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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
    CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE                       PRIMEIRA VERSÃO
         PRIMEIRA VERSÃO                                   ISSN 1517-5421         lathé biosa     205
      ANO IV, Nº205 MAIO - PORTO VELHO, 2006
               Volume XVI Janeiro/Março

                     ISSN 1517-5421


                       EDITOR
                  NILSON SANTOS

               CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS - História
           ARNEIDE CEMIN - Antropologia
          FABÍOLA LINS CALDAS - História
       JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
              MIGUEL NENEVÉ - Letras
          VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte
Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for    A Oralidade Como Manifestação e Constituição
     Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:
                                                                         de Aprendizagem
                    nilson@unir.br

                   CAIXA POSTAL 775                                         Maria da Conceição B. de Souza
                   CEP: 78.900-970
                    PORTO VELHO-RO

               TIRAGEM 150 EXEMPLARES

     EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
A Oralidade Como Manifestação e Constituição de Aprendizagem
Maria da Conceição B. de Souza
Especialista em Metodologia do Ensino Superior e Mestranda em Lingüística
Ceyssa_@hotmail.com

            Neste artigo discutir-se-á a aquisição da oralidade dos alunos de uma escola pública de Porto Velho – RO. Partindo de uma concepção dialógica com base
 nos pressupostos de Bakhtin (1979), Lemle (1998), Cagliari (1997), constatou-se inicialmente, que as atividades desenvolvidas em sala de aula eram
 fundamentalmente reprodutoras e o espaço de produção de texto oral era regulado pela autoridade do professor. Os alunos apenas respondiam às perguntas nos
 intervalos das atividades comandadas. Instaurou-se uma intervenção, iniciou-se uma maneira dialógica de produção textual a partir de histórias orais, priorizando o
 resgate das experiências e histórias. A partir daí, os alunos passaram a contar, a registrar e a recriar as histórias. Conclui-se que o uso de narrativas oral
 proporciona êxito no desenvolvimento da produção textual oral em classes populares.
            Vários estudos têm, por um lado, comprovado que não há uma divisão dicotômica entre fala e escrita. Também tem sido desmistificada a supremacia que
 essa exerceu sobre aquela. Por outro lado, pesquisas têm demonstrado que as crianças de classes populares é rica em experiências e se comprazem em relatar
 oralmente suas histórias.
            Objetivou-se nesse artigo refletir sobre a oralidade de crianças em séries iniciais, considerando, sobretudo, as condições em que esses discursos são
 produzidos. A escola pesquisada está situada à margem do rio Madeira. As crianças são pequenas e cursam o ensino fundamental.
            Percebemos que elas pouco se expressavam dentro de sala de aula, não falando sobre suas vidas. É como se na escola fosse proibido falar de si, da vida
 que se leva. É como se na escola só fosse permitido estudar no livro, decorar, repetir, copiar mecanicamente o texto. E as histórias? Essas que a mãe conta. Essas
 que ouvimos por aí quando estamos com os amigos?
            Essas são quase proibidas. A proibição não é aquela explicitada “não faça!”, “Não pode!”, mas outra, mais perigosa.
            Força-se um discurso imposto hegemônico acerca do outro, ocupando todos os espaços de fala com as frases e palavras prontas, vindas do professor e
 do livro.
            A partir de pressupostos teóricos de Bakthin (1979) , que resgata a linguagem como processo social e Cagliari (1997) , que defende o trabalho da
 oralidade na escola, pelo fato de resgatar e recriar as histórias e experiências de vida a partir da leitura e da compreensão crítica da realidade, foram desenvolvidas
 em grupo, atividades em que os alunos narravam para os colegas e professor suas versões sobre as histórias ouvidas em sala, na escola, em casa ou na rua,
 deixando que eles as reconstruíssem oralmente através de uma prática conjunta em diálogo e dramatizações.
            Sabendo-se que é relativamente recente o modo de pensar a oralidade e a escrita como díade isto é, como fenômenos que constituem um continuum que
 ao mesmo tempo diferenciam-se, interpenetram-se e ao mesmo tempo evidenciam especificações e revelam similitudes num processo de mútuas influências, de
 aproximação e distanciamento. Este modo de pensar a oralidade e a escrita, como uma díade complementar e não antitética, vem-se afirmando, nas últimas
 décadas nos estudos e pesquisas desenvolvidas nas ciências sociais: na história, na sociologia, antropologia, psicologia, na literatura comparada, na lingüística, na
 educação.
            Assumimos neste trabalho um modo de pensar a oralidade e a escrita como díade complementar para interpretar e analisar o processo de vivências da
 criança quando, imersa no mundo da oralidade, é introduzida, pela escola, ao mundo da escrita, quando o mundo da letra começa a invadir o seu mundo da voz.
 Em outras palavras: neste trabalho, propõe-se um modo de pensar o processo de alfabetização como uma vivência pela criança da oralidade e da escrita como
 fenômenos complementares.
            Até recentemente (ainda hoje?), a aprendizagem da leitura e da escrita pela criança era (é?) considerada como uma transição do mundo da oralidade
 para o mundo da escrita. Transição entendida como trajeto, passagem de um lugar para o outro: do lugar daquele que não sabe ler e escrever para o lugar daquele
 que se apropria da tecnologia da escrita.
            Acreditamos que o sujeito se constitui socialmente, por isso um dos grandes desafios da pesquisa foi resgatar as histórias orais dos alunos e
                                                                                                                                                                2
 trabalhar as variações dialetais, como uma forma de compreendermos sua cultura e a influência da língua falada na língua escrita.
A homogeneização da linguagem e da cultura postulada pela escola renega muitas vezes o sujeito-falante, colocando-o em situação de inferioridade,
sendo assim, tornou-se necessário propiciar ao aluno o desenvolvimento de atividades voltadas à oralidade, na medida em que se resgatasse nessas histórias
vivências, experiências do cotidiano.
           Sabendo-se que a linguagem é o que caracteriza a marca do homem enquanto sujeito-social, o respeito por sua história e por seu dialeto, permite o
relato de suas experiências de vida, uma vez que a produção oral de texto lhe possibilita o resgate de sua cultura, contribuindo assim para o registro das suas
experiências como sujeitos sociais produtores de textos.
           A sala de aula é um espaço em que acontecem as situações de aprendizagem. O trabalho com a oralidade do aluno é algo que nos parece essencial. A
escola procura em sua prática pedagógica dar ênfase ao trabalho da escrita, prova disso, é que um dos objetivos principais da alfabetização é ensinar a ler e a
escrever, no entanto não se quer dizer que o trabalho com a escrita e a leitura não seja importante, mas acredita-se que tanto uma como a outra não devem ser
trabalhadas isoladamente, pois a associação dessas habilidades pode contribuir para um maior êxito no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido Lemle ,
afirma que: “A complexidade da civilização entre língua falada e língua escrita, na medida em que se interessa muito, em nossa civilização, que a língua escrita
tenha um alcance de comunicação bem amplo”.
           A hierarquização da escrita sobre a fala é prejudicial ao ensino, tanto para o aluno quanto para o professor, por um lado o aluno é prejudicado por não ter
oportunidade de expressar-se oralmente, por outro, o professor deixa de conhecer melhor a variante dialetal do seu aluno e compreender os fenômenos da fala que
são transcritos nos textos escritos por ele. Cagliari , acrescenta que: Se a Escola tem por objetivo ensinar como a língua funciona, deve incentivar a fala e mostrar
como ela funciona.
           O silenciamento causado pela prática autoritária da escola gera um ambiente em que o aluno sente-se muitas vezes acuado para narrar suas historias e
compartilhar suas experiências com os seus interlocutores.
           No trabalho com a oralidade do aluno, na verdade o que se busca é resgatar as singularidades existentes nas histórias produzidas por eles e
conseqüentemente o que se vislumbra é o sujeito-falante que se constitui no texto que produz, porque ao narrar sua história o sujeito constrói seu discurso à
medida que constrói sua história de vida, por isso o desenvolvimento de atividades com a produção de texto oral proporciona ao aluno uso de sua imaginação,
criatividade. De acordo com Bakthin “O sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa, posto que sendo sujeito não pode se quiser continuar
sê-lo, permanecer sem voz, portanto, seu conhecimento, só pode ter o caráter dialógico”.
           Buscamos inicialmente trabalhar com histórias escolhidas pelos alunos, pois havia um grande interesse pelas lendas regionais que proporcionou ao aluno
narrá-las dando sua própria versão e, assim intercambiar suas experiências de vida. Uma das lendas escolhida para ser objeto de estudo foi a da Vitória-Régia que
contamos assim: “Uma índia chamada Naia se apaixona pela Lua, Jaci, que era um misterioso moço. Ele seguiu todos os dias os passos de Jaci, por meio dos
reflexos da lua sobre os objetos da terra, mas, sobretudo, Naia acompanhava os reflexos da Lua no rio, sua cor dourada, ora sua clareza e luminosidade, ora sua
escuridão. Percebendo a indiferença de Jaci que parecia a cada dia, mais distante, Naia, na ânsia de encontrar no rio os seus rastros e triste por convier com o
constante silêncio de jaci, acaba por mergulhar nas águas para buscar, nas profundezas do rio, o seu grande amor. Nesse momento a correnteza leva o corpo de
Naia e ela se transforma em uma grande flor cheia de perfume: a Vitória-Régia”.
Todas as crianças tiveram oportunidade de acrescentar a essa história suas experiências de vida. Alguns perguntavam se a Vitória-Régia existia somente na
Amazônia, outras queriam mais detalhes sobre como foi que a índia Naia transformou-se em flor. Algumas disseram que essa era a maior e mais cheirosa flor do
mundo. O importante é que um fio discursivo foi sendo tecido durante as aulas, entrecruzando culturas, mitos, crenças e sonhos. Cada qual compreendia a história
sob o ponto de vista de sua historicidade e a aula constitui-se em um grande espaço dialógico, onde um e outro ia colocando sua vida, sua experiência e seus
sonhos. Ao recontar a história, muitos acresciam detalhes de sua imaginação. Foi o que aconteceu com a narrativa oral a seguir:
           “Era uma vez uma minina que si chamava Naiá, ela era uma minina muito bunita, ela viu uma lua muito bunita e ela si apaxonô por ela. Mais a lua não
ligava pra ela não, ai então ela não quis mais vivê, ela quis morre, porque ela procurou a lua que chamava Jaci em todos os lugares e não encontrava nunca. Ela viu
a lua num rio muito bunito todo cheio de cor. Eli era dorado, pratiado, muito lindo. Aí, a correnteza levou o corpo da indinha e ela se trasformô em uma linda flô
camada de Vitória Régia”.



                                                                                                                                              ISSN 1517 - 5421       3
O que se observou nessa história contada pela criança é a presença de algo inaugural e singular: “Ela viu a lua num rio muito bunitu”. Como se pode
perceber, a criança, ao recontar a história, recria, compartilha seu universo vivencial e o transforma.
           Os textos produzidos oralmente apresentavam uma nova realidade, passaram a ser ricos de vivência, de história e, sobretudo, ricos de informações,
misturavam sonho e realidade. A estrutura do texto escrito também passava a um novo formato, apresentando, inclusive, recursos como a intertextualidade: uma
mistura de frases retiradas das histórias contadas e narradas relação entre vida e sonho, realidade e fantasia.
           O desenvolvimento da oralidade, a partir de um processo interlocutivo de contar histórias e relatar experiências, pode transformar a escola em um espaço
lúdico e criativo, capaz de formar sujeitos cidadãos, reconhecedores de sua cultura e de seu lugar na história. Esses resultados poderão servir para a transformação
do espaço escolar pedagogizante em espaço de criação e transformação humana, onde a produção textual oral ou escrita seja permeada pela experiência.
           Além disso, acredita-se que o espaço escolar deva ser um lugar que propicie ao aluno o seu desenvolvimento enquanto cidadão por meio de um ensino
baseado na realidade, tendo em vista que a linguagem oral acompanha-nos onde quer que estejamos, servindo de mediadora entre o sujeito e o mundo.
           Por outro lado, o trabalho envolvendo a oralidade é de relevante importância dentro do processo de aprendizagem, uma vez que esse propicia ao aluno o
desenvolvimento de habilidades para formular e responder perguntas e manifestar-se, além de acolher opiniões dos demais, porque à medida que a criança avança
na escolaridade, as exposições orais, principalmente na apresentação do trabalho, tornam-se comuns em sala de aula. A escola precisa tratar da expressão oral
desde as séries iniciais, pois ela é um fator constituidor de aprendizagem, portanto primordial ao ensino.
           Considerando finalmente que a prática educativa é um processo continuado, portanto, não é possível pensar na conclusão de um trabalho cujo
desdobramento é o infinito.




                                                                                                                                            ISSN 1517 - 5421       4
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
    CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE                       PRIMEIRA VERSÃO
         PRIMEIRA VERSÃO                                   ISSN 1517-5421         lathé biosa   206
     ANO IV, Nº208 AGOSTO - PORTO VELHO, 2006
                Volume XVI Maio/Agosto

                     ISSN 1517-5421


                       EDITOR
                  NILSON SANTOS

               CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS - História
           ARNEIDE CEMIN - Antropologia
          FABÍOLA LINS CALDAS - História
       JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
              MIGUEL NENEVÉ - Letras
          VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte
Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for
     Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:           O CASO DO “WILLKOMEN DE HANS
                    nilson@unir.br                          STADEN ENTRE OS ÍNDIOS TUPINAMBÁS
                                                                        EN BRASIL
                   CAIXA POSTAL 775
                   CEP: 78.900-970
                    PORTO VELHO-RO

               TIRAGEM 150 EXEMPLARES
                                                                            Daiana Nascimento dos Santos

     EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
                                                                                                  5
Daiana Nascimento dos Santos 1
                santos.daiana@bol.com.br
                                                                                        O caso do “willkomen de Hans Staden entre os índios tupinambás en Brasil2


                RESUMO:
                O presente trabalho tentará, a partir da bibliografía sugerida e também dos libros de Hans Staden, abordar a perspectiva de um Hans Staden narrador de
         um relato de aventuras do século XVI que narra sua vivência com os índios tupinambás no Brasil. Ao mesmo tempo, percebe-se o protagonista Hans Staden
         com sua própria aventura, apresentando seu relato de cativeiro e as imagens do caníbal, que o manteve cativo por nove meses e não o devorou, a este fato se
         tratará os motivos que ajudaram a sua sobrevivência. Desta maneira, Staden constrói uma imagen de si mesmo como cativo e cria um perfil da alteridade dos
         tupinambás analisadas enquanto ele esteve cativo.


