Pedro Ferrer - Metodologia para o treino de guarda-redes.
1. Metodologia para o treino de guarda-redes
Autor: Pedro Ferrer
Fotos: Marítimo da Madeira Futebol SAD
2. Evolução do método na sessão de treino do guarda-redes de futebol
Actualmente o futebol sofreu uma grande evolução, desenrola-se a uma velocidade e precisão de elevada intensidade e qualidade. Emocionalmente também sofreu grande evolução, sendo os seus intervenientes, alvo de críticas constantes. Hoje em dia esse aspecto é bastante importante, sendo que grande parte dos clubes já dispõem de psicólogo de forma a tentar controlar a acelerada actividade cognitiva, mental que se produzem no jogo e assim poder optimizar os processos perceptivos e decisionais para que depois, tanto os jogadores de campo como os guarda-redes, saibam executar na situação específica de jogo.
Para fazê-lo bem, no momento certo, são precisos diversos recursos técnicos, valorizados não em quantidade mas sim em qualidade, é dizer, se estão perfeitamente ajustados ao contexto ou situação.
Para eleger correctamente essa técnica e executá-la dentro de um espaço e tempo adequado, deve ser ensinada de modo que os seus intervenientes utilizem-na sabendo o porquê e para quê de forma a entenderem o contexto em que está inserida.
Na maioria das situações de um jogo o guarda-redes deve perceber o que está acontecendo no seu campo de visão próximo e periférico, para decidir a melhor solução e executá-la com êxito. Quanto mais inteligente seja o comportamento de jogo mais alto será o rendimento do guarda-redes no âmbito táctico.
Desenvolver a inteligência táctica, saber ler o jogo significa que o guarda-redes sabe dirigir a sua percepção a todas as possibilidades de jogo que existem no seu contexto de participação ou acção imediata. Para isso devemos ensinar que o movimento corporal é um aspecto de grande importância para entender o gesto técnico e claro, servirá para interpretar melhor a nível táctico a situação de jogo que se irá seguir posteriormente.. Perceber a intenção táctica significa que o guarda-redes aprendeu a pensar colectivamente. A referência é a imagem que tem representada a nível mental e que permite ao guarda-redes decidir e executar com precisão.
Em relação à comunicação e em definitivo as relações que se estabelecem entre colegas de equipa é necessário que as situações de treino facilitem todas as respostas possíveis aos problemas que sejam descobertos no jogo, que permitam a sua mais rápida interpretação quando os estímulos treinados apareçam ou se dêem em competição.
O guarda-redes deve dispor no seu banco de memória corporal, imagens e experiências treinadas, para poder decidir a tempo, além de ser tecnicamente hábil, rápido na leitura táctica e execução da acção, tem que saber quando, porquê e como deve executar.
Para melhorar os objectivos e conteúdos técnico-tácticos nas sessões de treino, devemos estabelecer uma progressão que utilize de base uma metodologia global como fundamento, sem renunciar à metodologia analítica como um complemento ideal.
A minha conclusão é que o comportamento de jogo do guarda-redes é global, dado que tanto os factores técnico, tácticos, físicos bem como psicológicos aparecem com características diferentes mas sempre de forma integrada e por tanto, também têm de ser treinados e, situações globais.
Esta é uma progressão que vai desde as situações mais simplificadas que podemos desenhar (método analítico), passando por um estado intermédio de situações um pouco mais complexas que as anteriores (método misto), até chegar a situações de jogo que são muito parecidas à realidade das acções que se encontram em competição (método global).
Para programar as sessões de treino, o ponto de referência deve ser a competição ou uma situação de jogo desenhada especificamente para avaliar um determinado conteúdo. O treinador tem de observar e avaliar o nível de jogo mostrado pelo guarda-redes que está em observação diferenciando os aspectos técnicos, tácticos, físicos e psicológicos.
Para poder realizar esta avaliação, o treinador tem de realizar um controlo de competição no qual fique registado o nível de jogo apresentado pelo guarda-redes.
Uma vez realizada essa observação, aquela acção que se manifeste de forma incorrecta durante o jogo, é extraída para ser trabalhada durante o treino de forma individual ou com os restantes guarda-redes.
3. SITUAÇÕES SEM TOMADA DE DECISÃO
SITUAÇÕES COM OU SEM TOMADA DE DECISÃO
SITUAÇÕES PRÓXIMAS A REALIDADE DO JOGO Coordenação Pliometria Propriocepção Velocidade específica (Velocidade de reacção) Distribuição (Jogo de pés) Com presença ou não de colegas ou adversários Fora ou dentro do contexto de jogo pode-se marcar como objectivos de uma melhora física-técnica com muita automatização do gesto técnico Situações mais próximas a realidade de jogo As situações são apresentadas sabendo a resposta ou de uma forma imprevisível A presença de condicionantes tácticas, colegas e adversários Desenvolvimento progressivo da capacidade de percepção, da análise da situação reduzindo o tempo de decisão e execução para uma melhor resposta Situações de jogo Desenvolvimento da comunicação, colaboração entre o guarda-redes e os colegas Presença de colegas e adversários em situações reais de jogo Ajuda a relacionar o conhecimento do jogo com a tomada de decisão Consolidação das capacidades técnico- tácticas em condições competitivas Demonstra que a eficácia do guarda-redes depende , além das suas capacidades, também da dos seus colegas
METODOLOGIA ANALÍTICA
METODOLOGIA MISTA
METODOLOGIA GLOBAL
METODOLOGIA ANALÍTICA
Estes exercícios desenvolvem-se durante as sessões de treino do guarda-redes como automatização do gesto técnico específico, melhora de carências físico-técnicas ou apenas física, velocidade específica de reacção, prevenção de lesões, distribuições com os pés ou mãos que no futebol actual é um aspecto cada vez mais importante. Trata-se de uma actividade realizada com ou sem bola no qual pode haver ou não oposição e que gera
de forma mais simples o aspecto de jogo que se pretende melhorar.
