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II Encontro “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional”



                                Escravos e libertos no Paraná
                                                                    Lúcia Helena Oliveira Silva1




        Pretendemos nesta comunicação refletir sobre a presença de escravos africanos,
afro-brasileiros e seus descendentes na província paranaense em especial no período
depois que foi decretada a extinção da escravidão, a lei Áurea em 1888. Nosso intuito é
investigar as relações entre população liberta com a livre no período imediatamente
posterior ao término da escravidão para ver como se constituía a liberdade.


        A historiografia a respeito da escravidão no Paraná apontou uma participação
menos intensa de escravos na região do que em outras partes do Brasil. Em parte, tal
assertiva baseou-se no fato do Paraná estar fora do eixo das economias agro-
exportadoras de grande porte como a região Nordeste ou extrativas como Minas Gerais.
Neste sentido, houve uma interpretação onde se minimizou o trabalho escravo feito na
província confirmada em trabalhos como de Romário Martins (1995), Wilson
Martins(1975) e Ruy Wachowicz (1967).
        Contudo, a economia paranaense embora não rivalizasse com os grandes ciclos
usou a mão-de-obra escrava. Segundo Carlos R. A.Lima, a economia colonial
paranaense cresceu baseada na ocupação do solo, na valorização de atividades
econômicas e no uso sistemático da mão-de-obra escrava. A produção realizada
abastecia de forma cada vez mais crescente o mercado interno e transpôs as fronteiras
da região do Prata (Lima, 2001, p.36).
        As atividades econômicas mais significativas que envolveram o escravo foram a
produção do mate e o tropeirismo. O tropeirismo iniciou-se ainda no século XVIII e
seguiu por todo o XIX com algumas interrupções devido à exploração da prata. Durante
o século XVIII (1780), os escravos africanos foram introduzidos em inúmeras


1
 Docente do departamento de História da Universidade Estadual de Londrina., doutora em História
Social do Trabalho pela Unicamp.


                                                                                                  1
atividades onde trabalhavam ao lado de pessoas livres. O primeiro levantamento da
população neste mesmo ano contabilizava 12.349 brancos e de 5.336 negros e mulatos
(Martins, 1995).
       O tropeirismo surgiu inicialmente a partir da criação e comercialização de gado
nos campos de Curitiba vendidos em São Paulo. Com o interesse voltado para a região
de Sacramento houve a abertura de um novo caminho que saia de São Paulo e ia ao Rio
Grande do Sul (Campos de Viamão). Em São Paulo o destino eram as feiras de
Sorocaba que finalizavam o longo caminho da pecuária e a intensa movimentação de
tropas que foi de 1750 a 1897 quando se extinguiram as feiras de Sorocaba. Muitas
áreas que estavam no caminho se beneficiaram da movimentação tornando-se
entrepostos de tropas como foi o caso da cidade de Castro.
       Já a cultura do mate ocorreu nas primeiras décadas do século XIX e necessitou
de maior concentração de mão-de-obra. A produção representou a intensificação de
comércio com a região da bacia do Prata. Segundo Carlos Lima o mate, devido aos seus
lucros, mobilizou muito daqueles que se dedicavam até então, às atividades de
subsistência levando a produção em escala de exportação. Segundo o autor durante o
período de 1842 a 1861, mais 96% da produção paranaense foi comercializada com o
exterior, principalmente com a Argentina, Uruguai e Chile. (Lima ,2001, p. 43).
       Mas nem todos concordam que o mate e o tropeirismo reunissem
significativamente escravos. Segundo Enezila de Lima a maior parte dos escravos havia
sido vendida para regiões auríferas(Lima, 1982, p?). De qualquer modo, não há como
negar que o mate foi uma das atividades mais duradouras durante o período colonial.
Plantado no planalto curitibano ele era levado para engenhos nas cidades litorâneas
como Morretes, Antonina e Paranaguá, esta última usada como porto de escoamento.
Toda essa movimentação trouxe o fortalecimento de núcleos urbanos indicavam onde
os escravos se faziam presentes.
       É possível que com a identidade econômica mais fortalecida se processasse
maior atração para a o Paraná pois em 1858, cinco anos após a emancipação política e
criação da província, a composição da população havia crescido com brancos eram
60.380 brancos, 8.493 negros e 507 mulatos livres que indicam um aumento da
população mestiça.
       Em 1872, a composição da população havia novamente se alterado com aumento
no número de brancos que somavam 116.162. Já os negros e mulatos totalizavam
10.560 e indicava um crescimento mais lento em relação aos números de 1858 (Martins,


                                                                                    2
1995). Uma das causas possíveis seria o tráfico interno após a segunda metade do
século XIX que passou a abastecer Rio de Janeiro e São Paulo que expandiam a cultura
de café.
          Em conseqüência da organização econômica podemos concluir que áreas
agrícolas acabaram por reunir mais escravos que demais. Os portos também eram
lugares de presença braços africanos situação confirmadas por Cecília Westphalen que
estudou Paranaguá. Segundo a autora, o porto de Paranaguá atraia uma população de
composição diversa de outros lugares onde no século XVIII. Enquanto os escravos
africanos eram em um número inferior o número de brancos em outras partes do Paraná,
em Paranaguá de um total de 3193 pessoas 1414 eram escravos ou seja quase 50% da
população.(Westphalen, 1969). Em suas análises ela concluiu que os plantéis de
escravos eram pequenos e que o uso da mão-de-obra escrava se estendia aos trabalhos
rurais e urbanos.
          A economia é um fator preponderante para explicar a presença ou não de
escravos no Paraná uma vez que eles eram pensados como mão-de-obra nas principais
atividades comerciais. Porém aconteceram outras influências como a proibição
definitiva do tráfico em 1850, resultado das discussões no Parlamento brasileiro e
inglês. O final do tráfico legal levou a um rearranjo da população escrava do Paraná e
do resto do país, além de representar a primeira ação no processo de desagregação na
estrutura escravista (Rocha, 2205, cap 1).
          Sem poder conta com novos braços vindos da África foi necessário buscar mão-
de-obra compulsória dentro do próprio país o que elevou o preço do escravo e criou um
processo de migração de escravos vindos de várias províncias, inclusive do Paraná para
áreas carentes de braços e economicamente mais desenvolvidas. Tal situação
representou desarranjos na organização sócio-econômica de várias localidades e
representou mudanças radicais na vida dos escravos que estavam há muito, radicados
em algumas regiões onde haviam construído laços e relações ali onde moravam. Por
vezes, a venda e a mudança não eram aceitas e tornaram-se motivo de revolta como a
que aconteceu na fazenda Capão Alto de propriedade dos Carmelitas na região de
Castroi
          Pouco se sabe como foi a vida dos escravos que moraram no Paraná. Os dados
permitem-nos saber dos números mas pouco sabemos das relações e dos processos de
resistência e acomodação que nela aconteceu na província. Coube a Eduardo Spiller
Pena um dos primeiros estudos a partir da ótica da história social, sobre a escravidão


