens.
Nobreza:
• Ricos-homens, a chamada nobreza superior que, além de deter os principais cargos públicos com
remuneração, possuía ainda grandes extensões de território de cujos habitantes recebia contribuição.
• Infanções ou fidalgos e cavaleiros e escudeiros, classe guerreira que vivia dos soldos ofertados pelo rei
após a conquista de novas terras.
Quando terminou a ida para a guerra, os nobres deixando de poder aumentar os seus bens, começaram a
aproveitar-se do vilão a quem obrigavam a sustentá-los e vesti-los. Aproveitando também as suas relações
com o rei foram-se acolhendo sob a sua protecção, vivendo no paço e exercendo cargos administrativos –
surgia a nobreza cortesã em substituição da nobreza guerreira.
Povo:
• Cavaleiros vilãos, proprietários rurais, guerreiros cristãos não mouros e moçárabes representantes da
aristocracia não nobre. Não estavam sujeitos a nenhum senhor e não pagavam ao rei outro imposto a
não ser o fossado: estadia nas fileiras do exército durante uma determinada época do ano.
• Colonos livres ou peões que apenas se diferenciavam dos cavaleiros vilãos por um grau menor de
riqueza.
• Mercadores, homens livres que se estabeleciam em núcleos e que devem o nome de burgueses ao facto
de se aglomerarem à sombra do burgo ou cidade acastelada.
• Servos da gleba, classe de não proprietários, constituída por aqueles que cultivavam as terras de outrem
sem quaisquer direitos políticos e pelos que exerciam ofícios mecânicos e trabalhavam por conta
própria.
CANTIGAS DE AMIGO
Lirismo autóctone, assim chamadas porque nelas se repetiam muitas vezes a palavra “amigo” com o
significado de namorado. Eram cantigas no feminino (embora fossem sempre cantadas por homens),
expressando os sentimentos da donzela que os expunha à mãe, a uma irmã mais velha a quem pedia
conselhos, à natureza (antropomorfismo) ou a um santo da sua devoção.
A sua forma mais simples e mais típica é a cantiga paralelística com refrão.
Paralelismo Perfeito:
- presença de coplas de versos paralelos: dísticos seguidos de um refrão repetido textualmente em todas
as estrofes.
- repetição na estrofe par da ideia expressa na estrofe ímpar por palavras iguais ou muito semelhantes
- correspondência da rima “i” ou “e” num dístico em “a” no seguinte ou vice-versa: amigo/amado;
saído/passado; mentido/perjurado...
- o segundo verso do primeiro dístico é o primeiro verso do terceiro dístico; o segundo verso do segundo
dístico é o primeiro verso do quarto dístico.
A isto chamamos paralelismo perfeito e às cantigas em que é observado dá-se nome de paralelísticas puras.
Ondas do mar de Vigo,
1 - se vistes meu amigo!
E ay, Deus!, se verrá çedo!
Ondas do mar levado,
2 - se vistes meu amado!
E ay Deus!, se verrá cedo!
1 - Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
E ai Deus!, se verrá cedo!
2 - Se vistes meu amado,
por que ey gran cuidado!
E ay Deus!, se verrá cedo! – Martim Codax
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2. Paralelismo imperfeito
Quando nãos e observa a repetição atrás mencionada, ainda que se encontre apenas uma excepção, bastará
para que o paralelismo não seja considerado perfeito.
Vi eu, mha madr’, andar
1 --- as barcas eno mar
e moyro-me d’amor.
Fui eu, madre, ver
2 --- as barcas eno lez
e moyro-me d’amor.