Temos que tentar trabalhar dentro de um contexto de jogo onde a visão periférica, a posição corporal, as relações do portador da bola e a continuidade do jogo nas suas duas fases não devem ser esquecidas mas sim trabalhadas constantemente.
Este tipo de exercícios corresponde claramente como um complemento ideal e muito efectivo quando o método global não é suficiente para conseguir a evolução pretendida.
4. Coordenação: A coordenação motora é o conjunto harmonioso de movimentos, mais ou menos instintivos relacionados com o desenvolvimento físico. A coordenação supõe integridade e maturação do sistema nervoso.
Este tipo de coordenação pode ser subdivido em coordenação dinâmica global ou geral, viso-manual ou fina e visual.
A coordenação dinâmica global ou geral envolve movimentos gerais com todo o corpo (cabeça, ombros, braços, pernas, pés, tornozelos, etc.), fazendo com que vários grupos musculares actuem ao mesmo tempo para executar movimentos voluntários complexos.
Ex: O guarda-redes começa por fazer skipping frontal no arcos, skipping lateral nos bastões, de novo skipping frontal nos arcos, e lateral nos bastões. Nrº 1 defende um remate rasteiro e nrº 2 faz uma saída em velocidade apanhando a bola.
Pliometria: Tem como base principal o alongamento e encurtamento muscular, é um método de treinamento criado para desenvolver e aprimorar a capacidade máxima de exercer energia num ato de explosão.
O treinamento pliométrico consiste em exercícios que envolvam a contração excêntrica seguidas da contração concêntrica explosiva os quais também requerem o controle total na execução do movimento.
São exercícios que recrutam maior número de fibras musculares em um curto período de tempo, o qual não somente contribui para aumentar a força muscular, a potência muscular, assim como a tonificação, músculos mais flexíveis além de promover a capacidade de resposta do sistema neuromuscular.
Ex: O guarda-redes estará em cima da caixa. Ao sinal irá deixar-se cair até ao chão e em seguida salta lateralmente para cima da caixa seguinte. No nrº 1 e nrº 2 defende dois remates em lados opostos.
Propriocepção: É o termo que descreve a percepção do próprio corpo, e inclui a consciência da postura, do movimento, das partes do corpo e das mudanças no equilíbrio, além de englobar as sensações de movimento e de posição articular.
Os proprioceptores são receptores encontrados mais internamente na musculatura, aponeuroses, tendões, ligamentos e articulações, apresentando função reflexa locomotora e postural. Podem produzir impulsos conscientes ou inconscientes.
Os primeiros alcançam o córtex cerebral possibilitando, mesmo que de olhos fechados, se tenha percepção do próprio corpo e movimentos articulares, sendo este, então, responsável pelo sentido de posição e movimento (cinestesia).
Ex: O guarda-redes estará em cima da caixa. Ao sinal deixa-se cair aterrando apenas com um pé no BOSU e em seguida vai desviar uma sequência de 4 a 6 bolas.
5. METODOLOGIA MISTA
Se o treinador de guarda-redes não pode contar com a participação de jogadores para realizar os diferentes exercícios com diferentes objectivos a trabalhar com os diferentes conceitos de situações de jogo, passamos a trabalhar esses diferentes aspectos e objectivos de jogo apenas com a participação dos restantes guarda-redes e treinador de guarda-redes.
São situações de jogo que tentamos trabalhar de forma mais simples para que depois os guarda-redes possam melhorar em competição.
Esses mesmos exercícios são possíveis de realizar de forma reiterada e específica, mediante esquemas tácticos, boa explicação dos mesmos e repetição de situações com ou sem oposição, o objectivo a desenvolver e as possíveis variantes a partir da primeira situação apresentada.
Cada situação que apresentamos tem que ser ensinada de forma a que as diferentes situações e respectiva evolução seja entendida, relacionando o conhecimento das opções do portador da bola com os seus colegas e a oposição que realizam os adversários em cada situação. O gesto técnico-táctico interiorizado correctamente, fornece sensações positivas da representação corporal que permite actuar de memória e com a estimulação necessária conseguimos associá-la a uma resposta neuro-motora eficaz.
Procuramos uma participação total e constante do guarda-redes durante todo o jogo, em situações de posse de bola do adversário ou da própria equipa.
Ex: Exercício misto.