                                                                                    3
paranaense, em especial na cidade de Curitiba. Nele o autor buscou recuperar padrões
de sociabilidade entre os escravos a recuperação dos aspectos cotidianos da escravidão
bem como revelar as tentativas dos escravos obter brechas frente à lei e aos senhores
(Pena,1999). Traçando similaridades com outros estudos dedicados à história social da
escravidão, Spiller apontou a lei do Ventre Livre de 1871 como importante marco para
a obtenção da alforria, pois reconhecia o pecúlio, dinheiro poupado para a compra da
liberdade e, instituía as figuras jurídicas para a tramitação da compra da alforriaii


       Vida depois da escravidão
       O período que se seguiu a Lei Áurea (1.888), somou uma grande expectativa por
parte dos emancipados tornados libertos por esta lei ou, mesmo antes dela. A derrocada
da escravidão, foi apenas uma das etapas do longo processo para obter o tratamento e
direitos igualitários de cidadão para os negros. No Paraná junto a essa expectativa havia
a contínua entrada de imigrantes europeus. Eles desenvolveram principalmente a
policultura e mais tarde a criação de gado. Essas atividades eram desenvolvidas no
âmbito familiar e se somaram à economia voltada para o abastecimento do mercado
interno. Visto assim, a incorporação dos libertos poderia ser mais difícil.
       Não possuímos dados sobre o Paraná mas em outros estados como Santa
Catarina e Rio Grande do Sul a presença negra na zona rural está fortemente associada
aos remanescentes de quilombos ou de propriedades herdadas por ex-senhoresiii.
Recentemente, a entregado título de propriedade da terra a quatro grupos de
remanescentes de quilombos e o pronunciamento do processo de reconhecimento de
mais 8 grupos trazendo novos dados sobre a presença negra no estadoiv.
        Se nas regiões de grande predomínio de população escrava, pouco se sabe sobre
a vida dos ex-cativos, essa dificuldade é maior em lugares onde os escravos tiveram
uma participação menos eqüitativa como na região sul. Ruben G. Oliven ao estudar os
negros no estado do Rio Grande do Sul aponta invisibilidade do índio e do negro nos
estudos dedicados às contribuições econômico-culturais do estado, ainda que várias
atividades econômicas tenham sido feitas exclusivamente por escravos, como as
charqueadas (Oliven, 1996, p. 21). Para o autor, trata-se de uma invisibilidade social e
simbólica que foi influenciada pelas ideologias raciais no momento de formação da
identidade nacional e de formação da república.
       Nesta mesma perspectiva, nosso trabalho, apontou a mesma invisibilidade nos
estudos centrados em um estado que concentrou o 3º maior grupo de escravos na


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segunda metade do século XIX e, que portanto, tinha muito negros em sua população
por ocasião da Abolição, o estado de São Paulo. Ali verificamos que os negros tiveram
sua população matizada em meio à entrada de 3 milhões de imigrantes europeus e,
encontraram grandes dificuldades de serem incorporados no mercado de trabalho. Os
periódicos de época estavam permeados das mesmas ideologias raciais perpetuaram os
estereótipos negativos remanescentes da escravidão que desqualificavam os negros da
condição de trabalhador preferencial e quase único por tantos séculos. (Silva, 2001, p.
15).
       Em um outro estado da região sul Santa Catarina, Ilka B. Leite verificou que as
memórias históricas constroem-no como espaço predominantemente imigrante e,
portanto branco. Assim como o Paraná, em Santa Catarina aconteceram atividades que
não estavam ligadas diretamente ao circuito agro-exportador. Ainda assim a ocupação
da ilha se deu com a produção de açúcar, mandioca, criação de gado e indústria
extrativa como caça de baleia e beneficiamento dos produtos como óleo de baleia, carne
e curtume do couro, atividades que eram feitas pelos escravos. Leite indica que uma
leitura atenta ao relato de viajantes como Saint Hilaire indicava que mesmo os
lavradores pobres recorriam ao braço escravo (Leite, 1996, p. 46).
       No Paraná a vida dos libertos apresentou a mesma invisibilidade presente na
história do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A vinda de imigrantes à região parece
ser incompatível com a presença de escravos e quase não há registros diretos sobre as
vidas de libertos e seus descendentes. Como de praxe, as informações sobre os negros
podem ser encontradas na contraleitura de documentos oficiais: queixas encaminhadas à
polícia contra eles, posturas municipais ou na documentação dos órgãos do Poder
judiciário envolvidos na condição de réu, testemunha ou vítima. Embora nos processos
imperem os filtros da linguagem jurídica e o registro da fala indireta dos réus e
testemunhas através do escrivão, foi possível perceber evidências de conflitos diretos e
dissimulados, as relações dos envolvidos com o contexto social imediato, o olhar
jurídico sobre os réus, assim como as alianças tecidas entre os vários segmentos da
sociedade.
       Foi a partir de um recurso de uma ação que pudemos encontrar alguns Gabriel,
Maria, Vicência, João Pinheiro e Luzia todos libertos e saber um pouco de suas vidas
agora como pessoas livres. A ação datava do mês de outubro de ano de 1889, portanto
um pouco mais de um ano da Abolição e se constituía em uma apelação ao Juizado de