                PALAVRAS-CHAVE: Hans Staden, tupinambás, canibal, cativeiro


                RESUMEN:
                El pretendido trabajo intentará, a partir de la bibliografía sugerida y también de los libros de Hans Staden, abordar la perspectiva de un Hans Staden
         narrador de un relato de aventuras del siglo XVI que narra su vivencia al medio de los indios tupinambás en Brasil. Al mismo tiempo, se percibe el protagonista
         Hans Staden con su propia aventura, presentando su relato de cautiverio y las imágenes del caníbal, que lo mantuvo cautivo por nueve meses y no lo devoró,
         a este hecho se planteará los elementos que lo ayudaron a sobrevivir. De esta manera, Staden construye una imagen de sí mismo como cautivo y traza un perfil
         de la alteridad de los tupinambás analisadas por él mientras estuvo cautivo


                PALABRAS- CLAVE: Hans Staden, tupinambás, caníbal, cautiverio


                INTRODUÇÃO
                O presente trabalho tratará das razões que fizeram com que a prisão de Hans Staden se transformasse num “willkomen”, o que fez com que ele não
         fosse devorado pelos tupinambás e conseguisse viver com eles por nove meses, no ano de 1549, período em que estivera aprisionado por esses índios. Por que
         falar de um “willkomen”? Porque faz uma referência irônica ao comportamento que os tupinambás apresentaram ante seu prisioneiro. O conceito do

1
    Graduada em Letras pela Universidade de Santa Cruz em Ilhéus, Bahia, Brasil e aluna do Programa de Mestrado em Literatura da Universidad de Chile.
2
    Trabalho apresentado como proposta final do curso “La reinvención de América Latina en la literatura de viajes” do Programa de Mestrado de Literatura da Universidad de Chile.
“willkomen”, parafrasea irónicamente a expressão de boa-vinda, que no caso de Hans Staden tem um caráter contrário ao que de fato significa e que será
tratado no decorrer do texto.
      Partindo dessa base, apontarei os fatores que ajudaram Staden a manter-se vivo e apresentarei seu comportamento enquanto esteve cativo. Clicie Nunes
(2001, p.05) no seu artigo “ Isla de Vera Cruz, Tierra de Santa Cruz, Brasil”, afirma que não apenas Hans Staden esteve e escreveu sobre os indígenas, Andrés
Thevet, Jean de Lery e Claude d’Abanville também relataram suas experiências. No entanto, a situação de Staden foi encarada de maneira diferente, devido a
sua condição de prisioneiro, distanciando dos outros anteriormente citados que tiveram uma experiência de observadores do sujeito tupinambá, más desde
outra experiência. Nas seguintes páginas, desenvolverei as particularidades que marcaram a experiência de Staden. Sobretudo porque sua situação é
considerada quase inédita, pois o objetivo do cativeiro estava quase sempre destinado a prática de antropogafia. Neste termo, segundo Valéria Rodrigues da
Costa (2004, 123-137), no seu artigo “Entre lo diferente y lo semejante”, a antropofagia se caracteriza pelo fato de seres humanos comerem carne humana.
      Nesse caso, Staden não foi devorado devido a alguns elementos, tais como: seus embustes, seu comportamento um pouco covarde e também a
percepção dos tupinambás sobre a origem de Staden.
      No presente trabalho apresentarei o perfil de Hans Staden, sua experiência entre os selvagens e por fim abordarei sobre sua situação de cativo e relatarei
sua sobrevivência e o que significou o “willkomen” .
      1- A AVENTURA DE HANS STADEN NO BRASIL

      Hans Staden, o artilheiro alemão, foi contratado pelos portugueses em sua primeira viagem ao Brasil entre os anos de 1547 e 1550, depois pelos
espanhóis com destino ao Rio de la Plata, mas por causa de uma tempestade a rota foi desviada até o Brasil. Essa viagem de Staden está marcada por seu
cativeiro entre os tupinambás, tribo de canibais que habitava o Brasil no século XVI. Sua aventura está relatada no livro Viagem ao Brasil, que foi publicado em
1557 em Malburg, Alemanha. O livro apresenta um Hans Staden narrador, que, ao longo de seus escritos, relata sua experiência como cativo e traça sua auto
representação como protagonista de uma aventura. Desta maneira, a obra de Staden apresenta-se, na primeira parte, como um relato de seu cativeiro e de
rituais antropófagos; na segunda, Staden preocupa-se em descrever os indígenas e também a alteridade apresentada pelos tupinambás. Depois de um longo
período entre os selvagens, Staden por fim, consegue voltar para sua terra, com ajuda dos franceses que comercializavam com os tupinambás e que o trocaram
por presentes, visto que os franceses mantinham boas relações comerciais com os tupinambás e também porque Staden já havia mencionado anteriormente
sua situação com um desses franceses que lhe havia prometido ajuda na hora oportuna.
      Pode-se dizer, que este livro é de grande importância para o entendimento da cultura tupinambá e também da cultura brasileira referente ao século XVI,
sendo considerado o primeiro livro sobre o Brasil e um dos primeiros sobre o Novo Mundo.
                                                                                                                                                      7
2- HANS STADEN ENTRE OS SELVAGENS

      Os tupinambás foram tribos que ocuparam grande parte do litoral brasileiro, possuídores de experiências com outros povos étnicos, portugueses e
franceses, além de outros grupos tribais que estavam em constante guerra. Entretanto, eles se destacavam por seu costume de comer carne humana. A prática
da antropofagia é citada ao longo de Viagem ao Brasil (2007) de Hans Staden, segundo as observações e percepções que ele fez do “outro” representado pelo
índio tupinambá nos seus escritos. No entanto, esta referência ao sujeito antropófago é tratado por Pigafetta de uma maneira que facilita o reconhecimento do
sujeito que come a carne humana de seus inimigos e isso é facilmente observado por Staden, quando afirma que eles faziam isso para vingar-se e não para
matar a fome.
      A prática da antropofagia no século XVI era muito recorrente no Novo Mundo, afirma Valéria Rodrigues da Costa ao citar que tal prática já era percebida
por Vespúcio, antes de Hans Staden (2004, p.127) Ao mesmo tempo, Fonseca (1995) fala das impressões que o sujeito colonial possuía do ameríndio,
sobretudo dos seus costumes e de sua prática antropofágica tão observada pelos viajantes e cronistas do século XVI.
      A narrativa de Staden apresenta um narrador preocupado em louvar e agradecer a Deus por não haver sido devorado, no entanto, o relato faz uma
representação importantíssima, ao relatar aspectos significantes sobre a temática da antropofagia praticada pelos tupinambás:

                  Entonces vino aquél a quien él había sido dado para ser muerto y le pegó en la cabeza de modo que saltaron los sesos. Después lo dejaron
                  tirado ante la choza y querían comerlo. Yo dije (que) no lo hicieron ( pues como él) había sido un/hombre enfermo enfermarían ellos
                  también. Entonces ellos no sabían qué hacer pero salió uno de la choza en la cual yo estaba y gritó a las mujeres que hicieren un fuego al
                  lado del muerto y le cortó la cabeza. Pues él (el esclavo) tenía un solo ojo y tenía mal aspecto por la enfermedad que había tenido ( por eso
                  el salvaje) tiró la cabeza y chamuscó la piel de cuerpo sobre el fuego. Después lo despedazó y se repartió con los otros como es su
                  costumbre y lo comieron excepto la cabeza e intestinos; a éstos les tenían asco porque él había estado enfermo (STADEN, 1944, 80)

      Clicie Nunes (2001, p. 05) parafrasea o texto Viagem à terra do Brasil de Jean de Lery, em que o autor francês narra suas experiências no Brasil com os
índios e faz referência ao cativeiro de Hans Staden e as coincidências observadas por eles sobre o sujeito ameríndio, posteriormente, narrados em ambos
textos.
      3- HANS STADEN ,O CATIVO

      Quase sempre o objeto de cativeiro é destinado à prática da antropofagia, mas o caso de Staden revela-se como uma exceção. Clicie Nunes (2001, p.05)
novamente aponta o caso de Staden como uma relação distinta de cativeiro, pois ele consegue sobreviver, ainda que tenha sofrido no seu período de
prisioneiro com a incerteza de ser ou não ser devorado. Tal fato relaciona-se com o posicionamento que os selvagens mantinham frente ao prisioneiro Hans
Staden, pois em todo momento eles o ameaçavam em devorá-lo, gerando assim em Staden uma insegurança em relação ao seu futuro.                        8
Apesar dessa sensação de insegurança, é importante apontar que, graças a este medo e incerteza, Staden teve condições para que ele pudesse
observar melhor o sujeito tupinambá. Nesta perspectiva, Kim Beauchesne (2004, p. 107) afirma que o medo despertou em Staden o sentido para uma
observação atenta dos atos desenvolvidos pelos tupinambás, especialmente de caráter canibal.
      Dessa maneira, pode-se construir hipoteticamente a imagen do sujeito canibal, parafraseando Pigafetta no seu texto “Primer viaje en torno del globo”
quando narra suas impressões sobre os selvagens comedores de homens encontrados por ele em sua breve estadia no Brasil, entre os anos de 1519-1522.
Pigafetta (2004, p. 72) constrói a imagen do canibal que come carne humana, que é valente e que age desse maneira por vinganca.
      Ao mesmo tempo, a construção da imagen do canibal feita por Hans Staden apresenta-se numa perspectiva do branco-europeu, como pagão, revestido
de bestialidades e muito distante da cultura européia. Todas essas impressões percebidas por Pigafetta são comprovadas por Staden na sua experiência de
cativeiro. Bolaños afirma que os traços típicos do canibal estão comumente relacionados com a falta de ordem civil, ao passo que constrói uma imagem que
trata da condição destes comedores de carne humana, que para ele são uma mistura de humanos, mas não civilizados, e de bestas porque comem carne
humana. Este aspecto é observado por Staden:
                  Y este Conian Bebe tenía delante de sí un gran cesto lleno de carne humana, comió de una pierna, me la tuvo delante de la boca (y) me
                  preguntó si yo quería comer también. Yo dije:
                  – Un animal razonable difícilmente come al otro ¿comería entonces un ser humano al otro? Él mordió en ella (y) dijo:
                  –     Yo soy un tigreanimal. (STADEN, 1944, p. 92)

      Nesse sentido, Todorov traça a imagen do canibal parafraseando as palavras de Montaigne:

                  Recordemos el famoso retrato de los “caníbales” que nos ha dejado Montaigne. Es una nación, le diría yo a Platón, en la cual no hay
                  ninguna especie de tráfico; ningún conocimiento de las letras…Así, pues, nos enteramos de lo que estos “caníbales” no son, de aquellos de lo
                  carecen; pero, ¿cómo son, en forma positiva? Lo que Montaigne nos dice de ellos es bien pobre para alguien que se jacta de haber trazado
                  un retrato de los “caníbales” a partir de las narraciones de testigos oculares.
                   (TODOROV,2003,p.306)

      Considerando tal comentário, percebe-se que Hans Staden é uma testemunha ocular e ninguém melhor que ele, um sobrevivente, para falar dos canibais,
apresentando suas impressões e imagens estabelecidas por ele sobre o sujeito antropófago.
      Assim, a figura do cativo Hans Staden ocupa um grande espaço na narrativa com expressões de sofrimento e angústia, apresentadas pelo infortúnio
vivido pelo protagonista segundo a construção de sua imagen de prisioneiro:


                  Ellos estaban parados en mí alrededor y me amenazaban de cómo iban a comerme. Ahora cuando yo estaba así en gran angustia y
                  desconsuelo, pensé sobre lo que antes jamás consideré, es decir (sobre) el triste valle de penas en el cual vivimos aquí.
                  (STADEN, 1944,p. 49-50)                                                                                                   9
Clicie Nunes acrescenta ainda que a visão de Staden é produzida sob o ponto de vista da vítima, a do possível sacrificado. Por esta razão, o ritual é
narrado nesta perspectiva, privilegiando a posição do cativo que poderia ser sacrificado a qualquer momento. Esta atitude gera em Staden uma incerteza de ser
ou não ser devorado e o coloca em constante conflito com seus pensamentos e acontecimentos que passam ao seu redor.
      4-A IRONIA DO “WILLKOMEN”
      Desta maneira, Staden consegue manter-se vivo devido a vários embustes que favorecem sua sobrevivência e ao mesmo tempo contribui para que ele
tenha uma vivência com os índios por nove meses.
      Existem vários elementos que ajudaram Staden a não ser devorado, tais elementos são mentiras artificiosas utilizados por ele para enganar os
tupinambás, seu comportamento covarde e também sua origen alemã.
      Os embustes utilizados por Staden consistem em elementos da natureza usados para confundir os tupinambás, que mantinham uma relação muito forte
com a mãe- natureza. Os índios acreditavam nos sinais da natureza e sabiamente Staden os aproveitava a seu favor.

                  Yo estaba triste y miré la luna y pensé entre mi mismo: oh, mi Señor y Díos, ayúdame en esta desventura a un fin bien aventurado. Entonces
                  me preguntaron porque yo miraba tan continuamente la luna. Les dije entonces: yo reconozco en ella que está enojada. (STADEN, 1944,
                  p.65)


      Ao mesmo tempo, o comportamento apresentado por Staden em alguns momentos frente aos tupinambás contribuiu para que ele pudesse se salvar. Tal
comportamento é apresentado por um Staden que, apesar de seus embustes, mostra-se também como um medroso e covarde para o valente guerreiro
tupinambá:
                  Comencé a cantar con ojos lagrimeantes desde el fondo de mi corazón el salmo: desde profunda mi angustia clamo a Ti, etc. Entonces
                  dijeron los salvajes: vean como él grita, ahora está descontrolado. (STADEN, 1944, p.49-50)

      Desta maneira, Staden consegue sobreviver devido aos elementos utilizados por ele para esse fim, mas simultâneamente faz-se evidente que sua prisão
estabelece uma relação distinta do que na verdade seria um cativeiro. Na sua obra, Staden apresenta outros cativos que tiveram uma sorte diferente da sua,
pois os outros foram devorados:

                  Entonces llevaron a los cautivos –cada uno el suyo– a su choza pero a los gravemente heridos los arrastraron a tierra y los mataron en
                  seguida y a su costumbre los cortaron en pedazos y asaron su carne. Entre los que fueron asados en la noche hubo dos mamelucos que eran
                  cristianos. Uno era un hijo de un capitán portugués llamado Jorge Ferrero. A ése lo había engendrado con una mujer salvaje. El otro se
                  llamaba Jerónimo; a ese lo había cautivado un salvaje que era de la choza en la cual yo estaba y su nombre era Paraguá. (STADEN, 1944, p.
                  88-89)
                                                                                                                                                   10
O cativeiro de Hans Staden transforma-se em um tipo especial de prisão, pois ele não é devorado pelos selvagens e sua situação de prisioneiro vai
mudando ironicamente, pois os tupinambás mantinham outro tipo de relação com Staden.
      Assim, com o tempo, a relação dos selvagens com Staden ganha outro tom, parodiando a “boa-vinda” dos tupinambás em relação ao seu prisioneiro que
passa a ter um comportamento contrário de um verdadeiro cativo. Ele começa a circular livremente entre os nativos, desenvolvendo um comportamento com
elementos distintos daquele que tinha quando foi aprisionado.
      Desta maneira, o “willkomen”, ou seja, a boa-vinda, pode ser observado em várias situações apresentadas por Staden ao longo de sua obra. Pode-se
caracterizar inicialmente este “willkomen” quando os tupinambás perceberam que Staden não era português, como pensavam anteriormente. Tais elementos
estão relacionados com o vínculo de amizade que Staden mantinha com seu Deus, assim como a cor da barba, diferente dos portugueses, que as tinham quase
sempre de cor negra, Staden por sua vez, a tinha de cor ruiva, e também, pode-se acrescentar a amizade com os franceses, por isso a situação de Staden
estava mudando e os nativos já não pensavam nele como um português:

                  Así también ya hemos tenido y comido algunos portugueses pero su Dios no se enojó tanto como el tuyo. En este conocemos ahora que tú
                  no debes ser un portugués. (STADEN, 1944, p. 70-71)

      Dessa forma, ao dar-se conta que Staden não era português, pensaram então que, na verdade, ele poderia ser francês. É importante dizer que, para os
tupinambás, apenas existiam portugueses e franceses. Os portugueses viviam em constante guerra com os tupinambás e os franceses por outro lado,
mantinham uma boa relação comercial e de aparente amizade com eles. Desta maneira, Staden aproveita essa boa relação dos franceses com os tupinambás
para fazer de seus planos uma realidade:
                  Y dije entonces (que) yo había ordenado a mi hermano que él viere de escaparse de los portugueses y fuere a nuestra patria y trajese un
                  buque con muchas mercaderías y me buscara pues vosotros eráis rectos y me tratabais bien lo que yo quería premiar cuando viniese el
                  buque. Y en todo el tiempo tuve que hacerles creer así lo mejor y esto les afectó mucho. Después decían entre ellos: él debe ser de seguro
                  un francés, de aquí en adelante tratémoslo mejor. (STADEN, 1944, p. 79)

      Ao mesmo tempo, os tupinambás pensavam que Staden mantinha uma relação íntima com seu Deus, pois quase sempre as orações de Staden eram
seguidas coincidentemente por alguma expressão da natureza, interpretada pelos índios como uma intervenção de Staden diretamente com seu Deus:


                  Yo había hecho una cruz de un palo y (la había) erigido delante de la choza en la cual yo estaba; ante ella hice muchas veces mi oración al
                  Señor y yo había ordenado a los salvajes que no la sacaran; de ello podría sobrevenir alguna desgracia pero ellos despreciaron mi plática…
                  Poco después comenzó a llover mucho y duró varios días. Ellos vinieron a mi choza y pidieron (que) yo hiciere con mi Dios que la lluvia
                  cesara porque si no cesaba, impediría realizar sus plantaciones pues era su tiempo de plantación.(STADEN, 1944, p. 94-95)
                                                                                                                                                   11
Além disso, Staden começa a participar de algumas atividades desenvolvidas pelos tupinambás na sua vida cotidiana, demonstrando que os nativos já
começaram a vê-lo de outra forma: Estuve parado con uno que también era uno de los principales, llamado Paragua que había asado el Jeronimo. Este y otro
más y yo estábamos parados y pescábamos. (STADEN, 1944, p. 95)


      É necessário dizer que durante seu infortúnio, Staden pôde desenvolver suas observações, traçando ao mesmo tempo um perfil do canibal, que Todorov
apresenta sob a perspectiva de Vespucio e que se repete em Staden:

                   La sociedad de los salvajes, según Américo Vespucio, se caracteriza por cincos rasgos: carencia de vestimentas; ausencia de propiedad
                   privada; ni jerarquía ni subordinación; inexistente de prohibiciones sexuales: carencia de religión; y todo eso se encuentra resumido en la
                   fórmula: “Vivir conforme a la naturaleza. (TODOROV, 2003, p. 308)

      A medida que o perfil do canibal foi construído, são apresentados os elementos que fazem referência a antropofagia e ao sujeito cativo, neste caso,
exemplificado por Hans Staden.
      Ainda que tenha sobrevivido, sua história deixa um vazio, ao tratar do tema da antropofagia, pois no seu caso, houve cativeiro, mas não a prática da
antropofagia em si, já que sabemos que ele pôde voltar para a sua terra e relatar seu infortúnio.
      De todas as maneiras, os elementos relacionados ao “willkomen” de Staden lhe ajudaram a sobreviver e fazer de si um sujeito heróico, um sobrevivente
que apesar dos sofrimentos, pôde voltar às suas origens e relatar suas impressões e experiências no Brasil do século XVI.


      CONCLUSÃO


      Ao terminar este trabalho, faz-se claro que efetivamente a prisão de Hans Staden o manteve como um “willkomen” ironicamente considerado na
perspectiva de que não houve a prática da antropofagia em si. O presente trabalho intentou traçar um perfil do canibal de acordo com as impressões de Staden,
baseadas nas considerações de Todorov e Pigafetta que tratam desta temática, aclarando o tema e apresentando elementos que são justificados ao longo da
trajetória de Staden.
      Ao mesmo tempo, tratou-se das inquietações que se apresentaram na sua posicão de cativo e da diferença entre sua situação e a de outros prisioneiros
que tiveram um fim diferente do seu, por isso é que o caso de Staden gera tantas discussões e o caracteriza como uma exceção ao tratar de cativeiro. Assim, o
caso do “willkomen” que sucedeu com Staden contribuiu para que ele conseguisse sobreviver, visto que o “willkomen” estava baseado na mudança de
sua situação de prisioneiro, apresentando a idéia de que alguns elementos que foram tratados ao longo do texto foram de grande ajuda a12
sobrevivência de Staden, assim como o caso do “willkomen” em si.
            Desta maneira, pode-se caracterizar o uso irônico do termo, num novo olhar que os tupinambás dão à sua vítima, pois é assim que começa o fio de
      esperança de Hans Staden em sobreviver a seu infortúnio entre os selvagens brasileiros e, por fim, voltar para a sua terra natal e poder escrever sua aventura
      vivida entre estes nativos do Brasil do século XVI.
            Além disso, pode-se dizer que este trabalho contribui efetivamente para o estudo da prisão de Hans Staden, traçando os supostos motivos que fizeram
      dele um sobrevivente e uma exceção no tema de cativeiro no cenário geral do século XVI. Assim, pode-se acrescentar informações sobre os primeiros
      habitantes do Brasil Colonial e sua trajetória como um povo valente, forte, canibal, mas com uma postura capaz de proporcionar um “willkomen”, gerando,
      nessa perspectiva, futuros estudos sobre sua idiossincrasia como protagonistas de um “willkomen”, apesar de ser, na prática, antropófagos no passado.



            REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Primaria:
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Secundaria:
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BOLAÑOS, Álvaro Félix. Antropofagia y diferencia cultural: construcción retórica del caníbal del nuevo Reino de Granada. Revista Iberoamericana (Pittsburgh). Vol. LXI.
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PIGAFETTA, Antonio. Primer viaje en torno del globo. Madrid: Espasa, 2004.
TODOROV, Tzevetan. Sobre las buenas costumbres de los otros. Em: “Nosotros y los otros”. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003. 305-318.

Biografia da autora:


Nasci em Ibirataia, Bahia, sou graduada em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus, Bahia. Atualmente sou aluna do Mestrado em Literatura da
Universidad de Chile em Santiago, Chile. Tenho trabalhos apresentados em alguns eventos nacionais e internacionais; ainda não tenho artigo publicado; más tenho
resumos publicados nos anais dos eventos que participei em Cascavel, PR (Seminário Nacional de Literatura e História), Valparaiso, Chile (Conferencia13
Internacional La literatura y las ciudades), Santiago, Chile (Jornada internacional de estudiantes de postgrado en Humanidades). Sendo que os dois primeiros eventos
apresentei o seguinte trabalho: El caso del “willkomen” de Hans Staden entre los indios tupinambás en Brasil. No último evento apresentei um trabalho sobre minha
proposta de dissertação: La loz y el martillo en la escritura de Jorge Amado. Falo inglés, español e um pouco de alemão. Desenvolvi um projeto voluntário de leitura
em Ibirataia, Bahia, chamado “Garagem da Leitura”.
Santos.daiana@bol.com.br ; daianacold@gmail.com
Daiana Nascimento dos Santos
San Sebastian, 2909,depto. 507, Las Condes
Santiago- Chile


.




                                                                                                                                                            14
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
         CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

              PRIMEIRA VERSÃO
                                                                     PRIMEIRA VERSÃO
          ANO IV, Nº207 JULHO - PORTO VELHO, 2006                    ISSN 1517-5421     lathé biosa   207
                     Volume XVI Maio/Agosto

                          ISSN 1517-5421

                            EDITOR
                       NILSON SANTOS
                    CONSELHO EDITORIAL
               ALBERTO LINS CALDAS - História
                 ARNEIDE CEMIN - Antropologia
               FABÍOLA LINS CALDAS - História
            JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
                    MIGUEL NENEVÉ - Letras
                VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New
Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser
                    encaminhados para e-mail:

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                    TIRAGEM 150 EXEMPLARES
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          EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Theodor W. Adorno
                                                                                                                                             A ARTE É ALEGRE?1
       1
       O prólogo ao Wallenstein, de Schiller, termina com o seguinte verso: "Séria é a vida, alegre é a arte". Foi inspirada pelos versos de Ovídio, em Tristia: "Vita
verecunda est, Musa jocosa mihi", ou "Minha vida é contida, a musa me é um divertimento". Talvez se possa atribuir um intento a Ovídio, o alegre poeta clássico. Ele,
cuja vida era tão liberta que pareceu insuportável ao regime de Augusto, piscasse gaiatamente a seus patronos, pois ao mesmo tempo em que compunha sua alegre
obra literária Ars Amandi simulava certo arrependimento para dar a entender que estava resolvido a assumir uma vida de seriedade, pois retornava do exílio. Para ele,
isso era quase um pedido de perdão. Mas Schiller, poeta oficial do idealismo alemão, não queria tocar nessa disputa latina. Sua afirmativa aponta o dedo, mas não
indica nada. Por isso, torna-se plenamente ideológica e passa a integrar o tesouro doméstico do burguês, como citação disponível para qualquer ocasião apropriada.
Pois confirma a estabelecida e popular distinção entre trabalho e tempo livre. Algo que remonta aos prosaicos tormentos do trabalho escravo e à bem justificada
aversão por ele afirma-se como lei eterna de duas esferas claramente separadas. Nenhuma deve imiscuir-se na outra. Justamente por seu edificante descompromisso,
a arte deve ser incorporada à vida burguesa e a ela subordinada como seu complemento antagônico. Já se pode prever a organização do tempo livre que daí
resultará: um Jardim de Elísio, onde crescem as rosas celestes, que deverão ser cuidadas pelas mulheres em suas vidas terrenas, tão abomináveis. Ao filósofo idealista
oculta-se a possibilidade de que as coisas possam em algum tempo se transformarem realmente. Ele está preocupado com os efeitos da arte. Com toda a nobreza de
seus gestos, Schiller no fundo antecipa a situação da indústria cultural quando a arte é receitada como vitaminas a cansados homens de negócios. Hegel foi, no auge
do idealismo alemão, o primeiro que se opôs a uma estética de resultados que vinha desde o século XVIII e que incluía Kant, defendendo a afirmativa de que a arte
não era um mecanismo para instruir ou para ser , à Horácio, um deleite.
       2
       Mas há algo de verdade na trivialidade da alegria da arte. Se ela não fosse, sob alguma mediação qualquer, fonte de alegria para muitos homens, não teria
conseguido sobreviver na mera existência que contradiz e a que opõe resistência. Mas isto não lhe é algo do exterior e, sim, uma parte integrante de sua própria
definição. Embora não se refira à sociedade, a fórmula kantiana de "finalidade sem fim" alude a isto. A não-finalidade da arte é escapar da coerção da auto-
preservação. A arte incorpora algo como liberdade no seio da não-liberdade. O fato de, por sua própria existência, desviar-se do caminho da dominação a coloca como
parceira de uma promessa de felicidade, que ela, de certa maneira, expressa em meio ao desespero. Mesmo nas peças de Beckett, a cortina se levanta como num
cenário de Natal. Em seu esforço para se desembaraçar de seus elementos miméticos, a arte trabalha em vão para libertar-se do resíduo de prazer, suspeito de trazer
um toque de concordância. Por tais razões, a tese da alegria da arte tem que ser tomada num sentido muito preciso. Vale para a arte como um todo, não para
trabalhos individuais. Estes podem ser totalmente destituídos de alegria, em conformidade com os horrores da realidade. O alegre na arte é, se quisermos, o
                                                                                                                                                              16
contrário do que se poderia levianamente assumir como tal: não se trata de seu conteúdo, mas de seu procedimento, do abstrato de que sobretudo é arte
por abrir-se à realidade cuja violência ao mesmo tempo denuncia. Daí o pensamento do filósofo Schiller, que reconheceu a alegria da arte no lúdico e não em seu
conteúdo espiritual, mesmo quando transcenda o idealismo. A priori, antes de suas obras, a arte é uma crítica da feroz seriedade que a realidade impõe sobre os seres
humanos. Ao dar nome a esse estado de coisas, a arte acredita que está soltando amarras. Eis sua alegria e também, sem dúvida, sua seriedade ao modificar a
consciência existente.
        3
        Mas a arte, como forma de conhecimento recebe todo seu material e suas formas da realidade – em especial da sociedade – para transformá-la, acaba
embaraçando-se em contradições irreconciliáveis. Sua profundidade mede-se pelo fato de poder ou não, pela reconciliação que suas leis formais trazem às
contradições, destacar a real irreconciliação. Vibra a contradição em suas mais remotas mediações como nos mais extremos pianíssimos da música estrondam os
horrores da realidade. Onde a fé na cultura canta, com futilidade, louvores da harmonia musical, como em Mozart, esta mostra uma dissonância quanto às
dissonâncias da realidade, as quais toma como conteúdo. Eis a tristeza em Mozart. Somente pela transformação do contraditório como negativamente preservado, é
que a arte se realiza, o que é desmentido assim que a arte é glorificada como algo que ultrapassa o que existe, independente de seu contrário. As tentativas de definir
o que seja kitsch costumam falhar, mas talvez não fosse a pior definição aquela que tomasse como critério do válido ou do kitsch o fato de que uma obra de arte, ao
expressar oposição à realidade, consiga dar forma à consciência da contradição ou opte pela ilusão de que a dissolve. É, com esse critério, que se deve ver a
seriedade de toda obra de arte. Como algo que escapa da realidade e, no entanto, nela está imersa, a arte vibra entre a seriedade e a alegria. É esta tensão que
constitui a arte.
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        O significado desse movimento contraditório entre a alegria e a seriedade da arte – sua dialética – pode ser explicado com simplicidade através de dois dísticos
de Hölderlin, que o poeta – intencionalmente, com certeza – colocou juntos. O primeiro, intitulado "Sofocles", diz:
        "Muitos tentam, em vão, dizer o mais alegre alegremente
        E eis que, então, se expressa a mim, tão tristemente"2
        A alegria do trágico deve ser buscada não no conteúdo místico de seus dramas, talvez nem mesmo na reconciliação que ele confere ao mito, mas, de
preferência, no que seu dizer, no seu expressar-se3. As duas expressões sublinhadas estão empregadas enfaticamente nos versos de Hölderlin.
        O segundo dístico selecionado traz o título de "O engraçadinho":
        "Sempre brincam e fazem piadas? Precisam? Oh, amigos! A mim
        atinge-me a alma, pois só os desesperados fazem assim! "4
        Onde a arte se pretende por si mesma ser alegre e, com isso, tenta adaptar-se a um uso a que, segundo Hölderlin, nada de sagrado pode mais
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servir, acaba reduzida a simples necessidade humana, traindo seu conteúdo de verdade. Sua vivacidade disciplinada adapta-se ao mecanismo do mundo.
Encoraja os seres a se deixarem levar pelo que é status quo, a colaborar. Eis a forma do desespero objetivo. Se tomamos o dístico com seu devido peso, indica o
caráter afirmativo da arte. Desde aquela época, sob o ditames da indústria cultural, o caráter afirmativo da arte tornou-se onipresente e a brincadeira de espírito
apenas uma irônica careta dos anúncios de propaganda.
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        Pois a relação entre o sério e o alegre da arte submete-se a uma dinâmica histórica. O que se pode chamar de alegre na arte é algo que surge, algo
impensável nas obras arcaicas ou de conteúdo estritamente teológico. O alegre na arte pressupõe algo como liberdade urbana, o que não surge na burguesia inicial,
como em Boccaccio, Chaucer, Rabelais e em Dom Quixote, mas já se faz presente como o elemento que períodos posteriores denominam de clássicos, como distintos
do arcaico. O modo como a arte se liberta do obscuro e desesperado mito é essencialmente um processo, não uma escolha fundamental e imutável entre o sério e o
alegre. É na alegria da arte que a subjetividade, de início, se conhece em seu próprio interior e se torna consciente. É pela alegria que ela se liberta do enredamento e
retorna a si mesma. A alegria tem algo da disponibilidade burguesa, embora compartilhe também do destino histórico da burguesia. O que já foi cômico torna-se
irrecuperavelmente estúpido; os mais tardios degeneram-se em amável comportamento de cumplicidade. Por fim, torna-se intolerável. Quem poderia agora rir ainda
de Dom Quixote e de sua sádica ironia sobre que se opõe ao princípio de realidade do burguês? O que nas comédias de Aristófanes – hoje, como ontem, geniais –
deve ser considerado cômico tornou-se um enigma; a igualdade entre o grosseiro e o cômico só permanece ainda nas regiões provincianas. Quanto mais
profundamente a sociedade fracassa na reconciliação que o espírito burguês prometeu como Esclarecimento do mito, tanto mais o cômico é relegado ao Orcus5 e o
riso, outrora a imagem da humanidade, regride ao desumano.
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        Desde que a arte foi tomada pelo freio da indústria cultural e posta entre os bens de consumo, sua alegria se tornou sintética, falsa, enfeitiçada. Nada de
alegre é compatível com o arbitrariamente imposto. A pacificada relação da alegria à natureza não tolera manipulações e cálculos. A distinção que a linguagem faz
entre a graça e o gracejo dá conta exatamente desse fato. Onde hoje se vê o divertido é deturpado por ter sido imposto, até os limites ominosos do "no entanto"
próprio das tragédias que se consolam de que a vida é assim mesma. A arte, que não é mais possível se não for reflexiva, deve renunciar por si mesma à alegria. A
isto é forçada pelo que aconteceu recentemente. A afirmativa de que após Auschwitz não é mais possível escrever poesia, não deve ser cegamente interpretada, mas
com certeza depois que Auschwitz se fez possível e que permanece possível no futuro previsível, a alegria despreocupada na arte não é mais concebível.
Objetivamente se degenera em cinismo, independentemente de quanto se apóie na bondade e compreensão humanas. Afinal de contas, esta impossibilidade foi
sentida pela grande literatura, primeiramente por Baudelaire quase um século antes da catástrofe européia, e depois por Nietzsche bem como pela renúncia ao humor
do Círculo Literário de Stefan George. O humor se converteu em polêmica paródia. Ali ele encontra um refúgio temporário enquanto permanecer irreconciliável, sem
levar em consideração o conceito de reconciliação que antes era seu parceiro. Pouco a pouco, a forma polêmica do humor também se põe em questão. Não
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pode mais contar que será compreendida e a polêmica, entre as formas artísticas, não pode sobreviver no vazio. Há alguns anos, houve debates sobre a
questão de se saber se o fascismo poderia ser apresentado em formas cômicas ou paródicas sem que isso constituísse um ultraje a suas vítimas. É indiscutível o
caráter de tolice, de farsa, de artigo de qualidade inferior de que se revestem os elos entre Hitler e seus adeptos de um lado e a imprensa marron e os dedos-duros de
outro lado. Não dá para rir disso. A realidade sangrenta não era um espírito bom ou mal de que se pudesse caçoar. Eram ainda os bons tempos quando, com
esconderijos e safadezas num sistema de horror, Hasek escreveu Schwejk. Mas comédias sobre o fascismo iam se tornar cúmplices do tolo modo de pensar que
considerou esse regime derrotado por antecipação porque os batalhões mais fortes da história a ele se opunham. Acolher a posição dos vencedores não convém aos
adversários do fascismo, que têm o dever de não se assemelharem em nada com aqueles que se entrincheiram naquelas posições. As forças históricas que produzem
o terror, nascem da própria estrutura social. Não são de maneira alguma superficiais e são poderosas demais para que alguém se ponha a tratá-las como se estivesse
com a história atrás de si e que os Führers fossem, de fato, os palhaços cujas falas assassinas pudessem equiparar-se a disparates.
       7
       Porque, além de tudo, o momento da alegria na liberdade da arte advém da mera existência, que mesmo as obras desesperadas – e sobretudo essas –
demonstram: o momento da alegria ou do cômico não se deixa simplesmente expulsar no curso da história. Ele sobrevive em sua autocrítica, como o humor sobre o
humor. As vanguardas das obras de arte contemporâneas com traços sem sentido e tolos, que tanto irritam os que possuem uma visão positivista, não são
exatamente regressão da arte a um estágio infantil mas sobretudo julgamentos bem humorados sobre o humor. A obra-mestra de Wedekind contra o editor de
simplizissimus traz o subtítulo de "Sátira da sátira". Há algo de similar com Kafka, cuja prosa chocante é recebida por muitos de seus intérpretes, dentre os quais
Thomas Mann, como humor e cujas relações com Hasek está sendo objeto de estudo por pesquisadores eslovacos. Em especial diante das peças de Beckett, a
categoria do trágico cede lugar à risada, pois suas peças cortam todo humor que aceite o status quo. Elas manifestam um estado de consciência que não mais admite
a alternativa entre sério e alegre e nem tampouco a mista tragicomédia. O trágico dissolve-se porque são evidentemente inconseqüentes as demandas de uma
subjetividade que deveria ser trágica. No lugar da risada instala-se o choro sem lágrimas, o choro seco. O lamento se tornou a tristeza dos olhos ocos e vazios.
Resgatado é o humor nas peças de Beckett porque infectam com risadas sobre o risível do rir e sobre o desespero. Esse processo se identifica à redução artística, uma
trilha que leva de uma sobrevivência mínima a um mínimo de sobrevivência, que ainda resta. Esse mínimo atenua, talvez para sobreviver-lhe, a catástrofe histórica.
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       Na arte contemporânea faz-se evidente um definhar-se da alternativa entre o alegre e o sério, entre o trágico e o cômico e, quase, da vida e da morte. Com
isso, a arte nega todo o seu passado, sem dúvida porque a costumeira alternativa expressa uma situação fendida entre a felicidade da vida que continua e a
catástrofe, que é o meio de sua sobrevivência. A arte que está além do alegre e do sério pode ser tanto uma cifra da reconciliação quanto do terror, dado o completo
desencantamento do mundo. Tal arte corresponde tanto ao desgosto perante a onipresença, seja aberta ou oculta, que faz propaganda da existência, quanto ao
drama de alto coturno que, pela repetição do sofrimento, novamente toma partido pela imutabilidade. Diante do passado recentíssimo, a arte não pode ser
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mais alegre tanto quanto não pode ser séria por completo. Dúvidas se levantam quanto ao fato da arte ter sido mesmo tão séria quanto a cultura propagou
aos homens. A arte não pode mais igualar a expressão da tristeza com o que há de mais alegre, como acontecia na poesia de Hölderlin, que se considerava afinado
com o Weltgeist.6 O conteúdo de verdade da alegria parece ter se tornado inatingível. Que os gêneros se estejam borrando, que o gesto trágico pareça cômico e que
o cômico se torne melancólico combina com isso tudo. O trágico decai porque levanta uma demanda pelo significado positivo da negatividade, o significado que a
filosofia chama de negação positiva. Essa demanda não pode ser satisfeita. A arte que penetra no desconhecido, a única forma agora possível, não é séria nem alegre;
a terceira oportunidade, no entanto, está encoberta como se mergulhada no nada, cujas figuras são descritas pelas obras de arte de vanguarda.
       1 "Ist die Kunst heiter?" integra os ensaios de Noten zur Literatur. Gesammelte Schriften 11. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996: 599-606. Tradução de
Newton Ramos-de-Oliveira e revisão pela Equipe do Potencial Pedagógico da Teoria Crítica (Antonio Álvaro Zuin, Bruno Pucci e o tradutor).
       2 No original: "Viele versuchen umsonst das Freudigste freudig zu sagen
       Hier spricht endlich es mir, hier in der Trauer sich aus"
       3 Contrapõe os verbos "sagen" e "aussprechen" no dístico acima.
       4 No original: "Immer spielt ihr und scherzt? Ihr müßt! O Freude! Mir geht diß
       in die Seele, denn diß müssen Verzweifelte nur".
       5 Orcus – na mitologia romana, o reino das sombras, as regiões infernais. (Nota de NRO)
       6 Weltgeist: espírito do tempo. (nota de NRO)