1 --- As barcas eno mar
3 --- e foi-las aguardar:
e moyro-me d’amor
2 --- As barcas eno lez
4 --- E foi-las atender
e moyro-me d’amor
3 --- E foi-las aguardar
5 --- e non o pud’achar:
e moyro-me d’amor
4 --- E foi-las atender
e non o pudi veer
E moyro-me d’amor
5 --- E non o achei hy
O que por meu mal vi
E moyro-me d’amor – Nuno Fernandes Torneol
Paralelismo anafórico e semântico
- Anafórico: quando se repetem as mesmas palavras no início de dois ou mais versos seguidos:
Senhor fremosa pois me não queredes
creer a cuita’n que me tem amor
por meu mal é que tan bem parecedes
e por meu mal vos fillei por senhor,
e por meu mal tan mui bem oy
dizer de vos e por meu mal vos vi
pois meu mal é quanto bem vos avedes (...) – Martin Soarez
- Semântico: quando se repetem as mesmas ideias da estrofe anterior nas por vocábulos diferentes:
Levantou-se’a velida
Levantou-se’a alva
E vai lavar camisas
Eno alto:
Vay-las lavar alva
Levantou-se’a louçana
Levantou-se’a alva
E vai lavar delgadas
Eno alto:
Vay-las lavar alva (...) – D. Dinis
Variedades das Cantigas de amigo – quanto ao seu assunto
• Albas ou Alvas, Alvoradas ou Serenas
– a donzela convida o namorado a terminar a entrevista amorosa pois as aves já anunciam a
madrugada;
– recorda as noites agradáveis que passou com o amigo e lamenta a sua brevidade;
– lamenta a extensão da noite quando o amigo não está presente.
• Barcarolas ou Marinhas: referem-se ao mar ou as rios e não têm correspondente noutras literaturas. Os
temas são simples:
- a coita de amor da donzela que lamenta a partida do amigo para o fossado;
- na ausência do amigo vai contemplar as ondas e, conversando com estas pede notícias do seu amado;
- vai esperar os navios que chegam esperando o regresso do amigo.
• Bailias ou Bailadas: são a letra que acompanharia uma melodia de dança e versam a alegria e a dança.
Os seus temas são a alegria de viver e de amar – no que contrastam com os temas das restantes
variedades das cantigas.
• Pastorelas: incluem-se nas cantigas de amigo embora seja o homem o primeiro a falar pois nelas,
normalmente, é um cavaleiro que, ao passar, se dirige à donzela. Os seus temas são variados:
- a pastora queixa-se do mal que recebeu de amor e lamenta-se em solilóquio;
- desabafa com outras amigas da infidelidade do amigo;
- dialoga com o trovador e reitera a sua fidelidade ao amado ausente.
Cantigas de Romaria: em que a donzela convida a mãe ou as amigas a uma peregrinação ao santuário de um
santo a fim de:
- cumprir uma promessa;
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3. - pedir a salvação do seu amigo que foi nas hostes do rei e o seu rápido regresso;
- simplesmente como pretexto para namorar, bailar e para a conquista amorosa.
Variedades das Cantigas de amigo – quanto à forma
Cantigas de mestria: de sete versos sem refrão: um quarteto de duas rimas interpoladas ou alternadas
seguido de um terceto de dois versos emparelhados de uma rima nova seguidos de um verso final que
repete a primeira ou a segunda rima do quarteto. São cantigas de características provençais e serviam para
serem lidas.
Cantigas de refrão: quatro versos de rima emparelhada, interpolada ou cruzada seguidos de um refrão que
em geral introduz uma terceira rima. Com a repetição do mesmo verso ou versos no final de cada cobra. São
cantigas de características provençais no conteúdo amoroso e na forma.
Cantigas Paralelísticas ou Bailadas: são também cantigas de refrão que tanto pode aparecer no final do
dístico ou intercalado. São as únicas autóctones e tal como as cantigas de refrão não são para ser lidas
mas sim cantadas e acompanhadas de dança.
CANTIGAS DE AMOR
Género que floresceu no sul de França. Os trovadores provençais cultivam a arte do amor cortês e
comportam-se diante da dama pela qual estão enamorados reflectindo a mesma hierarquia da
sociedade medieval: do mais alto suserano ao mais baixo servo da gleba com todos os direitos e deveres
inerentes a cada um. O amador, junto da sua amada, comporta-se ambicionando subir na sua
consideração pelos mesmos trabalhos que subiria a cavaleiro junto de um senhor feudal.
