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ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Rio de Janeiro / 2008
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Alfabetização e Letramento / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro:
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1. Ensino a Distância. 2. Título.
CDD – 371.39
Responsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material Instrucional
Coordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a Distância
Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli
Coordenadora do Curso de GraduaçãoCoordenadora do Curso de Graduação
Ana Noguerol - Pedagogia
ConteudistaConteudista
Morgana Silva Rezende
Supervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDI
Joselmo Botelho
Apresentação
Prezado(a) Aluno(a):
É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,
na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade
para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a
sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e
criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.
Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento
teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.
Seja bem-vindo(a)!
Paulo Alcantara Gomes
Reitor
Orientações para o Auto-Estudo
O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e
conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam
atingidos com êxito.
Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com-
plementares.
As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.
Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.
Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o
conteúdo de todas as Unidades Programáticas.
A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com
os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que
você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros
presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.
Bons Estudos!
Dicas para o Auto-Estudo
1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja
disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.
2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite
interrupções.
3 - Não deixe para estudar na última hora.
4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.
5 - Não pule etapas.
6 - Faça todas as tarefas propostas.
7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento
da disciplina.
8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.
9 - Não hesite em começar de novo.
SUMÁRIO
Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 11
Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 12
UNIDADE I
CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO
1.1 – A história da escrita............................................................................................................................ 13
1.2 – A história da alfabetização ................................................................................................................. 17
1.3 – As diferentes concepções de aprendizagem....................................................................................... 18
UNIDADE II
ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?
2.1 – O conceito de alfabetização ao longo da história .................................................................................. 24
2.2 – Os métodos de alfabetização.............................................................................................................. 29
2.3 – As contribuições de Emília Ferreiro: a psicogênese da língua escrita............................................... 34
UNIDADE III
ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA
3.1 – Saberes necessários para ler e escrever.............................................................................................. 46
3.2 – Os diferentes tipos de texto................................................................................................................ 57
3.3 – O ambiente alfabetizador................................................................................................................... 64
3.4 – A alfabetização com textos................................................................................................................. 68
3.5 – Os “erros” mais comuns e possíveis estratégias de intervenção........................................................ 77
Glossário ..................................................................................................................................................... 93
Gabarito....................................................................................................................................................... 95
Referências bibliográficas........................................................................................................................... 97
11
I-CAMINHANDOPELAHISTÓRIADAESCRITA
E DO CONHECIMENTO
1.1 -Ahistória da escrita
1.2 - A história da alfabetização
1.3 - As diferentes concepções de aprendizagem
UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS
II - ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO
2.1 - O conceito de alfabetização ao longo da
história
2.2 - Os métodos de alfabetização
2.3 - As contribuições de Emília Ferreiro: a
psicogênese da língua escrita
III - ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRU-
ÇÃO DE UMA PRÁTICA
3.1 - Os conhecimentos lingüísticos necessários à
aquisição da leitura e da escrita
3.2 - Tipologia textual
3.3 - O ambiente alfabetizador
3.4 - O texto na alfabetização
3.5 - O erro como etapa de aprendizagem e as
estratégias de intervenção
• Conhecer a história da escrita, para compreender
melhor a relação com a evolução conceitual da crian-
ça, na construção da base alfabética;
• Conhecer a história da alfabetização, compre-
endendo o momento atual como resultado dessa
trajetória;
• Conhecer as diferentes concepções de aprendiza-
gem e suas implicações no conceito de alfabetização
e na prática pedagógica.
• Compreender que o conceito de alfabetização
vem sofrendo modificações em função dos avanços
científicos que são incorporados à sociedade;
• Entender o conceito de letramento como um
“estado” que se adquire em função da apropriação
da escrita;
• Perceber que alfabetização e letramento são
conceitos complementares na atual perspectiva de
aquisição da língua escrita;
• Conhecer a classificação dos métodos de alfabeti-
zação, relacionando-os com as diferentes concepções
de aprendizagem;
• Conhecer os principais aspectos da teoria da psico-
gênese da língua escrita e sua influência no processo
de alfabetização.
• Conhecer a relação do sistema fonológico com o
sistema gráfico da língua, possibilitando a compre-
ensão das soluções que as crianças apresentam para
as convenções ortográficas;
• Compreender o fenômeno da variedade lingüística
para desfazer o mito da unidade lingüística;
• Reconhecer os diferentes tipos de textos que
circulam na sociedade e que fazem parte do trabalho
pedagógico na perspectiva do letramento;
• Identificar a sala de aula como um dos ambientes
que pode facilitar o processo de aquisição da língua
escrita;
• Compreender os aspectos que identificam uma
prática pedagógica que tem o texto como objeto de
estudo;
• Reconhecer o “erro” como uma etapa do processo
de construção do conhecimento.
Quadro-síntese do conteúdo
programático
12 Contextualização da Disciplina
Em uma sociedade grafocêntrica como a nossa, saber ler e escrever é habilidade essencial para exercer nossos
direitos e usufruir os conhecimentos produzidos pelo homem que circulam no espaço cultural.
Um dos grandes desafios da escola tem sido garantir a todos que passam por ela o acesso aos conhecimentos
produzidos pela sociedade, especificamente a aquisição da leitura e da escrita. O fato de termos conseguido
praticamente universalizar o acesso das crianças ao Ensino Fundamental não tem garantido que TODOS se
apropriem deste bem cultural: a língua escrita.
Ensinar a ler e a escrever de modo que os sujeitos realmente se apropriem da língua escrita, ou seja, a utilizem
no contexto social, é a função do educador da escola atual.
Aaquisição da leitura e da escrita implica a construção de sentidos, que se dá, necessariamente, no processo de
interlocução, isto é, nas interações que um sujeito estabelece com o outro em um determinado contexto social,
histórico e cultural.
Um curso de formação de professores não pode deixar de refletir sobre as questões que impedem a alfabetização
e muito menos deixar de buscar práticas que garantam o sucesso da alfabetização. Para isso, é essencial que o
futuro professor se aproprie das diferentes teorias que nos ajudam a compreender o processo de aquisição da
língua escrita, percebendo os aspectos lingüísticos, sociais e culturais que a compõem.
É necessário também que todos incorporem a dimensão política do fazer pedagógico, pois “a alfabetização não
é um luxo nem uma obrigação; é um direito. Um direito de meninos e meninas que serão homens e mulheres
livres (pelo menos é isso que desejamos), cidadãos e cidadãs de um mundo onde as diferenças lingüísticas e
culturais sejam consideradas uma riqueza e não um defeito”1
.
Certamente, não temos a pretensão de esgotar aqui todos os aspectos e as discussões que existem hoje sobre o
processo de aquisição da língua, pois isto seria impossível visto à complexidade do tema e à necessidade que a
prática pedagógica impõe de estarmos sempre fazendo novas reflexões, buscando compreender o percurso de
cada aluno. O que pretendemos aqui é despertar em você, futuro pedagogo, a crença de que todos os sujeitos
podem aprender e o desejo de investigar, de procurar o melhor caminho para cumprir o seu papel: propiciar a
todos o acesso à leitura e à escrita.
1
FERREIRO, E. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo: Cortez, 2002, p. 38.
13UNIDADE I
CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO
CONHECIMENTO
1.1– A História da Escrita
Vinte mil anos antes da nossa era, em Lascaux, ho-
mens traçam seus primeiros desenhos. Será preciso
esperar 17 milênios para que se inicie uma das mais
fabulosas facetas da história da humanidade – a
escrita. Acredita-se naturalmente que aqueles que
inventaram os primeiros signos escritos queriam
perpetuar rastros de suas lendas.
George Jean
O surgimento da escrita marca a história da humani-
dade. Podemos acreditar que, desde os primeiros tem-
pos, o homem procurou registrar suas impressões sobre
o mundo e comunicá-la a outros homens, utilizando
para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à
base de tintas vegetais e minerais.
Na Pré-história, o homem já se comunicava através
de desenhos feitos nas paredes das cavernas. Com
esse tipo de representação (pintura rupestre), trocava
mensagens, passava idéias e transmitiam desejos e
necessidades. Porém, ainda não era um tipo de escrita,
pois não havia organização, nem mesmo padronização
das representações gráficas.
Temos conhecimento de que a escrita foi inventada
por volta de 3.300 antes de Cristo, pelos sumérios,
na Mesopotâmia (atual Iraque). Acredita-se que uma
das razões para a sua invenção foi a necessidade de
registrar as atividades comerciais (compra e venda).
A primeira forma de escrita foi a pictográfica, onde
cada “desenho” representava um objeto ou um ser
específico.
Nafig.1encontramosdesenhossimplificadosrepresen-
tando, de forma estilizada, uma cabeça de boi, a fim de
Ospictogramasrepresentam
tanto idéias quanto objetos.
Um pássaro e um ovo, lado
a lado, significam “fecundi-
dade”.
Vários traços descendo do
céu, “a noite”.
Dois traços cruzados sim-
bolizam “inimizade”.
Dois traços paralelos, a
“amizade”.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos
homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
designar boi. Já a fig. 2, que representa a mulher, é o de-
senho de um triângulo pubiano com a fenda da vulva.
Os vários pictogramas empregados poderiam
expressar uma idéia, surgindo, assim, o termo
de escrita ideográfica, com sinais para palavras
individuais ou conceitos. A fig. 3 representa
mulher estrangeira, pois ao lado do triângulo
pubiano (mulher) foi acrescentado o símbolo de
montanha (vindas de outro lado da montanha,
estrangeira).
Por volta de 2.900 a.C. os pictogramas primitivos
desapareceram, deixando de representar o objeto
por ele designado para retirar o seu significado
do contexto. Surge, então, a escrita cuneiforme,
que possui esse nome por ser traçada em barro,
formando uma suposta cunha. Essa escrita tam-
bém utilizava pictogramas, porém não era uma
criação livre do “escritor”. Foram encontrados
verdadeiros “catálogos”, dicionários primitivos
que apresentavam diferentes significados para o
mesmo símbolo. Um desenho de pé podia dizer
“andar”, “pôr-se de pé”, “transportar” etc. Os pic-
togramas podiam representar tanto idéias quanto
objetos. Veja os exemplos abaixo:
14
Enquanto os símbolos cuneiformes riscam toda Mesopotâmia,
outros sistemas de escrita nascem e se desenvolvem no vizinho
Egito e, também, na longínqua China. De uma ponta a outra do
mundo, os homens dedicam-se a transcrever sua história sobre
a pedra, o barro e o papiro, vendo nisso um presente divino
(JEAN, 2002: 25).
Os caracteres da escrita egípcia são chamados de
hieróglifos, palavra que significa “escrita dos deuses”
(do grego hieros, “sagrado”, e gluphein, “gravar”). Eles
também eram pictogramas, porém os desenhos eram
muito rebuscados e estilizados constituindo uma ver-
dadeira obra de arte. “Logo que a ‘escrita dos deuses’
começa a ser decifrada, ao prazer da compreensão
une-se o prazer da contemplação.”2
No Egito, como na Mesopotâmia, saber ler e escrever
era, ao mesmo tempo, privilégio e poder. Será que
no mundo de hoje, principalmente no Brasil, isso é
diferente?
Este conjunto de signos hieroglíficos é lido,
excepcionalmente, da esquerda para a direita. O
primeiro signo, à esquerda, lê-se “hb”. O segundo
é determinativo: a perna demonstra tratar-se de uma
palavra relativa a algo que passa com o pé. O terceiro
é um pictograma figurativo: um homem que dança,
significando o todo “dançar”.
No ano de 2000 a.C., a China inventa a escrita que
perdura até hoje. É uma escrita marcada por pictogra-
mas. A escrita chinesa é um caso único: “codificada
em 1500 antes da nossa era e constituída em sistema
coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é perceptivelmente
a mesma que os chineses lêem e escrevem hoje”3
. Veja
os exemplos abaixo:
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
Na escrita chinesa, as “chaves”,
em números de 214, colocadas
ao lado de um outro caractere
especificam-lhes o sentido.
O elemento “poder” (c), prece-
dido da chave “água”(a), significa
“rio”(d). Porém, o mesmo ele-
mento associado à chave “pala-
vra” (b) dá “criticar”(e).
Fonte: JEAN, G. A Escrita – memória dos
homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
2
JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 28.
3
IDEM: 45.
Alguns pictogramas, datados das
origens da escrita chinesa, chega-
ram até nós. Há entre as formas
antigas, à esquerda, e as formas
modernas, à direita, 30 séculos...
Do alto para baixo: o sol, a mon-
tanha, a árvore, o meio, o campo,
a fronteira, a porta.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos
homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Apesar de a escrita ideográfica ser datada dos primór-
dios da história, até hoje a utilizamos em diferentes
culturas. Por exemplo: nas placas de trânsito, nas
indicações de porta etc.
Os símbolos foram sendo usados e aprimorados até
que surgiu o fonetismo. Os sumérios e os egípcios
passaram a usar os pictogramas não designando mais o
objeto representado e sim um outro cujo nome lhe era
foneticamente semelhante. É a aproximação da escrita
com a fala. Nesta perspectiva, o desenho de um gato
(chat) e um desenho de um pote (pot) passa a significar
“chapeau” (chapéu). Esta “tecnologia da escrita” teve
a sua origem em uma brincadeira infantil denominada
rebus (do latim: res “coisa”, rebus “pelas coisas”). Era
um jogo muito parecido com o que conhecemos hoje
como carta enigmática.
Fonte: CAGLIARI, L. C. Diante das Letras. Campinas: Mercado
das Letras, 1999.
15
As guerras, motivadas pelo domínio territorial,
fizeram com que algumas línguas fossem abafadas,
enquanto outras difundidas.
Com o passar do tempo, todas as civilizações senti-
ram necessidade de registrar suas ações do cotidiano,
como as conquistas, festas, rituais etc. Para um gran-
de número de povos, a escrita, cada vez mais, foi se
tornando uma necessidade. Então, passaram a criar
símbolos para poder representar as coisas e, cada vez
mais, esses símbolos foram sofrendo modificações e
ganhando sons, tornando assim um alfabeto.
A verdadeira revolução da escrita ocorreu em 1000
a.C., com a invenção do alfabeto, que tem origem com
os fenícios, que emigraram para a margem oeste do
Mediterrâneo, para o norte da África, o sul da Espanha,
a Sicília, a Sardenha, Chipre, Grécia e Itália.
Aescrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm
em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever,
nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de
signos ou de caracteres.
Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, per-
mitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever.
Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso
alfabeto não reproduzem todos os sons... Daí o os problemas cru-
ciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia!
Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que mil caracteres
do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo
egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes
do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam
que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início
da democratização do saber (JEAN, op. cit.: 52).
Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais
específicos para representar as sílabas, isto é, os si-
nais representavam sílabas inteiras em vez de letras
individuais.
Os fenícios inventaram um sistema reduzido de
caracteres que representavam o som consonantal: é
a chamada escrita fonética. Escolheram um conjunto
de palavras cujo o primeiro som fosse diferente dos
demais e para representá-lo graficamente escolheram
hierógrafos egípcios cujo aspecto figurativo lembrava
o significado das palavras da lista (21 sons). Não havia
vogais. Por exemplo: a primeira palavra da lista era a
palavra “alef”, que significava “boi”, e o hieróglifo
escolhido foi o que representava a cabeça do boi. Sendo
assim, a figura da cabeça do boi passou a representar o
som inicial da palavra “alef”. Essa relação foi realizada
com as 21 palavras. Veja ao lado o alfabeto.
Fonte: MAN, J.A. História do Alfabeto – como 26 letras transfor-
maram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita
fenícia agregando as vogais e criando assim a escrita
alfabética (alfabeto, palavra derivada de alfa e beta,
as duas primeiras letras do alfabeto grego). Os gregos
mantiveram o princípio acrofônico, ou seja, o som ini-
cial do nome da letra é o som que a letra representa.
Alfabetos Fenício e Hebraico
1616
Alfabeto Grego
Fonte: MAN, J. A História do Alfabeto – como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
A escrita grega foi adaptada pelos romanos, consti-
tuindo-se o sistema alfabético greco-romano, que deu
origem ao nosso alfabeto. Os romanos dispensaram
os “nomes especiais” das letras. Para eles bastava ter
como nome da letra apenas o próprio som dela. “Foi
assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon etc. transfor-
maram-se em a, bê, ce, dê, e etc.” (CAGLIARI, 1998:
17). Esse sistema representa o menor inventário de sím-
bolos que permite a maior possibilidade combinatória
de caracteres, isto é, com o alfabeto podemos escrever
qualquer pal avra de uma língua. É a possibilidade de
registrar o pensamento. O homem agora pode escrever
qualquer idéia ou sentimento.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
Com certeza, a invenção do alfabeto possibilitou
ao homem ampliar a sua capacidade de expressão e
de perpetuar a história da humanidade. Mas isso não
quer dizer que tenha tornado simples a aquisição da
língua escrita.
(...) o alfabeto parece a própria essência da simplicidade, ‘tão
fácil quanto oABC’. Mas o sentido de simplicidade é traiçoeiro,
pois o alfabeto é a aparência externa de profundezas lingüísticas
ocultas. Os seus poucos símbolos não são nada se comparados à
complexidade de sons que representam, enquanto aqueles sons
apenas sugerem a complexidade da própria língua (...).As nossas
26 letras formam uma grade que nos dá a nítida impressão de
controle e compreensão. Olhe com mais cuidado e verá que está
penetrando em um pântano que talvez tenha feito com que nosso
escriba asiático desistisse na hora (...) (MAN, 2002: 85).
As escritas árabe e
latina são a origem de
numerosos alfabetos.
Ao lado temos uma
inscrição romana do
século III, que é lida da
esquerda para direita.
17
Leitura Complementar
Para conhecer um pouco mais sobre o período Pré-histórico, assista ao filme A Guerra do Fogo, de 1981,
dirigido por Jean-Jacques Annaud.
Assista também ao vídeo A História da Escrita, produzido pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação
(FDE). Nele você verá a evolução da escrita: das pinturas rupestres ao alfabeto.
Acesse o site:www.webeduc.mec.gov.br/midiaeducação/modulo4 e assista ao vídeo: A evolução da Escrita:
do pictograma ao texto digital.
Leia o livro: MAN, John. A História do Alfabeto. Trad. Edith Zonenschain. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
Nele você encontrará um belo resgate da história do alfabeto mostrando como 26 letras transformaram o mundo
ocidental.
1.2 - A História da Alfabetização
Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo
as regras de alfabetização, ou seja, as regras que
permitem ao leitor decifrar o que está escrito, en-
tender como o sistema de escrita funciona e saber
como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é,
pois, tão antiga quanto os sistemas de escrita.
Cagliari
Qualquer sistema de escrita só é capaz de atravessar
o tempo se as novas gerações se apropriarem dele.
Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que
dominam o seu funcionamento ensinem aos outros
como decifrá-lo.
Podemos acreditar que na época primitiva da
escrita, ser alfabetizado implicava apenas saber
“ler” o que os símbolos significavam e ser capaz de
“escrevê-los”, já que, provavelmente, se escrevia
apenas um tipo de documento ou texto (anotações
de compra e venda). Com o desenvolvimento do
sistema escrito, houve um aumento significativo da
quantidade de informações necessárias para saber
ler e escrever, usando cada vez mais símbolos para
representarem o som da fala.
Acredita-se que:
o longo processo de invenção da escrita também incluiu a inven-
ção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao
leitor decifrar o que está escrito e saber como o sistema de escrita
funciona para usá-lo apropriadamente (CAGLIARI, 1998: 15).
Temos informação que naAntigüidade as pessoas al-
fabetizavam-se aprendendo a ler algo já escrito e depois
copiando. Iniciavam com palavras e posteriormente,
passavam para textos famosos, que eram “estudados”
exaustivamente; para então chegar a escrever seus
próprios textos. Muitos aprendiam sem ir à escola, já
que não pretendiam tornar-se escribas. Com certeza,
a curiosidade levou muita gente a aprendera ler para
lidar com os negócios, comércio, ler obras religiosas
ou obter informações sobre a cultura da época.
A alfabetização, nesses casos, dava-se com a transmissão de
conhecimentos relativos à escrita de quem possuía para quem
queria aprender. Aprender a decifrar a escrita, ou seja, a ler
relacionando os caracteres às palavras da linguagem oral, devia
ser o procedimento comum. Aqui não era preciso fazer cópias
nem escrever: bastava saber ler (IDEM: 15).
Para se alfabetizar em um sistema de escrita que têm
comobaseoprincípioacrofônico,bastavadecoraralista
dosnomesdasletras,observaraocorrênciadeconsoantes
naspalavrasetranscreveressessons.Porexemplo,“para
escrever David, bastava identificar as consoantes DVD,
procurar na lista de letras, aquelas que começavam com
sons de D e V e escrevê-las” (IBIDEM: 17). Procure
escrever a palavra David utilizando o alfabeto fenício
apresentado anteriormente.