                                                                                      5
Curitiba onde se pedia a reconsideração de sentença, uma vez que ela não havia sido
aceita pelo Juízo da cidade onde havia sido iniciada .
       Os autores da ação eram Sebastião Pereira de Almeida e sua mulher Rosa
Ferreira dos Santosv Eles pediam que fossem revertidas disposições testamentárias do
falecido Mariano Cardoso ex-marido de Rosa em cujo testamento ele deixado seus bens
que totalizavam 2 contos e quinhentos réis para seus ex-escravos Gabriel, Maria,
Vicência, João Pinheiro e Luzia de Oliveira uma quantia razoável para época.
       Rosa e seu atual marido questionavam na justiça a falta de cumprimento da
disposição testamentária e requeria a anulação do testamento e a retomada para si dos
bens doados. A doação revelava que houvera uma relação estreita entre o antigo senhor
e aquele grupo de escravos, forte suficiente para que ele legasse seus bens, um gesto
pouco usual.
       Era bem possível que o gesto não fosse aceito pela esposa que tentava reaver os
bens que não descritos. No entanto, a estratégia da viúva não se opunha oficialmente à
vontade de seu finado marido. Rosa buscava mostrar que os herdeiros não haviam
procedido corretamente o que pode ser nas afirmações onde dizia que


       Porque depois do falecimento do testador os referidos ex-escravos legatários
retiraram-se da companhia da suplicante para não lhe prestarem serviço algum depois
de causar grande incômodos e prejuízosvi.


       Ora, pelas suas alegações Rosa queria que os ex-escravos permanecessem
servindo-na como forma de gratidão pela herança. Talvez essa condição até fosse o
desejo do senhor mas com a extinção da escravidão, não era mais possível exigir tal
comportamento. A liberdade para muitos que haviam vivido o cativeiro era sobretudo, o
direito de ir e vir, de estar onde quisesse o que confrontava com o desejo dos libertos.
Uma das queixas da viúva era que os escravos não haviam ficado com ela para servi-la.
De fato, Maria, Gabriel e sua mulher Vicência haviam se mudado para Rio Negro
enquanto José Pinheiro e Luzia moravam no termo do Iguassu em São José dos Pinhais.
Nenhum deles quis permanecer em Palmeira.
       A mudança para outro lugar ainda que próximo não era uma atitude qualquer.
Muitas vezes, os libertos buscavam viver sua nova condição e refazer suas relações em
outros lugares onde não eram conhecidos, o que nem sempre implicava em uma grande



                                                                                      6
distância física (SILVA, 2001, cap. 2). Era na realidade, o que afirmou Maria Cristina
Wissenbach
       Ao se por em trânsito, após a experiência do trabalho compulsório, de margens
mínimas de autonomia e de lazer e da impossibilidade de manifestações culturais
diretas , os trabalhadores negros, aderindo ao lençol da economia de subsistência,
puderam concretizar alguns de seus valores relativos à liberdade (Wissenbach, 1998, p.
60).
       .
       Além disso, as migrações internas foram um dos fatores que caracterizaram o
período entre o final do século XIX e início do XX , além de ser uma prática comum
entre os libertos segundo Eric Foner (Foner, 1988, cap.1). Porém, ao contrário de
muitos libertos que saíam de pequenas cidades e migravam para grandes centros, o
grupo de ex-escravos não fora longe. Possivelmente os bens herdados pesassem na
decisão. Estavam longe o suficiente para vigiar os bens que eram casinhas e longe o
suficiente para fugir de qualquer ingerência senhorial. Além disso a mudança
possibilitava criar novas relações e romper com as antigas feitas no tempo do cativeiro.
Hebe Castro aos estudar os significados da liberdade no Sudeste escravista observou
que os novos comportamentos dos libertos frustrava os antigos senhores, sobretudo os
mais conservadores. Após as festas e até coroamento dos antigos senhores e enterro da
palmatória os fazendeiros esperavam contar o sentimento de gratidão o que nem sempre
aconteceu. Atraso no pagamento, condições de trabalho diferenciadas eram entendidas
por boa parte da classe senhorial como “despreparo do escravo para liberdade”( Castro,
1998,p. 259).
       No tramitar da ação os libertos são citados para comparecerem junto aos autores
diante do juiz. Apenas Vicência compareceu e não houve conciliação. Percebendo que a
necessidade de oficializarem uma melhor defesa no caso Maria e os demais libertos réus
buscaram um advogado para constituir defesa contratando os advogados Pedro Augusto
de Souza e Rafael Aguiar, além de chamarem várias testemunhas.
       Em nova audiência eles fizeram questão reafirmar sua condição, afirmando que
a ex-senhora buscava reescravizá-los, condição a qual eles na se submeteriam. Além
disso, os libertos davam a entender que Mariano Cardoso, o benfeitor havia deixado a
herança de caso pensado, queria agradecê-los pelos seus bens e desconfiava de traição
por parte de sua mulher justificativa que se somava à condição de liberdade que eles
gozavam. Vemos que a participação na vida privada do senhor dava acesso a situações


                                                                                      7
íntimas que ainda que não fossem verídicas demonstravam que aquelas pessoas haviam
participado da vida de finado senhor. Outra questão relaciona-se aos fatos relatados, que
davam a entender que a herança poderia ser motivo de vingança por tal desconfiança ou
ainda um misto das duas condições; vingança e gratidão aos escravos.
         Nos autos algumas permanências eram visíveis dos tempos de cativeiro. Os ex-
escravos eram chamados o tempo todo com o prenome de ex-escravos uma manutenção
conferia uma distinção ligada a sua condição anterior a liberdade. Entre aquele grupo
dois apresentavam sobrenome José Pinheiro e Luzia de Oliveira. De onde vinham os
sobre nomes? Eles não haviam adotado o mesmo sobrenome do senhor que era
Cardoso? Haveria conflito?

