O documento resume e analisa os filmes indicados pelo vestibular da UPE, divididos em três grupos: 1) filmes que retratam o Brasil e a América Latina, como Caramuru e Carlota Joaquina; 2) adaptações de obras literárias, como O Nome da Rosa e A Hora da Estrela; 3) filmes que valorizam a literatura, como Sociedade dos Poetas Mortos e Meia-Noite em Paris. O texto discute os temas, personagens e períodos históricos abordados em cada filme, bem
1. Comentários sobre os filmes indicados pelos vestibulares da UPE
Sabemos que o cinema é uma das formas que os jovens hoje escolhem para o lazer, então por que não utilizar a sétima arte para
lembrar alguns conteúdos que caem nos vestibulares e revisar aquilo que você estudou? Assuntos históricos, ambientais, questões
sociais e políticas, e alguns romances da Literatura são temas constantes nos vestibulares. Seja para uma possível redação ou
mesmo na prova objetiva, os filmes são uma fonte extra de estudo que, utilizada com sabedoria, só tem a agregar em nosso
aprendizado. Porém o aluno deve procurar se inteirar sobre o assunto da obra antes de assistir aos filmes, pois assim, ao ter noção
do conteúdo que será abordado na película, o estudante terá um melhor preparo para compreender o conteúdo e relacionar o
tema com a atualidade.
Talvez pensando nisso a UPE – Universidade de Pernambuco vem, há alguns anos, adotando a prática de indicar uma relação de
filmes para os vestibulandos, complementando a relação de livros já utilizada pelos vestibulares há mais tempo, e não é difícil
percebermos que existem três tipos de filmes sugeridos pelo programa do SSA – o vestibular seriado da UPE, que também são
indicados, em conjunto, para o vestibular tradicional.
O primeiro grupo de filmes busca retratar diferentes faces do Brasil ou da América Latina, e são eles:
CARAMURU - A INVENÇÃO DO BRASIL é um filme bem humorado, que mostra de uma forma divertida e descontraída a época das
navegações portuguesas, o Descobrimento do Brasil e as primeiras relações entre indígenas e europeus após a chegada destes ao
Brasil, entretendo os espectadores ao longo do filme. No geral os estudantes podem observar que a obra relata de uma forma clara
e concreta o convívio de povos distintos no início da colonização, apresenta bem o choque cultural entre os dois povos, e o
interesse dos europeus nas matérias-primas e também no tão sonhado ouro. O filme é cômico e exagerado em alguns momentos,
mas ao mesmo tempo se preocupa também com a veracidade de certos fatos.
CARLOTA JOAQUINA, A PRINCESA DO BRASIL também uma sátira, tal qual o filme anterior, retrata o Período Joanino, período da
História do Brasil em que a coroa portuguesa esteve na Colônia, e baseada em textos históricos, a obra procura desmistificar os
personagens históricos, tidos, muitas vezes, como seres superiores, como quando apresenta a figura de D. João, mostrando os
maiores defeitos do regente (gula, preguiça, comodismo, personalidade fraca e pouco conhecimento político), e na relação entre
ele e a esposa, Carlota Joaquina, quando explicita como naquela época a família era uma instituição simbólica. No filme, porém,
ocorrem muitas omissões dos feitos da coroa em território brasileiro, como a abertura dos portos para o comércio internacional, a
criação da capela real, da imprensa régia e de quase todos os demais feitos no Período Joanino no Brasil. Apesar disso a película
mostra algumas das mais importantes criações, como o Banco do Brasil e o Jardim Botânico. Para ter uma visão bem detalhista do
filme, o aluno precisa ter um conhecimento prévio de todo o período histórico e o contexto em que se passa porque, apesar de
detalhar alguns momentos importantes, o filme é muito omisso e, algumas vezes, controverso com a realidade.
O filme GUERRA DE CANUDOS (inspirado em Os Sertões, de Euclides da Cunha) apresenta um momento muito crítico do sertão
nordestino no início da República no Brasil, no Arraial de Canudos, fundado por Antônio Conselheiro, líder religioso, considerado
um Messias pelos seus seguidores, no interior da Bahia: problemas como fome, seca e miséria, ressaltando os impostos a serem
pagos, situação imposta pela nova república, considerados um abuso pela população. A região, na época, vivia uma grande crise
econômica e social, em decorrência de grandes períodos de secas, desemprego, e à decadência dos latifúndios da região, que já se
encontravam improdutivos em sua grande maioria. Na obra pouco se fala sobre como o Arraial de Canudos foi formado, sobre os
motivos, preocupa-se mais com a vida da família, as dificuldades, a situação imposta pela nova república, a alta cobrança de
impostos, e em apresentar a República como um “Monstro”, na qual o presidente era Marechal Floriano Peixoto.