Quandoosgregospassaramautilizaroalfabeto,aprender
alereescrevertornou-seumumatarefadegrandealcance
popular. Surgem as “escolas de alfabeto”. A ortografia
passa a fixar a forma de escrita das palavras, para evitar
quefalantesdedialetosdiferentesescrevessemasmesmas
palavras de maneiras diferentes, seguindo apenas a trans-
crição da própria fala e o valor sonoro do alfabeto.
Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns ‘alfabe-
tos’: tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de metal onde se
encontravam todas as letras, na ordem tradicional dos alfabetos.
Na verdade, serviam de guia para as pessoas aprenderem a ler e
a escrever, ou mesmo quando fossem escrever. Tais documentos
foram, por assim dizer, as mais antigas “cartilhas” da humani-
dade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras
do alfabeto (IBIDEM: 18).
Na Idade Média, a alfabetização ocorreu menos nas
escolas e passou a ser uma tarefa da vida privada.
Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando
18
o valor fonético das letras em determinada língua, a
forma ortográfica das palavras e a interpretação da
forma gráfica das letras e suas variações. O fato de
os aprendizes serem falantes da língua que estavam
aprendendo/decifrando, se constituía em um facili-
tador da aprendizagem da escrita, pois ajudava nas
tentativas de descobrir, entre as várias possibilidades
a leitura correta. É o que acontece com as crianças de
hoje (e de sempre) que ao depararem, por exemplo,
com a palavra RODA em um texto, não lerão [rôda],
pois [róda] terá significado por fazer parte do seu
acervo lingüístico.
No século XV, na Europa, começaram a aparecer as
primeiras cartilhas (diminutivo de “carta”, no sentido
de esquema, mapa de orientação) e gramáticas com o
objetivo de estabelecer uma ortografia e ensinar o povo
a escrever nas línguas vernáculas, abandonando o latim.
Os textos destes livros são basicamente religiosos.
Não temos muitos registros de quando e como começa
a história da alfabetização no Brasil, mas com certeza a
origem está nas cartilhas portuguesas. Podemos inferir
que a história da alfabetização brasileira começa com
a chegada dos jesuítas, em 1549. Foram eles que, de
certa forma, apresentaram um sistema de escrita para
os índios, sendo responsáveis pela escolarização ca-
tequização das crianças.
Há notícias de que Portugal realizava remessas
de livros escolares para as colônias, para que
nelas se ensinassem a ler e escrever. Os jesuítas
inauguraram na Bahia a primeira escola de leitura,
escrita e religião.
Acredita-se que Cartinha deAprender a Ler4
, uma das
mais antigas para ensinar o idioma português, tenha
sido utilizada no Brasil.
As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática em
nosso idioma.Além da cartilha de João de Barros, há notícias de
uma cartilha elaborada por Frei João Soares, impressa em 1539
e reeditada várias vezes. Uma outra obra, o Método Castilho
para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito
e Numeração do Escrever, produzida por Antonio Feliciano de
Castilho (1850), em Lisboa, também foi utilizada no Brasil.
Esta obra incluía abecedário, silabário e textos de leitura, sendo
marcada por preocupações fonéticas (BARBOSA, 1990: 57).
Em 1876 surgiu a Cartilha Maternal, do poeta João de
Deus Ramos. No prefácio o autor diz que o aluno que
aprendeporletrasoupelassílabas“conduzidoatravésde
elementos inertes do pensamento, reduz-se à posição de
repetidordeumacambulhadademiudezastrivialíssimas,
quenãoodivertem,nemoinstruem,atrofiamlheoespírito
e deixam nele impresso o hábito da leitura mecânica,
senão, muitas vezes, o selo do idiotismo” (BARBOSA,
1990: 57). O autor opunha-se aos métodos de soletração
e silabação como pontos de partida para a aprendizagem
daleitura.Estacartilhamarcaatransiçãodoabecedáriodo
bê-a-báparaosmétodosanalíticos5
,queforamdifundidos
no Brasil durante a República.
Leitura Complementar
Sobre a história da alfabetização, leia os capítulos 1 e 2 do livro: CAGLIARI, L.C. Alfabetizando sem o bá-
bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.
No capítulo 5, do livro BARBOSA, J. J. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1990, você poderá ampliar
os conhecimentos sobre a história da alfabetização no Brasil.
Acesse http//portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ensfund/alfmortattihisttextalf/pdf/br e leia o texto da conferência
História dos Métodos deAlfabetização no Brasil, de Maria do Rosário Longo Mortatti, proferida em 27/04/2007,
no Seminário Alfabetização e Letramento em debate.
4
Esta cartilha de autoria de João de Barros foi impressa em 1539.
5
Discutiremos os diferentes métodos mais adiante.
1.3 - As Diferentes Concepções de Aprendizagem
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social
e historicamente, nos tornamos capazes de aprender.
Por isso somos os únicos em quem aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais
rico do que meramente repetir a lição dada.
Aprender para nós é construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem
abertura ao risco e à aventura do espírito.
Paulo Freire
Conhecendo um pouco da história da escrita e como
esse conhecimento foi disseminado pelo mundo, algu-
mas questões afloram: Como ocorre o conhecimento?
O que nos difere dos animais? Essas são reflexões que
geram muita inquietude e muitas pesquisas.
19
Em nosso dia-a-dia também nos perguntamos: Por
que alguns alunos aprendem e outros não? Por que
uma determinada atividade atinge os seus objetivos
para alguns alunos e para outros não?
A concepção de como o desenvolvimento e aprendi-
zagem humana acontecem dependerá da visão que se
tem de mundo em um determinado momento histórico
e persistirá enquanto for capaz de explicar a realidade,
pelo menos para algumas pessoas.
Buscando apoio nas contribuições da psicologia para
explicar como ocorre o conhecimento, encontramos
a concepção inatista que defende os fatores internos
(biológicos) como determinantes no processo de apren-
dizagem. Nesta perspectiva, os eventos que ocorrem
após o nascimento não são essenciais e/ou importantes
para o desenvolvimento do pensamento intelectual,
visto que, nesta visão, o ser humano já nasce com suas
qualidades e capacidades básicas prontas.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Anatureza, dizem-nos, é apenas o hábito. Que significa isso? Não
há hábitos que só se adquirem pela força e não sufocam nunca
a natureza? É o caso, por exemplo, do hábito das plantas, cuja
direção vertical se perturba. Em se lhe devolvendo a liberdade,
a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a
seiva não muda, com isto, sua direção primitiva; e se a planta
continuar a vegetar, seu prolongamento voltará a ser vertical.
O mesmo acontece com os homens. (ROUSSEAU, J-J. Emilio.
In: DAVIS, 1994, 27).
Nesta concepção, a função da educação é interferir o
mínimopossívelnoprocessodedesenvolvimentoespon-
tâneo do homem, já que, como preconiza o dito popular,
“pau que nasce torto, morre torto”. Não tem jeito!
Os inatistas buscaram seus fundamentos na Teologia, no
Evolucionismo de Darwin, na Embriologia e na Genética.
Na Teologia, a fundamentação se dá na máxima de
que “Deus, de um só ato, criou cada homem em sua
forma definitiva”. O que um bebê virá a ser já está
determinado pela ‘Graça Divina’.
Da Teoria Evolucionista de Darwin, os inatistas ba-
searam-se numa leitura equivocada de que a evolução
da espécie depende de mudanças graduais e cumulati-
vas, que decorrem de variações hereditárias. Cabe ao
ambiente selecionar os mais aptos. “Só os mais aptos
de uma determinada espécie – aqueles capazes de se
adaptar ao meio – sobreviveriam” (IDEM: 28).
Já na Embriologia, buscaram subsídios em seus
primeiros estudos que apontavam o desenvolvimento
quase que invariável, sendo regulado por fatores en-
dógenos (fatores internos).
Para quem acredita nessa concepção, não vale a pena
investir na educação, já que o professor pouco poderá
contribuir para o desenvolvimento do aluno. O sucesso
ou o fracasso escolar é visto como responsabilidade
única e exclusiva do aluno, na medida em que a apren-
dizagem depende apenas de fatores internos.
Ainda hoje encontramos muitos educadores que
acreditam que os fatores internos são determinantes
para a aprendizagem. É muito comum presenciarmos
o diálogo a seguir:
Professora A: - Eu não sei o que fazer para o Ricardo
aprender a ler! Ele não acompanha a turma.
Professora B: - Qual Ricardo? O irmão de Leandro
dos Santos?
Professora A: - É!
Professora C: - A família toda é assim. Os irmãos já
passaram pela escola e não conseguiram.
Professora B: - Puxaram aos pais. Eles são anal-
fabetos.
Professora C: - “Filho de peixe, peixinho é!”
Em contraposição ao inatismo, a concepção am-
bientalista (comportamentalista ou behaviorista)
considera que os fatores externos são determinan-
tes no processo de aprendizagem. Defende que o
homem é um ser extremamente plástico, reativo
à ação do ambiente. A experiência sensorial é a
fonte do conhecimento, sendo assim a aprendiza-
gem é entendida como um “processo pelo qual o
comportamento é modificado como resultado da
experiência” (IBIDEM: 33).
20
Essa concepção teve em Skinner6
seu maior expoente.
Para ele, manipulando-se os elementos presentes no
ambiente (estímulos) é possível controlar o compor-
tamento, que é adquirido ao se estabelecer associações
entre um estímulo e uma resposta, e entre uma resposta
e um reforçador. Para os ambientalistas, o ser humano
busca maximizar o prazer e minimizar a dor.
Assim, o reforço é um instrumento utilizado para fa-
zer com que os comportamentos considerados corretos
permaneçam no indivíduo. Já a punição é utilizada
para minimizar ou eliminar os comportamentos con-
siderados inadequados.
Nesta perspectiva, o planejamento das condições
ambientais é determinante para a aprendizagem de
novos comportamentos. Na escola, o professor passa
a ter papel fundamental. O sucesso da aprendizagem
depende dele, visto que é ele o único responsável pelo
planejamento, organização e execução das atividades
pedagógicas.
A educação foi sendo entendida como tecnologia, ficando de
lado a reflexão filosófica sobre a sua prática.
A organização das condições para que a aprendizagem ocorra
exige clareza e respeito aos objetivos que se quer alcançar (ob-
jetivos instrucionais ou operacionais), a estipulação da seqüência
de atividades que levarão ao objetivo proposto e a especificação
dos reforçadores que serão utilizados (IBIDEM: 33).
Baseado nesta concepção, encontramos a repetição
como um ‘método’ de aprendizagem.
É comum ainda encontrarmos em algumas práticas
pedagógicas, exercícios nos quais as crianças precisam
escrever cinco vezes a mesma palavra, ‘resolver’vinte
‘continhas’de adição, responder a um questionário da
mesma forma que o texto lido etc. Afinal, “água mole
em pedra dura, tanto bate até que fura”.
Podemos observar também que o erro é visto como
um comportamento inadequado, e como tal, precisa
ser extinto através da ‘dor’ (punição). Sendo assim,
não é muito difícil encontrarmos crianças tendo que
copiar três vezes a palavra errada, ficando de castigo
(sendo privada da merenda, recreio ou das atividades
que mais gostam) fazendo cópias etc., pois ‘Quando
a cabeça não pensa, o corpo é que paga’.
Você já parou para pensar por que falamos português?
Por que somos filhos de brasileiros? Ou por que vivemos
em um país que se fala português? Ou por que desde que
nascemos estamos em contato com pessoas que falam
português e que nos mostram o nome das coisas?
Enquanto os inatistas priorizam os fatores internos
e os ambientalistas, os fatores externos, a concepção
interacionista nos faz pensar que “nem tanto ao mar
nem tanto à terra”.
Esta corrente teórica nos mostra que a aprendizagem
e o desenvolvimento dependem da interação de fatores
internos e externos.
Nas concepções anteriores, o homem é visto como um
ser passivo, não tendo participação no seu processo de
aprendizagem, já que, ou ele nasce com suas potencia-
lidades prontas ou o ambiente é que irá moldá-lo. Para
os interacionistas, o homem é visto como um ser ativo
ou interativo, participante do seu processo de aprendi-
zagem, que é resultado da sua interação com o meio,
sendo o meio entendido não apenas como ambiente
físico, mas sim como um ambiente marcado pela cul-
tura, num determinado momento histórico e em todas
as relações interpessoais que são estabelecidas.
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que
desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características
(seu modo de agir, de pensar, de sentir) e sua visão de mundo
(seu conhecimento) (IBIDEM: 36).
Desde que nascemos estamos interagindo com o
mundo físico e social. É a partir dessas interações que
vamos conhecendo as características e peculiaridades
do mundo.
A construção do conhecimento exige elaboração, ou
seja, uma ação sobre o mundo.
A aquisição de conhecimento é vista como um pro-
cesso individual, construído durante toda a vida, no
meio cultural. O conhecimento pode ser comparado a
uma espiral, onde as experiências anteriores servirão
de base para novos conhecimentos, mediados pela
relação que o indivíduo estabelece com o meio. O erro
é encarado como parte do processo de aprendizagem,
sendo importante para a prática pedagógica, pois a
partir do “erro” o professor poderá compreender o
processo de pensamento do aluno e planejar ativida-
des que possibilitem avançar no seu conhecimento. A
sabedoria popular há muito nos diz que: ‘quem tem
boca vai a Roma’.
Piaget e Vygotsky foram os maiores defensores da
concepção interacionista. Apesar de enfatizarem que
o conhecimento ocorre a partir da interação de fatores
internos e externos, esses dois autores apresentam
uma visão diferente de como ocorre a interação entre
os mesmos.
6
Skinner: Burrhus Frederic Skinner (1904 –1990). Psicólogo norte-americano que juntamente com John Watson defendeu as idéias behavioristas. Em 1945,
desenvolveuuma“caixaeducadoraparabebê”,naqualeracolocadaumacriançaparaaprenderpormeiodereflexoscondicionados.Desenvolveuessaexperiência
comsuaprópriafilha.Segundoele,“ohomembomfazobemporqueérecompensado”.
21
A Teoria Construtivista de Piaget
Jean Piaget (1896-1980)
Segundo Piaget7
, a busca do equilíbrio (ou adaptação
com seu meio) é uma característica essencial do ser
humano. Para ele, o “desenvolvimento cognitivo ocorre
através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O
aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no
individuo ou a mudança de alguma característica do
meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura
do estado de repouso, da harmonia entre organismo e
meta – causando um desequilíbrio” (IBIDEM: 38).
Para voltar a uma nova situação de equilíbrio, dois
mecanismos são acionados. É o que Piaget denomi-
nou de assimilação (o organismo não altera a sua
estrutura) e acomodação (o organismo é obrigado
a alterar a sua estrutura para se ajustar às novas
demandas impostas pelo meio). Assimilação e
acomodação são processos distintos e opostos, que
ocorrem simultaneamente.
Quando estamos diante de um novo conhecimen-
to (desafio) nos sentimos desequilibrados intelectu-
almente. Buscamos a partir das nossas experiências
anteriores, desenvolvermos ações destinadas a atri-
buir significações aos elementos do ambiente com
os quais interagimos (assimilação). Quando esses
conhecimentos não são suficientes para dar conta do
desafio (estado de equilíbrio), precisamos ampliar ou
modificar nossas ações (físicas ou mentais) para atin-
girmos o novo conhecimento (acomodação).
Quando jogamos uma bola de soprar para uma
criança (desafio), ela fará uso do esquema pegar (pos-
tura de braço, mão e dedos) que já é conhecido por
ela, atribuindo ao balão o significado de ‘objeto que
se pega’ – assimilação. Porém, o esquema ‘pegar’
precisará ser modificado para se ajustar às caracte-
rísticas do objeto: a abertura dos braços, dos dedos
e a força utilizada para segurá-lo é diferente da que
se utiliza para pegar uma bola de plástico, de papel
ou de couro – acomodação. Posteriormente, ao ser
desafiada a pegar uma bola de gude, mais uma vez os
seus esquemas terão que se modificar (acomodação)
ao novo objeto.
Pense em um aluno que já consegue fazer uma adi-
ção e que na escola estamos apresentando para ele
a multiplicação (desafio/desequilíbrio). Com certeza
saber somar parcelas iguais (assimilação) é um es-
quema mental necessário para a multiplicação. Po-
rém, não é suficiente. Ele precisará modificar esse
esquema para compreender o conceito de multiplica-
ção (acomodação) e conseqüentemente distinguir o
momento de utilizá-la.
Para Piaget, o desenvolvimento é um processo con-
tínuo, caracterizado por quatro fases diversas (etapas
ou períodos). Em cada etapa, a criança constrói certas
estruturas cognitivas, que se constituem em uma forma
específica de pensar e atuar no mundo. Ele as denomi-
nou de sensório-motora (do nascimento aos 2 anos de
idade, aproximadamente), pré-operatória (2 anos até
aproximadamente aos 7 anos), operatório-concreta (7
anos até aos 12 anos, aproximadamente) e operatório-
formal (a partir dos 13 anos).
Para Cláudia Davis (1994), o modelo Piagetiano, que
pretende ser universal, é fortemente marcado pela ma-
turação, pois é ela a responsável pelo fato de as crianças
sempre apresentarem determinadas características
psicológicas em uma mesma faixa etária.
Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem:
o primeiro é um processo espontâneo que se apóia no biológico.
Aprendizagem, por outro lado, é encarada como um processo
mais restrito, causado por situações específicas (como freqüência
à escola) e subordinado tanto a equilibração quanto à maturação
(DAVIS, 1994: 46).
Um outro conceito muito importante na teoria
piagetiana é o conceito de autonomia, que é a
capacidade de agir por si mesmo, levando em
consideração os fatos relevantes para decidir e
agir da melhor forma para todos. Esse conceito
se opõe ao de heteronomia que significa depen-
dência da forma de agir e pensar. Sendo assim, a
grande finalidade da escola seria contribuir para
a formação de sujeitos autônomos.
7
Jean Piaget (1896-1980). Nasceu na Suíça. Formado em Biologia e Filosofia, teve como maior preocupação investigar como ocorre
o conhecimento. Estudou o desenvolvimento da espécie humana desde o nascimento até a idade adulta (ontogênese) e destacou que as
crianças pensam diferente dos adultos.
22
Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934)
Os processos de desenvolvimento não coincidem com os proces-
sos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento
progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado;
desta seqüenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento
proximal (VYGOTSKY, 1991:102).
Na teoria histórico-cultural, a educação escolar assume
papelrelevante,poisapesardeafirmarqueoaprendizado
do sujeito começa muito antes de se freqüentar a escola,
(IDEM: 101) diz que o “aprendizado não é desenvol-
vimento; entretanto, o aprendizado adequadamente
organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de
outra forma, seriam impossíveis de acontecer”; logo, “o
aprendizado escolar produz algo fundamentalmente
novo no desenvolvimento da criança” (IBIDEM: 95).
O conceito de zona de desenvolvimento proximal
é uma das grandes contribuições de Vygotsky para a
prática educativa.
Para ele há, pelo menos, dois níveis de desenvolvi-
mento: o real e o potencial (ou proximal).
No primeiro nível, as funções mentais da criança
já se estabeleceram como resultado de certos ciclos
completados, ou seja, são conhecimentos que já
estão consolidados. Ela não precisa de ajuda para
resolver uma determinada situação. O nível potencial
refere-se àquilo que a criança consegue fazer, po-
rém, ainda com a ajuda de pessoas mais experientes
(adultos ou crianças).
Assim sendo, para Vygotsky (1991), zona de de-
senvolvimento proximal é “a distância entre o nível
de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes” (IBIDEM: 97).
Aquilo que hoje é desenvolvimento potencial será
amanhã desenvolvimento real. O desenvolvimento é
um processo dinâmico e contínuo.
A partir desses conceitos, podemos inferir que o
papel do professor não é apenas constatar aquilo que
o aluno já sabe (nível real), mas sim atuar na zona de
desenvolvimento proximal, possibilitando a ele viven-
ciar situações que lhe desafiem, fazendo-o avançar nos
seus conhecimentos (nível potencial).
Vygotsky ressalta a importância do outro no processo
de aprendizagem. Somos capazes de aprender porque
estamos o tempo todo sendo mediados pelo outro
(através da pessoa física, do livro, do filme, da TV etc.)
que nos ‘apresenta o mundo’, ou seja, somos inseridos
na cultura, levados à apropriação dos conhecimentos
que estão disponíveis na sociedade.
Alinguagem tem papel fundamental nesse processo,
pois é através dela que vamos interagir com as outras
pessoas, internalizando os novos conceitos.
Você deve estar se perguntando o que essas teorias
têm a ver com alfabetização e letramento?
Podemos responder: TUDO, pois é através da con-
cepção que temos de como se dá a aprendizagem que
iremos construir a nossa prática pedagógica.