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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
    CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE                       PRIMEIRA VERSÃO
                                                           ISSN 1517-5421    lathé biosa    208
         PRIMEIRA VERSÃO
     ANO IV, Nº208 AGOSTO - PORTO VELHO, 2006
              Volume XVI Maio/Agosto

                     ISSN 1517-5421


                       EDITOR
                  NILSON SANTOS

               CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS - História
           ARNEIDE CEMIN - Antropologia
          FABÍOLA LINS CALDAS - História
       JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
              MIGUEL NENEVÉ - Letras
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Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte
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     EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA


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Cláudio Márcio do Carmo – UFSJ
        Professor Adjunto de Lingüística e Lingüística
        Departamento de Letras, Artes e Cultura.
                                              Aspectos híbridos e mercadológicos do discurso da Igreja Universal do Reino de Deus na mídia televisiva



        Resumo: Tomando como corpus transcrições do programa da Rede Record Pare de Sofrer da Igreja Universal do Reino de Deus, desenvolvemos uma
pesquisa queprocurou esclarecer alguns aspectos relacionados à inserção de uma instituição religiosa dentro da mídia. Essa pesquisa, por sua vez, apontou para
questões referentes ao processo mercadológico ligado à competição por fiéis e da interdiscursividade, que se manifesta no evento principalmente através do
hibridismo dos discursos e gêneros discursivos evocados no programa e que facilitam a veiculação das idéias e a argumentatividade.


        Palavras-chave: mídia, religião, mercado, interdiscursividade, hibridismo.


        Abstract: Taking as corpus transcriptions of TV program broadcasted by Rede Record Pare de Sofrer by Igreja Universal do Reino de Deus, we developed a
research that tried to clear some aspects related to the insert of a religious institution inside of media. That research appeared for referring issues to the process of
marketization linked to the competition for followers and of interdiscursiveness, that shows mainly in the event through the hybridism of the discourses and genres
evoked in the program and that facilitate the vehiculation of ideas and the argumentativity.


        Key words: media, religion, market, interdiscursivity, hybridism.


        Tomando como corpus transcrições do programa da Rede Record Pare de Sofrer da Igreja Universal do Reino de Deus, desenvolvemos uma pesquisa que
procurou esclarecer alguns aspectos relacionados à inserção de uma instituição religiosa dentro da mídia. Essa pesquisa, por sua vez, apontou para questões
referentes ao processo mercadológico ligado à competição por fiéis e da interdiscursividade, que se manifesta no evento principalmente através do hibridismo dos
discursos e gêneros discursivos evocados no programa e que facilitam a veiculação das idéias e a argumentatividade. Nosso referencial teórico de base é a análise
crítica do discurso (doravante ACD) segundo proposta do lingüista inglês Norman Fairclough, que idealiza um quadro tridimensional e multidisciplinar de análise que
prevê, no processo analítico de um texto/discurso, a análise textual, a análise da prática discursiva e a análise da prática sociocultural. Aqui, estaremos trabalhando,
sobretudo, com a prática discursiva, a qual envolve o processo de produção, distribuição e consumo de um dado texto e, por conseguinte, a inter-relação entre
palavra e imagem, o que dá corpo ao texto midiático.



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1. Sobre o conceito de hibridismo e sua relação com o processo da interdiscursividade
        Para Fairclough (1999: 184), hibridismo pode ser entendido como uma mistura de gêneros, discursos, registros e textos e pode ser aplicado não só aos
discursos (substantivo comum), definido como “modo de significar a experiência a partir de uma experiência particular” (FAIRCLOUGH, 2001: 39), como também
aos gêneros (enquanto “formas convencionais de texto”) que constituem um discurso (substantivo abstrato), definido como o “uso da linguagem concebido como
prática social” (Ibid.). Podemos perceber o alcance dessa noção porque, dentro do mesmo quadro teórico-metodológico, podemos trabalhar o discurso, substantivo
comum, correspondendo “as dimensões do texto tradicionalmente referidas como conteúdo, tópico, assunto, significado ideacional” (MAGALHÃES, 2001: 21) e
expandir para o discurso, substantivo abstrato, que corresponde àquilo que sustenta os discursos substantivos comuns, sendo o local de que partem diferentes
pontos de vista. Magalhães esclarece que a preferência por discurso em vez dos termos mencionados decorre do fato de este ser o único capaz de ressaltar as
representações particulares presentes nos textos.
        Por outro lado, também se levam em conta os gêneros como macrotegorias nas quais os discursos (substantivo comum) se materializam, uma vez que,
como mostra Fairclough (1992), o gênero é um elemento que precede em hierarquia os outros. Os processos de hibridização citados pelo autor em Discourse and
social change (1992) são a paródia, a própria mistura de gêneros, a intertextualidade, enquanto presença explícita de outros textos num dado texto, e a
interdiscursividade que está em destaque em seus estudos, por ser um conceito mais amplo que leva ao entendimento do que constitui um texto: sua rede de
relações, sua constituição a partir de uma configuração interdependente e complexa de tipos textuais e convenções discursivas. Esse conceito de
interdiscursividade, por sua vez, provém de uma expansão do termo heterogeneidade discursiva, tomado de AUTHIER-REVUZ (1982) e MAINGUENEAU (1989),
segundo os quais há dois tipos de heterogeneidade: a manifesta e a constitutiva. A primeira incide sobre manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma
diversidade de fontes de enunciação, enquanto o segundo aborda uma heterogeneidade que não é marcada na superfície, mas que a Análise do Discurso pode
definir, formulando hipóteses, através do interdiscurso (MAINQUENEAU, 1989: 75).
        Em outras palavras, a heterogeneidade mostrada encontra-se na superfície do texto, sendo resgatável em termos enunciativos, enquanto a
heterogeneidade constitutiva converge para o tipo de discurso e para a combinação de elementos das ordens do discurso em que se insere. Em ACD, há
preocupação tanto com a heterogeneidade mostrada como com a heterogeneidade constitutiva, pois, como explicita Magalhães (2001: 19), “para referir-se ao
fenômeno de diálogo entre textos em geral, sem distinção entre heterogeneidade manifesta ou constitutiva, será usado simplesmente o temo intertextualidade e,
para referir-se especificamente ao segundo, será usado o termo interdiscursividade”.
        Como esclarece Fairclough (1992: 124), o princípio da interdiscursividade (ou intertextualidade constitutiva) sugere que as ordens do discurso têm primazia
sobre tipos particulares de discurso que são constituídos dentro de uma configuração de diversos elementos de ordens do discurso. Pode-se inferir, então, desse
pensamento que a interdiscursividade surge como essa diversidade de elementos que desembocam no hibridismo. Dentro dessa perspectiva, apesar de não haver



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um conceito mais elaborado de hibridismo, pode-se pensá-lo a partir da multiplicidade de discursos que evocamos em nosso dia-a-dia, os quais fazem com que
cada palavra, expressão, exposição e/ou ponto de vista faça sentido. Isso nos leva a perceber as conexões extralingüísticas que fazem com que o material
lingüístico – em termos fonético-fonológicos, lexicais, morfológicos e sintáticos ordenados em um todo semântico que constitui um texto e dá forma e voz a
diferentes discursos – tome forma, sentido e poder junto às instituições de que interdependentemente fazem parte.
        Nas palavras de Pagano (2001: 88), “o hibridismo parece surgir da práxis ou da produção textual, que, se bem participa de um gênero específico ou se
vincula a ele, está sempre ativando outros gêneros”. Logo, podemos dizer que o hibridismo é uma forma genuína de materialização da interdiscursividade a qual
“opera sobre diferentes níveis ou dimensões da intertextualidade na qual gêneros, situações, registros, práticas sociais ou comunidades de prática são apropriados
como aspectos significativos da ação mediada” (SCOLLON, 1998: 253).
        Como nos esclarece Fairclough (1995: 60-1), a natureza das práticas discursivas na mídia é híbrida e isso pode ser percebido pelo uso de vários tipos de
discurso e pela mistura deles, o que causa uma complexidade intertextual apenas percebida lingüisticamente na heterogeneidade do significado e da forma.
        2. Mídia e Religião: hibridismo e marketing religioso
        Após essa rápida retomada de alguns conceitos importantes para o desenvolvimento de nossa proposta, podemos depreender a partir da análise do corpus
que o hibridismo mais importante do evento discursivo estudado ocorre com relação à ordem do discurso midiático e à ordem do discurso religioso. Os gêneros e
discursos chamados num evento sofrem consideráveis modificações na mídia televisiva, local em que, segundo Fairclough (1995: 60-61), a natureza das práticas
discursivas é híbrida, justificando constantes diálogos materializados pelos processos da intertextualidade e da interdiscursividade.
        Quando tomamos como referência a natureza do evento estudado – o programa Pare de Sofrer – o discurso religioso que, via de regra, deveria sobressair-
se a qualquer outro adquire um papel secundário por sofrer um processo de mercantilização (cf. FAIRCLOUGH, 2001). Isso quer dizer que o discurso veiculado é
muito pouco religioso, funcionando muito mais como marketing da instituição. A ordem do discurso religioso se enfraquece em função da emergência de um
discurso mercadológico que procura vender os produtos da instituição como se fossem bens de consumo.
        Essa modificação justifica a importância da ordem do discurso midiático que possibilita a expansão do discurso veiculado e a venda dos bens institucionais
religiosos a um número bastante vasto de pessoas.
        E é justamente desse processo que emergem as questões referentes a quem faz o que, para quem e com que interesse, introduzindo o que podemos
denominar marketing da fé ou marketing religioso.
        O marketing, de uma forma geral, tem sido estudado sob diversos pontos de vista (cf. COBRA, 1986; ROCHA & CHRISTENSEN, 1987; PINHO, 1991;
KOTLER & ROBERTO, 1992), mas um dos tipos de marketing menos estudado é o marketing religioso, que se distancia dos demais porque nem sempre procura