O BAILE PERFUMADO proporciona ao espectador uma oportunidade única de entretenimento de qualidade e mergulho em parte
da vida de uma das mais controversas figuras da história do Brasil: Virgulino Ferreira, o Lampião. A obra retrata a saga real do
famoso Lampião, responsável por revoltas no sertão nordestino através das únicas imagens existentes do cangaceiro. Essas
imagens, que aparecem no filme em preto e branco, foram confiscadas pela ditadura do Estado Novo. Um aspecto relevante que
pode ser notado na obra: é o olhar estrangeiro para o nosso país, pois a história é contada pela ótica do libanês Benjamim, o que
faz com que os fatos ligados ao banditismo social no Brasil sejam analisados sob a perspectiva de uma nova visão. O filme dá um
show nos figurinos dos cangaceiros além de ser, sem dúvida, um dos melhores filmes lançados pelo cinema nacional nas últimas
décadas, e o aluno, pensando além dos vestibulares, deve ser instruído e ajudado no sentido de ser capaz de reconhecer a beleza
das cenas, a construção da narrativa e, lógico, apreciar a trilha sonora do filme, composta por Chico Science e Nação Zumbi, Mestre
Ambrósio, Fred Zero Quatro, entre outros.
O filme NARRADORES DE JAVÉ tem como tema principal a narração, tendo como alicerce as pluralidades orais das personagens. É
importante que os estudantes vejam na obra um Brasil de todos os brasileiros: as etnias, religiões e classes excluídas, o desespero,
o sofrimento e luta, através de palavras dramáticas recheadas de sutileza, ironia e momentos tragicômicos que desenham a
2. realidade brasileira, mais uma vez, no cenário do Sertão Nordestino. O filme apresenta, de maneira fantástica, e é também de
extrema importância que isto seja observado pelos estudantes, a construção do discurso histórico, através da problemática disputa
entre a história oficial e a história oral, quando inclui a presença da oralidade e escrita no filme, assim como as tradições e culturas,
e a discussão sobre a preservação das cidades e do patrimônio imaterial, tão em voga no momento.
Diferente do que muitos esperam o filme DIÁRIOS DE MOTOCICLETA não trata do “guerrilheiro” Che Guevara, e sim das condições
sociais Latino-Americanas em 1950, através das descobertas do ainda jovem médico Che Guevara, que a partir de uma viagem feita
pela América Latina despertou para a necessidade de combater as injustiças feitas aos desfavorecidos. A obra mostra uma América
Latina controlada por governos autoritários e ditatoriais, a existência de grandes problemas sociais, na Argentina, Chile, Peru e
Bolívia. Percebe-se ainda, através do filme, uma América Latina dependente do capital estrangeiro, deixando visível sua
dependência e vulnerabilidade em relação às exportações e as políticas imperialistas dos Estados Unidos e da Europa, as quais
interferiram diretamente em sua política, sociedade e economia. Com uma dedicação um pouco maior, o estudante pode também
observar no filme, quando são mostradas cenas do antigo Império Inca, o alto grau de desenvolvimento da civilização Inca,
entendendo que os latinos também tiveram civilizações antigas de grande importância para a formação cultural mundial.
O segundo grupo é formado por filmes que são adaptações cinematográficas de romances ou peças da literatura brasileira
(neste grupo também podem ser incluídos CARAMURU - A INVENÇÃO DO BRASIL e GUERRA DE CANUDOS):
O NOME DA ROSA, baseado no romance de Umberto Eco, é uma viagem imaginária à Idade Média europeia e o poder da Igreja
Católica no período. O filme aborda a questão da ciência como caminho que leva à verdade e ao saber, com um caráter filosófico,
quase metafísico, e a religião como o caminho da irracionalidade e do obscuro. Retrata um ambiente no qual as contradições e
oposições, justificam as ações humanas. O confronto entre os franciscanos e os representantes da Inquisição, coloca em discussão
a questão do Bem e do Mal. É também uma crítica do poder e do esvaziamento dos valores pela demagogia, violências sexuais, a
luta contra a mistificação e o poder. Uma obra que no começo parece meio cansativa, mas com o desenrolar, percebe-se que é
riquíssima em detalhes.
No filme A HORA DA ESTRELA é possível identificar nas imagens uma escolha pelas modificações em relação à obra de Clarice
Lispector, no entanto permanece aquilo que se pode denominar a alma da narrativa da ficção. É importante o aluno identificar que
no filme, como no romance, se vê reflexões acerca da existência humana e, nelas, o pensar sobre a morte e o morrer, ou seja, a
utilização de análise psicológica mais aprofundada dos personagens (uma das principais características dos autores da terceira fase
modernista no Brasil - posteriores aos romances regionalistas), bem como uma discussão sobre as problemáticas da cultura, da
ética, da literatura e da vida e muito mais.