Como já falamos anteriormente, não pretendemos
aqui aprofundar nenhuma das teorias apresentadas,
pois além de não ser o objetivo deste material, seria
impossível visto a complexidade das mesmas. Quise-
mos apenas ressaltar alguns aspectos que podem nos
ajudar a refletir sobre a prática escolar e o processo de
alfabetização das crianças.
Exercícios de Fixação
1 – Você certamente já está realizando as suas atividades de estágio. Converse com uma professora de Educação
Infantil e/ou das séries iniciais do Ensino Fundamental sobre as formas de registros que as crianças utilizam para
expressar suas idéias. Compare com a evolução da escrita. Há semelhanças? Diferenças? Quais?
A Concepção Histórico-cultural
Já para Vygotsky8
, desenvolvimento e aprendizagem
são processos que estão inter-relacionados. Na medida
em que o sujeito aprende, ele se desenvolve, e esse
desenvolvimento leva a novas aprendizagens.
8
Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934). Nasceu na Bielo-Rússia e suas idéias foram influenciadas pelo contexto social em que viveu.
Graduou-se em Direito e Medicina, tendo aprofundado suas investigações na área da psicologia, principalmente para o campo da Edu-
cação de Deficientes. Encontramos o seu nome escrito de várias maneiras: Vigotsky, Vigotski, Vygotski ou Vygotsky. Optamos pelo
último por ser desta forma que está grafado nos livros citados.
2323
2- Preencha o quadro abaixo, fazendo uma síntese das diferentes concepções de aprendizagem.
3- Se houver oportunidade, visite uma turma que esteja iniciando o processo de ensino/aprendizagem da lin-
guagem escrita (alfabetização). Observe como ocorre a prática pedagógica. Registre. Você conseguiu perceber
qual concepção de aprendizagem está norteando o trabalho do(a) professor(a)? Justifique a sua resposta.
Leitura Complementar
Para conhecer um pouco mais sobre a teoria piagetiana, assista ao vídeo PIAGET – Coleção Grandes Educa-
dores,ATTAMídia Educação.Aqui os principais conceitos da obra de Piaget são apresentados e exemplificados.
Nesta coleção, você encontrará outros autores como Vygotsky, Paulo Freire e Freinet.
Se você quiser aprofundar os seus conhecimentos sobre a teoria piagetiana, leia o livro do próprio Piaget,
intitulado Seis Estudos de Psicologia, da editora Forense.
Este livro, composto de artigos e conferências, propõe-se a ser uma introdução à obra de Piaget. Na primeira
parte, apresenta a síntese das descobertas de Piaget no campo da psicologia da criança, demonstrando como se
verifica o seu desenvolvimento mental. Na segunda parte, são abordados problemas centrais do pensamento, da
linguagem e da afetividade na criança, através de numerosos exemplos e estudos de casos.
Para entender melhor o conceito de autonomia de Piaget, leia A Autonomia como Finalidade da Educação:
Implicações da Teoria de Piaget. In: KAMII, Constance. A Criança e o Número. Campinas: Papirus, 1998.
Leia o livro: VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Neste livro,
Vygotsky apresenta uma parte de sua teoria de como ocorre o conhecimento e principalmente as implicações
para a prática educativa.
Visite o site www.rio.rj.gov.br/sme/multieducacao. Este site é da Secretaria Municipal de Educação da cidade
do Rio de Janeiro. Nele podemos ter acesso ao Núcleo Curricular Básico Multieducação, onde encontramos
bons textos sobre as teorias abordadas neste fascículo.
Navegue pelo site www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004. Aqui, você encontrará o boletim do Programa
2, da série Adaptações Didáticas, escrito por Hugo Otto Beyes que discute a teoria de Vygotsky. Você também
poderá encontrar a programação da TV Escola e procurar o vídeo para assisti-lo.
24 UNIDADE II
ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?
2.1 – O Conceito de Alfabetização ao Longo da História
Todos os problemas da alfabetização começaram
quando se decidiu que escrever não era uma profis-
são, mas uma obrigação, e que ler não era marca
de sabedoria, mas de cidadania.
Emília Ferreiro
Ao conhecermos um pouco da história da alfabeti-
zação no Brasil, podemos perceber que este conceito
vem sendo modificado ao longo dos anos e que,
consequentemente, isso tem repercussões diretas na
prática pedagógica.
Mas por que esse conceito vem sendo modificado?
Ser alfabetizado não é saber “decifrar os códigos” da
escrita?
Provavelmente, durante algum tempo, saber decifrar
o código escrito era garantia de alfabetização e era
suficiente para se apropriar dos conhecimentos de uma
determinada sociedade, em um determinado momento
histórico. Mas, certamente, nos últimos séculos e,
principalmente, nas últimas décadas, isso não é mais
satisfatório.
As transformações ocorridas na história da Huma-
nidade impõem, cada vez mais, novas necessidades e
aprimoramento das ações de ler e escrever. Ler hoje
não exige as mesmas habilidades que há 50 anos. A
velocidade com que os conhecimentos são produzidos
e as informações são divulgadas, atualmente, exige
um leitor com muito mais estratégias de leitura, sendo
capaz de organizar e articular as informações para dar
sentido ao texto.
Como nos lembra Emília Ferreiro (2002: 13), “os ver-
bos “ler” e “escrever” deixaram de ter uma definição
imutável: não designavam mais (e tampouco designam
hoje) atividades homogêneas. Ler e escrever são
construções sociais. Cada época e cada circunstância
histórica dão novos sentidos a esses verbos”.
Em 1958, a UNESCO9
definiu como alfabetizado
o sujeito capaz de ler compreensivamente ou es-
crever um enunciado curto e simples relacionado
à sua vida diária. Aqui já fica claro que não basta
mais decifrar o código. É necessário saber utilizar a
escrita, mesmo que de forma simples, no dia-a-dia.
Porém, muitos que passavam pela escola, concluíam
o período de alfabetização e aprendiam a “decifrar
o código”, não eram capazes de compreender o que
liam e de se comunicarem através da escrita. Será
que já superamos isso?
Dentro desta perspectiva, analfabeto é aquele que
não consegue ler e nem escrever textos simples, como
um bilhete, por exemplo.
Em 1978, a própria UNESCO propôs a adoção do
conceito de alfabetização funcional, considerando
a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para
fazer frente às demandas de seu contexto social e de
usar essas habilidades para continuar aprendendo e
se desenvolvendo ao longo da vida, como alfabeti-
zada funcional.
No Brasil, durante muitas décadas, foi considerado al-
fabetizado aquele que era capaz de assinar o seu nome.
Essa era, inclusive, a forma de garantia de cidadania.
Antes da constituição de 1988, só os “alfabetizados”
possuíam direito ao voto e para tirar o título de eleitor,
bastava saber “desenhar o nome” (assinar).
9
A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura foi fundada em 16 de novembro de 1945. É uma agência
especializada das Organização das Nações Unidas. Acesse: www.unesco.org.br.
25
O IBGE10
, responsável por recensear a população
brasileira e divulgar o quantitativo de analfabetos no
país, utilizava como metodologia para contar os anal-
fabetos apenas as respostas dadas, pelos entrevistados,
se sabiam ou não assinar o nome.
Atualmente, o IBGE considera alfabetizada a pessoa
de 5 anos ou mais de idade, capaz de ler e escrever pelo
menos um bilhete simples no idioma que conhecesse e
analfabeta a que aprendeu a ler, mas esqueceu, e aquela
que apenas assina o próprio nome (IBGE, 2005). Po-
rém, a forma de coletar essa informação é a resposta
dada à pergunta: “Você sabe ler e escrever?”, pelos
entrevistados. Não podemos ter certeza se aqueles
que respondem sim são capazes, realmente, de ler e
escrever um bilhete simples.
Nos anos 90, o IBGE passou a divulgar também
índices de analfabetismo funcional11
, seguindo as
recomendações da Unesco, tomando como base não
a autoavaliação dos respondentes, mas o número de
séries escolares concluídas. Por este critério, são anal-
fabetas funcionais as pessoas com menos de quatro
séries escolares concluídas.
Estes índices têm sido objeto de muitas pesquisas no
meio acadêmico.
Em 2001, foi criado o INAF (Indicador Nacional de
Alfabetismo Funcional)12
, uma parceria do Instituto
Paulo Montenegro (IBOPE) e Ação Comunitária,
medindo diretamente as habilidades da população
por meio de testes. O objetivo desse indicador, é gerar
informações que ajudem a dimensionar e compreender
o fenômeno do alfabetismo funcional e fomentam o
debate público sobre ele e orientam a formulação de
políticas educacionais e propostas pedagógicas.
Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvi-
mento tecnológico, a ampliação da participação social e política
colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades
de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pes-
soas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas
são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que,
além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda
persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a
preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e
usos efetivos da leitura e escrita nas diferentes esferas da vida
social (RIBEIRO, 2006: 1).
O INAF procura responder, dentre outras, as seguintes
questões: quais são as habilidades de leitura e escrita
dos brasileiros? Quantos anos de escolaridade e que
tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios
de alfabetismo? Que outras condições favorecem o de-
senvolvimento de tais habilidades ao longo da vida?
Além do conceito de analfabetismo, o INAF distingue
três níveis de habilidades na população alfabetizada: o
nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda que os três
níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja,
correspondamahabilidadesqueaspessoaspodemaplicar
em determinados contextos, somente o nível pleno pode
serconsideradocomosatisfatório,aquelequepermiteque
a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura e a mate-
mática como meios de informação e aprendizagem.
10
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma fundação pública da administração federal, criado em 1934. Tem atribuições
ligadas às geociências e estatísticas sociais, demográficas e econômicas, o que inclui realizar censos e organizar as informações obtidas
nesses censos, para suprir órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal, e para outras instituições e o público em
geral. Acesse: www.ibge.gov.br.
11
A taxa de analfabetismo é o percentual de analfabetos em determinada faixa etária; no Censo Demográfico 2000, foi considerada a
população de 15 anos e mais, idade a partir da qual espera-se que o ensino fundamental obrigatório tenha sido concluído. Com isso, o
índice de analfabetismo funcional no Brasil chegou perto dos 27%.
12
O INAF aplica anualmente testes de habilidades em amostras de 2 mil pessoas, representativas da população entre 15 e 64 anos, além
de questionários que apuram a bagagem educacional dos respondentes, seus hábitos e práticas de leitura e escrita em diversos contex-
tos de vivência. Em 2001, 2003 e 2005, focalizaram-se as habilidades de leitura e escrita; em 2002 e 2004, foi a vez das habilidades
matemáticas, já que esse novo conceito de alfabetismo compreende também a capacidade de processar informações numéricas presentes
no dia-a-dia, no comércio, no trabalho ou nas páginas dos jornais. Acesse: www.acaoeducativa.org.br ou www.ipm.org.br.
26
Fonte: RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e Alfabetismo funcional no Brasil. Disponível em: www.reescrevendoaeducação.com.br/2006.
Acesso em 20/06/2007.
Veja a seguir a descrição de cada nível. Que nível de Alfabetismo você possui?
Nestes cinco anos de pesquisas, alguns resultados
do INAF nos fazem refletir sobre o conceito de alfa-
betização:
•Agrandemaioriadapopulaçãobrasileira(68%)nafaixa
etária de 15 a 64 anos, que estudou até a 4ª série do Ensino
Fundamental, atinge, no máximo, o nível rudimentar.
• Mais grave ainda: 13% deste grupo podem ser
considerados analfabetos em termos de habilidades
de leitura e escrita e 4% sequer conseguem identificar
números em situações cotidianas.
• Dentre os que cursaram da 5ª a 8ª série, apenas ¼
pode ser considerado plenamente alfabetizado, enquan-
to a maioria se enquadra no nível básico de alfabetismo,
tanto na leitura quanto nas habilidades matemáticas.
Permanecem no nível rudimentar, tanto na leitura
quanto na matemática, 24% deste grupo.
• Dos que completaram o Ensino Médio, 56% dos
brasileiros apresentam pleno domínio das habilidades
de leitura e escrita e 49% atingem um nível pleno de
alfabetismo em termos de habilidades matemáticas.
Hoje a concepção de alfabetização da Unesco inclui
o desenvolvimento de conhecimentos e competências
necessários para o indivíduo inserir-se e movimentar-
se com desenvoltura no meio social, entre os quais o
domínio de novas linguagens e tecnologias.
Você já deve ter percebido o quão complexo é o
conceito de alfabetização e que ele é muito mais do
que decodificar a escrita. Porém, desde os primór-
dios, a palavra alfabetização sempre esteve associa-
da ao ensino da leitura e da escrita como aquisição
de uma técnica.
(...)técnica dos traçados das letras, por um lado, e técnica da
correta oralização do texto, por outro. Só depois que dominada
a técnica é que surgiam, como num passe de mágica, a leitura
expressiva (resultado da compreensão) e a escrita eficaz (resul-
tado de uma técnica posta a serviço das intenção do produtor).
Acontece que essa passagem mágica da técnica para a arte só
foi transposta, naqueles lugares onde a escola mais faz falta, por
pouquíssimos escolarizados precisamente pela ausência de uma
tradição histórica de ‘cultura letrada’ (FERREIRO, 2002: 13).
Para explicitar que se espera da alfabetização mais
do que “decifrar letras”, foram sendo utilizadas as
expressões “alfabetização plena”, “alfabetização in-
tegral”, “alfabetização total” que apontam para uma
prática de alfabetização que perpassa pela aquisição e
uso da leitura e escrita nos contextos sociais. Dentro
dessa nova concepção, surge o termo letramento13
para designar “um estado, uma condição: o estado ou
condição de quem interage com diferentes portadores
de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos
de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a
leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim:
letramento é o estado ou condição de quem se envolve
Leitura Habilidades Matemáticas
Analfabetismo Não domina as habilidades medidas. Não domina as habilidades medidas.
Alfabetismo
Nível Rudimentar
Localiza uma informação simples
em enunciados de uma só frase, um
anúncio ou chamada de capa de revis-
ta, por exemplo.
Lê e escreve números de uso freqüen-
te: preços, horários, números de telefone.
Mede um comprimento com fita métrica,
consulta um calendário.
Alfabetismo
Nível Básico
Localiza uma informação em textos
curtos ou médios (uma carta ou notícia,
por exemplo), mesmo que seja necessá-
rio realizar inferências simples.
Lê números maiores, compara preços,
conta dinheiro e faz troco. Resolve proble-
mas envolvendo uma operação.
Alfabetismo
Nível Pleno
Localiza mais de um item de informa-
ção em textos mais longos, compara in-
formação contida em diferentes textos,
estabelece relações entre as informações
(causa/efeito, regra geral/caso, opinião/
fato). Reconhece a informação textual
mesmo que contradiga o senso comum.
Consegue resolver problemas que envol-
vem seqüências de operações, por exemplo,
cálculo de proporção ou percentual de des-
conto. Interpreta informação oferecida em
gráficos, tabelas e mapas.
27
Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
13
Magda Becker Soares resgata o surgimento do termo letramento, que, segundo ela, já apareceu décadas atrás. Em 1986, no livro de
Mary Kato, No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística, da editora Ática. Em 1988, Leda Verdiani Tfouni distingue alfa-
betização e letramento, no livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, da editora Pontes. Em 1995, o termo surge em título de
livro, Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita, organizado por Ângela Kleiman.
Será que ser analfabeto, em uma sociedade grafocên-
trica, condena o sujeito a não ser letrado? Um analfa-
beto pode ser letrado? A Mafalda é ou não letrada?
Querendo ou não, vivemos em uma sociedade onde a
escrita se faz presente. Se letrado é aquele que vivencia
aspráticasdeleituraeescritaqueestãopresentesemuma
sociedade, podemos dizer que aquele que não domina a
tecnologia(alfabetizado)podeserletrado.AMafaldanão
sabelernemescrever,nãodominaatecnologiadaescrita,
mas conhece muito bem a função da escrita.
Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado
social e economicamente, mas vive em um meio em que a leitura
e a escrita têm presença forte, se interessa-se em ouvir a leitura de
jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem
para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é
significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas
próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos
ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de
certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em
práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança
que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los,
brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada
de material escrito e percebe seu uso e sua função, essa criança
é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas
já penetrou no mundo do letramento, já é de certa forma letrada
(IBIDEM: 24).
nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura
e de escrita” (SOARES, 2001: 44).
O termo letramento aparece em oposição ao termo
alfabetização. Letrado é compreendido como aquele
que aprende a ler e escrever, usa a leitura e a escrita,
envolve-se em suas práticas, tornando-se, uma pessoa
diferente. Já o alfabetizado é aquele que adquire a
tecnologia da escrita, aprende a codificar em língua
escrita e a decodificar a língua escrita, podendo tornar-
se letrado ou não.
Alguns autores, como Emília Ferreiro, dizem ser
desnecessário a criação do termo letramento, pois com-
preendem que “a alfabetização não é mais entendida
como mera transmissão de uma técnica instrumental,
realizada numa instituição específica (a escola)” (FER-
REIRO, 2002: 40). Outros autores, porém, defendem
a utilização do termo letramento, como Soares (01)
argumentando que:
(...) Entretanto, contraditoriamente, este novo conceito de
aprendizagem da leitura, estreitamente relacionado com práticas
de leitura, com a formação de um verdadeiro leitor, vem con-
vivendo com a persistência do conceito restrito e tradicional de
aprendizagem da leitura como a mera aquisição da tecnologia da
escrita, como apenas formação de um decodificador da escrita
(...) (Soares, 2005: 1).
Observando a prática pedagógica que ocorre em
nossas escolas, podemos distinguir nitidamente aque-
las que ainda concebem a alfabetização como apenas
uma tecnologia daquelas que a compreendem como
apropriação (tornar “própria”) da língua escrita.
Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas,
mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar le-
trando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas
sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornas-
se, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (IDEM: 47).
Letramento pressupõe uma mudança de lugar so-
cial, do modo de viver na sociedade, de inserção na
cultura. Implica também em tornar-se cognitivamente
diferente. “A pessoa passa a ter uma forma de pensar
diferente da forma de pensar de um analfabeto ou
iletrado” (IBIDEM: 37). Traz também conseqüências
lingüísticas, pois o convívio com a língua escrita acar-
reta mudança no “uso da língua oral, nas estruturas
lingüísticas e no vocabulário”.
28
Existem vários níveis de letramento, que vai desde
identificar um rótulo de uma embalagem até à leitura
de um texto científico, como uma tese de doutorado.
Acreditase que o nível de letramento de grupos sociais
relaciona-se fundamentalmente com as suas condições
sociais, culturais e econômicas.
Soares (2001) destaca a necessidade de condições
para o letramento. Mas que condições seriam essas?
1- Escolarização real e efetiva da população – A
necessidade de letramento surge quando se amplia o
O QUE É LETRAMENTO?14
Kate M. Chong
Letramento não é um gancho
em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo
de uma habilidade,
nem um martelo quebrando blocos de gramática.
Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol.
São notícias sobre o presidente,
o tempo, os artistas da TV
e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo.
É uma receita de biscoito,
uma lista de compras, recados colados na geladeira,
um bilhete de amor,
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.
É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama,
e rir e chorar
com personagens, heróis e grandes amigos.
É um Atlas do mundo,
sinais de trânsito, caças ao tesouro,
manuais, instruções, guias,
e orientações em bulas de remédios,
para que você não fique perdido.
Letramento é, sobretudo,
um mapa do coração do homem,
um mapa de quem você é,
e de tudo que você pode ser.
14
Poema publicado no livro Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêntica.
acesso à escolarização. Com mais pessoas sabendo ler
e escrever, “passando a aspirar a um pouco mais do
que simplesmente saber ler e escrever”.
2- Disponibilidade de Material de Leitura – Criar
condições para aqueles que aprenderam a ler e escre-
ver fiquem imersos em um ambiente de letramento,
com acesso aos livros, revistas e jornais, às livrarias
e bibliotecas.
Para você compreender melhor o que significa letra-
mento, leia a poesia abaixo.
29
Ser letrado é estar imerso nas práticas sociais de
leitura e escrita de uma determinada sociedade, em
um determinado tempo histórico. Para isso não basta
saber decodificar a escrita.
Diante disso, qual o papel da escola na criação de
condições para o letramento?
Como desenvolver uma prática pedagógica que
alfabetize letrando? Como ficam os métodos de alfa-
betização na perspectiva do letramento?
Essas são algumas questões que pretendemos abordar
ao longo desse material.
Leitura Complementar
Acesse: www.acaoeducativa.org.br/downloades/INAF e veja o relatório com os resultados dos 5 anos do INAF.
Nele você terá uma visão mais ampla do nível de letramento da população brasileira.
Leia o livro Letramento – um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêncica. É uma leitura agra-
dável, em que você poderá aprofundar os seus conhecimentos sobre o conceito de letramento.