         Em Memórias do cativeiro de Hebe Castro e Ana Lugão Rios em um
depoimentos vê-se que o uso do sobrenome estava ligada a uma relação estreita com o
senhor

         Os sinhôs do lado do pai eram todos muito bons! O sobrenome deles é
Mendes... a minha mãe também tem o sobrenome Mendes. Porque os escravos tinham o
sobrenome dos sinhôs. O pai da minha mãe chamava Inácio Mendes, então todos lá
eram Mendes. Usavam o sobrenome do senhor.(Mattos e Rios, 2005, p. 91.)

         O depoimento aponta que a boa relação entre senhores e escravos poderia ser
um canal para a permissão do uso do sobrenome do senhor. Nem todos porém puderam
ou quiseram adotar o mesmo procedimento. Em um país onde grande parte das pessoas
não era alfabetizada a oralidade substituía os documentos. Mesmo depois do surgimento
do registro civil em 1891, não houve um uso sistemático do registro de pessoas,
situação que ainda hoje tem recorrência por todo os país.

         É interessante observar que cada um deles adotara um sobrenome diferente. A
regra da adoção do nome do pai e da mãe poderia ter sido utilizada mas também seria
possível que eles houvessem simplesmente escolhido os sobrenomes. O sobrenome
dava um sentido de igualdade, de equiparação aos demais cidadãos. Talvez adotar um
sobrenome fosse um das estratégias para ressignificar a liberdade. Qual sobrenome e
porque adotar eram questões que obedeciam a razões pessoais de cada ex-escravos e
afro-descendentes. Assim como alguns emprestaram os sobrenome s de ex-senhores
outros adotaram as identidades de seus grupos como Congo, Benguela entre outros.




                                                                                       8
No auto uma das questões de maior contestação era o fato dos libertos se
mudarem da casa de seu antigo senhor. Para a ex-senhora, aquele ato os desabonava
como herdeiros e ela era entendido como uma recusa das obrigações que eles deviam
pela herança. Era claro também o desejo de disciplinarização daquele grupo ou talvez
da antiga condição. Aos libertos parecia ser a mudança um dos aspectos cruciais para a
concretização de sua autonomia, uma recusa de submeter aquele processo de
disciplinarização impunha condições à vida de pessoas livres, condições que não
estavam estabelecidas na herança.

           O cerceamento á liberdade dos novos cidadãos era constantemente questionado
em nome de uma liberdade que “os disciplinasse”.Ações neste sentido tornaram-se
comuns não só nas relações cotidianas mas também fizeram parte das políticas públicas
que buscava afastara população pobre dos centros urbanos e das benfeitorias
arquitetônicas presentes nos núcleos urbanos. Assim vemos que a rebeldia dos libertos
não era portanto uma simples recusa mas o exercício de um direito duramente
conquistado.

           A recente emancipação não os impedia de lutar pelos seus direitos nas formas
da lei. Assim buscar um advogado era estar em condição paritária à antiga senhora na
luta para assegurar os bens que lhe haviam sido legado. Outra importante estratégia era
a o conhecimento das relações pessoais que ali eram usadas para demonstrar a
legitimidade dos bens herdados. Pode ser que o finado tivesse feito aquele testamento
para propositalmente despontar sua esposa. Talvez essa situação fosse apenas hipotética
o que nunca saberemos. Interessa-no aqui perceber que como em outros lugares os
libertos procuraram na medida do possível, reelaborar suas vidas buscando concretizar
projetos que por vezes eram opostos ao das elites ou de senhores que esperavam o
comportamento igual ao do tempo da escravidão.

           O final da ação após quase um ano, sem a sentença permite-nos concluir que
ela havia sido bastante contestada por ambas as partes e que pelos últimos despachos, a
decisão parecia ser favorável aos herdeiros, isto é, é bem provável que eles mantido a
herança.

       Ainda que fosse uma situação bastante incomum, Maria e seus colegas de
cativeiro indicavam que buscavam seguir seus projetos de vida autônoma. A disposição
de não abrir mão do que haviam ganho e, de não sujeitar-se à interpretação de



                                                                                     9
obrigação que a viúva de seu benfeitor exigia, demonstra que em meio a condições
    desfavoráveis como as que se seguiram após a Abolição, não iriam deixar de lutar e era
    defender o lhe teria sido dado, condição que possivelmente lhes minorasse o tratamento
    desigual e as ausência de condições para uma vida digna.




i  A fazenda Capão Alto era de propriedade da Ordem dos Carmelitas Calçados e possuía uma extensa
propriedade onde viviam perto de 300 escravos. Este grupo é vendido mas não aceitava mudar de dono e
realizam uma revolta onde um padre é assassinado. Os revoltosos são reprimidos e acabam por serem
levados para São Paulo para trabalhar na cultura de café
ii
   Sobre esse assunto podemos verificar o trabalho de Joseli Nunes Mendonça Entre a mão e os anéis: a lei
dos sexagenários e os caminhos da Abolição No Brasil. Campinas-SP: Ed. da Unicamp- Cecult, 1999.

iiiPara mais informações sobre os negros em Santa Catarina e Rio Grande do Sul a respeito do assunto ver
o livro de Ilka Boaventura Leite(org.) Negros no sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Santa
Catarina : letras Contemporâneas, 1996.
iv
   Estas informações foram obtidas no Fórum Estadual Educação e Diversidade Étnico-racial ocorrido em
julho de 2005 em Curitiba.
v
   Arquivo Público do Paraná, cx 117, processo 2436, folha 1.
vi Arquivo Público do Paraná, cx 117, 2436, folha 2 e verso.




Bibliografia
FONER, Eric, Nada além da liberdade. RJ: Paz e Terra , 1988.
LEITE, Ilka Boaventura (org.) Negros no sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade.
Santa Catarina : letras Contemporâneas, 1996
MARTINS, Romário. História do Paraná. Curitiba: Travessia dos Editores, 1995
MARTINS, Wilson. Um Brasil diferente: ensaios sobre fenômenos de aculturação no
Paraná. 2ª.ed., SP: T. A . Queiroz, 1989.
MATTOS, Hebe Das cores dos silêncios:os significados da Liberdade no Sudeste
escravista. RJ: Nova Fronteira, 1998
___________& RIOS, Ana L. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no
pós-abolição. RJ: Civilização Brasileira, 2005.
MENDONÇA, Joseli Nunes Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os
caminhos da Abolição No Brasil. Campinas-SP: Ed. da Unicamp- Cecult, 1999.
SANTOS, Carlos R. A . Vida material, vida econômica.Curitiba: SEED, 2001.
PENA, Eduardo S. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores e a lei na
Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999
WACHOWICZ, RUY. História do Paraná. Curitiba, Ed. dos Autores, 1969.
WISSENBACH, Maria C. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em
São Paulo. SP: Hucitec, 1998.