Neste exercício imaginemos que o treinador é adversário e portador da bola. Ao sinal irá fazer condução de bola e terá três ou mais opções para definir o tipo de jogada que irá fazer. Poderá conduzir a bola e rematar a baliza, conduzir a bola e fazer um passe para o pé do colega 1 ou então fazer um passe para o espaço. Com o colega 2 acontece o mesmo. O guarda-redes terá como opções permanecer em posição e defender o remate, atacar a bola em situação de 1x1.
Ex: Exercício misto.
O guarda-redes começa por fazer uma reposição (passe curto) para o colega 1 e logo em seguida irá fazer os posicionamentos correctos de acordo com o posicionamento da bola. Depois do colega 1 receber o passe irá passar a bola para o treinador com este a fazer um remate a baliza ou criando uma situação de 1x1 com o guarda-redes. Caso o guarda-redes nos dois casos ganhe a posse de bola irá fazer uma reposição com a mão (rasteiro ou alto), para o colega 2.
6. SITUAÇÕES A TER EM CONTA PELO GUARDA-REDES EM JOGO
A colocação e posição do guarda-redes assim como a posição corporal depende de: Leitura das opções de jogo Mudança de espaço e a visão periférica (opções no espaço de jogo) O jogador com a bola O jogador com a bola e a sua posição corporal O jogador com a bola e os seus colegas de equipa O jogador com a bola e os restantes adversários O jogador com a bola e o espaço de jogo O jogo e as suas possibilidades
A colocação do guarda-redes e a posição corporal de acordo com cada situação determinam todos estes factores e opções de jogo que tem o portador da bola perto da área.
METODOLOGIA GLOBAL
A metodologia global é baseada nas teorias de aprendizagem cognitiva e os métodos activos. A característica principal foca-se em apresentar uma situação de jogo na qual intervém os seus elementos (bola, colegas e adversários). Desde o primeiro momento deve-se dotar o jogador com o máximo número de vivências e experiências diferentes, desde o próprio jogo, para interpretar e adaptar as suas respostas continuamente.
Os exercícios construídos têm que procurar objectivos técnico-tácticos, desde uma análise da competição e claro procurando respostas correctas a situações reais de jogo.
Tentamos desenvolver ao máximo a tomada de decisão, depois de perceber as modificações das situações de jogo, o guarda-redes faz uma análise, leitura táctica de decide como vai actuar.
Realizará a técnica segundo a sua leitura táctica dessa situação. A melhor maneira de optimizar a tomada de decisões sobre o jogo é através do conhecimento e o treino das situações que se encontram no mesmo.
Para qualquer aprendizagem pode-se aplicar a ideia que uma coisa é a teoria e outra bem diferente é a prática. De vital importância é a forma de ensinar os exercícios. Os objectivos têm que estar muito bem explicados pelo treinador e bem compreendidos pelos guarda-redes e jogadores implicados no exercício. O diálogo é muito importante e também a explicação contínua por parte do treinador, argumentando-lhes em todo o momento as distintas situações e opções fazendo-lhes pensar continuamente em cada situação táctica.
A aprendizagem e a compreensão do jogo consegue-se mediante sessões práticas, teóricas e a competição, sendo de grande ajuda a utilização de imagens das
sessões de treino como também de competição.
Entendo e aconselho que para o treino de guarda-redes, as simulações de jogo devem-se apresentar em progressão, evoluindo e modificando a dificuldade dos exercícios em função dos objectivos técnico-tácticos que se apresentam. O desenho de exercícios constitui a secção mais importante para conseguir um adequado processo de ensino/aprendizagem. Se um treinador é capaz de desenhar exercícios adequados, provocará a aprendizagem desejada.
Os exercícios serão os elementos fundamentais que o treinador tem para transmitir as suas ideais ao guarda- redes. No momento de desenhar uma sessão de treino, a seleção de exercícios constitui o primeiro problema/desafio que o treinador de guarda-redes deve solucionar.
7. SIMILARIDADE ESTRUTURAL DOS EXERCÍCIOS DE TREINO
É mais fácil uma transferência positiva entre o treino das situações reais de jogo com tomada de decisão e a competição, quando os exercícios apresentados são estruturalmente similares aos que o guarda-redes vai encontrar em competição.
SIMILARIDADE PERCEBIDA
O guarda-redes tem que ter bem claro que a prática destes exercícios tem essa similaridade com a competição, que perceba e entenda o conteúdo dos exercícios e a parecença com o jogo.
SIMILARIDADE DOS OBJECTIVOS E O PROCESSAMENTO EXIGIDO
Os exercícios decisionais que são propostos têm que exigir um esforço cognitivo similar ao que é exigido no jogo. Devemos activar os processos perceptivos cognitivos necessários.
2011/12, 2012/13 Treinador de guarda-redes do Clube Sport
Marítimo e responsável pela metodologia aplicada nos escalões
de formação. 2013/14 Treinador de guarda-redes Clube Sport Marítimo,
Marítimo da Madeira Futebol SAD e responsável pela
metodologia aplicada nos escalões de formação. 2014/15 Treinador de guarda-redes do Clube Sport Marítimo
escalões de formação.