2.2 – Os Métodos de Alfabetização
Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
No Brasil, agregado à discussão sobre o que é ser alfa-
betizado, sempre tivemos o olhar do professor centrado
na eficácia de processos e métodos de alfabetização.
Como alfabetizar? Qual o melhor método? Que cartilha
usar? Essas são perguntas que acompanham a prática
docente e que refletem a concepção de aprendizagem
que o educador possui.
Até meados dos anos 80 do século passado, havia uma
polarização entre processos sintéticos e analíticos,
direcionados ao ensino do sistema alfabético e
ortográfico da escrita.
Os processos sintéticos são os mais antigos, tendo
mais de 2000 anos. Consideram a língua escrita objeto
de conhecimento externo ao aprendiz.Têm como ponto
de partida o estudo dos elementos da língua (letra,
fonema, sílaba). Pressupõem o estabelecimento da
correspondência entre o som e a grafia.
Nesta concepção, encontramos os métodos de sole-
tração, o fônico e o silábico, tendências ainda forte-
mente presentes nas atuais propostas didáticas. Tais
métodos privilegiam os processos de decodificação, as
relações entre fonemas (sons ou unidades sonoras) e
grafemas (letras ou grupos de letras) e uma progressão
de unidades menores (letra, fonema, sílaba) a unidades
mais complexas (palavra, frase, texto).
O ensino parte do simples para o complexo, na visão
do professor. Só se avança no processo se todas as
dificuldades da fase anterior estiverem consolidadas.
Aleitura é considerada como um esquema somatório:
pela soma dos elementos mínimos (fonema ou sílaba)
o aluno aprende a palavra. Pela soma das palavras, a
frase. Pela soma das frases, o texto.
Quando se analisa o sistema alfabético, enquanto
sons convertidos em códigos gráficos, fica claro que
existem certas semelhanças perceptivas gráficas (a
letra d e a letra b, por exemplo) e certas semelhanças
sonoras (a letra v e a letra b, por exemplo). Logo um
dos critérios de simplicidade – sempre vista pela lógica
do adulto – recomendava, na apresentação seqüencial
dos elementos da língua, evitar proximidade entre sons
e grafias semelhantes.
Por outro lado, como a questão era evidenciar através do ensino
certo paralelismo entre sons e grafias do alfabeto, parece claro
que aqueles elementos que apresentam uma relação biunívoca
entre som e grafia (o som fonema f com a letra f, por exemplo)
30
seriam considerados mais simples do que aqueles que apresentam
correspondências múltiplas entre letras e sons (os sons da letra
s, por exemplo). Daí outro critério estabelecido: na apresentação
seqüencial dos elementos da língua escrita, o processo começa
pelas correspondências mais simples, ou seja, aquelas que sejam
biunívocas, pois algumas relações são mais simples e outras,
mais complexas (BARBOSA, 1990:48).
Os processos sintéticos enfatizam a consciência fo-
nológica e a aprendizagem do sistema convencional da
escrita (importantes ao processo de alfabetização), mas
deixam de explorar as complexas relações entre fala
e escrita, suas semelhanças e diferenças. A linguagem
oral e a linguagem escrita são dois conhecimentos
distintos. Com certeza, tudo que pensamos e sentimos
pode ser representado pela oralidade e pela escrita,
porém com recursos diferentes.
Dão tanta ênfase à decodificação que, muitas vezes,
resultaempropostasquedescontextualizamaescrita,seus
usos e funções sociais, enfatizando situações artificiais
de treinamento de letras, fonemas ou sílabas. É muito
comumencontrarmosnascartilhasdessesmétodosfrases
completamentedesconexascomo:“Oboibabanababá”,
“A foca afia a faca” etc. Com certeza essas frases não
são encontradas nos textos que circulam na sociedade e
“retratam” situações um tanto quanto inusitadas. Você já
viu alguma foca usando faca? E afiando a faca?
Em contraposição aos processos sintéticos, temos
os processos analíticos, que valorizam a análise e a
compreensão de sentidos, propondo uma progressão
diferenciada: de unidades mais amplas (palavra,
frase, texto) a unidades menores (sílabas ou sua de-
composição em grafemas e fonemas). São exemplos
dessa abordagem os métodos de palavração (palavra
decomposta em sílabas), de sentenciação (sentenças
decompostas em palavras) e o global de contos (textos
considerados como pontos de partida, até o trabalho
em torno de unidades menores).
Foi Nicolas Adam, que, em 1787, propôs que a
aprendizagem da língua escrita deveria partir de pa-
lavras com significado para as crianças. Ele compara
o aprendizado da escrita com o aprendizado da fala,
alegando que não falamos primeiro os sons das letras,
para depois aprendermos as sílabas, as palavras, as
frases, para finalmente mantermos um diálogo.
Segundo esta abordagem, o prévio é o reco-
nhecimento global de palavras ou orações; a
análise dos componentes é uma tarefa posterior.
Não importa a dificuldade auditiva daquilo que
se aprende, já que a leitura é uma tarefa predo-
minantemente visual.
(...) Já encontramos aí os fundamentos da formulação ideovisual:
ler é mais importante que decifrar; o sentido do texto tem mais
importância que o som do texto; a aprendizagem parte de pala-
vras com significado afetivo e efetivo para as crianças. Segundo
Adam, a análise da palavra deveria ocorrer numa etapa bem pos-
terior ao domínio do capital de palavras aprendidas globalmente.
Pouco tempo depois, Jacotot, outro precursor do método global,
recomenda que esta análise das palavras se inicie precocemente,
o mais rápido possível (BARBOSA, op. cit.: 50).
Essa concepção ainda persiste nas práticas docentes
atuais. Os métodos analíticos contemplam algumas
das capacidades essenciais ao processo de alfabetiza-
ção – sobretudo o estímulo à leitura de unidades com
sentido, pelo reconhecimento global das mesmas.
Entretanto, quando incorporados de forma parcial e
absoluta, acabam enfatizando construções artificiais e
repetitivas de palavras, frases e textos, muitas vezes
apenas a serviço da repetição e da memorização, com
objetivo de manter controle mais rígido da seqüência
do processo e das formas de interação gradual da
criança com a escrita. Neste aspecto, podemos afirmar
que os métodos sintéticos e os analíticos se aproximam
por entenderem que o processo de aprendizagem está
baseado na memorização.
Nas últimas décadas a discussão sobre a eficácia de
processos e métodos de alfabetização, que passaram a
ser identificados como propostas “tradicionais”, ficou
secundária. O foco central passou a ser a discussão
sobre a psicogênese da aquisição da escrita, uma
abordagem de grande mudança conceitual no campo da
alfabetização, que foi sistematizada por Emília Ferreiro
e Ana Teberosky (1985) e por vários outros teóricos
e pesquisadores. A ênfase deixa de ser o método de
ensino e passa a ser a o processo de aprendizagem da
criança que se alfabetiza e suas concepções progressi-
vas sobre a escrita, que é entendida como um sistema
de representação e não como um código.
Essa nova abordagem entende também que a aprendi-
zagem é de natureza conceitual e não mecânica, e que a
escrita é um objeto sociocultural do conhecimento.
Barbosa (1990) apresenta um quadro-resumo fa-
zendo um contraponto das principais características
dos dois grandes eixos de abordagem da leitura e da
alfabetização:
31ABORDAGEM TRADICIONAL NOVA ABORDAGEM
ORIGEM
- Ensino coletivo e simultâneo
(década de 1880, na Europa).
- Nos anos 70, a partir das pes-
quisas desenvolvidas pela Psico-
lingüística sobre o comportamen-
to do leitor no ato da leitura.
MÉTODOS
- Sintéticos: alfabético
silábico
fônico
- Analíticos: palavração
sentenciação
conto
- Analítico-sintético.
- Pedagogia de Projeto (situa-
ções funcionais de leitura).
CONCEPÇÃO
DE ESCRITA
- A língua como:
1º) objeto de análise
2º) objeto de uso
- Sistema simbólico de segunda
ordem, subordinado à fala.
- Sem autonomia quanto ao sig-
nificado.
- Saber escolar.
- A língua como:
1º) objeto de uso
2º) objeto de análise
- Sistema de linguagem, paralelo
e equivalente à linguagem oral
- Portadora direta do sentido (au-
tonomia em relação à fala).
- Saber social.
CONCEPÇÃO DE
APRENDIZAGEM
- Objetivo: alfabetizar (dizer
o sistema alfabético).
- Baseada no processo de en-
sino (o método).
- Uso escolar da escrita.
- Desprezo pelas aquisições
extra-escolares.
- Uniforme, cumulativa, pon-
tual (progressão hierarquizada
passo a passo, do simples para
o complexo).
- Utiliza a fala como referen-
cial (estigmatizando as varian-
tes de registro).
- Privilegio absoluto do meca-
nismo de transcodificação.
- O professor ensina: o aluno
aprende (repete): E/R.
- Para ler é preciso analisar a
escrita.
- Aprender para fazer.
- Sentido privilegiado: a audi-
ção (leitura auditiva).
- Pressupõe a homogeneidade
do saber das crianças.
- Crença na possibilidade de
ensino de estratégias ao leitor.
- Conquista individual e com-
petitiva do saber.
- Simulação de situações de
leitura.
- Objetivo: inscrição da criança no
circuito da comunicação escrita.
- Baseada no processo de aprendi-
zagem (a construção de um saber ou
prática).
- Promove situações reais de leitu-
ra/escrita.
- Intervenção numa etapa de um
processo já iniciado fora da escola.
- Intervenções diversificadas e he-
terogêneas.
- Utiliza o processo de aprendiza-
gem da fala como referencial.
- Informação geral / informação
específica.
- Mudança na escola: o lugar pri-
vilegiado para a criação de situações
de leitura/escrita.
- Mergulho na escrita social: é len-
do que se aprende a ler.
- Fazer para aprender.
- Sentido privilegiado: a visão (lei-
tura visual).
-Confrontodeestratégiasedificul-
dades do grupo
- Baseada em estratégias desen-
volvidas pelo leitor, sustentada por
intervenções precisas.
- Troca de informações no grupo;
socialização do saber.
- Familiaridade com a multiplici-
dade de situações sociais de leitura.
32
CONCEPÇÃO DE ESCOLA
- Detentora do monopólio da
escrita.
- Único lugar onde ocorre a
aprendizagem da leitura (basea-
da numa concepção escolar dessa
aprendizagem).
- Promotora da “escrita escolar”.
- Não detentora do monopólio
da escrita.
- Espaço privilegiado(entre ou-
tros) onde a criança, através de
um conjunto de intervenções, de-
senvolve sua condição de leitor.
- Promotora do uso social da
escrita.
PRÉ-REQUISITOS - Maturidade para leitura/escrita. - Experiências prévias do leitor
no mundo social da escrita.
ETAPAS DE ENSINO - Pré-alfabetização (pré-escola).
- Alfabetização.
- Pós Alfabetização.
- Construção individual (equi-
líbrio, contradição, novo equi-
líbrio) da compreensão escrita
como comunicação social, inter-
pessoal, no coletivo e no social.
MATERIAL DE LEITURA - Cartilha.
- Quadro de giz.
- Silabário/jogos carimbos.
- Literatura infantil.
- Utilização da diversidade e
abundância da escrita no mundo.
- Biblioteca/Centro de docu-
mentação.
PAPEL DO PROFESSOR - É aquele que ensina e trans-
mite seu saber.
- Ensina uma técnica pré-pro-
gramada.
- Informa, demonstra, corrige.
- É aquele que intervém numa
determinada etapa do processo.
- Cria situações favoráveis ao
desenvolvimento de estratégias
pelo leitor aprendiz.
- Propõe, organiza, promove,
informa, seleciona, questiona,
participa, sistematiza técnicas de
acesso e apreciação da escrita.
ESTRATÉGIAS DE LEITURA - Correspondência som/grafia:
transformaçãodeumacadeiadesi-
nais sonoros que permite (ou não!)
extrair um significado do texto.
- Familiaridade visual com pa-
lavras e frases.
- Exploração direta da escrita,
portadora de sentido sem media-
ção oral.
- Mobilização do saber e expe-
riência do leitor, anterior e exte-
rior à escrita.
- Intencionalidade do leitor: o
questionamento do texto.
- Estratégias adaptadas a escri-
tos específicos: flexibilidade.
- Hipótese, antecipação, verifi-
cação, identificação.
- Dicionário.
- Contexto.
- Perguntar a terceiros.
- Saltar palavras.
33FUNÇÃO DA DECIFRAÇÃO - Causa da aprendizagem da
leitura (da decifração à leitura).
- Conseqüência da aprendizagem
da leitura.
-Aquisição subjacente à leitura.
- É o “plus” da leitura (cf. Smith).
CARACTERÍSTICAS DA
LEITURA
- Baseada na decifração.
- Leitura silabada, lenta, hesitante.
- Estacionada no tempo.
- Sentido extraído do texto ora-
lizado.
- Dificuldade quanto ao signifi-
cado.
- Tendência à vocalização e sub-
vocalização.
- Tendência à regressão no texto.
- Monovalente e integral.
- Baseada no sentido.
- Leitura fluente, flexível, segura.
- Adaptada às necessidades das
sociedades modernas.
- Sentido atribuído ao texto es-
crito.
- Fonte de informação, orienta-
ção, prazer.
- Leitura silenciosa.
- Uso de múltiplas estratégias.
- Polivalente/seletiva.
CARACTERÍSTICA DO LEITOR - Aquele que adquire o hábito
de sonorizar a escrita: um leitor
de letras.
- Aquele que, diante das ques-
tões que o mundo lhe propõe,
sabe que pode encontrar respos-
tas relevantes na escrita e domina
estratégias diversificadas de ex-
ploração do texto.
ATIVIDADE DE ESCRITA - Escrita de um modelo: cópia,
ditado, redação, leitura oral.
- Escrita de sons (problemas
ortográficos: a palavra é escrita
como se pronuncia).
- Simulação de situações de es-
crita (redação escolar).
- Escrita do sentido, no contexto.
- Ortografia: reprodução de for-
mas visuais (escrita, língua para os
olhos).
- Apoiada nas necessidades de
expressão pessoal.
AVALIAÇÃO - Do produto: mede a capaci-
dade do aprendiz de reproduzir o
que foi ensinado
- Leitura oral: controle da com-
binatória
- Do processo: ponto de referên-
cia para reorganizar a interven-
ção do ensino (a leitura em voz
alta corresponde a uma situação
particular de leitura)
Fonte: BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. [s.l.]: Cortez, 1990.
34
Como você pôde perceber, há diferenças significa-
tivas nas duas abordagens, nelas estão presentes as
“crenças” de como se aprende e se ensina, implicando
em ações pedagógicas bem distintas.
Das abordagens apresentadas por Barbosa (1990),
qual delas se aproxima do conceito de letramento?
Leitura Complementar
Acesse: www.fae.ufmg.br/ceale e leia alguns textos que abordam os métodos de alfabetização.
Leia o livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, da editora Cortez. O autor apresenta a história
dos métodos de alfabetização, no capítulo 4, de forma clara e profunda.
2.3 – As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese
da Língua Escrita
(...) Tudo o que foi colocado muda radicalmente se
tomarmoscomoobjetivoescolaraaquisiçãodalíngua
escrita, se reconhecermos que não há proeminência
da leitura sobre a escrita – enquanto atividades que
permitemconheceressemodoparticularderepresen-
taçãodalinguagem–ereconhecermostambém(como
mostram abundantemente os dados de investigações
recentes em diversos países da América Latina) que
as crianças não chegam ignorantes à escola, que
têm conhecimentos específicos sobre a língua escrita,
ainda que não compreendam a natureza do código
alfabético e que são esses conhecimentos (e não as
decisõesescolares)quedeterminamopontodepartida
da aprendizagem escolar.
Emília Ferreiro
Não poderíamos falar de alfabetização sem abordar as
contribuições de Emília Ferreiro15
. Nas últimas três dé-
cadas, as suas pesquisas16
têm norteado a discussão sobre
o tema. Não pretendemos aqui discorrer sobre todo o seu
trabalho, mas destacar alguns aspectos dos seus estudos e
pesquisas, que contribuem para se pensar a alfabetização.
Emília Ferreiro não criou um método de alfabeti-
zação. Ela buscou explicar como se dá a psicogênese
da língua escrita, ou seja, procurou observar como a
criança constrói, se apodera, da linguagem escrita.
O seu trabalho demonstra, de forma categórica, que
a escrita não é um código, mas sim um sistema de
representação que é apropriado pelo sujeito por meio
do contato que ele tem com a língua escrita, mediado
por outros sujeitos. Daí a sua afirmação de que só se
aprende escrever escrevendo.
“Ler não é decifrar, escrever não é copiar”.
Emília Ferreiro
Ela tentou conhecer a maneira como as crianças
concebem o processo de escrita, o que pensam e quais
hipóteses organizam sobre a leitura e a escrita. Perce-
beu que as crianças pequenas, por exemplo, acreditam
que tanto se pode ler um desenho como uma palavra,
porque ainda não conseguem distinguir os tipos de
representação (desenho e palavra) do objeto.
15
Psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez doutorado na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, sob a
orientação de Jean Piaget. Nasceu em 1937, reside atualmente no México, onde trabalha no Departamento de Investigações Educativas
(DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados do Instituto Politécnico Nacional do México.
Fez seu doutorado dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou
em 1971 à Universidade de BuenosAires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parteAna Teberosky,
Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Líliana Tolchinsk.
16
A sua pesquisa sobre psicogênese da língua escrita foi realizada com crianças de 4 a 6 anos, no México e na Argentina (castelhano).
No seu grupo de pesquisados incluíam crianças das diferentes classes sociais. Aqui no Brasil, na década de 80, as pesquisadoras Telma
Weisz (São Paulo), Terezinha Nunes Carraher e Lúcia Browne Rego (Recife) e Esther Pillar Grossi (Porto Alegre) repetiram as inves-
tigações de Emília Ferreiro e constataram que, em português, os processos de conceitualização da escrita seguem uma linha evolutiva
similar ao castelhano.
35
Identificou também que em outra fase as crianças já
“distinguem” o que pode ser palavra, logo pode ser
lido, daquilo que não é palavra.Ao pedir que tentassem
ler “palavras” como as abaixo, as crianças afirmavam
que não podiam ler a primeira e a segunda, pois só ti-
nham letras iguais. Já a terceira podia ser lida pois tinha
letras diferentes, mesmo sem ter algum significado na
língua materna. Isso demonstra que elas possuíam a
hipótese de que para ser lido (palavra) há necessidade
de se ter letras diferentes.
Emília afirmou que existe “um processo de aquisição
da linguagem escrita que precede e excede os limites
escolares”.Aescola é apenas um dos espaços de apren-
dizagem da linguagem escrita e não o único. Todos os
contatos/experiências vividos pela criança fazem parte
da elaboração da sua construção. Daí a importância
das experiências vivenciadas pelas crianças dentro e
fora da escola.
Esses conhecimentos, apresentados por Emília
Ferreiro, possibilitaram deixar de pensar, apenas, em
como se ensina (professor), para focar o processo de
aprendizagem (aluno).
Jean Piaget obrigou-nos a abandonar a idéia de que nosso modo
de pensar é o único legítimo e obrigou-nos a adotar o ponto de
vista do sujeito em desenvolvimento. Isto é fácil de dizer, mas
muito difícil de aplicar coerente e sistematicamente (FERREIRO,
1987: 68).
Ao olhar o processo de aprendizagem, do ponto
de vista do sujeito que aprende (aluno), o que era
considerado erro passa a ser visto como sinalizador
de como o sujeito está pensando, construindo o seu
conhecimento.
O erro passa a ser construtivo, pois ele reflete a cons-
trução de conhecimento do aprendiz e aponta para o
professor a necessidade de intervenções pedagógicas
adequadas.
Vejamos a escrita17
abaixo, que é de uma menina com
5 anos de idade.
Se olhássemos apenas a sua escrita (PSIO) diríamos
que ela não sabe escrever, que essas quatro letras não
formam a palavra passarinho e que “comeu letras”.
Porém, se analisarmos o seu texto, veremos que ela
possui uma hipótese sobre a linguagem escrita. Pensa
que apenas uma letra é capaz de representar o som da
sílaba. Observe que ela não escreve letras aleatórias,
ela escreve uma letra para cada sílaba da palavra,
estabelecendo uma relação sonora. Veja:
Segundo Ferreiro (1987), é necessário estabelecer a
diferença entre a construção de um objeto de conhe-
cimento (linguagem escrita) e a maneira pela qual
fragmentos de informação fornecidos ao sujeito são
incorporados ou não como conhecimento, pois apesar
de estarem relacionados, são processos distintos e essa
compreensão implicará em uma prática pedagógica
diferenciada.