Na poesia provençal é normalmente a uma mulher casada que o trovador se dirige – o que não irá
acontecer no lirismo peninsular. Os trovadores dirigiam à sua senhor palavras reveladoras de profunda
paixão mas, para evitarem cair na sanha de um marido ciumento ou macular a senhor no seu prez
(modéstia, virtude, honra), usavam de uma linguagem fechada e enigmática (trobar clus ou trobar
escur) sendo que lhes era proibido revelar o nome da sua amada.
O trovador que não ousa manifestar abertamente os seus sentimentos, irá prestar vassalagem amorosa
servindo-se de vários degraus de aproximação ( que são o espelho da subida de pajem a cavaleiro):
- Suspirante ou Fenhedor: que de longe se desfaz em suspiros;
- Suplicante ou Precador: ousa pronunciar à senhor algumas palavras pedindo-lhe correspondência
amorosa;
- Namorado ou Entendedor: agora começavam a entender-se e a correspondência era quase completa;
- Amante ou Drudo: o trovador recebia da sua amada uma correspondência espiritual e por vezes física.
Nas cantigas de amor portuguesas nunca se chegava ao grau de drudo uma vez que se cantavam
raparigas solteiras.
Características fundamentais das cantigas de amor
- Vassalagem amorosa humilde e paciente;
- Obediência e sujeição absoluta à dona;
- Promessa de servil e honrar fielmente a senhor;
- Uso do senhal imposto pelo código do amor cortês, com o qual se ocultava o nome da dona;
- Uso da mesura (decoro, modéstia), a mais preciosa de todas as qualidades e que originava no trovador a
timidez, o pavor e o segredo. Era a melhor virtude do amador que deveria possuir uma infinita
paciência. A falta de observância deste preceito poderia acarretar a sanha da dona ou do marido e
quitar-lhe o preito: romper a fidelidade a que se obrigara;
- A mulher cantada era sempre a mais generosa e a mais delicada, cheia de virtudes e resplandecente de
beleza. Entre os trovadores galaico-portugueses, a dona era não só a mais fremosa e de melhor prez,
como ainda a mais bem talhada, do mais bom riir e fremoso falar. O ideal de formosura nunca chegou a
ser definido por palavras.
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4. - Invocação da natureza primaveril que leva o trovador a falar das “flores de maio”, do “tempo da flor”,
da aves – estabelecendo uma analogia ou contraste entre a natureza e o aspecto da alma enamorada;
- Certo prazer na humilhação e no desprezo: masoquismo na dor;
- Presença de sintomas dolorosos como a perda de apetite, a insónia, a doença da morte: o morrer de
amor;
- O desengano como atitude sincera ou fingida resultante de desencontros, desprezos e acontecimentos
enredados.
Todas estas características serão transmitidas aos poetas do renascimento, como a Dante que criou a sua
Beatriz a partir deste modelo onde mais tarde iria beber, entre outros, Luís de Camões.
Foi durante a idade de ouro que os cantares provençais penetraram na Península Ibérica e isto devido a
várias casualidades históricas: casamentos com princesas vindas de França, a educação de alguns dos nossos
reis a cargo de tutores franceses, o intercâmbio comercial entre Portugal e a França, a vinda dos cruzados,
etc.
Características particulares dos cantares de amor na Península Ibérica
O lirismo provençal adaptado à realidade da nossa lírica trovadoresca apresenta algumas características
distintivas:
- ao artifício e falta de sinceridade dos trovadores provençais, opõe-se a sinceridade e veemência dos
sentimentos;
- ao contrário das cantigas de amor provençais, as nossas eram dirigidas a raparigas solteiras e por isso
eram menos complicadas e formais, mais sinceras e simples;
- encontramos o fatalismo do amor que mata e enlouquece, a tristeza e a saudade;
- os nossos trovadores não passam do estado de entendedor e ficavam satisfeitos quando eram
correspondidos por um simples sorriso e olhar ou eram contemplados com um anel, uma cinta, uma
madeixa de cabelos;
- são mais pobres em variedade temática.