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vender algo de material, mas principalmente bens de salvação (cf. BOURDIEU, 1999: 32). Por essa razão, estaremos tomando esses autores como referências,
porém fazendo possíveis e, às vezes, necessárias modificações de forma a expor como esse tipo de marketing ocorre no programa Pare de Sofrer.
        Como podemos inferir das explanações de Pinho (1991: 13-14), o conceito de marketing veio tomando forma no decorrer dos tempos porque deixou um
foco que recaía apenas sobre a produção e a distribuição de um produto, e elegeu um outro foco que levava em consideração também o consumo. Segundo o
autor, é importante produzir aquilo que os consumidores desejam, prestar atenção nos mercados já existentes e a quais produtos e serviços esses mercados estão
receptivos.
        De acordo com Rocha & Christensen (1987: 22), no processo competitivo, cada empresa está permanentemente buscando o melhor ajustamento entre o
produto específico que ela oferece e algum grupo de consumidores no mercado; entretanto, como o mercado é dinâmico, toda empresa está permanentemente
ameaçada de perder sua posição seja por mudança no ambiente, no comportamento dos consumidores ou na ação dos concorrentes. Por isso, no evento estudado,
além de a programação ter cunho assistencial, o que é comum a qualquer religião, em vários momentos ocorrem ataques a outras religiões – principalmente,
Espiritismo, Umbanda, Quimbanda e Candomblé – ou a outras denominações também evangélicas. Logo, essas outras religiões e/ou denominações constituem o
que podemos chamar de mercado concorrente no campo religioso.
        Um dado significativo trabalhado por Pinho (1993: 17) diz respeito ao plano de marketing, ou seja, ao documento que programa as várias atividades
voltadas para criação de um mercado. O autor explica que, no processo de preparação do planejamento mercadológico, devem ser levadas em consideração seis
atividades: a pesquisa de mercado, o planejamento do produto, a fixação de preços, a propaganda, a promoção de vendas e a distribuição do produto. Transferindo
esse planejamento mercadológico para o contexto religioso estudado, podemos dizer que há uma pesquisa de mercado a qual faz um levantamento das religiões
que concorrem no mercado religioso atual, fato evidenciado pelas constantes menções a elas feitas pelo pastor. No caso do planejamento do produto, podemos
perceber que se criou um produto, visando a atender às necessidades da comunidade receptora, isto é, a resolução de seus problemas. A fixação de preços também
merece atenção porque, apesar de não haver preços em dinheiro nem produtos materiais claramente à venda, o preço do serviço parece ser a adesão ao grupo.
Quanto à propaganda, criou-se uma atmosfera no programa que informa ao consumidor – à comunidade receptora – de que há uma saída para seus problemas,
que é o encontro com Deus na Igreja Universal do Reino de Deus.
        A propaganda, nesse sentido, está intimamente relacionada com a promoção de venda, pois foi criado o evento Pare de Sofrer na mídia televisiva para que
ele leve o “serviço” ao comprador, à comunidade receptora. No último caso, a distribuição do produto, pode-se perceber claramente que, dentro do evento, o
produto – a solução para os problemas – é colocado ao alcance do consumidor a partir da informação das igrejas mais próximas da residência dos participantes e
da Catedral da fé, na Avenida Olegário Maciel (centro de Belo Horizonte, MG), local de fácil acesso e conhecido da comunidade. Esse ponto finaliza o planejamento
proposto pela comunidade produtora, a partir da facilitação da compra de seus bens de consumo, de seus bens de salvação.



                                                                                                                                         ISSN 1517 - 5421      25
Tomando ainda emprestados de Pinho (1995: 28-30) a terminologia e os esclarecimentos sobre os tipos de propaganda, podemos afirmar que o programa
ainda articula de forma híbrida tipos diferentes de propaganda. No momento em que difunde a ideologia, as idéias e concepções da Igreja Universal do Reino de
Deus, está sendo feito o que o autor chama de propaganda ideológica. Quando o foco recai sobre as necessidades da instituição religião que toma ares de empresa,
está sendo feita uma propaganda institucional. E, por último, quando se procura influenciar a comunidade receptora com formas de persuasão destinadas a
influenciar seu ponto vista religioso, ocorre a propaganda religiosa.
        Nesse ínterim, propaganda e publicidade se misturam em função de um marketing da fé, de um marketing religioso. Enquanto a propaganda tem a função
de propagar os pontos de vista e ideologias da instituição religiosa, a publicidade assume a função de vender os produtos da mesma: os bens de salvação, a
solução para os mais diversos tipos de problemas.
        A mídia funciona, nesse processo, como marketing direto da instituição religiosa. Nas palavras de Pinho (1993: 61), “a televisão e os demais meios de
comunicação de massa se fazem presentes e têm grande penetração em todo território nacional (...)” e, com o advento de outras tecnologias como TVs a cabo e
Internet, ela ultrapassa nosso território e permite uma abrangência global.
        Apesar de a comunidade produtora do evento fazer o programa para uma comunidade receptora até certo ponto ideal e de difícil classificação, a mídia
chega a um universo de consumidores muito mais vasto, que pode ou não pertencer à instituição, pois esse universo compõe-se de qualquer pessoa que estiver
assistindo, pelos mais diversos motivos, ao programa e puder vir a consumir o discurso e os bens institucionais que estão à venda. Pinho (1995: 79) mostra que, a
partir do estudo do consumidor e do produto, tem lugar a determinação do tema e a seleção dos estímulos e apelos para a mensagem comercial, que serão
tomados como base e irão influenciar a escolha dos veículos de comunicação no planejamento de uma campanha publicitária. A ênfase na comunidade receptora
acontece porque, como observa McKay (1999: 287), a maior parte da nossa comunicação tem como objetivo conseguir aquilo que desejamos: tentar influenciar os
outros a mudarem e se comportarem como preferimos. Nesse sentido, o objetivo do marketing é conhecer e entender o consumidor tão bem para que o produto ou
serviço seja vendido por si só (COBRA, 1986: 34), fato que ajuda na simulação de neutralidade verificada no evento.
        Por essa razão, a mídia foi o espaço escolhido pela instituição religiosa cujo discurso é nosso objeto de estudo e nela todas as micro e macrocategorias
foram articuladas de forma a atingir sinteticamente um único propósito: a adesão de novos fiéis ao grupo, impulsionados por suas próprias necessidades. Como
observa Sant’Anna (1986: 85), “a publicidade provocando as emoções nos indivíduos cuida de impulsionar seus desejos latentes com tanta força, que eles se
sentem impelidos a trabalhar para poder satisfazê-los”. Segundo o autor, o motivo imediato da ação humana é o desejo, pois ele é a expressão consciente da
necessidade, e apenas quando nos apercebemos da necessidade e esta se manifesta em forma de desejo por determinada coisa, a nossa conduta se põe em ação
(p. 89-91).




                                                                                                                                         ISSN 1517 - 5421      26
De acordo com Sant’Anna (1986: 90-91), para que alguém compre alguma coisa é preciso que, na sua mente, se desenvolvam sucessivamente os seguintes
estados: a existência da necessidade, a consciência dessa necessidade, o conhecimento do objeto que pode satisfazê-la, o desejo de satisfazê-la e a decisão por
determinado produto ou marca que melhor satisfará seu desejo. Esse estado de consciência, a seu turno, baseia-se no pressuposto de que, para convencer alguém
a comprar, é preciso colocar-lhe a consciência, sucessivamente, em quatro estados: atenção, interesse, desejo e ação.
        Ainda segundo Sant’Anna, o espírito humano se detém naquilo que lhe interessa pessoal e diretamente, desviando-se do que não cativa a sua atenção (p.
97). Esse ponto de vista leva-nos a perceber que, no evento discursivo Pare de Sofrer, essa psicologia da compra e venda é largamente usada. A comunidade
produtora busca o tempo todo conscientizar a comunidade receptora da necessidade de solucionar seus problemas, fato que lhe interessa diretamente. Por isso,
mostra que o “objeto” que pode satisfazer esse desejo é a própria instituição Igreja Universal do Reino de Deus e articula discursos, gêneros discursivos e
estruturas lingüísticas para criar na comunidade receptora o desejo de satisfazê-lo. Esse processo desemboca clara e inevitavelmente na decisão de que a única e
melhor igreja capaz de satisfazer seus desejos é a Universal, onde encontrarão a Deus, a paz e a solução para todos os tipos de problemas e aflições.
        Nessa perspectiva, Malanga, apud Pinho (1991: 108), observa que a televisão possui doze vantagens quando utilizada como veículo publicitário: ela possui
grande impacto porque reúne imagem, som, movimento e cor; penetra em 86% dos lares [e hoje muito mais]; é um veículo eficiente para a demonstração de
produtos; a mensagem comercial domina a tela; pode colocar rapidamente um novo produto com uma posição elevada no mercado, em breve período de tempo; é
um meio flexível que pode ser modelado de acordo com as necessidades particulares do anunciante; permite a identificação do patrocinador; transmite mensagens
para grandes audiências, a baixo custo; permite a utilização de personalidades da TV nas campanhas e promoções; atende aos interesses de mercado; e, por fim, é
completa e atualizada, o que permite informar ao anunciante como está sendo recebido o seu produto.
        Por isso, foram utilizados vários gêneros comuns e estruturas argumentativas potencialmente persuasivas, recursos que podem ser pensados também a
partir da busca de uma familiaridade que une duas comunidades: a produtora e a receptora (cf. SCOLLON, 1998).
        Segundo Borelli (1995: 75), “a familiaridade se torna possível porque os gêneros acionam mecanismo de recomposição da memória e do imaginário coletivo
de diferentes grupos sociais”. A partir disso, cria-se uma atmosfera que propicia manter mesmo grupos diferentes unidos em torno de determinadas idéias. Como
esclarece a autora, pela memória de falas, textos, velhas histórias, contos e lendas – um dia narrados e ouvidos –, o passado reencontra no presente seu sentido e
permite a convergência de expectativas no processo de restauração de experiência. Esse pensamento justifica o hibridismo do programa e converge para a
promoção ideológica da Igreja Universal do Reino de Deus que usa diferentes discursos e gêneros como mecanismos constituintes e solidificadores de mais um
padrão da indústria cultural e religiosa do Brasil de hoje.


        Referências bibliográficas



                                                                                                                                           ISSN 1517 - 5421     27
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(Dissertação
de Mestrado)
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                                                                                                                                              ISSN 1517 - 5421      28
SUGESTÃO DE LEITURA


                            HENRI LEFEBVRE E O RETORNO À DIALÉTICA
                                         JOSÉ DE SOUZA MARTINS (ORG)
      Editora Hucitec

      RESUMO: Nos anos de perseguição e obscurantismo da ditadura, um grupo de professores e
estudantes de pós-graduação começou a se reunir semanalmente no antigo Departamento de Ciências
Sociais da USP em meados de 1975. Em 1988, o grupo decidiu continuar seu trabalho em um seminário,
que resultou neste conjunto de artigos, cuja reflexão parte deste importante autor para o pensamento
europeu do final do século XX, e fundamental para a sociologia e para a geografia humana
      SUMÁRIO: As temporalidades da história na dialética de lefebvre; A opressão da equivalência, as
diferenças; A produção política da sociedade; O Estado e as classes sociais; A insurreição do uso; As
representações e o possível; A teoria das formas em Lefebvre; O único e o homogêneo na produção do
espaço; A mundialidade do espaço; A luta contra os deuses

      Áreas de interesse: Geografia, Epistemologia, Filosofia, Sociologia.

      Palavras-chave: marxismo, teoria crítica, filosofia.




                                                                                             ISSN 1517 - 5421   29

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A Oralidade na Aprendizagem Escolar