Para ela, as crianças que vivem em ambientes urba-
nos, desde o seu nascimento, estão expostas a materiais
escritos e a ações sociais de escrita, obtendo diversas
informações acerca de alguns tipos de relações entre
ações e objetos. Pode saber, por exemplo, que usamos
letras para escrever, o que é e para que serve uma carta,
sem saber “escrever” e, muito menos, que tipo de texto
é uma carta.
Com certeza, os conhecimentos prévios adquiridos
no ambiente social ajudarão muito no processo de cons-
trução da linguagem escrita, mas não serão suficientes
para a construção do objeto (linguagem escrita).
17
Todos os textos apresentados neste capítulo foram produzidos em 2007, por crianças de 5 e 6 anos, que estudam em um colégio privado,
na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O colégio não utiliza cartilha e tem como proposta metodológica a escrita espontânea dos
alunos como deflagradora de atividades pedagógicas.
36
A construção do objeto de conhecimento implica muito mais
que mera coleção de informações. Implica a construção de um
esquema conceitual que permita interpretar dados prévios e novos
dados (isto é, que possa receber informações e transformá-la em
conhecimento); um esquema conceitual que permita processos
de inferência acerca de propriedades não-observadas de um de-
terminado objeto e a construção de novos observáveis, na base
do que se antecipou e do que foi verificado (IDEM: 66).
Como já dissemos anteriormente, a pesquisa de Emí-
lia Ferreiro foi influenciada por Piaget, seu orientador,
que afirmava que as respostas do sujeito são apenas
a manifestação externa de mecanismos internos de
organização e que as respostas só podem ser classifi-
cadas de “corretas” ou “incorretas”, quando tomamos
o ponto de vista do observador (na maioria das vezes,
o professor) como sendo o único legítimo.
(...) Até há poucos anos as primeiras tentativas de escrever
feitas pelas crianças eram consideradas meras garatujas, como
Veja o texto abaixo, escrito por uma menina de 6 (seis) anos, em junho18
. O que você acha deste texto?
O que essa menina já sabe sobre a língua escrita?
se a escrita devesse começar diretamente com letras convencio-
nais bem traçadas. Tudo o que ocorria antes era simplesmente
considerado como tentativas de escrever e não como escrita
(...). Não se supunha que a execução de tais garatujas ocorresse
simultaneamente com algum tipo de atividade cognitiva (...).
Mais ainda: quando as crianças começavam traçar letras con-
vencionais, porém numa ordem não-convencional, o resultado
era considerado uma “má” reprodução de alguma escrita que por
certo, teriam observado nalgum outro lugar (IBIDEM: 68/69).
Podemos afirmar que aqui no Brasil, antes do trabalho
de Emília Ferreiro, a escola “não autorizava” a escrita
espontânea.As crianças só escreviam aquilo que havia
sido “ensinado” pelo professor. Só era aceita a escrita
que estava próxima à convencional (ortográfica).
Aqueles que “escreviam diferente” eram considerados
problemáticos e encaminhados aos especialistas (fono-
audiólogos, psicólogos ou psicopedagogos).
Com certeza esse texto é bem diferente dos que
encontramos nas cartilhas. Ele está bem próximo dos
textos que estão presentes na sociedade (texto narrati-
vo), nos livros de literatura.
Vejamos o que esta menina já sabe e pensa sobre a
língua escrita:
• Sabe que para escrever usamos letras e não rabiscos,
números etc.
•Sabequeapalavraéumconjuntodeletrasquerepresenta
uma idéia e que por isso, não basta colocar qualquer letra.
• Sabe que há uma relação sonora na escrita.
• Sabe que há padrões na escrita, ou seja, palavras
iguais serão sempre grafadas iguais.
• Pensa que a escrita é uma transcrição da fala. Por
isso, escreve algumas palavras do mesmo jeito que
oraliza, inclusive juntando-as e/ou segmentando-as.
• Sabe contar uma história (início, meio e fim).
• Sabe as características específicas de um texto nar-
rativo, como conto de fadas (final feliz) e as utiliza de
forma adequada (“viveram felizes para sempre”).
18
“A sereia viu um marinheiro no mar. O marinheiro viu a sereia. Ele se casou com a sereia lá no fundo do mar, porque o marinheiro
no mar ele virou sereio. Ele pôde se casar com a sereia e viveram felizes para sempre”.
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  • 3. Responsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenadora do Curso de GraduaçãoCoordenadora do Curso de Graduação Ana Noguerol - Pedagogia ConteudistaConteudista Morgana Silva Rezende Supervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDI Joselmo Botelho
  • 4.
  • 5. Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor
  • 6. Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com- plementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos!
  • 7. Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo.
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  • 9. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 11 Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 12 UNIDADE I CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO 1.1 – A história da escrita............................................................................................................................ 13 1.2 – A história da alfabetização ................................................................................................................. 17 1.3 – As diferentes concepções de aprendizagem....................................................................................... 18 UNIDADE II ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO? 2.1 – O conceito de alfabetização ao longo da história .................................................................................. 24 2.2 – Os métodos de alfabetização.............................................................................................................. 29 2.3 – As contribuições de Emília Ferreiro: a psicogênese da língua escrita............................................... 34 UNIDADE III ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA 3.1 – Saberes necessários para ler e escrever.............................................................................................. 46 3.2 – Os diferentes tipos de texto................................................................................................................ 57 3.3 – O ambiente alfabetizador................................................................................................................... 64 3.4 – A alfabetização com textos................................................................................................................. 68 3.5 – Os “erros” mais comuns e possíveis estratégias de intervenção........................................................ 77 Glossário ..................................................................................................................................................... 93 Gabarito....................................................................................................................................................... 95 Referências bibliográficas........................................................................................................................... 97
  • 10.
  • 11. 11 I-CAMINHANDOPELAHISTÓRIADAESCRITA E DO CONHECIMENTO 1.1 -Ahistória da escrita 1.2 - A história da alfabetização 1.3 - As diferentes concepções de aprendizagem UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS II - ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO 2.1 - O conceito de alfabetização ao longo da história 2.2 - Os métodos de alfabetização 2.3 - As contribuições de Emília Ferreiro: a psicogênese da língua escrita III - ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRU- ÇÃO DE UMA PRÁTICA 3.1 - Os conhecimentos lingüísticos necessários à aquisição da leitura e da escrita 3.2 - Tipologia textual 3.3 - O ambiente alfabetizador 3.4 - O texto na alfabetização 3.5 - O erro como etapa de aprendizagem e as estratégias de intervenção • Conhecer a história da escrita, para compreender melhor a relação com a evolução conceitual da crian- ça, na construção da base alfabética; • Conhecer a história da alfabetização, compre- endendo o momento atual como resultado dessa trajetória; • Conhecer as diferentes concepções de aprendiza- gem e suas implicações no conceito de alfabetização e na prática pedagógica. • Compreender que o conceito de alfabetização vem sofrendo modificações em função dos avanços científicos que são incorporados à sociedade; • Entender o conceito de letramento como um “estado” que se adquire em função da apropriação da escrita; • Perceber que alfabetização e letramento são conceitos complementares na atual perspectiva de aquisição da língua escrita; • Conhecer a classificação dos métodos de alfabeti- zação, relacionando-os com as diferentes concepções de aprendizagem; • Conhecer os principais aspectos da teoria da psico- gênese da língua escrita e sua influência no processo de alfabetização. • Conhecer a relação do sistema fonológico com o sistema gráfico da língua, possibilitando a compre- ensão das soluções que as crianças apresentam para as convenções ortográficas; • Compreender o fenômeno da variedade lingüística para desfazer o mito da unidade lingüística; • Reconhecer os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade e que fazem parte do trabalho pedagógico na perspectiva do letramento; • Identificar a sala de aula como um dos ambientes que pode facilitar o processo de aquisição da língua escrita; • Compreender os aspectos que identificam uma prática pedagógica que tem o texto como objeto de estudo; • Reconhecer o “erro” como uma etapa do processo de construção do conhecimento. Quadro-síntese do conteúdo programático
  • 12. 12 Contextualização da Disciplina Em uma sociedade grafocêntrica como a nossa, saber ler e escrever é habilidade essencial para exercer nossos direitos e usufruir os conhecimentos produzidos pelo homem que circulam no espaço cultural. Um dos grandes desafios da escola tem sido garantir a todos que passam por ela o acesso aos conhecimentos produzidos pela sociedade, especificamente a aquisição da leitura e da escrita. O fato de termos conseguido praticamente universalizar o acesso das crianças ao Ensino Fundamental não tem garantido que TODOS se apropriem deste bem cultural: a língua escrita. Ensinar a ler e a escrever de modo que os sujeitos realmente se apropriem da língua escrita, ou seja, a utilizem no contexto social, é a função do educador da escola atual. Aaquisição da leitura e da escrita implica a construção de sentidos, que se dá, necessariamente, no processo de interlocução, isto é, nas interações que um sujeito estabelece com o outro em um determinado contexto social, histórico e cultural. Um curso de formação de professores não pode deixar de refletir sobre as questões que impedem a alfabetização e muito menos deixar de buscar práticas que garantam o sucesso da alfabetização. Para isso, é essencial que o futuro professor se aproprie das diferentes teorias que nos ajudam a compreender o processo de aquisição da língua escrita, percebendo os aspectos lingüísticos, sociais e culturais que a compõem. É necessário também que todos incorporem a dimensão política do fazer pedagógico, pois “a alfabetização não é um luxo nem uma obrigação; é um direito. Um direito de meninos e meninas que serão homens e mulheres livres (pelo menos é isso que desejamos), cidadãos e cidadãs de um mundo onde as diferenças lingüísticas e culturais sejam consideradas uma riqueza e não um defeito”1 . Certamente, não temos a pretensão de esgotar aqui todos os aspectos e as discussões que existem hoje sobre o processo de aquisição da língua, pois isto seria impossível visto à complexidade do tema e à necessidade que a prática pedagógica impõe de estarmos sempre fazendo novas reflexões, buscando compreender o percurso de cada aluno. O que pretendemos aqui é despertar em você, futuro pedagogo, a crença de que todos os sujeitos podem aprender e o desejo de investigar, de procurar o melhor caminho para cumprir o seu papel: propiciar a todos o acesso à leitura e à escrita. 1 FERREIRO, E. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo: Cortez, 2002, p. 38.
  • 13. 13UNIDADE I CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO 1.1– A História da Escrita Vinte mil anos antes da nossa era, em Lascaux, ho- mens traçam seus primeiros desenhos. Será preciso esperar 17 milênios para que se inicie uma das mais fabulosas facetas da história da humanidade – a escrita. Acredita-se naturalmente que aqueles que inventaram os primeiros signos escritos queriam perpetuar rastros de suas lendas. George Jean O surgimento da escrita marca a história da humani- dade. Podemos acreditar que, desde os primeiros tem- pos, o homem procurou registrar suas impressões sobre o mundo e comunicá-la a outros homens, utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à base de tintas vegetais e minerais. Na Pré-história, o homem já se comunicava através de desenhos feitos nas paredes das cavernas. Com esse tipo de representação (pintura rupestre), trocava mensagens, passava idéias e transmitiam desejos e necessidades. Porém, ainda não era um tipo de escrita, pois não havia organização, nem mesmo padronização das representações gráficas. Temos conhecimento de que a escrita foi inventada por volta de 3.300 antes de Cristo, pelos sumérios, na Mesopotâmia (atual Iraque). Acredita-se que uma das razões para a sua invenção foi a necessidade de registrar as atividades comerciais (compra e venda). A primeira forma de escrita foi a pictográfica, onde cada “desenho” representava um objeto ou um ser específico. Nafig.1encontramosdesenhossimplificadosrepresen- tando, de forma estilizada, uma cabeça de boi, a fim de Ospictogramasrepresentam tanto idéias quanto objetos. Um pássaro e um ovo, lado a lado, significam “fecundi- dade”. Vários traços descendo do céu, “a noite”. Dois traços cruzados sim- bolizam “inimizade”. Dois traços paralelos, a “amizade”. Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. designar boi. Já a fig. 2, que representa a mulher, é o de- senho de um triângulo pubiano com a fenda da vulva. Os vários pictogramas empregados poderiam expressar uma idéia, surgindo, assim, o termo de escrita ideográfica, com sinais para palavras individuais ou conceitos. A fig. 3 representa mulher estrangeira, pois ao lado do triângulo pubiano (mulher) foi acrescentado o símbolo de montanha (vindas de outro lado da montanha, estrangeira). Por volta de 2.900 a.C. os pictogramas primitivos desapareceram, deixando de representar o objeto por ele designado para retirar o seu significado do contexto. Surge, então, a escrita cuneiforme, que possui esse nome por ser traçada em barro, formando uma suposta cunha. Essa escrita tam- bém utilizava pictogramas, porém não era uma criação livre do “escritor”. Foram encontrados verdadeiros “catálogos”, dicionários primitivos que apresentavam diferentes significados para o mesmo símbolo. Um desenho de pé podia dizer “andar”, “pôr-se de pé”, “transportar” etc. Os pic- togramas podiam representar tanto idéias quanto objetos. Veja os exemplos abaixo:
  • 14. 14 Enquanto os símbolos cuneiformes riscam toda Mesopotâmia, outros sistemas de escrita nascem e se desenvolvem no vizinho Egito e, também, na longínqua China. De uma ponta a outra do mundo, os homens dedicam-se a transcrever sua história sobre a pedra, o barro e o papiro, vendo nisso um presente divino (JEAN, 2002: 25). Os caracteres da escrita egípcia são chamados de hieróglifos, palavra que significa “escrita dos deuses” (do grego hieros, “sagrado”, e gluphein, “gravar”). Eles também eram pictogramas, porém os desenhos eram muito rebuscados e estilizados constituindo uma ver- dadeira obra de arte. “Logo que a ‘escrita dos deuses’ começa a ser decifrada, ao prazer da compreensão une-se o prazer da contemplação.”2 No Egito, como na Mesopotâmia, saber ler e escrever era, ao mesmo tempo, privilégio e poder. Será que no mundo de hoje, principalmente no Brasil, isso é diferente? Este conjunto de signos hieroglíficos é lido, excepcionalmente, da esquerda para a direita. O primeiro signo, à esquerda, lê-se “hb”. O segundo é determinativo: a perna demonstra tratar-se de uma palavra relativa a algo que passa com o pé. O terceiro é um pictograma figurativo: um homem que dança, significando o todo “dançar”. No ano de 2000 a.C., a China inventa a escrita que perdura até hoje. É uma escrita marcada por pictogra- mas. A escrita chinesa é um caso único: “codificada em 1500 antes da nossa era e constituída em sistema coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é perceptivelmente a mesma que os chineses lêem e escrevem hoje”3 . Veja os exemplos abaixo: Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Na escrita chinesa, as “chaves”, em números de 214, colocadas ao lado de um outro caractere especificam-lhes o sentido. O elemento “poder” (c), prece- dido da chave “água”(a), significa “rio”(d). Porém, o mesmo ele- mento associado à chave “pala- vra” (b) dá “criticar”(e). Fonte: JEAN, G. A Escrita – memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 2 JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 28. 3 IDEM: 45. Alguns pictogramas, datados das origens da escrita chinesa, chega- ram até nós. Há entre as formas antigas, à esquerda, e as formas modernas, à direita, 30 séculos... Do alto para baixo: o sol, a mon- tanha, a árvore, o meio, o campo, a fronteira, a porta. Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Apesar de a escrita ideográfica ser datada dos primór- dios da história, até hoje a utilizamos em diferentes culturas. Por exemplo: nas placas de trânsito, nas indicações de porta etc. Os símbolos foram sendo usados e aprimorados até que surgiu o fonetismo. Os sumérios e os egípcios passaram a usar os pictogramas não designando mais o objeto representado e sim um outro cujo nome lhe era foneticamente semelhante. É a aproximação da escrita com a fala. Nesta perspectiva, o desenho de um gato (chat) e um desenho de um pote (pot) passa a significar “chapeau” (chapéu). Esta “tecnologia da escrita” teve a sua origem em uma brincadeira infantil denominada rebus (do latim: res “coisa”, rebus “pelas coisas”). Era um jogo muito parecido com o que conhecemos hoje como carta enigmática. Fonte: CAGLIARI, L. C. Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras, 1999.
  • 15. 15 As guerras, motivadas pelo domínio territorial, fizeram com que algumas línguas fossem abafadas, enquanto outras difundidas. Com o passar do tempo, todas as civilizações senti- ram necessidade de registrar suas ações do cotidiano, como as conquistas, festas, rituais etc. Para um gran- de número de povos, a escrita, cada vez mais, foi se tornando uma necessidade. Então, passaram a criar símbolos para poder representar as coisas e, cada vez mais, esses símbolos foram sofrendo modificações e ganhando sons, tornando assim um alfabeto. A verdadeira revolução da escrita ocorreu em 1000 a.C., com a invenção do alfabeto, que tem origem com os fenícios, que emigraram para a margem oeste do Mediterrâneo, para o norte da África, o sul da Espanha, a Sicília, a Sardenha, Chipre, Grécia e Itália. Aescrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever, nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de signos ou de caracteres. Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, per- mitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever. Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso alfabeto não reproduzem todos os sons... Daí o os problemas cru- ciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia! Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que mil caracteres do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do saber (JEAN, op. cit.: 52). Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais específicos para representar as sílabas, isto é, os si- nais representavam sílabas inteiras em vez de letras individuais. Os fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que representavam o som consonantal: é a chamada escrita fonética. Escolheram um conjunto de palavras cujo o primeiro som fosse diferente dos demais e para representá-lo graficamente escolheram hierógrafos egípcios cujo aspecto figurativo lembrava o significado das palavras da lista (21 sons). Não havia vogais. Por exemplo: a primeira palavra da lista era a palavra “alef”, que significava “boi”, e o hieróglifo escolhido foi o que representava a cabeça do boi. Sendo assim, a figura da cabeça do boi passou a representar o som inicial da palavra “alef”. Essa relação foi realizada com as 21 palavras. Veja ao lado o alfabeto. Fonte: MAN, J.A. História do Alfabeto – como 26 letras transfor- maram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as vogais e criando assim a escrita alfabética (alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego). Os gregos mantiveram o princípio acrofônico, ou seja, o som ini- cial do nome da letra é o som que a letra representa. Alfabetos Fenício e Hebraico
  • 16. 1616 Alfabeto Grego Fonte: MAN, J. A História do Alfabeto – como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. A escrita grega foi adaptada pelos romanos, consti- tuindo-se o sistema alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto. Os romanos dispensaram os “nomes especiais” das letras. Para eles bastava ter como nome da letra apenas o próprio som dela. “Foi assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon etc. transfor- maram-se em a, bê, ce, dê, e etc.” (CAGLIARI, 1998: 17). Esse sistema representa o menor inventário de sím- bolos que permite a maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é, com o alfabeto podemos escrever qualquer pal avra de uma língua. É a possibilidade de registrar o pensamento. O homem agora pode escrever qualquer idéia ou sentimento. Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Com certeza, a invenção do alfabeto possibilitou ao homem ampliar a sua capacidade de expressão e de perpetuar a história da humanidade. Mas isso não quer dizer que tenha tornado simples a aquisição da língua escrita. (...) o alfabeto parece a própria essência da simplicidade, ‘tão fácil quanto oABC’. Mas o sentido de simplicidade é traiçoeiro, pois o alfabeto é a aparência externa de profundezas lingüísticas ocultas. Os seus poucos símbolos não são nada se comparados à complexidade de sons que representam, enquanto aqueles sons apenas sugerem a complexidade da própria língua (...).As nossas 26 letras formam uma grade que nos dá a nítida impressão de controle e compreensão. Olhe com mais cuidado e verá que está penetrando em um pântano que talvez tenha feito com que nosso escriba asiático desistisse na hora (...) (MAN, 2002: 85). As escritas árabe e latina são a origem de numerosos alfabetos. Ao lado temos uma inscrição romana do século III, que é lida da esquerda para direita.