Observe-se que as mulheres cantadas pelos trovadores tinham sempre as mesmas características, eram
sempre impessoais: um ser concreto-abstracto, mulher-anjo.
Variedades das Cantigas de amor – quanto à forma
Cantigas de mestria: eram as mais perfeitas, os versos constavam geralmente de sete a dez sílabas e o
número de cobras, sem refrão, embora ficasse ao critério do trovador, raro ultrapassava as três ou quatro.
Admitiam alguns formalismos como:
- dobre: repetição da mesma palavra de rima duas ou mais vezes por cobra;
- mozdobre: repetição, dentro da mesma cobra, de variações da mesma palavra;
- finda: cobra mais pequena que remata a composição;
- atafinda: continuação do último verso de uma cobra na cobra seguinte;
- verso perdudo: sem qualquer tipo de rima.
1 – As Cantigas de Mestria podiam ainda apresentar-se sob dois aspectos:
a) Prantos: poesia de carácter fúnebre destinada a lamentar a morte do senhor ou do protector;
b) Tenções de jocz ou partitz: quando dois trovadores dialogam em coblas alternadas acerca dos pontos da
ciência amorosa.
2 – Cantigas de Refrão: nestas repetia-se o mesmo ou os mesmos versos ao findar cada estrofe; nisto se
destinguem das cantigas de mestria.
3 – Descordos: cantos magoados em que o desassossego o intranquilidade do espírito do trovador eram
traduzidos pela variedade métrica, diferente estrutura estrófica ou intrincado sentido ideológico.
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5. Variedades das Cantigas de amor – quanto ao tema
O trovador vive em êxtase permanente face á figura da senhor; a volúpia dos sentidos não mancha o enlevo
do amante que se usa da mais terna mesura diante da mulher amada a qual é a causa do seu
aperfeiçoamento individual e alegria do seu viver. Este fatalismo de amor e terna emoção deixam-se por
vezes encrespar de mágoas, suspiros e gritos de amor infeliz:
Senhor do corpo delgado,
en forte pont'eu fui nado!
Que nunca perdí coidado
nen afán, des que vos vi.
En forte pont'eu fui nado,
senhor, por vós e por mí! – Pero da Fonte
O sofrimento e a coita do trovador – que o podem levar à morte – têm sempre origem o bõo semelhar e o
bõo prez da senhor amada. O receio de incorrer no seu desagrado fá-lo reservado e tímido:
“praz-me muyto porque non saben ren
de que morro, nem como, nen por quen.”
Levado pela mesura, pela descrição e pela mudez originadas pela própria natureza do amor que se
comprazia em tormento constante, esconde os seus sentimentos de tudo e todos porque sabe que a senhor
cortará relações com ele se a sua identidade for descoberta:
“Mentre non soube mya senhor
amigos, ca lhe querya gran bem
de a veer non lhe pesava en;
nen lhe pesava dizer-lhe senhor;
mays alguen foy que lhe disse por my
ca lhe queria gran bem, e des i
me quys gran mal, o non me quys veer.
Confonda Deu’-lo que lho foy dyzer!”
• A arte da mesura e do segredo:
“muitos me perguntam, per bõa fé
perguntas que non devian fazer
que lhes diga por quen trobo ou qual é
e porén ey a todos a dizer
ca non saberán quen é mya senõr
per my, entando com’eu vivo for”
• O tema da saudade provocada pela separação frequente;
• O morrer de amor:
“Nostro Senhor, e ora que sera
de min que moiro, porque me parti
de mia senhor muy fremosa, que vi
polo meu mal? e de min que sera
Nostro Senhor! eu ora que farei?”
Uma das causas que mais leva ao sofrimento de amor, à “perda do dormir”, do “sen” e da alegria é a
indiferença que a dona revela a quem de joelhos lhe pede que lhe “faça bem” ou lhe ofereça ao menos
“uma dõa” (lembrança sua). Muitas são as composições em que o trovador se lamenta da não
correspondência amorosa. Impávida e indiferente, a senhor vive encerrada no seu silêncio e indiferença. Ao
trovador apenas resta ansiar pela morte.
