1. O documento discute a crise da dívida soberana na União Europeia e como o BCE pode ajudar a resolver a crise através de intervenções que aumentem a liquidez e confiança no sistema.
2. Miguel Cadilhe critica as medidas de austeridade em Portugal por serem pró-cíclicas, mas reconhece que são necessárias para cumprir o acordo com a Troika.
3. Cadilhe acredita que cortes estruturais nos gastos públicos são necessários em Portugal, mais do que aumentos de impostos.
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Miguel Cadilhe “Os pecados de hoje são quase
os mesmos apontados por Salazar em 1929-31”
Por Isabel Tavares, publicado em 15 Out 2011 - 03:00 | Actualizado há 1 dia 16 horas
Alberto João Jardim devia demitir-se. “Uma demissão digna”. Buracos e derrapagens
são imperdoáveis
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O ex-ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, fala do Orçamento do Estado para 2012 e da longa
“soneca” do Banco de Portugal. Critica a justiça nacional, que parece premiar a irresponsabilidade e
elogia o discurso de Cavaco Silva sobre a crise da zona euro, culpando todos e não apenas os “estados
financeiramente indisciplinados”. Diz que, finalmente, Durão Barroso deu um passo em frente para
formar uma União mais coesa e explica por que só o Banco Central Europeu pode salvar a Europa no
imediato. É por aí que começa.
A crise da dívida soberana continua a alastrar. Itália, Espanha e até França. A União
Europeia é capaz de gerir esta situação?
Vai ser capaz. Em particular, a Zona Euro (ZE) tem de sair por cima desta crise e o que tem de ser tem
muita força, ainda que por vezes a força venha tarde demais.
Há dinheiro para apoiar todos?
O problema não se põe tanto assim. Põe-se mais, isso sim, no tempo e no modo de intervir. Numa
grave crise de confiança e liquidez como a presente, é o BCE quem tem força, razões e instrumentos
para realizar uma intervenção que convença crentes e cépticos, mas não o tem feito.
Ainda agora, nas despedidas, o presidente Trichet pareceu preocupar-se com a inflação acima dos 2%
quando a economia da ZE anda como anda, frouxa, sem ameaçar ser persistentemente inflacionária,
muito longe disso, e a chamada inflação subjacente é o que é, está muito abaixo dos tais 2%. Aliás, um
pouco mais de inflação com juros baixos até poderia ajudar a atenuar o peso das dívidas públicas e
privadas.
Que mais pode fazer o BCE?
O BCE tem de ser o principal protagonista, em defesa da estabilidade financeira e não só da
estabilidade dos preços. O BCE deveria evidenciar uma inequívoca vontade de apoiar a liquidez do
sistema em crise, sem que o mercado percepcione limitações de tempo e de quantidade. Isto sem
prejuízo, pelo contrário, da boa execução de rigorosos programas de ajustamento e estabilização nos
países mais desequilibrados.
O redactores da influente revista “Economist”, no número de 17 de Setembro, analisam, concluem e
recomendam preto no branco, e eu subscrevo, que o BCE é a única entidade europeia, das existentes,
capaz de atacar a crise da ZE depressa e bem.
Qual o papel da Comissão Europeia?
A Comissão Europeia está estatutariamente fora de combate. Falo dos combates mais imediatos,
urgentes e decisivos nesta seriíssima crise da ZE, porque para agir com novos conceitos, que serão
úteis, a Comissão precisa de se alongar em muitas negociações e aguardar deliberações de governos e
parlamentos. Na agudeza da circunstância, resta-lhe pressionar e sensibilizar, pouco mais.
E numa visão menos imediata?
Já numa visão mais estruturante das coisas, aí sim, tem a Comissão de preparar e assumir iniciativas
a nível quer dos países quer da Europa. É a diferença entre o curtíssimo prazo mais ao alcance do BCE
e o longo prazo mais ao alcance da Comissão. Nestes últimos dias, finalmente, Durão Barroso deu um
importante passo de afirmação estratégica no Parlamento Europeu, esperemos que a Comissão seja
consequente e seja respeitada por todos os países da ZE.
Como viu o discurso do Presidente da República sobre a crise da zona euro?
Achei muito bem todo o discurso de Cavaco Silva em Florença.
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A Alemanha está a ser demasiado severa, esqueceu os custos da reunificação e, antes
disso, da guerra?