  • 17. 17 Leitura Complementar Para conhecer um pouco mais sobre o período Pré-histórico, assista ao filme A Guerra do Fogo, de 1981, dirigido por Jean-Jacques Annaud. Assista também ao vídeo A História da Escrita, produzido pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). Nele você verá a evolução da escrita: das pinturas rupestres ao alfabeto. Acesse o site:www.webeduc.mec.gov.br/midiaeducação/modulo4 e assista ao vídeo: A evolução da Escrita: do pictograma ao texto digital. Leia o livro: MAN, John. A História do Alfabeto. Trad. Edith Zonenschain. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Nele você encontrará um belo resgate da história do alfabeto mostrando como 26 letras transformaram o mundo ocidental. 1.2 - A História da Alfabetização Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito, en- tender como o sistema de escrita funciona e saber como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga quanto os sistemas de escrita. Cagliari Qualquer sistema de escrita só é capaz de atravessar o tempo se as novas gerações se apropriarem dele. Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que dominam o seu funcionamento ensinem aos outros como decifrá-lo. Podemos acreditar que na época primitiva da escrita, ser alfabetizado implicava apenas saber “ler” o que os símbolos significavam e ser capaz de “escrevê-los”, já que, provavelmente, se escrevia apenas um tipo de documento ou texto (anotações de compra e venda). Com o desenvolvimento do sistema escrito, houve um aumento significativo da quantidade de informações necessárias para saber ler e escrever, usando cada vez mais símbolos para representarem o som da fala. Acredita-se que: o longo processo de invenção da escrita também incluiu a inven- ção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito e saber como o sistema de escrita funciona para usá-lo apropriadamente (CAGLIARI, 1998: 15). Temos informação que naAntigüidade as pessoas al- fabetizavam-se aprendendo a ler algo já escrito e depois copiando. Iniciavam com palavras e posteriormente, passavam para textos famosos, que eram “estudados” exaustivamente; para então chegar a escrever seus próprios textos. Muitos aprendiam sem ir à escola, já que não pretendiam tornar-se escribas. Com certeza, a curiosidade levou muita gente a aprendera ler para lidar com os negócios, comércio, ler obras religiosas ou obter informações sobre a cultura da época. A alfabetização, nesses casos, dava-se com a transmissão de conhecimentos relativos à escrita de quem possuía para quem queria aprender. Aprender a decifrar a escrita, ou seja, a ler relacionando os caracteres às palavras da linguagem oral, devia ser o procedimento comum. Aqui não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava saber ler (IDEM: 15). Para se alfabetizar em um sistema de escrita que têm comobaseoprincípioacrofônico,bastavadecoraralista dosnomesdasletras,observaraocorrênciadeconsoantes naspalavrasetranscreveressessons.Porexemplo,“para escrever David, bastava identificar as consoantes DVD, procurar na lista de letras, aquelas que começavam com sons de D e V e escrevê-las” (IBIDEM: 17). Procure escrever a palavra David utilizando o alfabeto fenício apresentado anteriormente. Quandoosgregospassaramautilizaroalfabeto,aprender alereescrevertornou-seumumatarefadegrandealcance popular. Surgem as “escolas de alfabeto”. A ortografia passa a fixar a forma de escrita das palavras, para evitar quefalantesdedialetosdiferentesescrevessemasmesmas palavras de maneiras diferentes, seguindo apenas a trans- crição da própria fala e o valor sonoro do alfabeto. Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns ‘alfabe- tos’: tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de metal onde se encontravam todas as letras, na ordem tradicional dos alfabetos. Na verdade, serviam de guia para as pessoas aprenderem a ler e a escrever, ou mesmo quando fossem escrever. Tais documentos foram, por assim dizer, as mais antigas “cartilhas” da humani- dade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras do alfabeto (IBIDEM: 18). Na Idade Média, a alfabetização ocorreu menos nas escolas e passou a ser uma tarefa da vida privada. Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando
  • 18. 18 o valor fonético das letras em determinada língua, a forma ortográfica das palavras e a interpretação da forma gráfica das letras e suas variações. O fato de os aprendizes serem falantes da língua que estavam aprendendo/decifrando, se constituía em um facili- tador da aprendizagem da escrita, pois ajudava nas tentativas de descobrir, entre as várias possibilidades a leitura correta. É o que acontece com as crianças de hoje (e de sempre) que ao depararem, por exemplo, com a palavra RODA em um texto, não lerão [rôda], pois [róda] terá significado por fazer parte do seu acervo lingüístico. No século XV, na Europa, começaram a aparecer as primeiras cartilhas (diminutivo de “carta”, no sentido de esquema, mapa de orientação) e gramáticas com o objetivo de estabelecer uma ortografia e ensinar o povo a escrever nas línguas vernáculas, abandonando o latim. Os textos destes livros são basicamente religiosos. Não temos muitos registros de quando e como começa a história da alfabetização no Brasil, mas com certeza a origem está nas cartilhas portuguesas. Podemos inferir que a história da alfabetização brasileira começa com a chegada dos jesuítas, em 1549. Foram eles que, de certa forma, apresentaram um sistema de escrita para os índios, sendo responsáveis pela escolarização ca- tequização das crianças. Há notícias de que Portugal realizava remessas de livros escolares para as colônias, para que nelas se ensinassem a ler e escrever. Os jesuítas inauguraram na Bahia a primeira escola de leitura, escrita e religião. Acredita-se que Cartinha deAprender a Ler4 , uma das mais antigas para ensinar o idioma português, tenha sido utilizada no Brasil. As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática em nosso idioma.Além da cartilha de João de Barros, há notícias de uma cartilha elaborada por Frei João Soares, impressa em 1539 e reeditada várias vezes. Uma outra obra, o Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito e Numeração do Escrever, produzida por Antonio Feliciano de Castilho (1850), em Lisboa, também foi utilizada no Brasil. Esta obra incluía abecedário, silabário e textos de leitura, sendo marcada por preocupações fonéticas (BARBOSA, 1990: 57). Em 1876 surgiu a Cartilha Maternal, do poeta João de Deus Ramos. No prefácio o autor diz que o aluno que aprendeporletrasoupelassílabas“conduzidoatravésde elementos inertes do pensamento, reduz-se à posição de repetidordeumacambulhadademiudezastrivialíssimas, quenãoodivertem,nemoinstruem,atrofiamlheoespírito e deixam nele impresso o hábito da leitura mecânica, senão, muitas vezes, o selo do idiotismo” (BARBOSA, 1990: 57). O autor opunha-se aos métodos de soletração e silabação como pontos de partida para a aprendizagem daleitura.Estacartilhamarcaatransiçãodoabecedáriodo bê-a-báparaosmétodosanalíticos5 ,queforamdifundidos no Brasil durante a República. Leitura Complementar Sobre a história da alfabetização, leia os capítulos 1 e 2 do livro: CAGLIARI, L.C. Alfabetizando sem o bá- bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. No capítulo 5, do livro BARBOSA, J. J. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1990, você poderá ampliar os conhecimentos sobre a história da alfabetização no Brasil. Acesse http//portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ensfund/alfmortattihisttextalf/pdf/br e leia o texto da conferência História dos Métodos deAlfabetização no Brasil, de Maria do Rosário Longo Mortatti, proferida em 27/04/2007, no Seminário Alfabetização e Letramento em debate. 4 Esta cartilha de autoria de João de Barros foi impressa em 1539. 5 Discutiremos os diferentes métodos mais adiante. 1.3 - As Diferentes Concepções de Aprendizagem Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. Paulo Freire Conhecendo um pouco da história da escrita e como esse conhecimento foi disseminado pelo mundo, algu- mas questões afloram: Como ocorre o conhecimento? O que nos difere dos animais? Essas são reflexões que geram muita inquietude e muitas pesquisas.
  • 19. 19 Em nosso dia-a-dia também nos perguntamos: Por que alguns alunos aprendem e outros não? Por que uma determinada atividade atinge os seus objetivos para alguns alunos e para outros não? A concepção de como o desenvolvimento e aprendi- zagem humana acontecem dependerá da visão que se tem de mundo em um determinado momento histórico e persistirá enquanto for capaz de explicar a realidade, pelo menos para algumas pessoas. Buscando apoio nas contribuições da psicologia para explicar como ocorre o conhecimento, encontramos a concepção inatista que defende os fatores internos (biológicos) como determinantes no processo de apren- dizagem. Nesta perspectiva, os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento do pensamento intelectual, visto que, nesta visão, o ser humano já nasce com suas qualidades e capacidades básicas prontas. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Anatureza, dizem-nos, é apenas o hábito. Que significa isso? Não há hábitos que só se adquirem pela força e não sufocam nunca a natureza? É o caso, por exemplo, do hábito das plantas, cuja direção vertical se perturba. Em se lhe devolvendo a liberdade, a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a seiva não muda, com isto, sua direção primitiva; e se a planta continuar a vegetar, seu prolongamento voltará a ser vertical. O mesmo acontece com os homens. (ROUSSEAU, J-J. Emilio. In: DAVIS, 1994, 27). Nesta concepção, a função da educação é interferir o mínimopossívelnoprocessodedesenvolvimentoespon- tâneo do homem, já que, como preconiza o dito popular, “pau que nasce torto, morre torto”. Não tem jeito! Os inatistas buscaram seus fundamentos na Teologia, no Evolucionismo de Darwin, na Embriologia e na Genética. Na Teologia, a fundamentação se dá na máxima de que “Deus, de um só ato, criou cada homem em sua forma definitiva”. O que um bebê virá a ser já está determinado pela ‘Graça Divina’. Da Teoria Evolucionista de Darwin, os inatistas ba- searam-se numa leitura equivocada de que a evolução da espécie depende de mudanças graduais e cumulati- vas, que decorrem de variações hereditárias. Cabe ao ambiente selecionar os mais aptos. “Só os mais aptos de uma determinada espécie – aqueles capazes de se adaptar ao meio – sobreviveriam” (IDEM: 28). Já na Embriologia, buscaram subsídios em seus primeiros estudos que apontavam o desenvolvimento quase que invariável, sendo regulado por fatores en- dógenos (fatores internos). Para quem acredita nessa concepção, não vale a pena investir na educação, já que o professor pouco poderá contribuir para o desenvolvimento do aluno. O sucesso ou o fracasso escolar é visto como responsabilidade única e exclusiva do aluno, na medida em que a apren- dizagem depende apenas de fatores internos. Ainda hoje encontramos muitos educadores que acreditam que os fatores internos são determinantes para a aprendizagem. É muito comum presenciarmos o diálogo a seguir: Professora A: - Eu não sei o que fazer para o Ricardo aprender a ler! Ele não acompanha a turma. Professora B: - Qual Ricardo? O irmão de Leandro dos Santos? Professora A: - É! Professora C: - A família toda é assim. Os irmãos já passaram pela escola e não conseguiram. Professora B: - Puxaram aos pais. Eles são anal- fabetos. Professora C: - “Filho de peixe, peixinho é!” Em contraposição ao inatismo, a concepção am- bientalista (comportamentalista ou behaviorista) considera que os fatores externos são determinan- tes no processo de aprendizagem. Defende que o homem é um ser extremamente plástico, reativo à ação do ambiente. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento, sendo assim a aprendiza- gem é entendida como um “processo pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência” (IBIDEM: 33).
  • 20. 20 Essa concepção teve em Skinner6 seu maior expoente. Para ele, manipulando-se os elementos presentes no ambiente (estímulos) é possível controlar o compor- tamento, que é adquirido ao se estabelecer associações entre um estímulo e uma resposta, e entre uma resposta e um reforçador. Para os ambientalistas, o ser humano busca maximizar o prazer e minimizar a dor. Assim, o reforço é um instrumento utilizado para fa- zer com que os comportamentos considerados corretos permaneçam no indivíduo. Já a punição é utilizada para minimizar ou eliminar os comportamentos con- siderados inadequados. Nesta perspectiva, o planejamento das condições ambientais é determinante para a aprendizagem de novos comportamentos. Na escola, o professor passa a ter papel fundamental. O sucesso da aprendizagem depende dele, visto que é ele o único responsável pelo planejamento, organização e execução das atividades pedagógicas. A educação foi sendo entendida como tecnologia, ficando de lado a reflexão filosófica sobre a sua prática. A organização das condições para que a aprendizagem ocorra exige clareza e respeito aos objetivos que se quer alcançar (ob- jetivos instrucionais ou operacionais), a estipulação da seqüência de atividades que levarão ao objetivo proposto e a especificação dos reforçadores que serão utilizados (IBIDEM: 33). Baseado nesta concepção, encontramos a repetição como um ‘método’ de aprendizagem. É comum ainda encontrarmos em algumas práticas pedagógicas, exercícios nos quais as crianças precisam escrever cinco vezes a mesma palavra, ‘resolver’vinte ‘continhas’de adição, responder a um questionário da mesma forma que o texto lido etc. Afinal, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Podemos observar também que o erro é visto como um comportamento inadequado, e como tal, precisa ser extinto através da ‘dor’ (punição). Sendo assim, não é muito difícil encontrarmos crianças tendo que copiar três vezes a palavra errada, ficando de castigo (sendo privada da merenda, recreio ou das atividades que mais gostam) fazendo cópias etc., pois ‘Quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga’. Você já parou para pensar por que falamos português? Por que somos filhos de brasileiros? Ou por que vivemos em um país que se fala português? Ou por que desde que nascemos estamos em contato com pessoas que falam português e que nos mostram o nome das coisas? Enquanto os inatistas priorizam os fatores internos e os ambientalistas, os fatores externos, a concepção interacionista nos faz pensar que “nem tanto ao mar nem tanto à terra”. Esta corrente teórica nos mostra que a aprendizagem e o desenvolvimento dependem da interação de fatores internos e externos. Nas concepções anteriores, o homem é visto como um ser passivo, não tendo participação no seu processo de aprendizagem, já que, ou ele nasce com suas potencia- lidades prontas ou o ambiente é que irá moldá-lo. Para os interacionistas, o homem é visto como um ser ativo ou interativo, participante do seu processo de aprendi- zagem, que é resultado da sua interação com o meio, sendo o meio entendido não apenas como ambiente físico, mas sim como um ambiente marcado pela cul- tura, num determinado momento histórico e em todas as relações interpessoais que são estabelecidas. É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, de pensar, de sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento) (IBIDEM: 36). Desde que nascemos estamos interagindo com o mundo físico e social. É a partir dessas interações que vamos conhecendo as características e peculiaridades do mundo. A construção do conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo. A aquisição de conhecimento é vista como um pro- cesso individual, construído durante toda a vida, no meio cultural. O conhecimento pode ser comparado a uma espiral, onde as experiências anteriores servirão de base para novos conhecimentos, mediados pela relação que o indivíduo estabelece com o meio. O erro é encarado como parte do processo de aprendizagem, sendo importante para a prática pedagógica, pois a partir do “erro” o professor poderá compreender o processo de pensamento do aluno e planejar ativida- des que possibilitem avançar no seu conhecimento. A sabedoria popular há muito nos diz que: ‘quem tem boca vai a Roma’. Piaget e Vygotsky foram os maiores defensores da concepção interacionista. Apesar de enfatizarem que o conhecimento ocorre a partir da interação de fatores internos e externos, esses dois autores apresentam uma visão diferente de como ocorre a interação entre os mesmos. 6 Skinner: Burrhus Frederic Skinner (1904 –1990). Psicólogo norte-americano que juntamente com John Watson defendeu as idéias behavioristas. Em 1945, desenvolveuuma“caixaeducadoraparabebê”,naqualeracolocadaumacriançaparaaprenderpormeiodereflexoscondicionados.Desenvolveuessaexperiência comsuaprópriafilha.Segundoele,“ohomembomfazobemporqueérecompensado”.
  • 21. 21 A Teoria Construtivista de Piaget Jean Piaget (1896-1980) Segundo Piaget7 , a busca do equilíbrio (ou adaptação com seu meio) é uma característica essencial do ser humano. Para ele, o “desenvolvimento cognitivo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no individuo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso, da harmonia entre organismo e meta – causando um desequilíbrio” (IBIDEM: 38). Para voltar a uma nova situação de equilíbrio, dois mecanismos são acionados. É o que Piaget denomi- nou de assimilação (o organismo não altera a sua estrutura) e acomodação (o organismo é obrigado a alterar a sua estrutura para se ajustar às novas demandas impostas pelo meio). Assimilação e acomodação são processos distintos e opostos, que ocorrem simultaneamente. Quando estamos diante de um novo conhecimen- to (desafio) nos sentimos desequilibrados intelectu- almente. Buscamos a partir das nossas experiências anteriores, desenvolvermos ações destinadas a atri- buir significações aos elementos do ambiente com os quais interagimos (assimilação). Quando esses conhecimentos não são suficientes para dar conta do desafio (estado de equilíbrio), precisamos ampliar ou modificar nossas ações (físicas ou mentais) para atin- girmos o novo conhecimento (acomodação). Quando jogamos uma bola de soprar para uma criança (desafio), ela fará uso do esquema pegar (pos- tura de braço, mão e dedos) que já é conhecido por ela, atribuindo ao balão o significado de ‘objeto que se pega’ – assimilação. Porém, o esquema ‘pegar’ precisará ser modificado para se ajustar às caracte- rísticas do objeto: a abertura dos braços, dos dedos e a força utilizada para segurá-lo é diferente da que se utiliza para pegar uma bola de plástico, de papel ou de couro – acomodação. Posteriormente, ao ser desafiada a pegar uma bola de gude, mais uma vez os seus esquemas terão que se modificar (acomodação) ao novo objeto. Pense em um aluno que já consegue fazer uma adi- ção e que na escola estamos apresentando para ele a multiplicação (desafio/desequilíbrio). Com certeza saber somar parcelas iguais (assimilação) é um es- quema mental necessário para a multiplicação. Po- rém, não é suficiente. Ele precisará modificar esse esquema para compreender o conceito de multiplica- ção (acomodação) e conseqüentemente distinguir o momento de utilizá-la. Para Piaget, o desenvolvimento é um processo con- tínuo, caracterizado por quatro fases diversas (etapas ou períodos). Em cada etapa, a criança constrói certas estruturas cognitivas, que se constituem em uma forma específica de pensar e atuar no mundo. Ele as denomi- nou de sensório-motora (do nascimento aos 2 anos de idade, aproximadamente), pré-operatória (2 anos até aproximadamente aos 7 anos), operatório-concreta (7 anos até aos 12 anos, aproximadamente) e operatório- formal (a partir dos 13 anos). Para Cláudia Davis (1994), o modelo Piagetiano, que pretende ser universal, é fortemente marcado pela ma- turação, pois é ela a responsável pelo fato de as crianças sempre apresentarem determinadas características psicológicas em uma mesma faixa etária. Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem: o primeiro é um processo espontâneo que se apóia no biológico. Aprendizagem, por outro lado, é encarada como um processo mais restrito, causado por situações específicas (como freqüência à escola) e subordinado tanto a equilibração quanto à maturação (DAVIS, 1994: 46). Um outro conceito muito importante na teoria piagetiana é o conceito de autonomia, que é a capacidade de agir por si mesmo, levando em consideração os fatos relevantes para decidir e agir da melhor forma para todos. Esse conceito se opõe ao de heteronomia que significa depen- dência da forma de agir e pensar. Sendo assim, a grande finalidade da escola seria contribuir para a formação de sujeitos autônomos. 7 Jean Piaget (1896-1980). Nasceu na Suíça. Formado em Biologia e Filosofia, teve como maior preocupação investigar como ocorre o conhecimento. Estudou o desenvolvimento da espécie humana desde o nascimento até a idade adulta (ontogênese) e destacou que as crianças pensam diferente dos adultos.
  • 22. 22 Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) Os processos de desenvolvimento não coincidem com os proces- sos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta seqüenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1991:102). Na teoria histórico-cultural, a educação escolar assume papelrelevante,poisapesardeafirmarqueoaprendizado do sujeito começa muito antes de se freqüentar a escola, (IDEM: 101) diz que o “aprendizado não é desenvol- vimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”; logo, “o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança” (IBIDEM: 95). O conceito de zona de desenvolvimento proximal é uma das grandes contribuições de Vygotsky para a prática educativa. Para ele há, pelo menos, dois níveis de desenvolvi- mento: o real e o potencial (ou proximal). No primeiro nível, as funções mentais da criança já se estabeleceram como resultado de certos ciclos completados, ou seja, são conhecimentos que já estão consolidados. Ela não precisa de ajuda para resolver uma determinada situação. O nível potencial refere-se àquilo que a criança consegue fazer, po- rém, ainda com a ajuda de pessoas mais experientes (adultos ou crianças). Assim sendo, para Vygotsky (1991), zona de de- senvolvimento proximal é “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (IBIDEM: 97). Aquilo que hoje é desenvolvimento potencial será amanhã desenvolvimento real. O desenvolvimento é um processo dinâmico e contínuo. A partir desses conceitos, podemos inferir que o papel do professor não é apenas constatar aquilo que o aluno já sabe (nível real), mas sim atuar na zona de desenvolvimento proximal, possibilitando a ele viven- ciar situações que lhe desafiem, fazendo-o avançar nos seus conhecimentos (nível potencial). Vygotsky ressalta a importância do outro no processo de aprendizagem. Somos capazes de aprender porque estamos o tempo todo sendo mediados pelo outro (através da pessoa física, do livro, do filme, da TV etc.) que nos ‘apresenta o mundo’, ou seja, somos inseridos na cultura, levados à apropriação dos conhecimentos que estão disponíveis na sociedade. Alinguagem tem papel fundamental nesse processo, pois é através dela que vamos interagir com as outras pessoas, internalizando os novos conceitos. Você deve estar se perguntando o que essas teorias têm a ver com alfabetização e letramento? Podemos responder: TUDO, pois é através da con- cepção que temos de como se dá a aprendizagem que iremos construir a nossa prática pedagógica. Como já falamos anteriormente, não pretendemos aqui aprofundar nenhuma das teorias apresentadas, pois além de não ser o objetivo deste material, seria impossível visto a complexidade das mesmas. Quise- mos apenas ressaltar alguns aspectos que podem nos ajudar a refletir sobre a prática escolar e o processo de alfabetização das crianças. Exercícios de Fixação 1 – Você certamente já está realizando as suas atividades de estágio. Converse com uma professora de Educação Infantil e/ou das séries iniciais do Ensino Fundamental sobre as formas de registros que as crianças utilizam para expressar suas idéias. Compare com a evolução da escrita. Há semelhanças? Diferenças? Quais? A Concepção Histórico-cultural Já para Vygotsky8 , desenvolvimento e aprendizagem são processos que estão inter-relacionados. Na medida em que o sujeito aprende, ele se desenvolve, e esse desenvolvimento leva a novas aprendizagens. 8 Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934). Nasceu na Bielo-Rússia e suas idéias foram influenciadas pelo contexto social em que viveu. Graduou-se em Direito e Medicina, tendo aprofundado suas investigações na área da psicologia, principalmente para o campo da Edu- cação de Deficientes. Encontramos o seu nome escrito de várias maneiras: Vigotsky, Vigotski, Vygotski ou Vygotsky. Optamos pelo último por ser desta forma que está grafado nos livros citados.