Existem, porém algumas composições que fogem a este padrão e nas quais o poeta ironiza sobre si mesmo e
reflecte sobre as vantagens de viver sem amor.
CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER
• As cantigas de escárnio são as que encobriam o ataque sob formas ambíguas que cultivavam a
identidade da pessoa visada. Feriam delicadamente, eram impessoais, veladas e indirectas.
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6. • As cantigas de maldizer, por seu lado, apresentavam a ofensa directamente e sem rodeios, subterfúgios
ou artifícios, usando uma linguagem vil, baixa e grosseira.
A crítica social dividia-se em:
- social: religiosa, política e moral;
- individual: de proporções mais alargadas.
Variedades das Cantigas de Escárnio e Maldizer – quanto ao seu fundo ou tema:
• Joguete de arteiro: a cantiga de escárnio propriamente dita e que feria com delicadeza;
• Risadilha ou Risabella: a cantiga de maldizer propriamente dita e que feria de forma obscena;
Variedades das Cantigas de Escárnio e Maldizer – quanto à forma:
• Cantigas de Mestria: estrofes septinas e sem refrão;
• Cantigas de Refrão: com a repetição do mesmo ou mesmos versos no final de cada estrofe, raras vezes
no meio;
• Cantigas de Seguir ou Paródias: assim chamadas por arremedarem outra cantiga existente. Também
feriam com delicadeza;
• Tenções de Briga: equivalentes ao jocz partitz provençais- consistiam num diálogo em verso entre dois
ou mais trovadores com a particularidade de a resposta de cada um ser iniciada com as rimas do
anterior.
ARTIFÍCIOS POÉTICOS DA POESIA TROVADORESCA
Coblas e Talho: as estrofes têm o nome de cobras ou coblas e à sua disposição dá-se o nome de talho. O
número de coblas ficava ao critério do trovador.
- às coblas com a mesma rima dava-se o nome de uníssonas;
- às coblas com rimas diferentes dava-se o nome de singulares;
- quando cada par de coblas apresentava a mesma rima, tinham o nome de doblas ou pareadas.
O número de cobras ficava ao critério do trovador mas, geralmente, as cantigas galaico-portuguesas não têm
mais de três ou quatro cobras e cada cobra pode apresentar um número variável de versos com o
predomínio de quatro na cantiga de refrão e sete na de mestria. O número de versos era no máximo de dez
e no mínimo de dois (paralelísticas).
Refrão: é o estribilho ao qual regressa o coro ou o solista entre a execução de uma cobra e outra. Podia estar
ligado pelo sentido ao corpo da cobra ou ser independente desta, talvez como fragmento de outra cantiga.
Têm refrão as paralelísticas e em geral, as cantigas de amigo. Não apresentam refrão as cantigas de mestria
que também não são de proveniência popular.
Finda (ou Fiinda): (conclusão): remate que podem ter as cantigas de amor, de escárnio e maldizer e algumas
cantigas de amigo. Era uma cobra de menor extensão que rematava tudo o que fora dito. A Poética define-a
como “acabamento de rrazon”. Nela havia ligação estrutural com o corpo da cantiga servindo-lhe de
complemento. Nas cantigas de mestria apresentava-se geralmente em rima com a segunda parte da última
estrofe; nas de refrão a rima fazia-se em regra com o próprio refrão. Uma cantiga pode apresentar de uma a
três findas.
Ata-Finda (atá-fiinda): processo de ligação ideológica das coblas pela continuação do último verso na cobla
seguinte. Esta ligação é quase sempre feita por partículas como e, ca, pois, quando, pero, que e tanto se
pode empregar nas cantigas de mestria como nas de refrão.
Enjambement (ou quebra de verso): consistia em completar no verso seguinte o sentido do verso anterior.
(De notar que na ata-finda o sentido do verso se completa na cobla seguinte enquanto que no enjambement
este se conclui dentro da mesma cobra.