                                                                                                     10

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Escravos E Libertos No Paraná

  • 1. II Encontro “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional” Escravos e libertos no Paraná Lúcia Helena Oliveira Silva1 Pretendemos nesta comunicação refletir sobre a presença de escravos africanos, afro-brasileiros e seus descendentes na província paranaense em especial no período depois que foi decretada a extinção da escravidão, a lei Áurea em 1888. Nosso intuito é investigar as relações entre população liberta com a livre no período imediatamente posterior ao término da escravidão para ver como se constituía a liberdade. A historiografia a respeito da escravidão no Paraná apontou uma participação menos intensa de escravos na região do que em outras partes do Brasil. Em parte, tal assertiva baseou-se no fato do Paraná estar fora do eixo das economias agro- exportadoras de grande porte como a região Nordeste ou extrativas como Minas Gerais. Neste sentido, houve uma interpretação onde se minimizou o trabalho escravo feito na província confirmada em trabalhos como de Romário Martins (1995), Wilson Martins(1975) e Ruy Wachowicz (1967). Contudo, a economia paranaense embora não rivalizasse com os grandes ciclos usou a mão-de-obra escrava. Segundo Carlos R. A.Lima, a economia colonial paranaense cresceu baseada na ocupação do solo, na valorização de atividades econômicas e no uso sistemático da mão-de-obra escrava. A produção realizada abastecia de forma cada vez mais crescente o mercado interno e transpôs as fronteiras da região do Prata (Lima, 2001, p.36). As atividades econômicas mais significativas que envolveram o escravo foram a produção do mate e o tropeirismo. O tropeirismo iniciou-se ainda no século XVIII e seguiu por todo o XIX com algumas interrupções devido à exploração da prata. Durante o século XVIII (1780), os escravos africanos foram introduzidos em inúmeras 1 Docente do departamento de História da Universidade Estadual de Londrina., doutora em História Social do Trabalho pela Unicamp. 1
  • 2. atividades onde trabalhavam ao lado de pessoas livres. O primeiro levantamento da população neste mesmo ano contabilizava 12.349 brancos e de 5.336 negros e mulatos (Martins, 1995). O tropeirismo surgiu inicialmente a partir da criação e comercialização de gado nos campos de Curitiba vendidos em São Paulo. Com o interesse voltado para a região de Sacramento houve a abertura de um novo caminho que saia de São Paulo e ia ao Rio Grande do Sul (Campos de Viamão). Em São Paulo o destino eram as feiras de Sorocaba que finalizavam o longo caminho da pecuária e a intensa movimentação de tropas que foi de 1750 a 1897 quando se extinguiram as feiras de Sorocaba. Muitas áreas que estavam no caminho se beneficiaram da movimentação tornando-se entrepostos de tropas como foi o caso da cidade de Castro. Já a cultura do mate ocorreu nas primeiras décadas do século XIX e necessitou de maior concentração de mão-de-obra. A produção representou a intensificação de comércio com a região da bacia do Prata. Segundo Carlos Lima o mate, devido aos seus lucros, mobilizou muito daqueles que se dedicavam até então, às atividades de subsistência levando a produção em escala de exportação. Segundo o autor durante o período de 1842 a 1861, mais 96% da produção paranaense foi comercializada com o exterior, principalmente com a Argentina, Uruguai e Chile. (Lima ,2001, p. 43). Mas nem todos concordam que o mate e o tropeirismo reunissem significativamente escravos. Segundo Enezila de Lima a maior parte dos escravos havia sido vendida para regiões auríferas(Lima, 1982, p?). De qualquer modo, não há como negar que o mate foi uma das atividades mais duradouras durante o período colonial. Plantado no planalto curitibano ele era levado para engenhos nas cidades litorâneas como Morretes, Antonina e Paranaguá, esta última usada como porto de escoamento. Toda essa movimentação trouxe o fortalecimento de núcleos urbanos indicavam onde os escravos se faziam presentes. É possível que com a identidade econômica mais fortalecida se processasse maior atração para a o Paraná pois em 1858, cinco anos após a emancipação política e criação da província, a composição da população havia crescido com brancos eram 60.380 brancos, 8.493 negros e 507 mulatos livres que indicam um aumento da população mestiça. Em 1872, a composição da população havia novamente se alterado com aumento no número de brancos que somavam 116.162. Já os negros e mulatos totalizavam 10.560 e indicava um crescimento mais lento em relação aos números de 1858 (Martins, 2
  • 3. 1995). Uma das causas possíveis seria o tráfico interno após a segunda metade do século XIX que passou a abastecer Rio de Janeiro e São Paulo que expandiam a cultura de café. Em conseqüência da organização econômica podemos concluir que áreas agrícolas acabaram por reunir mais escravos que demais. Os portos também eram lugares de presença braços africanos situação confirmadas por Cecília Westphalen que estudou Paranaguá. Segundo a autora, o porto de Paranaguá atraia uma população de composição diversa de outros lugares onde no século XVIII. Enquanto os escravos africanos eram em um número inferior o número de brancos em outras partes do Paraná, em Paranaguá de um total de 3193 pessoas 1414 eram escravos ou seja quase 50% da população.