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 205 ANO IV, Nº205 MAIO - PORTO VELHO, 2006 Volume XVI Janeiro/Março ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for A Oralidade Como Manifestação e Constituição Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: de Aprendizagem nilson@unir.br CAIXA POSTAL 775 Maria da Conceição B. de Souza CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 150 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
  • 2. A Oralidade Como Manifestação e Constituição de Aprendizagem Maria da Conceição B. de Souza Especialista em Metodologia do Ensino Superior e Mestranda em Lingüística Ceyssa_@hotmail.com Neste artigo discutir-se-á a aquisição da oralidade dos alunos de uma escola pública de Porto Velho – RO. Partindo de uma concepção dialógica com base nos pressupostos de Bakhtin (1979), Lemle (1998), Cagliari (1997), constatou-se inicialmente, que as atividades desenvolvidas em sala de aula eram fundamentalmente reprodutoras e o espaço de produção de texto oral era regulado pela autoridade do professor. Os alunos apenas respondiam às perguntas nos intervalos das atividades comandadas. Instaurou-se uma intervenção, iniciou-se uma maneira dialógica de produção textual a partir de histórias orais, priorizando o resgate das experiências e histórias. A partir daí, os alunos passaram a contar, a registrar e a recriar as histórias. Conclui-se que o uso de narrativas oral proporciona êxito no desenvolvimento da produção textual oral em classes populares. Vários estudos têm, por um lado, comprovado que não há uma divisão dicotômica entre fala e escrita. Também tem sido desmistificada a supremacia que essa exerceu sobre aquela. Por outro lado, pesquisas têm demonstrado que as crianças de classes populares é rica em experiências e se comprazem em relatar oralmente suas histórias. Objetivou-se nesse artigo refletir sobre a oralidade de crianças em séries iniciais, considerando, sobretudo, as condições em que esses discursos são produzidos. A escola pesquisada está situada à margem do rio Madeira. As crianças são pequenas e cursam o ensino fundamental. Percebemos que elas pouco se expressavam dentro de sala de aula, não falando sobre suas vidas. É como se na escola fosse proibido falar de si, da vida que se leva. É como se na escola só fosse permitido estudar no livro, decorar, repetir, copiar mecanicamente o texto. E as histórias? Essas que a mãe conta. Essas que ouvimos por aí quando estamos com os amigos? Essas são quase proibidas. A proibição não é aquela explicitada “não faça!”, “Não pode!”, mas outra, mais perigosa. Força-se um discurso imposto hegemônico acerca do outro, ocupando todos os espaços de fala com as frases e palavras prontas, vindas do professor e do livro. A partir de pressupostos teóricos de Bakthin (1979) , que resgata a linguagem como processo social e Cagliari (1997) , que defende o trabalho da oralidade na escola, pelo fato de resgatar e recriar as histórias e experiências de vida a partir da leitura e da compreensão crítica da realidade, foram desenvolvidas em grupo, atividades em que os alunos narravam para os colegas e professor suas versões sobre as histórias ouvidas em sala, na escola, em casa ou na rua, deixando que eles as reconstruíssem oralmente através de uma prática conjunta em diálogo e dramatizações. Sabendo-se que é relativamente recente o modo de pensar a oralidade e a escrita como díade isto é, como fenômenos que constituem um continuum que ao mesmo tempo diferenciam-se, interpenetram-se e ao mesmo tempo evidenciam especificações e revelam similitudes num processo de mútuas influências, de aproximação e distanciamento. Este modo de pensar a oralidade e a escrita, como uma díade complementar e não antitética, vem-se afirmando, nas últimas décadas nos estudos e pesquisas desenvolvidas nas ciências sociais: na história, na sociologia, antropologia, psicologia, na literatura comparada, na lingüística, na educação. Assumimos neste trabalho um modo de pensar a oralidade e a escrita como díade complementar para interpretar e analisar o processo de vivências da criança quando, imersa no mundo da oralidade, é introduzida, pela escola, ao mundo da escrita, quando o mundo da letra começa a invadir o seu mundo da voz. Em outras palavras: neste trabalho, propõe-se um modo de pensar o processo de alfabetização como uma vivência pela criança da oralidade e da escrita como fenômenos complementares. Até recentemente (ainda hoje?), a aprendizagem da leitura e da escrita pela criança era (é?) considerada como uma transição do mundo da oralidade para o mundo da escrita. Transição entendida como trajeto, passagem de um lugar para o outro: do lugar daquele que não sabe ler e escrever para o lugar daquele que se apropria da tecnologia da escrita. Acreditamos que o sujeito se constitui socialmente, por isso um dos grandes desafios da pesquisa foi resgatar as histórias orais dos alunos e 2 trabalhar as variações dialetais, como uma forma de compreendermos sua cultura e a influência da língua falada na língua escrita.
  • 3. A homogeneização da linguagem e da cultura postulada pela escola renega muitas vezes o sujeito-falante, colocando-o em situação de inferioridade, sendo assim, tornou-se necessário propiciar ao aluno o desenvolvimento de atividades voltadas à oralidade, na medida em que se resgatasse nessas histórias vivências, experiências do cotidiano. Sabendo-se que a linguagem é o que caracteriza a marca do homem enquanto sujeito-social, o respeito por sua história e por seu dialeto, permite o relato de suas experiências de vida, uma vez que a produção oral de texto lhe possibilita o resgate de sua cultura, contribuindo assim para o registro das suas experiências como sujeitos sociais produtores de textos. A sala de aula é um espaço em que acontecem as situações de aprendizagem. O trabalho com a oralidade do aluno é algo que nos parece essencial. A escola procura em sua prática pedagógica dar ênfase ao trabalho da escrita, prova disso, é que um dos objetivos principais da alfabetização é ensinar a ler e a escrever, no entanto não se quer dizer que o trabalho com a escrita e a leitura não seja importante, mas acredita-se que tanto uma como a outra não devem ser trabalhadas isoladamente, pois a associação dessas habilidades pode contribuir para um maior êxito no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido Lemle , afirma que: “A complexidade da civilização entre língua falada e língua escrita, na medida em que se interessa muito, em nossa civilização, que a língua escrita tenha um alcance de comunicação bem amplo”. A hierarquização da escrita sobre a fala é prejudicial ao ensino, tanto para o aluno quanto para o professor, por um lado o aluno é prejudicado por não ter oportunidade de expressar-se oralmente, por outro, o professor deixa de conhecer melhor a variante dialetal do seu aluno e compreender os fenômenos da fala que são transcritos nos textos escritos por ele. Cagliari , acrescenta que: Se a Escola tem por objetivo ensinar como a língua funciona, deve incentivar a fala e mostrar como ela funciona. O silenciamento causado pela prática autoritária da escola gera um ambiente em que o aluno sente-se muitas vezes acuado para narrar suas historias e compartilhar suas experiências com os seus interlocutores. No trabalho com a oralidade do aluno, na verdade o que se busca é resgatar as singularidades existentes nas histórias produzidas por eles e conseqüentemente o que se vislumbra é o sujeito-falante que se constitui no texto que produz, porque ao narrar sua história o sujeito constrói seu discurso à medida que constrói sua história de vida, por isso o desenvolvimento de atividades com a produção de texto oral proporciona ao aluno uso de sua imaginação, criatividade. De acordo com Bakthin “O sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa, posto que sendo sujeito não pode se quiser continuar sê-lo, permanecer sem voz, portanto, seu conhecimento, só pode ter o caráter dialógico”. Buscamos inicialmente trabalhar com histórias escolhidas pelos alunos, pois havia um grande interesse pelas lendas regionais que proporcionou ao aluno narrá-las dando sua própria versão e, assim intercambiar suas experiências de vida. Uma das lendas escolhida para ser objeto de estudo foi a da Vitória-Régia que contamos assim: “Uma índia chamada Naia se apaixona pela Lua, Jaci, que era um misterioso moço. Ele seguiu todos os dias os passos de Jaci, por meio dos reflexos da lua sobre os objetos da terra, mas, sobretudo, Naia acompanhava os reflexos da Lua no rio, sua cor dourada, ora sua clareza e luminosidade, ora sua escuridão. Percebendo a indiferença de Jaci que parecia a cada dia, mais distante, Naia, na ânsia de encontrar no rio os seus rastros e triste por convier com o constante silêncio de jaci, acaba por mergulhar nas águas para buscar, nas profundezas do rio, o seu grande amor. Nesse momento a correnteza leva o corpo de Naia e ela se transforma em uma grande flor cheia de perfume: a Vitória-Régia”. Todas as crianças tiveram oportunidade de acrescentar a essa história suas experiências de vida. Alguns perguntavam se a Vitória-Régia existia somente na Amazônia, outras queriam mais detalhes sobre como foi que a índia Naia transformou-se em flor. Algumas disseram que essa era a maior e mais cheirosa flor do mundo. O importante é que um fio discursivo foi sendo tecido durante as aulas, entrecruzando culturas, mitos, crenças e sonhos. Cada qual compreendia a história sob o ponto de vista de sua historicidade e a aula constitui-se em um grande espaço dialógico, onde um e outro ia colocando sua vida, sua experiência e seus sonhos. Ao recontar a história, muitos acresciam detalhes de sua imaginação. Foi o que aconteceu com a narrativa oral a seguir: “Era uma vez uma minina que si chamava Naiá, ela era uma minina muito bunita, ela viu uma lua muito bunita e ela si apaxonô por ela. Mais a lua não ligava pra ela não, ai então ela não quis mais vivê, ela quis morre, porque ela procurou a lua que chamava Jaci em todos os lugares e não encontrava nunca. Ela viu a lua num rio muito bunito todo cheio de cor. Eli era dorado, pratiado, muito lindo. Aí, a correnteza levou o corpo da indinha e ela se trasformô em uma linda flô camada de Vitória Régia”. ISSN 1517 - 5421 3
  • 4. O que se observou nessa história contada pela criança é a presença de algo inaugural e singular: “Ela viu a lua num rio muito bunitu”. Como se pode perceber, a criança, ao recontar a história, recria, compartilha seu universo vivencial e o transforma. Os textos produzidos oralmente apresentavam uma nova realidade, passaram a ser ricos de vivência, de história e, sobretudo, ricos de informações, misturavam sonho e realidade. A estrutura do texto escrito também passava a um novo formato, apresentando, inclusive, recursos como a intertextualidade: uma mistura de frases retiradas das histórias contadas e narradas relação entre vida e sonho, realidade e fantasia. O desenvolvimento da oralidade, a partir de um processo interlocutivo de contar histórias e relatar experiências, pode transformar a escola em um espaço lúdico e criativo, capaz de formar sujeitos cidadãos, reconhecedores de sua cultura e de seu lugar na história. Esses resultados poderão servir para a transformação do espaço escolar pedagogizante em espaço de criação e transformação humana, onde a produção textual oral ou escrita seja permeada pela experiência. Além disso, acredita-se que o espaço escolar deva ser um lugar que propicie ao aluno o seu desenvolvimento enquanto cidadão por meio de um ensino baseado na realidade, tendo em vista que a linguagem oral acompanha-nos onde quer que estejamos, servindo de mediadora entre o sujeito e o mundo. Por outro lado, o trabalho envolvendo a oralidade é de relevante importância dentro do processo de aprendizagem, uma vez que esse propicia ao aluno o desenvolvimento de habilidades para formular e responder perguntas e manifestar-se, além de acolher opiniões dos demais, porque à medida que a criança avança na escolaridade, as exposições orais, principalmente na apresentação do trabalho, tornam-se comuns em sala de aula. A escola precisa tratar da expressão oral desde as séries iniciais, pois ela é um fator constituidor de aprendizagem, portanto primordial ao ensino. Considerando finalmente que a prática educativa é um processo continuado, portanto, não é possível pensar na conclusão de um trabalho cujo desdobramento é o infinito. ISSN 1517 - 5421 4
  • 5. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 206 ANO IV, Nº208 AGOSTO - PORTO VELHO, 2006 Volume XVI Maio/Agosto ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: O CASO DO “WILLKOMEN DE HANS nilson@unir.br STADEN ENTRE OS ÍNDIOS TUPINAMBÁS EN BRASIL CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 150 EXEMPLARES Daiana Nascimento dos Santos EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 5
  • 6. Daiana Nascimento dos Santos 1 santos.daiana@bol.com.br O caso do “willkomen de Hans Staden entre os índios tupinambás en Brasil2 RESUMO: O presente trabalho tentará, a partir da bibliografía sugerida e também dos libros de Hans Staden, abordar a perspectiva de um Hans Staden narrador de um relato de aventuras do século XVI que narra sua vivência com os índios tupinambás no Brasil. Ao mesmo tempo, percebe-se o protagonista Hans Staden com sua própria aventura, apresentando seu relato de cativeiro e as imagens do caníbal, que o manteve cativo por nove meses e não o devorou, a este fato se tratará os motivos que ajudaram a sua sobrevivência. Desta maneira, Staden constrói uma imagen de si mesmo como cativo e cria um perfil da alteridade dos tupinambás analisadas enquanto ele esteve cativo. PALAVRAS-CHAVE: Hans Staden, tupinambás, canibal, cativeiro RESUMEN: El pretendido trabajo intentará, a partir de la bibliografía sugerida y también de los libros de Hans Staden, abordar la perspectiva de un Hans Staden narrador de un relato de aventuras del siglo XVI que narra su vivencia al medio de los indios tupinambás en Brasil. Al mismo tiempo, se percibe el protagonista Hans Staden con su propia aventura, presentando su relato de cautiverio y las imágenes del caníbal, que lo mantuvo cautivo por nueve meses y no lo devoró, a este hecho se planteará los elementos que lo ayudaron a sobrevivir. De esta manera, Staden construye una imagen de sí mismo como cautivo y traza un perfil de la alteridad de los tupinambás analisadas por él mientras estuvo cautivo PALABRAS- CLAVE: Hans Staden, tupinambás, caníbal, cautiverio INTRODUÇÃO O presente trabalho tratará das razões que fizeram com que a prisão de Hans Staden se transformasse num “willkomen”, o que fez com que ele não fosse devorado pelos tupinambás e conseguisse viver com eles por nove meses, no ano de 1549, período em que estivera aprisionado por esses índios. Por que falar de um “willkomen”? Porque faz uma referência irônica ao comportamento que os tupinambás apresentaram ante seu prisioneiro. O conceito do 1 Graduada em Letras pela Universidade de Santa Cruz em Ilhéus, Bahia, Brasil e aluna do Programa de Mestrado em Literatura da Universidad de Chile. 2 Trabalho apresentado como proposta final do curso “La reinvención de América Latina en la literatura de viajes” do Programa de Mestrado de Literatura da Universidad de Chile.
  • 7. “willkomen”, parafrasea irónicamente a expressão de boa-vinda, que no caso de Hans Staden tem um caráter contrário ao que de fato significa e que será tratado no decorrer do texto. Partindo dessa base, apontarei os fatores que ajudaram Staden a manter-se vivo e apresentarei seu comportamento enquanto esteve cativo. Clicie Nunes (2001, p.05) no seu artigo “ Isla de Vera Cruz, Tierra de Santa Cruz, Brasil”, afirma que não apenas Hans Staden esteve e escreveu sobre os indígenas, Andrés Thevet, Jean de Lery e Claude d’Abanville também relataram suas experiências. No entanto, a situação de Staden foi encarada de maneira diferente, devido a sua condição de prisioneiro, distanciando dos outros anteriormente citados que tiveram uma experiência de observadores do sujeito tupinambá, más desde outra experiência. Nas seguintes páginas, desenvolverei as particularidades que marcaram a experiência de Staden. Sobretudo porque sua situação é considerada quase inédita, pois o objetivo do cativeiro estava quase sempre destinado a prática de antropogafia. Neste termo, segundo Valéria Rodrigues da Costa (2004, 123-137), no seu artigo “Entre lo diferente y lo semejante”, a antropofagia se caracteriza pelo fato de seres humanos comerem carne humana. Nesse caso, Staden não foi devorado devido a alguns elementos, tais como: seus embustes, seu comportamento um pouco covarde e também a percepção dos tupinambás sobre a origem de Staden. No presente trabalho apresentarei o perfil de Hans Staden, sua experiência entre os selvagens e por fim abordarei sobre sua situação de cativo e relatarei sua sobrevivência e o que significou o “willkomen” . 1- A AVENTURA DE HANS STADEN NO BRASIL Hans Staden, o artilheiro alemão, foi contratado pelos portugueses em sua primeira viagem ao Brasil entre os anos de 1547 e 1550, depois pelos espanhóis com destino ao Rio de la Plata, mas por causa de uma tempestade a rota foi desviada até o Brasil. Essa viagem de Staden está marcada por seu cativeiro entre os tupinambás, tribo de canibais que habitava o Brasil no século XVI. Sua aventura está relatada no livro Viagem ao Brasil, que foi publicado em 1557 em Malburg, Alemanha. O livro apresenta um Hans Staden narrador, que, ao longo de seus escritos, relata sua experiência como cativo e traça sua auto representação como protagonista de uma aventura. Desta maneira, a obra de Staden apresenta-se, na primeira parte, como um relato de seu cativeiro e de rituais antropófagos; na segunda, Staden preocupa-se em descrever os indígenas e também a alteridade apresentada pelos tupinambás. Depois de um longo período entre os selvagens, Staden por fim, consegue voltar para sua terra, com ajuda dos franceses que comercializavam com os tupinambás e que o trocaram por presentes, visto que os franceses mantinham boas relações comerciais com os tupinambás e também porque Staden já havia mencionado anteriormente sua situação com um desses franceses que lhe havia prometido ajuda na hora oportuna. Pode-se dizer, que este livro é de grande importância para o entendimento da cultura tupinambá e também da cultura brasileira referente ao século XVI, sendo considerado o primeiro livro sobre o Brasil e um dos primeiros sobre o Novo Mundo. 7