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7. Dobre: consistia na repetição simétrica da mesma palavra de rima, duas ou mais vezes em cada cobra e de
preferência no primeiro e último versos.
Exemplo de dobre, ata-finda e enjambement:
enjambement
Da mha senhor que eu servi
Sempr’e e mays qu’a mi amei
Veed amigus que tort’ey dobre
Que nunca tan gran torto vi
Ca, pero a sempre servi
Gran é o mal qua mha senhor
Mi quer, mais quero-lh’eu mayor (…)
Ata-finda
Mozdobre (mordobre, mor doble): é a repetição, no corpo das cobras, de variações da mesma palavra.
Se eu pudesse desamar
A quen me senpre desamou
E podess’algum mal buscar
A quen me senpre mal buscou
Leixa-pren: consistia em retomar (deixa e toma) no todo ou em parte, o último verso da cobra anterior no
começo da cobra seguinte (difere da ata-finda e do enjambement uma vez que o verso não é quebrado:
apenas retomado).
O refrão, o leixa-pren e o paralelismo são processos de repetir a ideia fundamental da composição
poética.
Rima: as rimas, segundo a Poética Fragmentária, podiam ser longas (masculinas) ou breves (femininas).
Eram permitidas rimas breves e longas na mesma cobra e o sistema da primeira cobra devia respeitar-se nas
seguintes. Os nossos versos primitivos têm rimas diferentes mas o esquema rimático é o mesmo dentro de
cada cobla. O refrão geralmente não rimava ou, se era composto por mais do que um verso, rimava entre si
ou em parte com o resto da cobra. Aos versos que não rimam chamava-se palavra perduda.
Nos cancioneiros encontram-se vários tipos de rima:
a) Completa ou consoante: total identidade de sons vocálicos e consonânticos a partir da última sílaba
tónica. Ex.: Senhor do corpo delgado / en forte pont’eu fuy nado.
b) Incompleta toante ou assoante: quando apenas de dá a identidade das vogais a partir da última sílaba
tónica. Ex.: Non poss’eu, madre, ir a Santa Cecila / ca me guardades a noyt’e o dia.
c) Encadeada: quando se verifica a total identidade de terminação entre a palavra final de um verso e a de
uma palavra no meio do verso seguinte: Ex.: Como morreu quen nunca ben / ouve da ren que mais
amou.
d) Emparelhada: rimam dois versos seguidos – AABB.
e) Interpolada: quando entre dois versos rimados se interpõe três ou mais de terminação diferente –
ABCDA.
f) Cruzada: quando versos rimados alternam um por um com outros tantos soltos ou não – ABCB; ABAB.
g) Monórrima: quando existe uma só rima – AAAA…
h) Versos soltos: desprovidos de qualquer rima – palavra perduda.
A rima pode ainda ser pobre (rimam palavras da mesma categoria gramatical) ou rica (rimam palavras
de categorias gramaticais diferentes).
Quanto à acentuação rítmica, o verso podia ser:
a) Redondilha menor ou pentassílabo: verso de 5 sílabas.
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8. b) Redondilha maior ou heptassílabo: verso de 7 sílabas. É o verso característico do lirismo
peninsular – cantigas de amigo.
c) Octossílabo: verso de 8 sílabas, largamente usado nas cantigas de amor, que são de carácter
mais aristocrático.
d) Eneassílabo: verso de 9 sílabas, também utilizado nas cantigas de amigo.
e) Decassílabo: verso de 10 sílabas. A par com o verso octossílabo, foi dos mais utilizados pelos
nossos trovadores.
f) Endecassílabo ou arte maior: verso de 11 sílaba, que pouco aparece nos cancioneiros.
g) Dodecassílabo ou alexandrino: verso de 12 sílabas.
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9. OUTRAS PALAVRAS DO LÉXICO TROVADORESCO
Cazurros: indivíduos sem maneiras que recitavam a troco de dinheiro e tinham pouca ou nenhuma arte. Faziam-se
acompanhar de animais nas suas pantominices.