  • 23. 2323 2- Preencha o quadro abaixo, fazendo uma síntese das diferentes concepções de aprendizagem. 3- Se houver oportunidade, visite uma turma que esteja iniciando o processo de ensino/aprendizagem da lin- guagem escrita (alfabetização). Observe como ocorre a prática pedagógica. Registre. Você conseguiu perceber qual concepção de aprendizagem está norteando o trabalho do(a) professor(a)? Justifique a sua resposta. Leitura Complementar Para conhecer um pouco mais sobre a teoria piagetiana, assista ao vídeo PIAGET – Coleção Grandes Educa- dores,ATTAMídia Educação.Aqui os principais conceitos da obra de Piaget são apresentados e exemplificados. Nesta coleção, você encontrará outros autores como Vygotsky, Paulo Freire e Freinet. Se você quiser aprofundar os seus conhecimentos sobre a teoria piagetiana, leia o livro do próprio Piaget, intitulado Seis Estudos de Psicologia, da editora Forense. Este livro, composto de artigos e conferências, propõe-se a ser uma introdução à obra de Piaget. Na primeira parte, apresenta a síntese das descobertas de Piaget no campo da psicologia da criança, demonstrando como se verifica o seu desenvolvimento mental. Na segunda parte, são abordados problemas centrais do pensamento, da linguagem e da afetividade na criança, através de numerosos exemplos e estudos de casos. Para entender melhor o conceito de autonomia de Piaget, leia A Autonomia como Finalidade da Educação: Implicações da Teoria de Piaget. In: KAMII, Constance. A Criança e o Número. Campinas: Papirus, 1998. Leia o livro: VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Neste livro, Vygotsky apresenta uma parte de sua teoria de como ocorre o conhecimento e principalmente as implicações para a prática educativa. Visite o site www.rio.rj.gov.br/sme/multieducacao. Este site é da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Nele podemos ter acesso ao Núcleo Curricular Básico Multieducação, onde encontramos bons textos sobre as teorias abordadas neste fascículo. Navegue pelo site www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004. Aqui, você encontrará o boletim do Programa 2, da série Adaptações Didáticas, escrito por Hugo Otto Beyes que discute a teoria de Vygotsky. Você também poderá encontrar a programação da TV Escola e procurar o vídeo para assisti-lo.
  • 24. 24 UNIDADE II ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO? 2.1 – O Conceito de Alfabetização ao Longo da História Todos os problemas da alfabetização começaram quando se decidiu que escrever não era uma profis- são, mas uma obrigação, e que ler não era marca de sabedoria, mas de cidadania. Emília Ferreiro Ao conhecermos um pouco da história da alfabeti- zação no Brasil, podemos perceber que este conceito vem sendo modificado ao longo dos anos e que, consequentemente, isso tem repercussões diretas na prática pedagógica. Mas por que esse conceito vem sendo modificado? Ser alfabetizado não é saber “decifrar os códigos” da escrita? Provavelmente, durante algum tempo, saber decifrar o código escrito era garantia de alfabetização e era suficiente para se apropriar dos conhecimentos de uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico. Mas, certamente, nos últimos séculos e, principalmente, nas últimas décadas, isso não é mais satisfatório. As transformações ocorridas na história da Huma- nidade impõem, cada vez mais, novas necessidades e aprimoramento das ações de ler e escrever. Ler hoje não exige as mesmas habilidades que há 50 anos. A velocidade com que os conhecimentos são produzidos e as informações são divulgadas, atualmente, exige um leitor com muito mais estratégias de leitura, sendo capaz de organizar e articular as informações para dar sentido ao texto. Como nos lembra Emília Ferreiro (2002: 13), “os ver- bos “ler” e “escrever” deixaram de ter uma definição imutável: não designavam mais (e tampouco designam hoje) atividades homogêneas. Ler e escrever são construções sociais. Cada época e cada circunstância histórica dão novos sentidos a esses verbos”. Em 1958, a UNESCO9 definiu como alfabetizado o sujeito capaz de ler compreensivamente ou es- crever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Aqui já fica claro que não basta mais decifrar o código. É necessário saber utilizar a escrita, mesmo que de forma simples, no dia-a-dia. Porém, muitos que passavam pela escola, concluíam o período de alfabetização e aprendiam a “decifrar o código”, não eram capazes de compreender o que liam e de se comunicarem através da escrita. Será que já superamos isso? Dentro desta perspectiva, analfabeto é aquele que não consegue ler e nem escrever textos simples, como um bilhete, por exemplo. Em 1978, a própria UNESCO propôs a adoção do conceito de alfabetização funcional, considerando a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida, como alfabeti- zada funcional. No Brasil, durante muitas décadas, foi considerado al- fabetizado aquele que era capaz de assinar o seu nome. Essa era, inclusive, a forma de garantia de cidadania. Antes da constituição de 1988, só os “alfabetizados” possuíam direito ao voto e para tirar o título de eleitor, bastava saber “desenhar o nome” (assinar). 9 A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura foi fundada em 16 de novembro de 1945. É uma agência especializada das Organização das Nações Unidas. Acesse: www.unesco.org.br.
  • 25. 25 O IBGE10 , responsável por recensear a população brasileira e divulgar o quantitativo de analfabetos no país, utilizava como metodologia para contar os anal- fabetos apenas as respostas dadas, pelos entrevistados, se sabiam ou não assinar o nome. Atualmente, o IBGE considera alfabetizada a pessoa de 5 anos ou mais de idade, capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhecesse e analfabeta a que aprendeu a ler, mas esqueceu, e aquela que apenas assina o próprio nome (IBGE, 2005). Po- rém, a forma de coletar essa informação é a resposta dada à pergunta: “Você sabe ler e escrever?”, pelos entrevistados. Não podemos ter certeza se aqueles que respondem sim são capazes, realmente, de ler e escrever um bilhete simples. Nos anos 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional11 , seguindo as recomendações da Unesco, tomando como base não a autoavaliação dos respondentes, mas o número de séries escolares concluídas. Por este critério, são anal- fabetas funcionais as pessoas com menos de quatro séries escolares concluídas. Estes índices têm sido objeto de muitas pesquisas no meio acadêmico. Em 2001, foi criado o INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional)12 , uma parceria do Instituto Paulo Montenegro (IBOPE) e Ação Comunitária, medindo diretamente as habilidades da população por meio de testes. O objetivo desse indicador, é gerar informações que ajudem a dimensionar e compreender o fenômeno do alfabetismo funcional e fomentam o debate público sobre ele e orientam a formulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas. Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvi- mento tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pes- soas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e usos efetivos da leitura e escrita nas diferentes esferas da vida social (RIBEIRO, 2006: 1). O INAF procura responder, dentre outras, as seguintes questões: quais são as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros? Quantos anos de escolaridade e que tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios de alfabetismo? Que outras condições favorecem o de- senvolvimento de tais habilidades ao longo da vida? Além do conceito de analfabetismo, o INAF distingue três níveis de habilidades na população alfabetizada: o nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda que os três níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja, correspondamahabilidadesqueaspessoaspodemaplicar em determinados contextos, somente o nível pleno pode serconsideradocomosatisfatório,aquelequepermiteque a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura e a mate- mática como meios de informação e aprendizagem. 10 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma fundação pública da administração federal, criado em 1934. Tem atribuições ligadas às geociências e estatísticas sociais, demográficas e econômicas, o que inclui realizar censos e organizar as informações obtidas nesses censos, para suprir órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal, e para outras instituições e o público em geral. Acesse: www.ibge.gov.br. 11 A taxa de analfabetismo é o percentual de analfabetos em determinada faixa etária; no Censo Demográfico 2000, foi considerada a população de 15 anos e mais, idade a partir da qual espera-se que o ensino fundamental obrigatório tenha sido concluído. Com isso, o índice de analfabetismo funcional no Brasil chegou perto dos 27%. 12 O INAF aplica anualmente testes de habilidades em amostras de 2 mil pessoas, representativas da população entre 15 e 64 anos, além de questionários que apuram a bagagem educacional dos respondentes, seus hábitos e práticas de leitura e escrita em diversos contex- tos de vivência. Em 2001, 2003 e 2005, focalizaram-se as habilidades de leitura e escrita; em 2002 e 2004, foi a vez das habilidades matemáticas, já que esse novo conceito de alfabetismo compreende também a capacidade de processar informações numéricas presentes no dia-a-dia, no comércio, no trabalho ou nas páginas dos jornais. Acesse: www.acaoeducativa.org.br ou www.ipm.org.br.
  • 26. 26 Fonte: RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e Alfabetismo funcional no Brasil. Disponível em: www.reescrevendoaeducação.com.br/2006. Acesso em 20/06/2007. Veja a seguir a descrição de cada nível. Que nível de Alfabetismo você possui? Nestes cinco anos de pesquisas, alguns resultados do INAF nos fazem refletir sobre o conceito de alfa- betização: •Agrandemaioriadapopulaçãobrasileira(68%)nafaixa etária de 15 a 64 anos, que estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental, atinge, no máximo, o nível rudimentar. • Mais grave ainda: 13% deste grupo podem ser considerados analfabetos em termos de habilidades de leitura e escrita e 4% sequer conseguem identificar números em situações cotidianas. • Dentre os que cursaram da 5ª a 8ª série, apenas ¼ pode ser considerado plenamente alfabetizado, enquan- to a maioria se enquadra no nível básico de alfabetismo, tanto na leitura quanto nas habilidades matemáticas. Permanecem no nível rudimentar, tanto na leitura quanto na matemática, 24% deste grupo. • Dos que completaram o Ensino Médio, 56% dos brasileiros apresentam pleno domínio das habilidades de leitura e escrita e 49% atingem um nível pleno de alfabetismo em termos de habilidades matemáticas. Hoje a concepção de alfabetização da Unesco inclui o desenvolvimento de conhecimentos e competências necessários para o indivíduo inserir-se e movimentar- se com desenvoltura no meio social, entre os quais o domínio de novas linguagens e tecnologias. Você já deve ter percebido o quão complexo é o conceito de alfabetização e que ele é muito mais do que decodificar a escrita. Porém, desde os primór- dios, a palavra alfabetização sempre esteve associa- da ao ensino da leitura e da escrita como aquisição de uma técnica. (...)técnica dos traçados das letras, por um lado, e técnica da correta oralização do texto, por outro. Só depois que dominada a técnica é que surgiam, como num passe de mágica, a leitura expressiva (resultado da compreensão) e a escrita eficaz (resul- tado de uma técnica posta a serviço das intenção do produtor). Acontece que essa passagem mágica da técnica para a arte só foi transposta, naqueles lugares onde a escola mais faz falta, por pouquíssimos escolarizados precisamente pela ausência de uma tradição histórica de ‘cultura letrada’ (FERREIRO, 2002: 13). Para explicitar que se espera da alfabetização mais do que “decifrar letras”, foram sendo utilizadas as expressões “alfabetização plena”, “alfabetização in- tegral”, “alfabetização total” que apontam para uma prática de alfabetização que perpassa pela aquisição e uso da leitura e escrita nos contextos sociais. Dentro dessa nova concepção, surge o termo letramento13 para designar “um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou condição de quem se envolve Leitura Habilidades Matemáticas Analfabetismo Não domina as habilidades medidas. Não domina as habilidades medidas. Alfabetismo Nível Rudimentar Localiza uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou chamada de capa de revis- ta, por exemplo. Lê e escreve números de uso freqüen- te: preços, horários, números de telefone. Mede um comprimento com fita métrica, consulta um calendário. Alfabetismo Nível Básico Localiza uma informação em textos curtos ou médios (uma carta ou notícia, por exemplo), mesmo que seja necessá- rio realizar inferências simples. Lê números maiores, compara preços, conta dinheiro e faz troco. Resolve proble- mas envolvendo uma operação. Alfabetismo Nível Pleno Localiza mais de um item de informa- ção em textos mais longos, compara in- formação contida em diferentes textos, estabelece relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/ fato). Reconhece a informação textual mesmo que contradiga o senso comum. Consegue resolver problemas que envol- vem seqüências de operações, por exemplo, cálculo de proporção ou percentual de des- conto. Interpreta informação oferecida em gráficos, tabelas e mapas.
  • 27. 27 Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 13 Magda Becker Soares resgata o surgimento do termo letramento, que, segundo ela, já apareceu décadas atrás. Em 1986, no livro de Mary Kato, No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística, da editora Ática. Em 1988, Leda Verdiani Tfouni distingue alfa- betização e letramento, no livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, da editora Pontes. Em 1995, o termo surge em título de livro, Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita, organizado por Ângela Kleiman. Será que ser analfabeto, em uma sociedade grafocên- trica, condena o sujeito a não ser letrado? Um analfa- beto pode ser letrado? A Mafalda é ou não letrada? Querendo ou não, vivemos em uma sociedade onde a escrita se faz presente. Se letrado é aquele que vivencia aspráticasdeleituraeescritaqueestãopresentesemuma sociedade, podemos dizer que aquele que não domina a tecnologia(alfabetizado)podeserletrado.AMafaldanão sabelernemescrever,nãodominaatecnologiadaescrita, mas conhece muito bem a função da escrita. Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se interessa-se em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e sua função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é de certa forma letrada (IBIDEM: 24). nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita” (SOARES, 2001: 44). O termo letramento aparece em oposição ao termo alfabetização. Letrado é compreendido como aquele que aprende a ler e escrever, usa a leitura e a escrita, envolve-se em suas práticas, tornando-se, uma pessoa diferente. Já o alfabetizado é aquele que adquire a tecnologia da escrita, aprende a codificar em língua escrita e a decodificar a língua escrita, podendo tornar- se letrado ou não. Alguns autores, como Emília Ferreiro, dizem ser desnecessário a criação do termo letramento, pois com- preendem que “a alfabetização não é mais entendida como mera transmissão de uma técnica instrumental, realizada numa instituição específica (a escola)” (FER- REIRO, 2002: 40). Outros autores, porém, defendem a utilização do termo letramento, como Soares (01) argumentando que: (...) Entretanto, contraditoriamente, este novo conceito de aprendizagem da leitura, estreitamente relacionado com práticas de leitura, com a formação de um verdadeiro leitor, vem con- vivendo com a persistência do conceito restrito e tradicional de aprendizagem da leitura como a mera aquisição da tecnologia da escrita, como apenas formação de um decodificador da escrita (...) (Soares, 2005: 1). Observando a prática pedagógica que ocorre em nossas escolas, podemos distinguir nitidamente aque- las que ainda concebem a alfabetização como apenas uma tecnologia daquelas que a compreendem como apropriação (tornar “própria”) da língua escrita. Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar le- trando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornas- se, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (IDEM: 47). Letramento pressupõe uma mudança de lugar so- cial, do modo de viver na sociedade, de inserção na cultura. Implica também em tornar-se cognitivamente diferente. “A pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar de um analfabeto ou iletrado” (IBIDEM: 37). Traz também conseqüências lingüísticas, pois o convívio com a língua escrita acar- reta mudança no “uso da língua oral, nas estruturas lingüísticas e no vocabulário”.
  • 28. 28 Existem vários níveis de letramento, que vai desde identificar um rótulo de uma embalagem até à leitura de um texto científico, como uma tese de doutorado. Acreditase que o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente com as suas condições sociais, culturais e econômicas. Soares (2001) destaca a necessidade de condições para o letramento. Mas que condições seriam essas? 1- Escolarização real e efetiva da população – A necessidade de letramento surge quando se amplia o O QUE É LETRAMENTO?14 Kate M. Chong Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é treinamento repetitivo de uma habilidade, nem um martelo quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente, o tempo, os artistas da TV e mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos. É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, e rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos. É um Atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido. Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo que você pode ser. 14 Poema publicado no livro Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêntica. acesso à escolarização. Com mais pessoas sabendo ler e escrever, “passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente saber ler e escrever”. 2- Disponibilidade de Material de Leitura – Criar condições para aqueles que aprenderam a ler e escre- ver fiquem imersos em um ambiente de letramento, com acesso aos livros, revistas e jornais, às livrarias e bibliotecas. Para você compreender melhor o que significa letra- mento, leia a poesia abaixo.