  • 8. 2- HANS STADEN ENTRE OS SELVAGENS Os tupinambás foram tribos que ocuparam grande parte do litoral brasileiro, possuídores de experiências com outros povos étnicos, portugueses e franceses, além de outros grupos tribais que estavam em constante guerra. Entretanto, eles se destacavam por seu costume de comer carne humana. A prática da antropofagia é citada ao longo de Viagem ao Brasil (2007) de Hans Staden, segundo as observações e percepções que ele fez do “outro” representado pelo índio tupinambá nos seus escritos. No entanto, esta referência ao sujeito antropófago é tratado por Pigafetta de uma maneira que facilita o reconhecimento do sujeito que come a carne humana de seus inimigos e isso é facilmente observado por Staden, quando afirma que eles faziam isso para vingar-se e não para matar a fome. A prática da antropofagia no século XVI era muito recorrente no Novo Mundo, afirma Valéria Rodrigues da Costa ao citar que tal prática já era percebida por Vespúcio, antes de Hans Staden (2004, p.127) Ao mesmo tempo, Fonseca (1995) fala das impressões que o sujeito colonial possuía do ameríndio, sobretudo dos seus costumes e de sua prática antropofágica tão observada pelos viajantes e cronistas do século XVI. A narrativa de Staden apresenta um narrador preocupado em louvar e agradecer a Deus por não haver sido devorado, no entanto, o relato faz uma representação importantíssima, ao relatar aspectos significantes sobre a temática da antropofagia praticada pelos tupinambás: Entonces vino aquél a quien él había sido dado para ser muerto y le pegó en la cabeza de modo que saltaron los sesos. Después lo dejaron tirado ante la choza y querían comerlo. Yo dije (que) no lo hicieron ( pues como él) había sido un/hombre enfermo enfermarían ellos también. Entonces ellos no sabían qué hacer pero salió uno de la choza en la cual yo estaba y gritó a las mujeres que hicieren un fuego al lado del muerto y le cortó la cabeza. Pues él (el esclavo) tenía un solo ojo y tenía mal aspecto por la enfermedad que había tenido ( por eso el salvaje) tiró la cabeza y chamuscó la piel de cuerpo sobre el fuego. Después lo despedazó y se repartió con los otros como es su costumbre y lo comieron excepto la cabeza e intestinos; a éstos les tenían asco porque él había estado enfermo (STADEN, 1944, 80) Clicie Nunes (2001, p. 05) parafrasea o texto Viagem à terra do Brasil de Jean de Lery, em que o autor francês narra suas experiências no Brasil com os índios e faz referência ao cativeiro de Hans Staden e as coincidências observadas por eles sobre o sujeito ameríndio, posteriormente, narrados em ambos textos. 3- HANS STADEN ,O CATIVO Quase sempre o objeto de cativeiro é destinado à prática da antropofagia, mas o caso de Staden revela-se como uma exceção. Clicie Nunes (2001, p.05) novamente aponta o caso de Staden como uma relação distinta de cativeiro, pois ele consegue sobreviver, ainda que tenha sofrido no seu período de prisioneiro com a incerteza de ser ou não ser devorado. Tal fato relaciona-se com o posicionamento que os selvagens mantinham frente ao prisioneiro Hans Staden, pois em todo momento eles o ameaçavam em devorá-lo, gerando assim em Staden uma insegurança em relação ao seu futuro. 8
  • 9. Apesar dessa sensação de insegurança, é importante apontar que, graças a este medo e incerteza, Staden teve condições para que ele pudesse observar melhor o sujeito tupinambá. Nesta perspectiva, Kim Beauchesne (2004, p. 107) afirma que o medo despertou em Staden o sentido para uma observação atenta dos atos desenvolvidos pelos tupinambás, especialmente de caráter canibal. Dessa maneira, pode-se construir hipoteticamente a imagen do sujeito canibal, parafraseando Pigafetta no seu texto “Primer viaje en torno del globo” quando narra suas impressões sobre os selvagens comedores de homens encontrados por ele em sua breve estadia no Brasil, entre os anos de 1519-1522. Pigafetta (2004, p. 72) constrói a imagen do canibal que come carne humana, que é valente e que age desse maneira por vinganca. Ao mesmo tempo, a construção da imagen do canibal feita por Hans Staden apresenta-se numa perspectiva do branco-europeu, como pagão, revestido de bestialidades e muito distante da cultura européia. Todas essas impressões percebidas por Pigafetta são comprovadas por Staden na sua experiência de cativeiro. Bolaños afirma que os traços típicos do canibal estão comumente relacionados com a falta de ordem civil, ao passo que constrói uma imagem que trata da condição destes comedores de carne humana, que para ele são uma mistura de humanos, mas não civilizados, e de bestas porque comem carne humana. Este aspecto é observado por Staden: Y este Conian Bebe tenía delante de sí un gran cesto lleno de carne humana, comió de una pierna, me la tuvo delante de la boca (y) me preguntó si yo quería comer también. Yo dije: – Un animal razonable difícilmente come al otro ¿comería entonces un ser humano al otro? Él mordió en ella (y) dijo: – Yo soy un tigreanimal. (STADEN, 1944, p. 92) Nesse sentido, Todorov traça a imagen do canibal parafraseando as palavras de Montaigne: Recordemos el famoso retrato de los “caníbales” que nos ha dejado Montaigne. Es una nación, le diría yo a Platón, en la cual no hay ninguna especie de tráfico; ningún conocimiento de las letras…Así, pues, nos enteramos de lo que estos “caníbales” no son, de aquellos de lo carecen; pero, ¿cómo son, en forma positiva? Lo que Montaigne nos dice de ellos es bien pobre para alguien que se jacta de haber trazado un retrato de los “caníbales” a partir de las narraciones de testigos oculares. (TODOROV,2003,p.306) Considerando tal comentário, percebe-se que Hans Staden é uma testemunha ocular e ninguém melhor que ele, um sobrevivente, para falar dos canibais, apresentando suas impressões e imagens estabelecidas por ele sobre o sujeito antropófago. Assim, a figura do cativo Hans Staden ocupa um grande espaço na narrativa com expressões de sofrimento e angústia, apresentadas pelo infortúnio vivido pelo protagonista segundo a construção de sua imagen de prisioneiro: Ellos estaban parados en mí alrededor y me amenazaban de cómo iban a comerme. Ahora cuando yo estaba así en gran angustia y desconsuelo, pensé sobre lo que antes jamás consideré, es decir (sobre) el triste valle de penas en el cual vivimos aquí. (STADEN, 1944,p. 49-50) 9
  • 10. Clicie Nunes acrescenta ainda que a visão de Staden é produzida sob o ponto de vista da vítima, a do possível sacrificado. Por esta razão, o ritual é narrado nesta perspectiva, privilegiando a posição do cativo que poderia ser sacrificado a qualquer momento. Esta atitude gera em Staden uma incerteza de ser ou não ser devorado e o coloca em constante conflito com seus pensamentos e acontecimentos que passam ao seu redor. 4-A IRONIA DO “WILLKOMEN” Desta maneira, Staden consegue manter-se vivo devido a vários embustes que favorecem sua sobrevivência e ao mesmo tempo contribui para que ele tenha uma vivência com os índios por nove meses. Existem vários elementos que ajudaram Staden a não ser devorado, tais elementos são mentiras artificiosas utilizados por ele para enganar os tupinambás, seu comportamento covarde e também sua origen alemã. Os embustes utilizados por Staden consistem em elementos da natureza usados para confundir os tupinambás, que mantinham uma relação muito forte com a mãe- natureza. Os índios acreditavam nos sinais da natureza e sabiamente Staden os aproveitava a seu favor. Yo estaba triste y miré la luna y pensé entre mi mismo: oh, mi Señor y Díos, ayúdame en esta desventura a un fin bien aventurado. Entonces me preguntaron porque yo miraba tan continuamente la luna. Les dije entonces: yo reconozco en ella que está enojada. (STADEN, 1944, p.65) Ao mesmo tempo, o comportamento apresentado por Staden em alguns momentos frente aos tupinambás contribuiu para que ele pudesse se salvar. Tal comportamento é apresentado por um Staden que, apesar de seus embustes, mostra-se também como um medroso e covarde para o valente guerreiro tupinambá: Comencé a cantar con ojos lagrimeantes desde el fondo de mi corazón el salmo: desde profunda mi angustia clamo a Ti, etc. Entonces dijeron los salvajes: vean como él grita, ahora está descontrolado. (STADEN, 1944, p.49-50) Desta maneira, Staden consegue sobreviver devido aos elementos utilizados por ele para esse fim, mas simultâneamente faz-se evidente que sua prisão estabelece uma relação distinta do que na verdade seria um cativeiro. Na sua obra, Staden apresenta outros cativos que tiveram uma sorte diferente da sua, pois os outros foram devorados: Entonces llevaron a los cautivos –cada uno el suyo– a su choza pero a los gravemente heridos los arrastraron a tierra y los mataron en seguida y a su costumbre los cortaron en pedazos y asaron su carne. Entre los que fueron asados en la noche hubo dos mamelucos que eran cristianos. Uno era un hijo de un capitán portugués llamado Jorge Ferrero. A ése lo había engendrado con una mujer salvaje. El otro se llamaba Jerónimo; a ese lo había cautivado un salvaje que era de la choza en la cual yo estaba y su nombre era Paraguá. (STADEN, 1944, p. 88-89) 10
  • 11. O cativeiro de Hans Staden transforma-se em um tipo especial de prisão, pois ele não é devorado pelos selvagens e sua situação de prisioneiro vai mudando ironicamente, pois os tupinambás mantinham outro tipo de relação com Staden. Assim, com o tempo, a relação dos selvagens com Staden ganha outro tom, parodiando a “boa-vinda” dos tupinambás em relação ao seu prisioneiro que passa a ter um comportamento contrário de um verdadeiro cativo. Ele começa a circular livremente entre os nativos, desenvolvendo um comportamento com elementos distintos daquele que tinha quando foi aprisionado. Desta maneira, o “willkomen”, ou seja, a boa-vinda, pode ser observado em várias situações apresentadas por Staden ao longo de sua obra. Pode-se caracterizar inicialmente este “willkomen” quando os tupinambás perceberam que Staden não era português, como pensavam anteriormente. Tais elementos estão relacionados com o vínculo de amizade que Staden mantinha com seu Deus, assim como a cor da barba, diferente dos portugueses, que as tinham quase sempre de cor negra, Staden por sua vez, a tinha de cor ruiva, e também, pode-se acrescentar a amizade com os franceses, por isso a situação de Staden estava mudando e os nativos já não pensavam nele como um português: Así también ya hemos tenido y comido algunos portugueses pero su Dios no se enojó tanto como el tuyo. En este conocemos ahora que tú no debes ser un portugués. (STADEN, 1944, p. 70-71) Dessa forma, ao dar-se conta que Staden não era português, pensaram então que, na verdade, ele poderia ser francês. É importante dizer que, para os tupinambás, apenas existiam portugueses e franceses. Os portugueses viviam em constante guerra com os tupinambás e os franceses por outro lado, mantinham uma boa relação comercial e de aparente amizade com eles. Desta maneira, Staden aproveita essa boa relação dos franceses com os tupinambás para fazer de seus planos uma realidade: Y dije entonces (que) yo había ordenado a mi hermano que él viere de escaparse de los portugueses y fuere a nuestra patria y trajese un buque con muchas mercaderías y me buscara pues vosotros eráis rectos y me tratabais bien lo que yo quería premiar cuando viniese el buque. Y en todo el tiempo tuve que hacerles creer así lo mejor y esto les afectó mucho. Después decían entre ellos: él debe ser de seguro un francés, de aquí en adelante tratémoslo mejor. (STADEN, 1944, p. 79) Ao mesmo tempo, os tupinambás pensavam que Staden mantinha uma relação íntima com seu Deus, pois quase sempre as orações de Staden eram seguidas coincidentemente por alguma expressão da natureza, interpretada pelos índios como uma intervenção de Staden diretamente com seu Deus: Yo había hecho una cruz de un palo y (la había) erigido delante de la choza en la cual yo estaba; ante ella hice muchas veces mi oración al Señor y yo había ordenado a los salvajes que no la sacaran; de ello podría sobrevenir alguna desgracia pero ellos despreciaron mi plática… Poco después comenzó a llover mucho y duró varios días. Ellos vinieron a mi choza y pidieron (que) yo hiciere con mi Dios que la lluvia cesara porque si no cesaba, impediría realizar sus plantaciones pues era su tiempo de plantación.(STADEN, 1944, p. 94-95) 11
  • 12. Além disso, Staden começa a participar de algumas atividades desenvolvidas pelos tupinambás na sua vida cotidiana, demonstrando que os nativos já começaram a vê-lo de outra forma: Estuve parado con uno que también era uno de los principales, llamado Paragua que había asado el Jeronimo. Este y otro más y yo estábamos parados y pescábamos. (STADEN, 1944, p. 95) É necessário dizer que durante seu infortúnio, Staden pôde desenvolver suas observações, traçando ao mesmo tempo um perfil do canibal, que Todorov apresenta sob a perspectiva de Vespucio e que se repete em Staden: La sociedad de los salvajes, según Américo Vespucio, se caracteriza por cincos rasgos: carencia de vestimentas; ausencia de propiedad privada; ni jerarquía ni subordinación; inexistente de prohibiciones sexuales: carencia de religión; y todo eso se encuentra resumido en la fórmula: “Vivir conforme a la naturaleza. (TODOROV, 2003, p. 308) A medida que o perfil do canibal foi construído, são apresentados os elementos que fazem referência a antropofagia e ao sujeito cativo, neste caso, exemplificado por Hans Staden. Ainda que tenha sobrevivido, sua história deixa um vazio, ao tratar do tema da antropofagia, pois no seu caso, houve cativeiro, mas não a prática da antropofagia em si, já que sabemos que ele pôde voltar para a sua terra e relatar seu infortúnio. De todas as maneiras, os elementos relacionados ao “willkomen” de Staden lhe ajudaram a sobreviver e fazer de si um sujeito heróico, um sobrevivente que apesar dos sofrimentos, pôde voltar às suas origens e relatar suas impressões e experiências no Brasil do século XVI. CONCLUSÃO Ao terminar este trabalho, faz-se claro que efetivamente a prisão de Hans Staden o manteve como um “willkomen” ironicamente considerado na perspectiva de que não houve a prática da antropofagia em si. O presente trabalho intentou traçar um perfil do canibal de acordo com as impressões de Staden, baseadas nas considerações de Todorov e Pigafetta que tratam desta temática, aclarando o tema e apresentando elementos que são justificados ao longo da trajetória de Staden. Ao mesmo tempo, tratou-se das inquietações que se apresentaram na sua posicão de cativo e da diferença entre sua situação e a de outros prisioneiros que tiveram um fim diferente do seu, por isso é que o caso de Staden gera tantas discussões e o caracteriza como uma exceção ao tratar de cativeiro. Assim, o caso do “willkomen” que sucedeu com Staden contribuiu para que ele conseguisse sobreviver, visto que o “willkomen” estava baseado na mudança de sua situação de prisioneiro, apresentando a idéia de que alguns elementos que foram tratados ao longo do texto foram de grande ajuda a12