Cobla ou cobra: o mesmo que estrofe; compunham-se geralmente de 7 versos para as cantigas de mestria e de 4 versos
para as cantigas de amigo e de amor com refrão.
Coita – sofrimento de amor; o amor abrasador dentro do peito do enamorado.
Dona: mulher casada, suserana, a quem se prestava preito ou menagem. Nas nossas cantigas tem o significado de
donzela.
Ferido ou fossado: nome dado à trincheira para onde o amigo ia combater; expedição e serviço militar a que estavam
obrigados os cavaleiros-vilãos e mais tarde os peões ao seu rei.
Jograis: indivíduos que recreavam o público com música, cantigas, mímica, acrobacias. Inferiores socialmente, vendiam
a sua “arte” por dinheiro. Foram estes cantores ambulantes os principais divulgadores da cultura.
Lais ou lai: canção de carácter lírico a ser cantada ao som de música e que se caracteriza pela irregularidade estrófica.
Mal-maridada: mulher infeliz no casamento a quem muitas vezes se referem os poetas provençais nos seus cantares.
Menestel: peta músico sedentário que vivia na casa de um fidalgo. No início era sinónimo de jogral mas a partir do
século XIII passou a designar o criado que acompanhava um rico-homem e tangia viola quando este vinha à corte.
Senhor: designação pela qual o trovador se dirigia à mulher amada nas cantigas de amor.
Soldadeira ou jogralesa: mulher de moral duvidosa que seguia os jograis cantando, dançando e muitas vezes tocando
viola.
Talhar preito: combinar um encontro amoroso num local determinado e a uma certa hora.
Trovador: poeta e compositor não executante. Compunha a letra e a melodia mas não as executava. Quase sempre era
um fidalgo. Ainda não se enquadra na definição de poeta pois as suas composições não se destinavam a ser lidas ou recitadas mas
sim cantadas.
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ALGUNS PROCESSOS DE LIGAÇÃO DE COBLAS:
Coblas Alternadas: estrofes que apresentam o mesmo esquema rimático preenchido pelas mesmas rimas nas estrofes pares e
nas estrofes ímpares.
Coblas Dobras ou doblas ou pareadas: cada par de estrofes apresenta as mesmas rimas que mudam no par seguinte.
Coblas Singulares – estrofes que apresentam o mesmo esquema rimático mas preenchido em rimas diferentes;
Coblas Uníssonas – quando a mesma série de rimas é repetida em todas as estrofe.
Outros processos de ligação das coblas:
Repetição em cada cobla e no mesmo verso, de determinadas palavras
- sem alteração: dobre
Ai eu coitad´! e por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca deus lo sabe, po-la vi,
nunca já mais prazer ar vi,
per boa fé, u a non vi;
ca de quantas donas u vi,
tão boa dona nunca vi.
- com alteração: mozdobre
Se eu podesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess’algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Coblas capdenals – estrofe em que se repete o início do mesmo verso, ocupando a mesma posição na estrofe (o mesmo
número de verso); réplica do mesmo segmento inicial numa série de versos seguintes.
Coblas capcaudadas – o primeiro verso de uma estrofe retoma a rima do verso que lhe é anterior; repetição, no primeiro
verso, do último verso da cobla anterior.
Coblas capfinidas – o primeiro verso de uma estrofe retoma uma palavra (de qualquer ponto) do verso da estrofe anterior;
repetição, no primeiro verso, da rima ou de uma ou mais palavras do último verso da cobla anterior.
A coesão mais estreita é assegurada pelo paralelismo: repetição, em lugares fixos da cantiga, de segmentos
textuais invariáveis ou com variação, sendo que à variação pode apenas interessar a palavra em rima
(amigo/amado; salido/levado) ou a uma porção mais extensa do verso. A técnica paralelística encontra-se mais
aplicada nas cantigas de amigo.