Severa, não diria. Talvez esteja um pouco estranha, talvez como alguns têm observado lhe comece a
faltar um pouco da luz que só a história consente, muitos dos actuais líderes alemães nasceram depois
da II GG... Mas, entendamo-nos, quem errou reiteradamente e indisciplinou as finanças, como nós
fizemos, não pode agora esperar muita solidariedade financeira. Nem fica bem erguer presunções e
fantasmas da história, porque isso seria misturar temas e buscar evasivas, seria tentar aliviar
responsabilidades, quando os males e as causas são nossos, como é evidente.
Como olha para esta “ditadura dos credores externos”, como lhe chamou?
Inevitável, porque nós devedores não tivemos juízo, ainda que os credores também não tivessem
agido com todo o dever de prudência quando era preciso. Houve temeridade em ambos os lados, mas
o grau é diferente, é sempre muito mais grave do lado do devedor, sobretudo quando se trata de
devedores, como o Estado, que têm a obrigação de saber o que estão a fazer.
O que falta à União Europeia?
Credibilidade. Em particular na ZE.
O modelo económico-financeiro actual é sustentável?
Em Portugal não é sustentável. Provam-no os nossos défices externo e público, que são persistentes.
Entretanto, tudo está em reajustamento e renovação, seja por vias endógenas, que a crise
implacavelmente induz, digamos que vai ser uma auto-regeneração, seja por vias exógenas, que as
políticas estruturais discricionariamente hão-de provocar.
As medidas de austeridade devem ser definitivas ou temporárias?
Falando das medidas de austeridade, há algumas delas que têm de ser estruturais no sentido de que é
austeridade para permanecer, como, suponho, a diminuição dos salários nominais pagos pelo Estado
em 2011.
Portugal poderá estar fora de perigo em 2013?
Não, nem pensar.
Quando poderá Portugal respirar de alívio?
Ninguém sabe. Vai levar anos. E o alívio como lhe chama será uma nova tendência que terá de partir
de novas condições estruturais, de que se destacará, infelizmente, um novo patamar de nível médio de
vida das famílias sensivelmente abaixo do de 2010. Gradualmente, consistentemente, não há que ter
ilusões.
A troika foi longe de mais nas exigências à banca?
Talvez sim. O maior problema da banca é de liquidez, que não permite dar tempo ao tempo. A banca
também precisa de correcções estruturais que terão de ser realizadas pelos banqueiros e pelos
supervisores, mas o mais premente de tudo é a questão da liquidez e da confiança interbancária.
Mas há outros entraves ao relançamento da economia?
Outro entrave é a política orçamental de austeridade, que está sendo pró-cíclica o que é uma anomalia
que não tem alternativa. Outro é a conjuntura externa que é depressiva. Outro é a desconfiança e o
medo.
Existe espaço para uma política orçamental anticíclica?
Em Portugal, não, infelizmente não. Porque a má condição financeira ganhou um mando
praticamente absoluto, por uns tempos. Estamos demasiado acima das médias europeias dos rácios
do défice público/PIB e da dívida pública/PIB, isso casado com um deplorável desempenho do PIB
efectivo, teimosamente abaixo ou muito abaixo da média europeia, e um fraquinho PIB potencial. Um
casamento que assusta os credores da economia portuguesa.
Em geral, a meu ver, podemos e devemos conciliar sempre boa saúde financeira do Estado com
politicas anticíclicas activas, digo activas para além portanto dos estabilizadores automáticos. E digo
políticas regradamente activas. Politicas que, se necessário, possam ajudar o crescimento e o
emprego, nas fases más do ciclo, e que moderem a expansão, nas fases boas. Sou defensor disso.
Mas estamos demasiado condicionados...
Porém, na situação em que estamos, a disciplina financeira é-nos imposta de fora pelos credores,
desgraçadamente demos-lhes azo a isso. Agora que precisávamos, estão-nos vedadas políticas activas
anti-depressão. Pior, temos as lógicas invertidas, temos de ter e aguentar políticas pró-cíclicas,
contraccionistas em plena contracção.
Sempre disse que há bons e maus défices públicos, avisei imensas vezes. Mas nós caímos em péssimos
défices públicos, pior ainda, parcialmente ocultos. Estou chocado por essas mentiras ou ocultações
das nossas finanças públicas, a todos os níveis, que do passado têm vindo à tona em 2011.
A concentração do actual governo no imediato está a tirar-lhe perspectiva?