O AUTO DA COMPADECIDA, filme que é uma versão de uma minissérie feita para a TV, é uma das grandes comédias já feitas no
cinema nacional e que agrada a todos que o assistem. A obra, como no original, retoma elementos do teatro popular, contidos nos
autos medievais de Gil Vicente, e da literatura de cordel para exaltar os humildes e satirizar os poderosos e os religiosos que se
preocupam apenas com questões materiais. Levanta mais uma vez a discussão entre o Bem e o Mal, com criticas aos conceitos de
religião e de pecado, entre as pessoas irem para o céu e para o inferno por causa dos seus atos. O elemento religioso, a fixação da
cultura popular, a presença do anti-herói e a linguagem simples bem articulada nas falas das personagens, são elementos que
merecem um olhar atento por parte dos alunos.
Na película MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS percebe-se que pequenas adaptações foram feitas do livro para o filme, sem,
porém, qualquer perda para o ritmo da história. O estudante deve observar no filme a fidelidade ao humor, ironia, leveza e
também à liberdade do texto machadiano, a sua maneira pouco enfática de dizer as coisas, o tom quase prosaico, mas de extrema
elegância que é encontrado no romance. Exemplo disso é o uso do termo espectador em vez de leitor, já que Brás Cuba faz seu
relato de forma pessoal, como se conversasse com o leitor/espectador.
As especificidades do roteiro, das cenas, a visão do diretor ou as semelhanças e diferenças entre o romance e a adaptação
cinematográfica são completamente ignorados pelas provas da UPE. É difícil acreditar que esses filmes venham a ser abordados
enquanto obras cinematográficas. Todos eles parecem ser oferecidos como uma alternativa ao estudante que por algum motivo
não leu o romance que deu origem ao filme. Dito isso, quem já leu, por exemplo, Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado
de Assis, ou A hora da estrela, de Clarice Lispector, certamente pode dispensar suas respectivas adaptações. Isso porque, como já
dissemos, nesses casos, o vestibular da UPE não aborda o filme nas suas especificidades cinematográficas, mas, simplesmente,
espera que o aluno, ainda que de uma forma facilitada, conheça a história que deu origem ao filme, isto é, o romance.
O terceiro grupo é formado por filmes que põem em evidência o valor da literatura e da cultura:
SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS é uma obra que evidencia a cultura de valores ao apresentar o quanto o papel do educador
impacta a vida dos seus alunos e que em suas mãos está a tarefa de formar cidadãos responsáveis por seus atos, críticos, mas
3. também criativos e sonhadores, e de preparar os jovens para um mundo em constante transformação, ajudando-os a quebrar
paradigmas. A película leva os estudantes a refletirem também sobre a sociedade e o sistema de ensino atual que ainda apresenta
muitas semelhanças com a sociedade e a escola tradicionalista do filme: os valores sociais, o método de ensino com fórmulas já
prontas, o direcionamento do estudo voltado a formar os alunos para entrarem em faculdades de primeira linha, além do
conservadorismo das famílias, onde os pais ainda, por muitas vezes, impõem as suas escolhas profissionais para os filhos. Ou seja,
apresenta, através de uma relação entre educador e estudantes de fins da década de 1950, as contradições das sociedades
“modernas e democráticas” da atualidade.
Encantadora obra de Woody Allen, MEIA NOITE EM PARIS é um filme divertidíssimo que, como o anterior, põe em evidência o
valor da literatura e da cultura. De maneira belíssima a película se propõe a debater sobre arte: como ela instala-se em nosso
mundo, as atitudes admirativas das pessoas diante de uma obra, e abrange o conceito de obra-prima, que é aquilo produzido com
perfeição dentro de padrões estabelecidos em diferentes épocas, colocando abaixo a visão preconceituosa de que apenas a arte de
antigamente é uma obra-prima e que as de hoje são nomeadas dessa forma por conter resquícios dos padrões antigos. Mais uma
vez a comparação entre o “antigo” e o “atual”.
Ambos os filmes, SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS e MEIA NOITE EM PARIS, cada um ao seu modo, pretendem mostrar a
capacidade transformadora e a dimensão prazerosa e criativa da literatura. É interessante que os estudantes percebam que os
personagens desses filmes vivem rodeados por livros, autores e ideias; o que redimensiona suas vidas e as fazem mais divertidas,
criativas ou reflexivas.
Material elaborado por:
Professora Fátima Seabra – Profa. de História e Diretora Pedagógica – Colégio Ideia
Professor Eduardo França – Prof. de Literatura – Colégio Ideia