(Westphalen, 1969). Em suas análises ela concluiu que os plantéis de escravos eram pequenos e que o uso da mão-de-obra escrava se estendia aos trabalhos rurais e urbanos. A economia é um fator preponderante para explicar a presença ou não de escravos no Paraná uma vez que eles eram pensados como mão-de-obra nas principais atividades comerciais. Porém aconteceram outras influências como a proibição definitiva do tráfico em 1850, resultado das discussões no Parlamento brasileiro e inglês. O final do tráfico legal levou a um rearranjo da população escrava do Paraná e do resto do país, além de representar a primeira ação no processo de desagregação na estrutura escravista (Rocha, 2205, cap 1). Sem poder conta com novos braços vindos da África foi necessário buscar mão- de-obra compulsória dentro do próprio país o que elevou o preço do escravo e criou um processo de migração de escravos vindos de várias províncias, inclusive do Paraná para áreas carentes de braços e economicamente mais desenvolvidas. Tal situação representou desarranjos na organização sócio-econômica de várias localidades e representou mudanças radicais na vida dos escravos que estavam há muito, radicados em algumas regiões onde haviam construído laços e relações ali onde moravam. Por vezes, a venda e a mudança não eram aceitas e tornaram-se motivo de revolta como a que aconteceu na fazenda Capão Alto de propriedade dos Carmelitas na região de Castroi Pouco se sabe como foi a vida dos escravos que moraram no Paraná. Os dados permitem-nos saber dos números mas pouco sabemos das relações e dos processos de resistência e acomodação que nela aconteceu na província. Coube a Eduardo Spiller Pena um dos primeiros estudos a partir da ótica da história social, sobre a escravidão 3
  • 4. paranaense, em especial na cidade de Curitiba. Nele o autor buscou recuperar padrões de sociabilidade entre os escravos a recuperação dos aspectos cotidianos da escravidão bem como revelar as tentativas dos escravos obter brechas frente à lei e aos senhores (Pena,1999). Traçando similaridades com outros estudos dedicados à história social da escravidão, Spiller apontou a lei do Ventre Livre de 1871 como importante marco para a obtenção da alforria, pois reconhecia o pecúlio, dinheiro poupado para a compra da liberdade e, instituía as figuras jurídicas para a tramitação da compra da alforriaii Vida depois da escravidão O período que se seguiu a Lei Áurea (1.888), somou uma grande expectativa por parte dos emancipados tornados libertos por esta lei ou, mesmo antes dela. A derrocada da escravidão, foi apenas uma das etapas do longo processo para obter o tratamento e direitos igualitários de cidadão para os negros. No Paraná junto a essa expectativa havia a contínua entrada de imigrantes europeus. Eles desenvolveram principalmente a policultura e mais tarde a criação de gado. Essas atividades eram desenvolvidas no âmbito familiar e se somaram à economia voltada para o abastecimento do mercado interno. Visto assim, a incorporação dos libertos poderia ser mais difícil. Não possuímos dados sobre o Paraná mas em outros estados como Santa Catarina e Rio Grande do Sul a presença negra na zona rural está fortemente associada aos remanescentes de quilombos ou de propriedades herdadas por ex-senhoresiii. Recentemente, a entregado título de propriedade da terra a quatro grupos de remanescentes de quilombos e o pronunciamento do processo de reconhecimento de mais 8 grupos trazendo novos dados sobre a presença negra no estadoiv. Se nas regiões de grande predomínio de população escrava, pouco se sabe sobre a vida dos ex-cativos, essa dificuldade é maior em lugares onde os escravos tiveram uma participação menos eqüitativa como na região sul. Ruben G. Oliven ao estudar os negros no estado do Rio Grande do Sul aponta invisibilidade do índio e do negro nos estudos dedicados às contribuições econômico-culturais do estado, ainda que várias atividades econômicas tenham sido feitas exclusivamente por escravos, como as charqueadas (Oliven, 1996, p. 21). Para o autor, trata-se de uma invisibilidade social e simbólica que foi influenciada pelas ideologias raciais no momento de formação da identidade nacional e de formação da república. Nesta mesma perspectiva, nosso trabalho, apontou a mesma invisibilidade nos estudos centrados em um estado que concentrou o 3º maior grupo de escravos na 4
  • 5. segunda metade do século XIX e, que portanto, tinha muito negros em sua população por ocasião da Abolição, o estado de São Paulo. Ali verificamos que os negros tiveram sua população matizada em meio à entrada de 3 milhões de imigrantes europeus e, encontraram grandes dificuldades de serem incorporados no mercado de trabalho. Os periódicos de época estavam permeados das mesmas ideologias raciais perpetuaram os estereótipos negativos remanescentes da escravidão que desqualificavam os negros da condição de trabalhador preferencial e quase único por tantos séculos. (Silva, 2001, p. 15). Em um outro estado da região sul Santa Catarina, Ilka B. Leite verificou que as memórias históricas constroem-no como espaço predominantemente imigrante e, portanto branco. Assim como o Paraná, em Santa Catarina aconteceram atividades que não estavam ligadas diretamente ao circuito agro-exportador. Ainda assim a ocupação da ilha se deu com a produção de açúcar, mandioca, criação de gado e indústria extrativa como caça de baleia e beneficiamento dos produtos como óleo de baleia, carne e curtume do couro, atividades que eram feitas pelos escravos. Leite indica que uma leitura atenta ao relato de viajantes como Saint Hilaire indicava que mesmo os lavradores pobres recorriam ao braço escravo (Leite, 1996, p. 46). No Paraná a vida dos libertos apresentou a mesma invisibilidade presente na história do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A vinda de imigrantes à região parece ser incompatível com a presença de escravos e quase não há registros diretos sobre as vidas de libertos e seus descendentes. Como de praxe, as informações sobre os negros podem ser encontradas na contraleitura de documentos oficiais: queixas encaminhadas à polícia contra eles, posturas municipais ou na documentação dos órgãos do Poder judiciário envolvidos na condição de réu, testemunha ou vítima. Embora nos processos imperem os filtros da linguagem jurídica e o registro da fala indireta dos réus e testemunhas através do escrivão, foi possível perceber evidências de conflitos diretos e dissimulados, as relações dos envolvidos com o contexto social imediato, o olhar jurídico sobre os réus, assim como as alianças tecidas entre os vários segmentos da sociedade. Foi a partir de um recurso de uma ação que pudemos encontrar alguns Gabriel, Maria, Vicência, João Pinheiro e Luzia todos libertos e saber um pouco de suas vidas agora como pessoas livres. A ação datava do mês de outubro de ano de 1889, portanto um pouco mais de um ano da Abolição e se constituía em uma apelação ao Juizado de 5