Não me parece que seja assim. Não vejo uma obsessão pelo imediato, vejo realismo, competência e
uma honesta preocupação pelo futuro. É claro que há as prioridades impostas pelo programa de
ajustamento acordado com a troika, é vital que se cumpram. Os tempos são o que são, as medidas de
austeridade são uma fatalidade não uma fixação.
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Como vê o Orçamento de Estado 2012?
Sobre o OE 2012 que ainda estamos a vislumbrar, achei que esteve muito bem esta última
comunicação de Passos Coelho. As notícias eram muito más, mas o primeiro-ministro falou verdade e
avançou com medidas impopulares que parecem relativamente eficazes, concorde-se ou não com elas,
ou com a distribuição dos sacrifícios, domínio este em que tenho algumas dúvidas.
Em que é que o OE não pode falhar?
Por mim, desejo que o OE traga uma nova política orçamental, traga um novo caminho que seja de
cortes da despesa muito mais do que de sobrecargas de impostos. Até agora, em 2011, no crucial lado
da despesa, o governo parece que se tem limitado a executar o OE herdado dos antecessores. E para
2012 apresenta mais cortes temporários nos vencimentos e nas pensões, por exemplo, mas
precisamos de ver cortes estruturais decorrentes da reconceituação de regimes e das reestruturações e
encerramentos de serviços.
Todavia, bem vê, podemos discutir a composição das políticas e o doseamento das medidas, não
devemos porém pôr em causa as metas e os objectivos acordados com a troika. Talvez possamos mais
adiante, graças a bons resultados, renegociar um outro gradualismo do ajustamento. Por ora, seria
prematuro, ainda não demos provas cabais.
TSU, aumento das taxas de IVA, IRS, IRC, aumento do horário de trabalho… São
medidas avulsas ou consequentes?
Concordaria com a descida da TSU se e só se fosse exclusivamente para exportadores e equiparáveis.
Isso esbarraria em regras básicas da UE, mas o facto é que Portugal está em situação aflitiva, a nossa
diplomacia haveria que tentar o impossível, para isso é que ela existe. Defendi isto no Forum para a
Competitividade, antes do programa da troika, mas o Forum não acolheu nas suas propostas a
discriminação da TSU a favor de exportadores.
Horas de trabalho...
Quanto à medida de mais horas de trabalho com o mesmo salário, ou seja, menor salário por hora, ela
poderá melhorar a competitividade-custo numa economia que esteja em pleno-emprego. Não é
obviamente o nosso caso, e a medida pode mesmo evitar a criação de emprego. Como medida
facultativa para as empresas e obrigatória para os trabalhadores, ela poderá beneficiar sobretudo as
empresas que estejam a produzir no limite da capacidade, especialmente muitas pme e muitas
exportadoras. As empresas que estejam a produzir abaixo da capacidade, e serão a grande maioria,
não precisarão de usar a medida.
E o aumento de impostos?
Quanto a mais aumentos da já pesadíssima carga fiscal, estou desolado que se vá por aí, sou contra.
Defendo, porém, como é sabido, mas isso é outra história, um imposto extraordinário, a lançar de
uma só vez sobre a riqueza líquida de passivos de pessoas singulares e colectivas, corrigido da dupla
tributação, aplicável acima de razoáveis isenções de base, e cuja receita iria directamente à
amortização da dívida pública, não iria alimentar as despesas do OE.
Fiz essa proposta em Abril passado, muito a contragosto porque vai ao arrepio da minha normal visão
das coisas, mas fui sensível a razões de justa distribuição dos sacrifícios (presentemente está a ser
injusta, tenhamos consciência disso) e a razões de eficácia e convencimento na redução do rácio da
dívida pública. Por coincidência, a seguir apareceram aquelas posições de algumas das pessoas mais
ricas do mundo, W. Buffett e outros.
Se estivesse no governo que medidas adoptaria?
Nas Finanças, francamente e em geral, acho que não seria capaz de fazer melhor do que o ministro
Vítor Gaspar vem fazendo e certamente irá fazendo.
Por exemplo, como ele, procuraria cumprir religiosamente o programa de ajustamento e o acordo da
troika. Faria ponto de honra no corte das despesas públicas primárias e fixaria como meta orçamental
um “excedente primário” de uns 4% do PIB, um garrote para valer por vários anos, sei que seria
violento. Evitaria alindar o OE com medidas não recorrentes e ilusórias, como essa coisa dos fundos
de pensões da banca, ou similares, algumas já fizeram serventia a diversos ministros das Finanças,
sempre achei mal. Adoptaria políticas sistemáticas de redução de custos das empresas. Tentaria
negociar com a UE um programa para 5 a 10 anos, do tipo PCEDED da 2.ª metade dos anos 80, agora
readaptado ao contexto da ZE. Tentaria congregar os parceiros sociais em acordos de concertação.