  • 29. 29 Ser letrado é estar imerso nas práticas sociais de leitura e escrita de uma determinada sociedade, em um determinado tempo histórico. Para isso não basta saber decodificar a escrita. Diante disso, qual o papel da escola na criação de condições para o letramento? Como desenvolver uma prática pedagógica que alfabetize letrando? Como ficam os métodos de alfa- betização na perspectiva do letramento? Essas são algumas questões que pretendemos abordar ao longo desse material. Leitura Complementar Acesse: www.acaoeducativa.org.br/downloades/INAF e veja o relatório com os resultados dos 5 anos do INAF. Nele você terá uma visão mais ampla do nível de letramento da população brasileira. Leia o livro Letramento – um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêncica. É uma leitura agra- dável, em que você poderá aprofundar os seus conhecimentos sobre o conceito de letramento. 2.2 – Os Métodos de Alfabetização Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. No Brasil, agregado à discussão sobre o que é ser alfa- betizado, sempre tivemos o olhar do professor centrado na eficácia de processos e métodos de alfabetização. Como alfabetizar? Qual o melhor método? Que cartilha usar? Essas são perguntas que acompanham a prática docente e que refletem a concepção de aprendizagem que o educador possui. Até meados dos anos 80 do século passado, havia uma polarização entre processos sintéticos e analíticos, direcionados ao ensino do sistema alfabético e ortográfico da escrita. Os processos sintéticos são os mais antigos, tendo mais de 2000 anos. Consideram a língua escrita objeto de conhecimento externo ao aprendiz.Têm como ponto de partida o estudo dos elementos da língua (letra, fonema, sílaba). Pressupõem o estabelecimento da correspondência entre o som e a grafia. Nesta concepção, encontramos os métodos de sole- tração, o fônico e o silábico, tendências ainda forte- mente presentes nas atuais propostas didáticas. Tais métodos privilegiam os processos de decodificação, as relações entre fonemas (sons ou unidades sonoras) e grafemas (letras ou grupos de letras) e uma progressão de unidades menores (letra, fonema, sílaba) a unidades mais complexas (palavra, frase, texto). O ensino parte do simples para o complexo, na visão do professor. Só se avança no processo se todas as dificuldades da fase anterior estiverem consolidadas. Aleitura é considerada como um esquema somatório: pela soma dos elementos mínimos (fonema ou sílaba) o aluno aprende a palavra. Pela soma das palavras, a frase. Pela soma das frases, o texto. Quando se analisa o sistema alfabético, enquanto sons convertidos em códigos gráficos, fica claro que existem certas semelhanças perceptivas gráficas (a letra d e a letra b, por exemplo) e certas semelhanças sonoras (a letra v e a letra b, por exemplo). Logo um dos critérios de simplicidade – sempre vista pela lógica do adulto – recomendava, na apresentação seqüencial dos elementos da língua, evitar proximidade entre sons e grafias semelhantes. Por outro lado, como a questão era evidenciar através do ensino certo paralelismo entre sons e grafias do alfabeto, parece claro que aqueles elementos que apresentam uma relação biunívoca entre som e grafia (o som fonema f com a letra f, por exemplo)
  • 30. 30 seriam considerados mais simples do que aqueles que apresentam correspondências múltiplas entre letras e sons (os sons da letra s, por exemplo). Daí outro critério estabelecido: na apresentação seqüencial dos elementos da língua escrita, o processo começa pelas correspondências mais simples, ou seja, aquelas que sejam biunívocas, pois algumas relações são mais simples e outras, mais complexas (BARBOSA, 1990:48). Os processos sintéticos enfatizam a consciência fo- nológica e a aprendizagem do sistema convencional da escrita (importantes ao processo de alfabetização), mas deixam de explorar as complexas relações entre fala e escrita, suas semelhanças e diferenças. A linguagem oral e a linguagem escrita são dois conhecimentos distintos. Com certeza, tudo que pensamos e sentimos pode ser representado pela oralidade e pela escrita, porém com recursos diferentes. Dão tanta ênfase à decodificação que, muitas vezes, resultaempropostasquedescontextualizamaescrita,seus usos e funções sociais, enfatizando situações artificiais de treinamento de letras, fonemas ou sílabas. É muito comumencontrarmosnascartilhasdessesmétodosfrases completamentedesconexascomo:“Oboibabanababá”, “A foca afia a faca” etc. Com certeza essas frases não são encontradas nos textos que circulam na sociedade e “retratam” situações um tanto quanto inusitadas. Você já viu alguma foca usando faca? E afiando a faca? Em contraposição aos processos sintéticos, temos os processos analíticos, que valorizam a análise e a compreensão de sentidos, propondo uma progressão diferenciada: de unidades mais amplas (palavra, frase, texto) a unidades menores (sílabas ou sua de- composição em grafemas e fonemas). São exemplos dessa abordagem os métodos de palavração (palavra decomposta em sílabas), de sentenciação (sentenças decompostas em palavras) e o global de contos (textos considerados como pontos de partida, até o trabalho em torno de unidades menores). Foi Nicolas Adam, que, em 1787, propôs que a aprendizagem da língua escrita deveria partir de pa- lavras com significado para as crianças. Ele compara o aprendizado da escrita com o aprendizado da fala, alegando que não falamos primeiro os sons das letras, para depois aprendermos as sílabas, as palavras, as frases, para finalmente mantermos um diálogo. Segundo esta abordagem, o prévio é o reco- nhecimento global de palavras ou orações; a análise dos componentes é uma tarefa posterior. Não importa a dificuldade auditiva daquilo que se aprende, já que a leitura é uma tarefa predo- minantemente visual. (...) Já encontramos aí os fundamentos da formulação ideovisual: ler é mais importante que decifrar; o sentido do texto tem mais importância que o som do texto; a aprendizagem parte de pala- vras com significado afetivo e efetivo para as crianças. Segundo Adam, a análise da palavra deveria ocorrer numa etapa bem pos- terior ao domínio do capital de palavras aprendidas globalmente. Pouco tempo depois, Jacotot, outro precursor do método global, recomenda que esta análise das palavras se inicie precocemente, o mais rápido possível (BARBOSA, op. cit.: 50). Essa concepção ainda persiste nas práticas docentes atuais. Os métodos analíticos contemplam algumas das capacidades essenciais ao processo de alfabetiza- ção – sobretudo o estímulo à leitura de unidades com sentido, pelo reconhecimento global das mesmas. Entretanto, quando incorporados de forma parcial e absoluta, acabam enfatizando construções artificiais e repetitivas de palavras, frases e textos, muitas vezes apenas a serviço da repetição e da memorização, com objetivo de manter controle mais rígido da seqüência do processo e das formas de interação gradual da criança com a escrita. Neste aspecto, podemos afirmar que os métodos sintéticos e os analíticos se aproximam por entenderem que o processo de aprendizagem está baseado na memorização. Nas últimas décadas a discussão sobre a eficácia de processos e métodos de alfabetização, que passaram a ser identificados como propostas “tradicionais”, ficou secundária. O foco central passou a ser a discussão sobre a psicogênese da aquisição da escrita, uma abordagem de grande mudança conceitual no campo da alfabetização, que foi sistematizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) e por vários outros teóricos e pesquisadores. A ênfase deixa de ser o método de ensino e passa a ser a o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e suas concepções progressi- vas sobre a escrita, que é entendida como um sistema de representação e não como um código. Essa nova abordagem entende também que a aprendi- zagem é de natureza conceitual e não mecânica, e que a escrita é um objeto sociocultural do conhecimento. Barbosa (1990) apresenta um quadro-resumo fa- zendo um contraponto das principais características dos dois grandes eixos de abordagem da leitura e da alfabetização:
  • 31. 31ABORDAGEM TRADICIONAL NOVA ABORDAGEM ORIGEM - Ensino coletivo e simultâneo (década de 1880, na Europa). - Nos anos 70, a partir das pes- quisas desenvolvidas pela Psico- lingüística sobre o comportamen- to do leitor no ato da leitura. MÉTODOS - Sintéticos: alfabético silábico fônico - Analíticos: palavração sentenciação conto - Analítico-sintético. - Pedagogia de Projeto (situa- ções funcionais de leitura). CONCEPÇÃO DE ESCRITA - A língua como: 1º) objeto de análise 2º) objeto de uso - Sistema simbólico de segunda ordem, subordinado à fala. - Sem autonomia quanto ao sig- nificado. - Saber escolar. - A língua como: 1º) objeto de uso 2º) objeto de análise - Sistema de linguagem, paralelo e equivalente à linguagem oral - Portadora direta do sentido (au- tonomia em relação à fala). - Saber social. CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM - Objetivo: alfabetizar (dizer o sistema alfabético). - Baseada no processo de en- sino (o método). - Uso escolar da escrita. - Desprezo pelas aquisições extra-escolares. - Uniforme, cumulativa, pon- tual (progressão hierarquizada passo a passo, do simples para o complexo). - Utiliza a fala como referen- cial (estigmatizando as varian- tes de registro). - Privilegio absoluto do meca- nismo de transcodificação. - O professor ensina: o aluno aprende (repete): E/R. - Para ler é preciso analisar a escrita. - Aprender para fazer. - Sentido privilegiado: a audi- ção (leitura auditiva). - Pressupõe a homogeneidade do saber das crianças. - Crença na possibilidade de ensino de estratégias ao leitor. - Conquista individual e com- petitiva do saber. - Simulação de situações de leitura. - Objetivo: inscrição da criança no circuito da comunicação escrita. - Baseada no processo de aprendi- zagem (a construção de um saber ou prática). - Promove situações reais de leitu- ra/escrita. - Intervenção numa etapa de um processo já iniciado fora da escola. - Intervenções diversificadas e he- terogêneas. - Utiliza o processo de aprendiza- gem da fala como referencial. - Informação geral / informação específica. - Mudança na escola: o lugar pri- vilegiado para a criação de situações de leitura/escrita. - Mergulho na escrita social: é len- do que se aprende a ler. - Fazer para aprender. - Sentido privilegiado: a visão (lei- tura visual). -Confrontodeestratégiasedificul- dades do grupo - Baseada em estratégias desen- volvidas pelo leitor, sustentada por intervenções precisas. - Troca de informações no grupo; socialização do saber. - Familiaridade com a multiplici- dade de situações sociais de leitura.
  • 32. 32 CONCEPÇÃO DE ESCOLA - Detentora do monopólio da escrita. - Único lugar onde ocorre a aprendizagem da leitura (basea- da numa concepção escolar dessa aprendizagem). - Promotora da “escrita escolar”. - Não detentora do monopólio da escrita. - Espaço privilegiado(entre ou- tros) onde a criança, através de um conjunto de intervenções, de- senvolve sua condição de leitor. - Promotora do uso social da escrita. PRÉ-REQUISITOS - Maturidade para leitura/escrita. - Experiências prévias do leitor no mundo social da escrita. ETAPAS DE ENSINO - Pré-alfabetização (pré-escola). - Alfabetização. - Pós Alfabetização. - Construção individual (equi- líbrio, contradição, novo equi- líbrio) da compreensão escrita como comunicação social, inter- pessoal, no coletivo e no social. MATERIAL DE LEITURA - Cartilha. - Quadro de giz. - Silabário/jogos carimbos. - Literatura infantil. - Utilização da diversidade e abundância da escrita no mundo. - Biblioteca/Centro de docu- mentação. PAPEL DO PROFESSOR - É aquele que ensina e trans- mite seu saber. - Ensina uma técnica pré-pro- gramada. - Informa, demonstra, corrige. - É aquele que intervém numa determinada etapa do processo. - Cria situações favoráveis ao desenvolvimento de estratégias pelo leitor aprendiz. - Propõe, organiza, promove, informa, seleciona, questiona, participa, sistematiza técnicas de acesso e apreciação da escrita. ESTRATÉGIAS DE LEITURA - Correspondência som/grafia: transformaçãodeumacadeiadesi- nais sonoros que permite (ou não!) extrair um significado do texto. - Familiaridade visual com pa- lavras e frases. - Exploração direta da escrita, portadora de sentido sem media- ção oral. - Mobilização do saber e expe- riência do leitor, anterior e exte- rior à escrita. - Intencionalidade do leitor: o questionamento do texto. - Estratégias adaptadas a escri- tos específicos: flexibilidade. - Hipótese, antecipação, verifi- cação, identificação. - Dicionário. - Contexto. - Perguntar a terceiros. - Saltar palavras.
  • 33. 33FUNÇÃO DA DECIFRAÇÃO - Causa da aprendizagem da leitura (da decifração à leitura). - Conseqüência da aprendizagem da leitura. -Aquisição subjacente à leitura. - É o “plus” da leitura (cf. Smith). CARACTERÍSTICAS DA LEITURA - Baseada na decifração. - Leitura silabada, lenta, hesitante. - Estacionada no tempo. - Sentido extraído do texto ora- lizado. - Dificuldade quanto ao signifi- cado. - Tendência à vocalização e sub- vocalização. - Tendência à regressão no texto. - Monovalente e integral. - Baseada no sentido. - Leitura fluente, flexível, segura. - Adaptada às necessidades das sociedades modernas. - Sentido atribuído ao texto es- crito. - Fonte de informação, orienta- ção, prazer. - Leitura silenciosa. - Uso de múltiplas estratégias. - Polivalente/seletiva. CARACTERÍSTICA DO LEITOR - Aquele que adquire o hábito de sonorizar a escrita: um leitor de letras. - Aquele que, diante das ques- tões que o mundo lhe propõe, sabe que pode encontrar respos- tas relevantes na escrita e domina estratégias diversificadas de ex- ploração do texto. ATIVIDADE DE ESCRITA - Escrita de um modelo: cópia, ditado, redação, leitura oral. - Escrita de sons (problemas ortográficos: a palavra é escrita como se pronuncia). - Simulação de situações de es- crita (redação escolar). - Escrita do sentido, no contexto. - Ortografia: reprodução de for- mas visuais (escrita, língua para os olhos). - Apoiada nas necessidades de expressão pessoal. AVALIAÇÃO - Do produto: mede a capaci- dade do aprendiz de reproduzir o que foi ensinado - Leitura oral: controle da com- binatória - Do processo: ponto de referên- cia para reorganizar a interven- ção do ensino (a leitura em voz alta corresponde a uma situação particular de leitura) Fonte: BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. [s.l.]: Cortez, 1990.
  • 34. 34 Como você pôde perceber, há diferenças significa- tivas nas duas abordagens, nelas estão presentes as “crenças” de como se aprende e se ensina, implicando em ações pedagógicas bem distintas. Das abordagens apresentadas por Barbosa (1990), qual delas se aproxima do conceito de letramento? Leitura Complementar Acesse: www.fae.ufmg.br/ceale e leia alguns textos que abordam os métodos de alfabetização. Leia o livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, da editora Cortez. O autor apresenta a história dos métodos de alfabetização, no capítulo 4, de forma clara e profunda. 2.3 – As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita (...) Tudo o que foi colocado muda radicalmente se tomarmoscomoobjetivoescolaraaquisiçãodalíngua escrita, se reconhecermos que não há proeminência da leitura sobre a escrita – enquanto atividades que permitemconheceressemodoparticularderepresen- taçãodalinguagem–ereconhecermostambém(como mostram abundantemente os dados de investigações recentes em diversos países da América Latina) que as crianças não chegam ignorantes à escola, que têm conhecimentos específicos sobre a língua escrita, ainda que não compreendam a natureza do código alfabético e que são esses conhecimentos (e não as decisõesescolares)quedeterminamopontodepartida da aprendizagem escolar. Emília Ferreiro Não poderíamos falar de alfabetização sem abordar as contribuições de Emília Ferreiro15 . Nas últimas três dé- cadas, as suas pesquisas16 têm norteado a discussão sobre o tema. Não pretendemos aqui discorrer sobre todo o seu trabalho, mas destacar alguns aspectos dos seus estudos e pesquisas, que contribuem para se pensar a alfabetização. Emília Ferreiro não criou um método de alfabeti- zação. Ela buscou explicar como se dá a psicogênese da língua escrita, ou seja, procurou observar como a criança constrói, se apodera, da linguagem escrita. O seu trabalho demonstra, de forma categórica, que a escrita não é um código, mas sim um sistema de representação que é apropriado pelo sujeito por meio do contato que ele tem com a língua escrita, mediado por outros sujeitos. Daí a sua afirmação de que só se aprende escrever escrevendo. “Ler não é decifrar, escrever não é copiar”. Emília Ferreiro Ela tentou conhecer a maneira como as crianças concebem o processo de escrita, o que pensam e quais hipóteses organizam sobre a leitura e a escrita. Perce- beu que as crianças pequenas, por exemplo, acreditam que tanto se pode ler um desenho como uma palavra, porque ainda não conseguem distinguir os tipos de representação (desenho e palavra) do objeto. 15 Psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez doutorado na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, sob a orientação de Jean Piaget. Nasceu em 1937, reside atualmente no México, onde trabalha no Departamento de Investigações Educativas (DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados do Instituto Politécnico Nacional do México. Fez seu doutorado dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou em 1971 à Universidade de BuenosAires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parteAna Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Líliana Tolchinsk. 16 A sua pesquisa sobre psicogênese da língua escrita foi realizada com crianças de 4 a 6 anos, no México e na Argentina (castelhano). No seu grupo de pesquisados incluíam crianças das diferentes classes sociais. Aqui no Brasil, na década de 80, as pesquisadoras Telma Weisz (São Paulo), Terezinha Nunes Carraher e Lúcia Browne Rego (Recife) e Esther Pillar Grossi (Porto Alegre) repetiram as inves- tigações de Emília Ferreiro e constataram que, em português, os processos de conceitualização da escrita seguem uma linha evolutiva similar ao castelhano.
  • 35. 35 Identificou também que em outra fase as crianças já “distinguem” o que pode ser palavra, logo pode ser lido, daquilo que não é palavra.Ao pedir que tentassem ler “palavras” como as abaixo, as crianças afirmavam que não podiam ler a primeira e a segunda, pois só ti- nham letras iguais. Já a terceira podia ser lida pois tinha letras diferentes, mesmo sem ter algum significado na língua materna. Isso demonstra que elas possuíam a hipótese de que para ser lido (palavra) há necessidade de se ter letras diferentes. Emília afirmou que existe “um processo de aquisição da linguagem escrita que precede e excede os limites escolares”.Aescola é apenas um dos espaços de apren- dizagem da linguagem escrita e não o único. Todos os contatos/experiências vividos pela criança fazem parte da elaboração da sua construção. Daí a importância das experiências vivenciadas pelas crianças dentro e fora da escola. Esses conhecimentos, apresentados por Emília Ferreiro, possibilitaram deixar de pensar, apenas, em como se ensina (professor), para focar o processo de aprendizagem (aluno). Jean Piaget obrigou-nos a abandonar a idéia de que nosso modo de pensar é o único legítimo e obrigou-nos a adotar o ponto de vista do sujeito em desenvolvimento. Isto é fácil de dizer, mas muito difícil de aplicar coerente e sistematicamente (FERREIRO, 1987: 68). Ao olhar o processo de aprendizagem, do ponto de vista do sujeito que aprende (aluno), o que era considerado erro passa a ser visto como sinalizador de como o sujeito está pensando, construindo o seu conhecimento. O erro passa a ser construtivo, pois ele reflete a cons- trução de conhecimento do aprendiz e aponta para o professor a necessidade de intervenções pedagógicas adequadas. Vejamos a escrita17 abaixo, que é de uma menina com 5 anos de idade. Se olhássemos apenas a sua escrita (PSIO) diríamos que ela não sabe escrever, que essas quatro letras não formam a palavra passarinho e que “comeu letras”. Porém, se analisarmos o seu texto, veremos que ela possui uma hipótese sobre a linguagem escrita. Pensa que apenas uma letra é capaz de representar o som da sílaba. Observe que ela não escreve letras aleatórias, ela escreve uma letra para cada sílaba da palavra, estabelecendo uma relação sonora. Veja: Segundo Ferreiro (1987), é necessário estabelecer a diferença entre a construção de um objeto de conhe- cimento (linguagem escrita) e a maneira pela qual fragmentos de informação fornecidos ao sujeito são incorporados ou não como conhecimento, pois apesar de estarem relacionados, são processos distintos e essa compreensão implicará em uma prática pedagógica diferenciada. Para ela, as crianças que vivem em ambientes urba- nos, desde o seu nascimento, estão expostas a materiais escritos e a ações sociais de escrita, obtendo diversas informações acerca de alguns tipos de relações entre ações e objetos. Pode saber, por exemplo, que usamos letras para escrever, o que é e para que serve uma carta, sem saber “escrever” e, muito menos, que tipo de texto é uma carta. Com certeza, os conhecimentos prévios adquiridos no ambiente social ajudarão muito no processo de cons- trução da linguagem escrita, mas não serão suficientes para a construção do objeto (linguagem escrita). 17 Todos os textos apresentados neste capítulo foram produzidos em 2007, por crianças de 5 e 6 anos, que estudam em um colégio privado, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O colégio não utiliza cartilha e tem como proposta metodológica a escrita espontânea dos alunos como deflagradora de atividades pedagógicas.
  • 36. 36 A construção do objeto de conhecimento implica muito mais que mera coleção de informações. Implica a construção de um esquema conceitual que permita interpretar dados prévios e novos dados (isto é, que possa receber informações e transformá-la em conhecimento); um esquema conceitual que permita processos de inferência acerca de propriedades não-observadas de um de- terminado objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado (IDEM: 66). Como já dissemos anteriormente, a pesquisa de Emí- lia Ferreiro foi influenciada por Piaget, seu orientador, que afirmava que as respostas do sujeito são apenas a manifestação externa de mecanismos internos de organização e que as respostas só podem ser classifi- cadas de “corretas” ou “incorretas”, quando tomamos o ponto de vista do observador (na maioria das vezes, o professor) como sendo o único legítimo. (...) Até há poucos anos as primeiras tentativas de escrever feitas pelas crianças eram consideradas meras garatujas, como Veja o texto abaixo, escrito por uma menina de 6 (seis) anos, em junho18 . O que você acha deste texto? O que essa menina já sabe sobre a língua escrita? se a escrita devesse começar diretamente com letras convencio- nais bem traçadas. Tudo o que ocorria antes era simplesmente considerado como tentativas de escrever e não como escrita (...). Não se supunha que a execução de tais garatujas ocorresse simultaneamente com algum tipo de atividade cognitiva (...). Mais ainda: quando as crianças começavam traçar letras con- vencionais, porém numa ordem não-convencional, o resultado era considerado uma “má” reprodução de alguma escrita que por certo, teriam observado nalgum outro lugar (IBIDEM: 68/69). Podemos afirmar que aqui no Brasil, antes do trabalho de Emília Ferreiro, a escola “não autorizava” a escrita espontânea.As crianças só escreviam aquilo que havia sido “ensinado” pelo professor. Só era aceita a escrita que estava próxima à convencional (ortográfica). Aqueles que “escreviam diferente” eram considerados problemáticos e encaminhados aos especialistas (fono- audiólogos, psicólogos ou psicopedagogos). Com certeza esse texto é bem diferente dos que encontramos nas cartilhas. Ele está bem próximo dos textos que estão presentes na sociedade (texto narrati- vo), nos livros de literatura. Vejamos o que esta menina já sabe e pensa sobre a língua escrita: • Sabe que para escrever usamos letras e não rabiscos, números etc. •Sabequeapalavraéumconjuntodeletrasquerepresenta uma idéia e que por isso, não basta colocar qualquer letra. • Sabe que há uma relação sonora na escrita. • Sabe que há padrões na escrita, ou seja, palavras iguais serão sempre grafadas iguais. • Pensa que a escrita é uma transcrição da fala. Por isso, escreve algumas palavras do mesmo jeito que oraliza, inclusive juntando-as e/ou segmentando-as. • Sabe contar uma história (início, meio e fim). • Sabe as características específicas de um texto nar- rativo, como conto de fadas (final feliz) e as utiliza de forma adequada (“viveram felizes para sempre”). 18 “A sereia viu um marinheiro no mar. O marinheiro viu a sereia. Ele se casou com a sereia lá no fundo do mar, porque o marinheiro no mar ele virou sereio. Ele pôde se casar com a sereia e viveram felizes para sempre”.