  • 6. Curitiba onde se pedia a reconsideração de sentença, uma vez que ela não havia sido aceita pelo Juízo da cidade onde havia sido iniciada . Os autores da ação eram Sebastião Pereira de Almeida e sua mulher Rosa Ferreira dos Santosv Eles pediam que fossem revertidas disposições testamentárias do falecido Mariano Cardoso ex-marido de Rosa em cujo testamento ele deixado seus bens que totalizavam 2 contos e quinhentos réis para seus ex-escravos Gabriel, Maria, Vicência, João Pinheiro e Luzia de Oliveira uma quantia razoável para época. Rosa e seu atual marido questionavam na justiça a falta de cumprimento da disposição testamentária e requeria a anulação do testamento e a retomada para si dos bens doados. A doação revelava que houvera uma relação estreita entre o antigo senhor e aquele grupo de escravos, forte suficiente para que ele legasse seus bens, um gesto pouco usual. Era bem possível que o gesto não fosse aceito pela esposa que tentava reaver os bens que não descritos. No entanto, a estratégia da viúva não se opunha oficialmente à vontade de seu finado marido. Rosa buscava mostrar que os herdeiros não haviam procedido corretamente o que pode ser nas afirmações onde dizia que Porque depois do falecimento do testador os referidos ex-escravos legatários retiraram-se da companhia da suplicante para não lhe prestarem serviço algum depois de causar grande incômodos e prejuízosvi. Ora, pelas suas alegações Rosa queria que os ex-escravos permanecessem servindo-na como forma de gratidão pela herança. Talvez essa condição até fosse o desejo do senhor mas com a extinção da escravidão, não era mais possível exigir tal comportamento. A liberdade para muitos que haviam vivido o cativeiro era sobretudo, o direito de ir e vir, de estar onde quisesse o que confrontava com o desejo dos libertos. Uma das queixas da viúva era que os escravos não haviam ficado com ela para servi-la. De fato, Maria, Gabriel e sua mulher Vicência haviam se mudado para Rio Negro enquanto José Pinheiro e Luzia moravam no termo do Iguassu em São José dos Pinhais. Nenhum deles quis permanecer em Palmeira. A mudança para outro lugar ainda que próximo não era uma atitude qualquer. Muitas vezes, os libertos buscavam viver sua nova condição e refazer suas relações em outros lugares onde não eram conhecidos, o que nem sempre implicava em uma grande 6
  • 7. distância física (SILVA, 2001, cap. 2). Era na realidade, o que afirmou Maria Cristina Wissenbach Ao se por em trânsito, após a experiência do trabalho compulsório, de margens mínimas de autonomia e de lazer e da impossibilidade de manifestações culturais diretas , os trabalhadores negros, aderindo ao lençol da economia de subsistência, puderam concretizar alguns de seus valores relativos à liberdade (Wissenbach, 1998, p. 60). . Além disso, as migrações internas foram um dos fatores que caracterizaram o período entre o final do século XIX e início do XX , além de ser uma prática comum entre os libertos segundo Eric Foner (Foner, 1988, cap.1). Porém, ao contrário de muitos libertos que saíam de pequenas cidades e migravam para grandes centros, o grupo de ex-escravos não fora longe. Possivelmente os bens herdados pesassem na decisão. Estavam longe o suficiente para vigiar os bens que eram casinhas e longe o suficiente para fugir de qualquer ingerência senhorial. Além disso a mudança possibilitava criar novas relações e romper com as antigas feitas no tempo do cativeiro. Hebe Castro aos estudar os significados da liberdade no Sudeste escravista observou que os novos comportamentos dos libertos frustrava os antigos senhores, sobretudo os mais conservadores. Após as festas e até coroamento dos antigos senhores e enterro da palmatória os fazendeiros esperavam contar o sentimento de gratidão o que nem sempre aconteceu. Atraso no pagamento, condições de trabalho diferenciadas eram entendidas por boa parte da classe senhorial como “despreparo do escravo para liberdade”( Castro, 1998,p. 259). No tramitar da ação os libertos são citados para comparecerem junto aos autores diante do juiz. Apenas Vicência compareceu e não houve conciliação. Percebendo que a necessidade de oficializarem uma melhor defesa no caso Maria e os demais libertos réus buscaram um advogado para constituir defesa contratando os advogados Pedro Augusto de Souza e Rafael Aguiar, além de chamarem várias testemunhas. Em nova audiência eles fizeram questão reafirmar sua condição, afirmando que a ex-senhora buscava reescravizá-los, condição a qual eles na se submeteriam. Além disso, os libertos davam a entender que Mariano Cardoso, o benfeitor havia deixado a herança de caso pensado, queria agradecê-los pelos seus bens e desconfiava de traição por parte de sua mulher justificativa que se somava à condição de liberdade que eles gozavam. Vemos que a participação na vida privada do senhor dava acesso a situações 7
  • 8. íntimas que ainda que não fossem verídicas demonstravam que aquelas pessoas haviam participado da vida de finado senhor. Outra questão relaciona-se aos fatos relatados, que davam a entender que a herança poderia ser motivo de vingança por tal desconfiança ou ainda um misto das duas condições; vingança e gratidão aos escravos. Nos autos algumas permanências eram visíveis dos tempos de cativeiro. Os ex- escravos eram chamados o tempo todo com o prenome de ex-escravos uma manutenção conferia uma distinção ligada a sua condição anterior a liberdade. Entre aquele grupo dois apresentavam sobrenome José Pinheiro e Luzia de Oliveira. De onde vinham os sobre nomes? Eles não haviam adotado o mesmo sobrenome do senhor que era Cardoso? Haveria conflito? Em Memórias do cativeiro de Hebe Castro e Ana Lugão Rios em um depoimentos vê-se que o uso do sobrenome estava ligada a uma relação estreita com o senhor Os sinhôs do lado do pai eram todos muito bons! O sobrenome deles é Mendes... a minha mãe também tem o sobrenome Mendes. Porque os escravos tinham o sobrenome dos sinhôs. O pai da minha mãe chamava Inácio Mendes, então todos lá eram Mendes. Usavam o sobrenome do senhor.