Amortizaria antecipadamente parte da dívida pública por consignação das receitas de todas as
privatizações e do mencionado imposto extraordinário sobre patrimónios. Recriaria o GAFEEP no
MF, gabinete de análise do financiamento do Estado e das empresas públicas...
Que foi extinto...
O GAFEEP revelou-se um utilíssimo instrumento de disciplina financeira. Criei-o nos anos 80 e
nomeei Carlos Tavares como seu primeiro presidente, ele tornou o GAFEEP respeitado, escutado e
consequente, contudo o gabinete foi depois extinto, talvez por isso mesmo, por ser incómodo...
Ainda não se vêem cortes na despesa...
Sim, concordo e estou muito preocupado com isso. Mas vamos ver em breve o que o OE 2012 nos traz
nesse campo da despesa, para além do que o primeiro-ministro já disse ao País. Entretanto, há a
execução em curso do OE 2011 vindo do governo anterior, com alguma dose de austeridade na
despesa.
Onde se pode cortar?
Cumprir o acordo da troika, como se vem fazendo, mas ir bastante mais fundo, até às raízes do
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despesismo e efectuar cortes estruturais (no sentido que lhe dei acima) nos regimes e nos conceitos
das funções do Estado. Se nos últimos seis anos tivessem acolhido algumas das propostas que fiz em
2005, no livro “Sobrepeso do Estado em Portugal”, hoje estaríamos bem melhor e sem estas aflições
da dívida soberana.
Vivemos uma crise económica e de valores. O Estado tem sido “pessoa” de bem?
Há anos que deixou de ser pessoa de bem. Por exemplo, não presta boas contas, mente, esconde
despesas, derrapa nos orçamentos, atrasa-se a pagar aos fornecedores correntes; administra mal a
justiça; convive com fenómenos de nepotismo, corrupção, economia informal... Faço com mágoa este
retrato em tons carregados. E no particular domínio das finanças públicas, estando nós na UE e na
ZE, confesso que nunca imaginei poder ser enganado por dados oficiais sobre a real dimensão do
nosso défice público, como temos vindo a constatar graças ao trabalho da troika e do actual Governo.
Quais têm sido os principais pecados das entidades públicas?
Quase os mesmos pecados que Salazar apontava em 1929-31. Ele dizia que a vida administrativa do
País era uma “mentira colossal”. Era a “mentira das previsões”, ou seja o orçamento, e era a “mentira
das contas”, ou seja a execução das despesas... Era o abuso do “crédito para pagar despesas
correntes”... Era a tentação de “furtar as despesas a uma fiscalização rigorosa”. Era o despesismo, a
“nossa prodigalidade”, o “nosso prazer de gastar”, as “nossas aspirações desmedidas”... Era a falta de
qualidade das instituições, a “forte pressão dos nossos defeitos administrativos”, a “nossa desordem
administrativa”...
Palavras de há oitenta anos que fantasmagoricamente hoje quase ressuscitam, humilham a
democracia e envergonham os órgãos de soberania, todos. Curiosamente, citei-as em 1984 numa
conferência que fiz, veja-se a ironia da vida, na Madeira, a respeito do estado das nossas finanças
públicas, estava o País a sofrer a 2.ª intervenção do FMI, estava eu longe de me supor na função de
ministro das Finanças o que haveria de ocorrer um ano depois, no governo Cavaco Silva.
As entidades reguladoras, nomeadamente o Banco de Portugal e CMVM têm estado à
altura dos desafios colocados?
Durante anos a fio, a supervisão do BdP foi permissiva e desatenta. Foi incompetente. O actual
governador está, e bem, a corrigir erros, negligências, omissões. A CMVM situa-se noutro campo, com
outros meios e outros alcances, penso que tem progredido bem.
Alguns deputados exigiram a devolução do dinheiro que recebeu enquanto esteve à
frente do BPN. Como ficou esse “processo”?
