Síndrome da indisciplina e da violência aprendidas
1. Síndrome da Indisciplina e da Violência
Aprendidas 1
1 Fev, 2017
Da desconsideração e da falta de respeito à violência o caminho não é longo nem demorado. Em
Portugal, foi percorrido num ápice. Da política educativa à prática pedagógica, não esquecendo o
fulcral nível da gestão escolar, é vastíssimo o grupo daqueles que, generosamente, têm
contribuído para a celeridade deste vergonhoso retrocesso civilizacional.
Ao longo da última década, salvo raras exceções (muito pontuais), o poder político, direta e
indiretamente, ora por razões economicistas, ora por razões ideológicas (ou ambas), não se limitou
a desconsiderar os professores, desrespeitou-os reiteradamente e apontou-lhes,
publicamente, o dedo da culpa pelo insucesso escolar. Do amplo leque, destaco algumas
evidências: a constante degradação da carreira (congelamentos e conversão de escalões); a
crescente precariedade laboral (nos vínculos, nas contratações…); a efetiva redução salarial; as
sucessivas alterações das normas de avaliação e dos conteúdos programáticos (frequentemente
no decorrer do ano letivo, sem ouvir os professores ou contra a sua opinião); o real aumento do
horário semanal de trabalho (quer na escola quer em casa); a progressiva instrumentalização dos
professores; a pérfida confusão entre atividades letivas e não letivas; a inibidora carga burocrática;
as constantes, circunstanciadas e individualizadas justificações que é preciso fornecer (quer por
motivos disciplinares quer na atribuição de níveis negativos); as frequentes e venenosas
declarações sobre a necessidade de melhorar a formação dos professores (especialmente
corrosivas quando feitas a propósito de resultados dos alunos). É um autêntico arraial de
chicotadas que vergam, descredibilizam e desautorizam publicamente os professores,
estimulando assim o recrudescer das más vontades, das desconfianças, das
desobediências… do desrespeito. E quando tudo se consubstancia na barbárie contra docentes…
só o granítico silêncio da tutela responde aos professores e à comunidade.
Duplamente entalados (entre Ministério da Educação e professores; entre professores e
encarregados de educação) os diretores escolares (salvo raras e louváveis exceções) encostam-
se invariavelmente ao lado mais forte: falam fininho para cima e grosso para baixo; dizem
“não”, por defeito, para dentro e “sim”, por feitio, para fora. Comprometidos, superiormente,
com determinadas metas e taxas; comprometidos com certos enlatados pedagógicos que
subscreveram (por crença e/ou a troco de reforço de meios), estão normalmente dispostos a fazer
o necessário para que os resultados numéricos beijem os objetivos subscritos: impõem as suas
ideiasem todos os órgãos e grupos disciplinares (incluindo as práticas pedagógicas), desvalorizam,
ignoram ou vetam o pensamento divergente. Face à crescente falta de empenho e de respeito
dos alunos e ao progressivo aumento da pressão dos encarregados de educação, não
hesitam (na maior parte dos casos) em fazer ceder os ex-colegas, seja em questões
disciplinares, seja no domínio da avaliação. Para a comunidade, passa a ideia (não descabida)
de que os professores são os elos mais fracos, que ninguém os defende e que muito boa gente
está mesmo disposta a expô-los à desautorização e à humilhação. Aos docentes, este contexto
provoca intimidação, medo e… silêncios, que não são completamente injustificados. Na verdade,
quando um dedo acusador entra na escola e aponta um professor, o visado, normalmente, fica só.
Na verdade, quando um troglodita qualquer invade o espaço escolar para esbofetear e pontapear
um professor diante dos seus alunos, o que se segue, muitas vezes, é o desfazer das verdadeiras
solidariedades geradas, o estigmatizar das vozes inconformadas que apelam à reação, a apologia
do sofrimento abafado, o esconjuro da má fama que a divulgação de tais atos, alegadamente,
2. acarreta… uma discreta participação, um cinzento e mui pachorrento processo disciplinar e…
toneladas de silêncio em decomposição.
No fundo da cadeia alimentar está aquele que deveria ser uma sólida referência para os alunos e
o braço direito dos encarregados de educação. Isolado, entalado por todos (frequentemente pelos
próprios alunos), reage da forma mais inadequada: teme, aceita, cala, age frequentemente
contra os seus princípios e ideias, e vai deixando cair, um atrás do outro, quase todos os
baluartes do respeito (dentro e fora da sala de aula), muitos baluartes da exigência académica,
muitos baluartes da consciência, do orgulho e do amor-próprio. Só isso justifica que o número de
participações e de sanções disciplinares não seja verdadeiramente aterrador. Os professores
estão em modo de sobrevivência, mas a ruir por dentro, o que é terrivelmente preocupante,
esmagador, visto que todos nós ensinamos muito mais o que somos do que o que sabemos.
É neste estranho campo que os alunos medram e aprendem a ser. Sem as devidas e benéficas
cumplicidades entre os adultos, sem firmes referências de postura e de autoridade, sem claros e
bem definidos limites, sem rigorosa exigência, sem verdadeiras consequências… alimentam a
boçalidade, o despropósito, a desconsideração, o desrespeito, o sentimento de impunidade, a falta
de ambição… E vão criando os seus próprios códigos de conduta, as suas próprias (i)moralidades,
as suas próprias intransigências, as suas autolegitimadas insubordinações… Nesta seara
negligenciada (que, dizem, prepara para a vida), é muito natural que o joio vença o trigo, que
a indisciplina, a violência e mesmo a criminalidade se normalizem e se vão tornando
progressivamente banais.
Esta espiral involutiva só poderá conhecer reversão quando as REFERÊNCIASse libertarem
do medo e decidirem, efetivamente, ocupar o lugar que é seu POR DIREITO E POR DEVER.
Luís Costa
BLOG Comregras 01.02.2017