(Mattos e Rios, 2005, p. 91.) O depoimento aponta que a boa relação entre senhores e escravos poderia ser um canal para a permissão do uso do sobrenome do senhor. Nem todos porém puderam ou quiseram adotar o mesmo procedimento. Em um país onde grande parte das pessoas não era alfabetizada a oralidade substituía os documentos. Mesmo depois do surgimento do registro civil em 1891, não houve um uso sistemático do registro de pessoas, situação que ainda hoje tem recorrência por todo os país. É interessante observar que cada um deles adotara um sobrenome diferente. A regra da adoção do nome do pai e da mãe poderia ter sido utilizada mas também seria possível que eles houvessem simplesmente escolhido os sobrenomes. O sobrenome dava um sentido de igualdade, de equiparação aos demais cidadãos. Talvez adotar um sobrenome fosse um das estratégias para ressignificar a liberdade. Qual sobrenome e porque adotar eram questões que obedeciam a razões pessoais de cada ex-escravos e afro-descendentes. Assim como alguns emprestaram os sobrenome s de ex-senhores outros adotaram as identidades de seus grupos como Congo, Benguela entre outros. 8
  • 9. No auto uma das questões de maior contestação era o fato dos libertos se mudarem da casa de seu antigo senhor. Para a ex-senhora, aquele ato os desabonava como herdeiros e ela era entendido como uma recusa das obrigações que eles deviam pela herança. Era claro também o desejo de disciplinarização daquele grupo ou talvez da antiga condição. Aos libertos parecia ser a mudança um dos aspectos cruciais para a concretização de sua autonomia, uma recusa de submeter aquele processo de disciplinarização impunha condições à vida de pessoas livres, condições que não estavam estabelecidas na herança. O cerceamento á liberdade dos novos cidadãos era constantemente questionado em nome de uma liberdade que “os disciplinasse”.Ações neste sentido tornaram-se comuns não só nas relações cotidianas mas também fizeram parte das políticas públicas que buscava afastara população pobre dos centros urbanos e das benfeitorias arquitetônicas presentes nos núcleos urbanos. Assim vemos que a rebeldia dos libertos não era portanto uma simples recusa mas o exercício de um direito duramente conquistado. A recente emancipação não os impedia de lutar pelos seus direitos nas formas da lei. Assim buscar um advogado era estar em condição paritária à antiga senhora na luta para assegurar os bens que lhe haviam sido legado. Outra importante estratégia era a o conhecimento das relações pessoais que ali eram usadas para demonstrar a legitimidade dos bens herdados. Pode ser que o finado tivesse feito aquele testamento para propositalmente despontar sua esposa. Talvez essa situação fosse apenas hipotética o que nunca saberemos. Interessa-no aqui perceber que como em outros lugares os libertos procuraram na medida do possível, reelaborar suas vidas buscando concretizar projetos que por vezes eram opostos ao das elites ou de senhores que esperavam o comportamento igual ao do tempo da escravidão. O final da ação após quase um ano, sem a sentença permite-nos concluir que ela havia sido bastante contestada por ambas as partes e que pelos últimos despachos, a decisão parecia ser favorável aos herdeiros, isto é, é bem provável que eles mantido a herança. Ainda que fosse uma situação bastante incomum, Maria e seus colegas de cativeiro indicavam que buscavam seguir seus projetos de vida autônoma. A disposição de não abrir mão do que haviam ganho e, de não sujeitar-se à interpretação de 9
  • 10. obrigação que a viúva de seu benfeitor exigia, demonstra que em meio a condições desfavoráveis como as que se seguiram após a Abolição, não iriam deixar de lutar e era defender o lhe teria sido dado, condição que possivelmente lhes minorasse o tratamento desigual e as ausência de condições para uma vida digna. i A fazenda Capão Alto era de propriedade da Ordem dos Carmelitas Calçados e possuía uma extensa propriedade onde viviam perto de 300 escravos. Este grupo é vendido mas não aceitava mudar de dono e realizam uma revolta onde um padre é assassinado. Os revoltosos são reprimidos e acabam por serem levados para São Paulo para trabalhar na cultura de café ii Sobre esse assunto podemos verificar o trabalho de Joseli Nunes Mendonça Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da Abolição No Brasil. Campinas-SP: Ed. da Unicamp- Cecult, 1999. iiiPara mais informações sobre os negros em Santa Catarina e Rio Grande do Sul a respeito do assunto ver o livro de Ilka Boaventura Leite(org.) Negros no sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Santa Catarina : letras Contemporâneas, 1996. iv Estas informações foram obtidas no Fórum Estadual Educação e Diversidade Étnico-racial ocorrido em julho de 2005 em Curitiba. v Arquivo Público do Paraná, cx 117, processo 2436, folha 1. vi Arquivo Público do Paraná, cx 117, 2436, folha 2 e verso. Bibliografia FONER, Eric, Nada além da liberdade. RJ: Paz e Terra , 1988. LEITE, Ilka Boaventura (org.) Negros no sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Santa Catarina : letras Contemporâneas, 1996 MARTINS, Romário. História do Paraná. Curitiba: Travessia dos Editores, 1995 MARTINS, Wilson. Um Brasil diferente: ensaios sobre fenômenos de aculturação no Paraná. 2ª.ed., SP: T. A . Queiroz, 1989. MATTOS, Hebe Das cores dos silêncios:os significados da Liberdade no Sudeste escravista. RJ: Nova Fronteira, 1998 ___________& RIOS, Ana L. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. RJ: Civilização Brasileira, 2005. MENDONÇA, Joseli Nunes Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da Abolição No Brasil. Campinas-SP: Ed. da Unicamp- Cecult, 1999. SANTOS, Carlos R. A . Vida material, vida econômica.Curitiba: SEED, 2001. PENA, Eduardo S. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores e a lei na Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999 WACHOWICZ, RUY. História do Paraná. Curitiba, Ed. dos Autores, 1969. WISSENBACH, Maria C. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em São Paulo. SP: Hucitec, 1998. 10