Isso não tinha cabimento nenhum. Nem sequer houve processo algum, a atoarda como nasceu logo
morreu. Esses deputados, aliás muito poucos, não sabiam do que estavam a falar, foi uma tristeza vê-
los na baixeza das presunções, foi uma irresponsabilidade, que de pronto a presidente Maria de Belém
Roseira fez corrigir com firmeza e dignidade. Esses deputados pretenderam fragilizar as coisas, não o
conseguiram, antes de se virarem para os gravíssimos casos danosos, talvez dolosos, que a minha
equipa corajosamente tinha posto a descoberto e vinham do passado, da responsabilidade de pessoas
notoriamente conhecidas.
Recebeu o dinheiro legitimamente...
Quanto ao meu dinheiro, vamos lá ver se falo disto pela última vez. Os factos são estes. Não fui eu
quem pediu para ir para o BPN, foram os maiores accionistas quem insistiu durante meses para que
eu aceitasse a famigerada incumbência. E foram eles quem aprovou a questão do dinheiro, cujas
condições se referiam a dois momentos. Antes de ser nomeado, pagaram-me de uma só vez tudo
aquilo que eu ia perder, nem mais nem menos, sendo essa perda imposta por regulamento do BCP
absolutamente incompatível com funções no BPN, portanto soma algébrica nula para mim. Depois de
ser nomeado, pagaram-me remunerações mensais iguais à média dos bancos cotados, nem mais nem
menos, sendo que o BPN se prefigurava como um objecto de trabalho muito mais espinhoso, sem
desprimor para os bancos cotados...
Foi um processo claro?
Tudo foi claro, documentado e dentro da lei. Tudo foi submetido a impostos. Tudo se situou nos
antípodas dos actos furtivos ou evasivos que, para nosso espanto, haveríamos de detectar cometidos
por administrações anteriores à nossa chegada.
Poderão vir a ocorrer mais casos como o do BPN e o do BPP?
Creio que não. Mas, enfim, a longa soneca do supervisor no BdP pode ter propiciado muita coisa.
O Millennium continua a ser um dos maiores bancos privados, mas vale hoje muito menos que há
quatro anos. Podia ser diferente?
Bom, o facto é que propus uma equipa para o conselho de administração do BCP na assembleia geral
de inícios de 2008, mas não fomos eleitos. Tivemos um excelente acolhimento da parte dos pequenos
accionistas, havia porém um acordo de bastidores entre os maiores accionistas e os poderes públicos.
Seguramente, o nosso caminho para o BCP teria sido outro, se melhor se pior não sei, e há que
reconhecer que na generalidade todos os bancos têm estado a perder valor em bolsa.
Disse em tribunal que a sentença no processo do BdP contra ex-administradores e BCP
foi desproporcionada em relação aos factos. Porquê?
Disse que o BdP é que foi desproporcionado. Entre outras coisas, disse que ele não cumpriu o basilar
dever do recato, que está na primeiríssima linha dos padrões de comportamento de um banco central
que se preze. Disse que ele flagelou elementares deveres de consideração e respeito ao menosprezar
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uma brilhante história que é a do BCP no nosso sistema bancário. Disse que ele provocou
publicamente uma crise reputacional no BCP, ora isso é o pior que pode acontecer a um banco. Disse
que os factos têm várias leituras e não me pareceu inquestionável a leitura do BdP. Disse que, em
geral, a supervisão do BdP havia falhado estrondosamente.
E afirmou que existem situações análogas noutras instituições. Como devem ser
tratadas?
Devem ser tratadas pelo BdP com recato, proporcionalidade e efectividade. Mas acho que não falei
propriamente de situações análogas, o que admiti, acho de memória, foi que pudessem existir outras
situações, como por exemplo as relacionadas com a denominada “operação furacão” que, não sei
porquê, não se move como furacão, nem, que eu visse, veio o BdP a terreiro bradar cobras e lagartos
contra operações bancárias que surpreendentemente haviam sido congeminadas e montadas por
bancos para gerar ganhos fiscais aos clientes em discutível licitude. Atenção, não veio o BdP a terreiro,
e fez bem, neste caso teve estado recatado e suponho que actuante. Mal fez o governador do BdP
quando veio à praça pública no citado caso BCP, em fins de 2007, causando alarido social e
condenando pessoas antes mesmo de haver processo.
Como vê a actuação de Vítor Constâncio à frente do BdP e a sua passagem para a vice-
presidência do BCE?