10. OUTRAS PALAVRAS DO LÉXICO TROVADORESCO
Cazurros: indivíduos sem maneiras que recitavam a troco de dinheiro e tinham pouca ou nenhuma arte. Faziam-se
acompanhar de animais nas suas pantominices.
Cobla ou cobra: o mesmo que estrofe; compunham-se geralmente de 7 versos para as cantigas de mestria e de 4 versos
para as cantigas de amigo e de amor com refrão.
Coita – sofrimento de amor; o amor abrasador dentro do peito do enamorado.
Dona: mulher casada, suserana, a quem se prestava preito ou menagem. Nas nossas cantigas tem o significado de
donzela.
Ferido ou fossado: nome dado à trincheira para onde o amigo ia combater; expedição e serviço militar a que estavam
obrigados os cavaleiros-vilãos e mais tarde os peões ao seu rei.
Jograis: indivíduos que recreavam o público com música, cantigas, mímica, acrobacias. Inferiores socialmente, vendiam
a sua “arte” por dinheiro. Foram estes cantores ambulantes os principais divulgadores da cultura.
Lais ou lai: canção de carácter lírico a ser cantada ao som de música e que se caracteriza pela irregularidade estrófica.
Mal-maridada: mulher infeliz no casamento a quem muitas vezes se referem os poetas provençais nos seus cantares.
Menestel: peta músico sedentário que vivia na casa de um fidalgo. No início era sinónimo de jogral mas a partir do
século XIII passou a designar o criado que acompanhava um rico-homem e tangia viola quando este vinha à corte.
Senhor: designação pela qual o trovador se dirigia à mulher amada nas cantigas de amor.
Soldadeira ou jogralesa: mulher de moral duvidosa que seguia os jograis cantando, dançando e muitas vezes tocando
viola.
Talhar preito: combinar um encontro amoroso num local determinado e a uma certa hora.
Trovador: poeta e compositor não executante. Compunha a letra e a melodia mas não as executava. Quase sempre era
um fidalgo. Ainda não se enquadra na definição de poeta pois as suas composições não se destinavam a ser lidas ou recitadas mas
sim cantadas.
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ALGUNS PROCESSOS DE LIGAÇÃO DE COBLAS:
Coblas Alternadas: estrofes que apresentam o mesmo esquema rimático preenchido pelas mesmas rimas nas estrofes pares e
nas estrofes ímpares.
Coblas Dobras ou doblas ou pareadas: cada par de estrofes apresenta as mesmas rimas que mudam no par seguinte.
Coblas Singulares – estrofes que apresentam o mesmo esquema rimático mas preenchido em rimas diferentes;
Coblas Uníssonas – quando a mesma série de rimas é repetida em todas as estrofe.
Outros processos de ligação das coblas:
Repetição em cada cobla e no mesmo verso, de determinadas palavras
- sem alteração: dobre
Ai eu coitad´! e por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca deus lo sabe, po-la vi,
nunca já mais prazer ar vi,
per boa fé, u a non vi;
ca de quantas donas u vi,
tão boa dona nunca vi.
- com alteração: mozdobre
Se eu podesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess’algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Coblas capdenals – estrofe em que se repete o início do mesmo verso, ocupando a mesma posição na estrofe (o mesmo
número de verso); réplica do mesmo segmento inicial numa série de versos seguintes.
Coblas capcaudadas – o primeiro verso de uma estrofe retoma a rima do verso que lhe é anterior; repetição, no primeiro
verso, do último verso da cobla anterior.
Coblas capfinidas – o primeiro verso de uma estrofe retoma uma palavra (de qualquer ponto) do verso da estrofe anterior;
repetição, no primeiro verso, da rima ou de uma ou mais palavras do último verso da cobla anterior.
A coesão mais estreita é assegurada pelo paralelismo: repetição, em lugares fixos da cantiga, de segmentos
textuais invariáveis ou com variação, sendo que à variação pode apenas interessar a palavra em rima
(amigo/amado; salido/levado) ou a uma porção mais extensa do verso. A técnica paralelística encontra-se mais
aplicada nas cantigas de amigo.