Mal. Ele é um bom economista, mas falhou nas duas principais frentes da sua responsabilidade no
BdP, a supervisão bancária e a vigilância macroeconómica. Entretanto, aprendeu com os próprios
erros. E deve estar muito agradecido, Portugal foi magnânimo, encaminhou-o para o BCE.
Vítor Constâncio devia ser responsabilizado pelo que se passou no sistema bancário nacional?
A República tem esse ‘bom’ hábito de não pôr a justiça a responsabilizar os seus altos dignitários. Por
vezes, a República até os premeia.
A CGD devia ser privatizada?
Sempre defendi a CGD pública, tal como nasceu, ela não nasceu de uma nacionalização. Todavia,
agora o País está como está. O Estado tem de vender património para pagar dívidas. A receita não
deve ir ao orçamento, não deve alimentar despesismo, reitero, deve ir directa e exclusivamente à
amortização da dívida pública.
Ainda sobre a banca. O rácio de transformação da banca nacional é de 150%. Como olha
para este número?
Tudo depende da qualidade dos créditos concedidos. Quando, porém, o chão estremece debaixo dos
pés, a crise se instala, a economia não cresce, estagna, decresce, um tal rácio pode revelar-se
temerário, mesmo perigoso.
Defendia para Portugal um ministro (ou ministra) das Finanças de mão férrea. É o que
temos?
Sim. Mas Gaspar tem duas mãos. Vai ter de conciliar uma mão férrea que aperta e uma mão justa que
semeia, faz crescer e redistribui. Uma conciliação quase divina.
O Estado tem demasiado peso na economia?
Sim. Esse é um dos nossos maiores males estruturais. Analiso isso no meu livro de 2005, que já citei.
Faz sentido vender activos numa altura de crise? Porquê?
Sim, desde que seja para pagar dívidas excessivas e evitar insolvências, como é o caso da nossa dívida
pública. O preço não é o melhor? Pois bem, o óptimo é inimigo do bom, em tempo de guerra não se
limpam armas, temos de salvar a honra da casa.
Qual a sua expectativa para 2012?
Entre nós, a casa continuará a ser arrumada. Gastar-se-á muito menos. A procura total continuará a
contrair-se, com a procura interna a puxar para baixo e a procura externa a puxar para cima, esta
longe de compensar aquela. O PIB cairá ainda mais e o emprego sofrerá ainda mais. Os
estabilizadores automáticos acentuar-se-ão, provocando naturalmente menos receita fiscal e mais
despesa social, desajudando assim a meta de redução do défice público, mas esta terá de ser
cumprida . O défice externo poderá melhorar graças sobretudo à quebra das importações arrastada
pela quebra da procura.
Sobre o novo buraco aberto pelas contas da Madeira, AJJ devia demitir-se?
Sim. Uma demissão digna. Ele sabe muito bem o que isso é, e saberá como fazê-lo fora dos teatros,
dos trombones e das provocações que lhe conhecemos, de que ele tanto gosta, mas que agora ficam
mal, mais do que nunca.
Caso não se demita, não deviam tirá-lo de lá?
Reitero, a República tem esse ‘bom’ hábito de não pôr a justiça a responsabilizar os seus altos
dignitários.
Acredita que serão encontrados mais buracos, se não nas regiões autónomas nas
empresas nacionais, públicas e privadas?
Já não digo nada... A República tem esse ‘bom’ hábito de fazer e esconder buracos e derrapagens
orçamentais. Gasta o que não tem, depois não paga ou pede emprestado. O ‘bom’ hábito foi pela
troika desnudado e condenado em 2011, espera-se que esteja de facto completamente nu e não haja
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mais surpresas. Na fotografia tirada pela troika ficam todos mal, os políticos autores dos buracos e
derrapagens, os seus burocratas chefes, as instituições vigilantes, de registo e de controlo como o INE,
o Tribunal de Contas, o BdP, a PGR, o MF, a AR, etc.
O governo está a lidar bem com estas situações?
Sim. A troika também. Os buracos e as derrapagens são imperdoáveis. Dei-lhes luta sem tréguas
quando estive nas Finanças. Nos anos 1986, 87, 88, 89, fechei sempre o ano com um saldo executado
melhor do que o orçamentado, e procurei na composição subjacente impor disciplina nos diversos
sectores da despesa. Rui Carp era o meu secretário de Estado do Orçamento. Foram, talvez, os
melhores anos da democracia no que toca à intensidade do saneamento financeiro dos sectores
públicos administrativo e empresarial. Não sou, claro que não sou, o melhor juiz nesta matéria, em
qualquer caso deixei disso um registo no livro que publiquei em 1990, logo após sair das Finanças. O
registo está bem actual...
Para que serve o Tribunal de Contas e de que têm servido os seus alertas?
A República tem o ‘bom’ hábito de não ouvir o Tribunal de Contas, este tem o ‘bom’ hábito de não se
fazer ouvir. Digo ouvir e fazer-se ouvir com a substância, a oportunidade, a sonoridade e a
subsequência que a gravidade das situações muitas vezes requer. E falo muito especialmente dos
ouvidos do Parlamento, da Procuradoria da República e da comunicação social.
O que faz falta ao País?
A par da troika, ou depois dela, faltará que a gente acredite de novo, sem extravagâncias nem
facilitismos. Faltará um Estado forte, contido, regrado, competente. Faltará qualidade das
instituições, começando pela justiça. Faltarão mais exportadores e mais competitividade. Faltará
investimento. Faltará discriminar mais a favor do mérito, do trabalho e da produtividade. Faltará
responsabilizar os responsáveis, mais, muito mais. Faltará banir corrupções. Faltarão politicas
estruturais, reformas estruturais, correcção estrutural do défice externo e do desemprego. Faltarão
políticas de redução dos custos. Faltará reduzir a economia informal... etc. Faltará, enfim, curar e
libertar o PIB potencial que tem estado gravemente doente.
Vale a pena olhar para trás para aprender a lição? Quais foram os erros capitais?
Houve muitos erros, alguns deles impressionantes. Não me conforta nada, mas alertei em vários
momentos para todos eles, por vezes fui incompreendido e mesmo mal visto. O tempo talvez me tenha
dado alguma razão. O que para mim podia ser um erro capital, estruturante ou desestruturante, para
outros não o era.
Um exemplo?
Por exemplo, a meu ver, logo nos inícios dos anos 90, o ‘erro’ do escudo precoce, como lhe chamei, foi
a adesão a uma moeda única demasiado forte para a nossa estrutura produtiva, e a perda da política
monetária incluindo a política cambial... Ou nas décadas de 90 e 2000, o ‘erro’ das péssimas
afectações de recursos, visíveis em grandes despesas, como Expo 98, submarinos, estádios de futebol,
densidade de auto-estradas... Ou o ‘erro’ da subalternização dos chamados “transaccionáveis”, sobre
que mostrei perplexidade, também no início dos anos 90, perante o abandono do PCEDED, um
programa que me foi muito caro... Ou o ‘erro’ da falsa equidade, e além disso falsa sustentabilidade,
que constituiu o anti-princípio “utilizador-pagador”... Ou o ‘erro’ da imparável escalada das despesas
de funcionamento do Estado, são as “despesas correntes primárias”, eram 28% do PIB no meu tempo
das Finanças, estavam nos 42% ou mais em 2010... Ou o ‘erro’ da correlativa escalada da carga fiscal
e, pior, do denominado esforço fiscal... Ou o ‘erro’ da perda de competitividade por força de uma das
piores evoluções dos salários reais acima da produtividade, em comparação com os países da UE... Ou
o ‘erro’ da demolição, não reconstrutiva, do nosso sector primário tradicional, agricultura e pescas...
Ou o ‘erro’ do repetidíssimo protelamento das re reformas estruturais do Estado...
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Comentários
by j.o. (não verificado) | 16 Outubro, 2011 - 08:57
Excelente. Não esperaria outra coisa do melhor ministro das finanças pós 25 de Abril.
by Anonymous (não verificado) | 16 Outubro, 2011 - 02:56
Fogo...mas ninguém prende este homem? É preciso ter lata...
by Antonio Ribatejo | 15 Outubro, 2011 - 21:59
Dr. Miguel Cadilhe, falar é fácil, barato e normalmente não custa dinheiro. Admiro a lata em que arranjam culpados,
colocando o "rabinho de fora". Lembro-lhe apenas que TODOS estamos a pagar o PPR que V.Exa. sacou (10
milhões ?!?) por ter estado 6 meses no BPN. Sabe quem está a pagar esses 10 milhões, as mais valias de uma
determinada família algarvia, o retiro cabo-verdiano de um seu companheiro de lides? Esta é a pergunta para 5000
milhões de dólares que o erário vai pagar com sangue, fome, suor, e muitas lágrimas.
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