  • 13. sobrevivência de Staden, assim como o caso do “willkomen” em si. Desta maneira, pode-se caracterizar o uso irônico do termo, num novo olhar que os tupinambás dão à sua vítima, pois é assim que começa o fio de esperança de Hans Staden em sobreviver a seu infortúnio entre os selvagens brasileiros e, por fim, voltar para a sua terra natal e poder escrever sua aventura vivida entre estes nativos do Brasil do século XVI. Além disso, pode-se dizer que este trabalho contribui efetivamente para o estudo da prisão de Hans Staden, traçando os supostos motivos que fizeram dele um sobrevivente e uma exceção no tema de cativeiro no cenário geral do século XVI. Assim, pode-se acrescentar informações sobre os primeiros habitantes do Brasil Colonial e sua trajetória como um povo valente, forte, canibal, mas com uma postura capaz de proporcionar um “willkomen”, gerando, nessa perspectiva, futuros estudos sobre sua idiossincrasia como protagonistas de um “willkomen”, apesar de ser, na prática, antropófagos no passado. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Primaria: STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. Sao Paulo: Martins Claret, 2007. STADEN, Hans. Vera historia y descripción de un país de las salvajes desnudas feroces gentes devoradoras de hombres situados en el nuevo mundo de América. Buenos Aires: Coni, 1944. Secundaria: BEAUCHESNE, Kim. La política del comer en Jean de Lery. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana. Año XXX, N.60, Lima-Hanover, Semestre de 2004, 99-119. BOLAÑOS, Álvaro Félix. Antropofagia y diferencia cultural: construcción retórica del caníbal del nuevo Reino de Granada. Revista Iberoamericana (Pittsburgh). Vol. LXI. Enero-Junio 1995. n. 170-171. Número especial dedicado a Literatura Colonial: “Identidades y conquista en América”. COSTA, Váleria Rodrigues da. Entre el diferente y lo semejante: un viaje antropológico. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana. Año XXX, n. 60, Lima-Hanover, 2do Semestre de 2004, 123-137. FONSECA, Pedro. Primeiros encontros com a antropofagia ameríndia: de Colombo a Pigaffeta. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana. Año XXX, n. 60, Lima- Hanover, 2do Semestre de 2004, 123-137. NUNES, Clicie. Isla de Vera Cruz, Tierra de Santa Cruz/Brasil. Revista Acta Literaria. Año 2001, N. 26, Concepción, 131-143. PIGAFETTA, Antonio. Primer viaje en torno del globo. Madrid: Espasa, 2004. TODOROV, Tzevetan. Sobre las buenas costumbres de los otros. Em: “Nosotros y los otros”. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003. 305-318. Biografia da autora: Nasci em Ibirataia, Bahia, sou graduada em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus, Bahia. Atualmente sou aluna do Mestrado em Literatura da Universidad de Chile em Santiago, Chile. Tenho trabalhos apresentados em alguns eventos nacionais e internacionais; ainda não tenho artigo publicado; más tenho resumos publicados nos anais dos eventos que participei em Cascavel, PR (Seminário Nacional de Literatura e História), Valparaiso, Chile (Conferencia13
  • 14. Internacional La literatura y las ciudades), Santiago, Chile (Jornada internacional de estudiantes de postgrado en Humanidades). Sendo que os dois primeiros eventos apresentei o seguinte trabalho: El caso del “willkomen” de Hans Staden entre los indios tupinambás en Brasil. No último evento apresentei um trabalho sobre minha proposta de dissertação: La loz y el martillo en la escritura de Jorge Amado. Falo inglés, español e um pouco de alemão. Desenvolvi um projeto voluntário de leitura em Ibirataia, Bahia, chamado “Garagem da Leitura”. Santos.daiana@bol.com.br ; daianacold@gmail.com Daiana Nascimento dos Santos San Sebastian, 2909,depto. 507, Las Condes Santiago- Chile . 14
  • 15. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº207 JULHO - PORTO VELHO, 2006 ISSN 1517-5421 lathé biosa 207 Volume XVI Maio/Agosto ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO A ARTE É ALEGRE? TIRAGEM 150 EXEMPLARES Theodor W. Adorno EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
  • 16. Theodor W. Adorno A ARTE É ALEGRE?1 1 O prólogo ao Wallenstein, de Schiller, termina com o seguinte verso: "Séria é a vida, alegre é a arte". Foi inspirada pelos versos de Ovídio, em Tristia: "Vita verecunda est, Musa jocosa mihi", ou "Minha vida é contida, a musa me é um divertimento". Talvez se possa atribuir um intento a Ovídio, o alegre poeta clássico. Ele, cuja vida era tão liberta que pareceu insuportável ao regime de Augusto, piscasse gaiatamente a seus patronos, pois ao mesmo tempo em que compunha sua alegre obra literária Ars Amandi simulava certo arrependimento para dar a entender que estava resolvido a assumir uma vida de seriedade, pois retornava do exílio. Para ele, isso era quase um pedido de perdão. Mas Schiller, poeta oficial do idealismo alemão, não queria tocar nessa disputa latina. Sua afirmativa aponta o dedo, mas não indica nada. Por isso, torna-se plenamente ideológica e passa a integrar o tesouro doméstico do burguês, como citação disponível para qualquer ocasião apropriada. Pois confirma a estabelecida e popular distinção entre trabalho e tempo livre. Algo que remonta aos prosaicos tormentos do trabalho escravo e à bem justificada aversão por ele afirma-se como lei eterna de duas esferas claramente separadas. Nenhuma deve imiscuir-se na outra. Justamente por seu edificante descompromisso, a arte deve ser incorporada à vida burguesa e a ela subordinada como seu complemento antagônico. Já se pode prever a organização do tempo livre que daí resultará: um Jardim de Elísio, onde crescem as rosas celestes, que deverão ser cuidadas pelas mulheres em suas vidas terrenas, tão abomináveis. Ao filósofo idealista oculta-se a possibilidade de que as coisas possam em algum tempo se transformarem realmente. Ele está preocupado com os efeitos da arte. Com toda a nobreza de seus gestos, Schiller no fundo antecipa a situação da indústria cultural quando a arte é receitada como vitaminas a cansados homens de negócios. Hegel foi, no auge do idealismo alemão, o primeiro que se opôs a uma estética de resultados que vinha desde o século XVIII e que incluía Kant, defendendo a afirmativa de que a arte não era um mecanismo para instruir ou para ser , à Horácio, um deleite. 2 Mas há algo de verdade na trivialidade da alegria da arte. Se ela não fosse, sob alguma mediação qualquer, fonte de alegria para muitos homens, não teria conseguido sobreviver na mera existência que contradiz e a que opõe resistência. Mas isto não lhe é algo do exterior e, sim, uma parte integrante de sua própria definição. Embora não se refira à sociedade, a fórmula kantiana de "finalidade sem fim" alude a isto. A não-finalidade da arte é escapar da coerção da auto- preservação. A arte incorpora algo como liberdade no seio da não-liberdade. O fato de, por sua própria existência, desviar-se do caminho da dominação a coloca como parceira de uma promessa de felicidade, que ela, de certa maneira, expressa em meio ao desespero. Mesmo nas peças de Beckett, a cortina se levanta como num cenário de Natal. Em seu esforço para se desembaraçar de seus elementos miméticos, a arte trabalha em vão para libertar-se do resíduo de prazer, suspeito de trazer um toque de concordância. Por tais razões, a tese da alegria da arte tem que ser tomada num sentido muito preciso. Vale para a arte como um todo, não para trabalhos individuais. Estes podem ser totalmente destituídos de alegria, em conformidade com os horrores da realidade. O alegre na arte é, se quisermos, o 16 contrário do que se poderia levianamente assumir como tal: não se trata de seu conteúdo, mas de seu procedimento, do abstrato de que sobretudo é arte
  • 17. por abrir-se à realidade cuja violência ao mesmo tempo denuncia. Daí o pensamento do filósofo Schiller, que reconheceu a alegria da arte no lúdico e não em seu conteúdo espiritual, mesmo quando transcenda o idealismo. A priori, antes de suas obras, a arte é uma crítica da feroz seriedade que a realidade impõe sobre os seres humanos. Ao dar nome a esse estado de coisas, a arte acredita que está soltando amarras. Eis sua alegria e também, sem dúvida, sua seriedade ao modificar a consciência existente. 3 Mas a arte, como forma de conhecimento recebe todo seu material e suas formas da realidade – em especial da sociedade – para transformá-la, acaba embaraçando-se em contradições irreconciliáveis. Sua profundidade mede-se pelo fato de poder ou não, pela reconciliação que suas leis formais trazem às contradições, destacar a real irreconciliação. Vibra a contradição em suas mais remotas mediações como nos mais extremos pianíssimos da música estrondam os horrores da realidade. Onde a fé na cultura canta, com futilidade, louvores da harmonia musical, como em Mozart, esta mostra uma dissonância quanto às dissonâncias da realidade, as quais toma como conteúdo. Eis a tristeza em Mozart. Somente pela transformação do contraditório como negativamente preservado, é que a arte se realiza, o que é desmentido assim que a arte é glorificada como algo que ultrapassa o que existe, independente de seu contrário. As tentativas de definir o que seja kitsch costumam falhar, mas talvez não fosse a pior definição aquela que tomasse como critério do válido ou do kitsch o fato de que uma obra de arte, ao expressar oposição à realidade, consiga dar forma à consciência da contradição ou opte pela ilusão de que a dissolve. É, com esse critério, que se deve ver a seriedade de toda obra de arte. Como algo que escapa da realidade e, no entanto, nela está imersa, a arte vibra entre a seriedade e a alegria. É esta tensão que constitui a arte. 4 O significado desse movimento contraditório entre a alegria e a seriedade da arte – sua dialética – pode ser explicado com simplicidade através de dois dísticos de Hölderlin, que o poeta – intencionalmente, com certeza – colocou juntos. O primeiro, intitulado "Sofocles", diz: "Muitos tentam, em vão, dizer o mais alegre alegremente E eis que, então, se expressa a mim, tão tristemente"2 A alegria do trágico deve ser buscada não no conteúdo místico de seus dramas, talvez nem mesmo na reconciliação que ele confere ao mito, mas, de preferência, no que seu dizer, no seu expressar-se3. As duas expressões sublinhadas estão empregadas enfaticamente nos versos de Hölderlin. O segundo dístico selecionado traz o título de "O engraçadinho": "Sempre brincam e fazem piadas? Precisam? Oh, amigos! A mim atinge-me a alma, pois só os desesperados fazem assim! "4 Onde a arte se pretende por si mesma ser alegre e, com isso, tenta adaptar-se a um uso a que, segundo Hölderlin, nada de sagrado pode mais 17 servir, acaba reduzida a simples necessidade humana, traindo seu conteúdo de verdade. Sua vivacidade disciplinada adapta-se ao mecanismo do mundo.
  • 18. Encoraja os seres a se deixarem levar pelo que é status quo, a colaborar. Eis a forma do desespero objetivo. Se tomamos o dístico com seu devido peso, indica o caráter afirmativo da arte. Desde aquela época, sob o ditames da indústria cultural, o caráter afirmativo da arte tornou-se onipresente e a brincadeira de espírito apenas uma irônica careta dos anúncios de propaganda. 5 Pois a relação entre o sério e o alegre da arte submete-se a uma dinâmica histórica. O que se pode chamar de alegre na arte é algo que surge, algo impensável nas obras arcaicas ou de conteúdo estritamente teológico. O alegre na arte pressupõe algo como liberdade urbana, o que não surge na burguesia inicial, como em Boccaccio, Chaucer, Rabelais e em Dom Quixote, mas já se faz presente como o elemento que períodos posteriores denominam de clássicos, como distintos do arcaico. O modo como a arte se liberta do obscuro e desesperado mito é essencialmente um processo, não uma escolha fundamental e imutável entre o sério e o alegre. É na alegria da arte que a subjetividade, de início, se conhece em seu próprio interior e se torna consciente. É pela alegria que ela se liberta do enredamento e retorna a si mesma. A alegria tem algo da disponibilidade burguesa, embora compartilhe também do destino histórico da burguesia. O que já foi cômico torna-se irrecuperavelmente estúpido; os mais tardios degeneram-se em amável comportamento de cumplicidade. Por fim, torna-se intolerável. Quem poderia agora rir ainda de Dom Quixote e de sua sádica ironia sobre que se opõe ao princípio de realidade do burguês? O que nas comédias de Aristófanes – hoje, como ontem, geniais – deve ser considerado cômico tornou-se um enigma; a igualdade entre o grosseiro e o cômico só permanece ainda nas regiões provincianas. Quanto mais profundamente a sociedade fracassa na reconciliação que o espírito burguês prometeu como Esclarecimento do mito, tanto mais o cômico é relegado ao Orcus5 e o riso, outrora a imagem da humanidade, regride ao desumano. 6 Desde que a arte foi tomada pelo freio da indústria cultural e posta entre os bens de consumo, sua alegria se tornou sintética, falsa, enfeitiçada. Nada de alegre é compatível com o arbitrariamente imposto. A pacificada relação da alegria à natureza não tolera manipulações e cálculos. A distinção que a linguagem faz entre a graça e o gracejo dá conta exatamente desse fato. Onde hoje se vê o divertido é deturpado por ter sido imposto, até os limites ominosos do "no entanto" próprio das tragédias que se consolam de que a vida é assim mesma. A arte, que não é mais possível se não for reflexiva, deve renunciar por si mesma à alegria. A isto é forçada pelo que aconteceu recentemente. A afirmativa de que após Auschwitz não é mais possível escrever poesia, não deve ser cegamente interpretada, mas com certeza depois que Auschwitz se fez possível e que permanece possível no futuro previsível, a alegria despreocupada na arte não é mais concebível. Objetivamente se degenera em cinismo, independentemente de quanto se apóie na bondade e compreensão humanas. Afinal de contas, esta impossibilidade foi sentida pela grande literatura, primeiramente por Baudelaire quase um século antes da catástrofe européia, e depois por Nietzsche bem como pela renúncia ao humor do Círculo Literário de Stefan George. O humor se converteu em polêmica paródia. Ali ele encontra um refúgio temporário enquanto permanecer irreconciliável, sem levar em consideração o conceito de reconciliação que antes era seu parceiro. Pouco a pouco, a forma polêmica do humor também se põe em questão. Não 18 pode mais contar que será compreendida e a polêmica, entre as formas artísticas, não pode sobreviver no vazio. Há alguns anos, houve debates sobre a
  • 19. questão de se saber se o fascismo poderia ser apresentado em formas cômicas ou paródicas sem que isso constituísse um ultraje a suas vítimas. É indiscutível o caráter de tolice, de farsa, de artigo de qualidade inferior de que se revestem os elos entre Hitler e seus adeptos de um lado e a imprensa marron e os dedos-duros de outro lado. Não dá para rir disso. A realidade sangrenta não era um espírito bom ou mal de que se pudesse caçoar. Eram ainda os bons tempos quando, com esconderijos e safadezas num sistema de horror, Hasek escreveu Schwejk. Mas comédias sobre o fascismo iam se tornar cúmplices do tolo modo de pensar que considerou esse regime derrotado por antecipação porque os batalhões mais fortes da história a ele se opunham. Acolher a posição dos vencedores não convém aos adversários do fascismo, que têm o dever de não se assemelharem em nada com aqueles que se entrincheiram naquelas posições. As forças históricas que produzem o terror, nascem da própria estrutura social. Não são de maneira alguma superficiais e são poderosas demais para que alguém se ponha a tratá-las como se estivesse com a história atrás de si e que os Führers fossem, de fato, os palhaços cujas falas assassinas pudessem equiparar-se a disparates. 7 Porque, além de tudo, o momento da alegria na liberdade da arte advém da mera existência, que mesmo as obras desesperadas – e sobretudo essas – demonstram: o momento da alegria ou do cômico não se deixa simplesmente expulsar no curso da história. Ele sobrevive em sua autocrítica, como o humor sobre o humor. As vanguardas das obras de arte contemporâneas com traços sem sentido e tolos, que tanto irritam os que possuem uma visão positivista, não são exatamente regressão da arte a um estágio infantil mas sobretudo julgamentos bem humorados sobre o humor. A obra-mestra de Wedekind contra o editor de simplizissimus traz o subtítulo de "Sátira da sátira". Há algo de similar com Kafka, cuja prosa chocante é recebida por muitos de seus intérpretes, dentre os quais Thomas Mann, como humor e cujas relações com Hasek está sendo objeto de estudo por pesquisadores eslovacos. Em especial diante das peças de Beckett, a categoria do trágico cede lugar à risada, pois suas peças cortam todo humor que aceite o status quo. Elas manifestam um estado de consciência que não mais admite a alternativa entre sério e alegre e nem tampouco a mista tragicomédia. O trágico dissolve-se porque são evidentemente inconseqüentes as demandas de uma subjetividade que deveria ser trágica. No lugar da risada instala-se o choro sem lágrimas, o choro seco. O lamento se tornou a tristeza dos olhos ocos e vazios. Resgatado é o humor nas peças de Beckett porque infectam com risadas sobre o risível do rir e sobre o desespero. Esse processo se identifica à redução artística, uma trilha que leva de uma sobrevivência mínima a um mínimo de sobrevivência, que ainda resta. Esse mínimo atenua, talvez para sobreviver-lhe, a catástrofe histórica. 8 Na arte contemporânea faz-se evidente um definhar-se da alternativa entre o alegre e o sério, entre o trágico e o cômico e, quase, da vida e da morte. Com isso, a arte nega todo o seu passado, sem dúvida porque a costumeira alternativa expressa uma situação fendida entre a felicidade da vida que continua e a catástrofe, que é o meio de sua sobrevivência. A arte que está além do alegre e do sério pode ser tanto uma cifra da reconciliação quanto do terror, dado o completo desencantamento do mundo. Tal arte corresponde tanto ao desgosto perante a onipresença, seja aberta ou oculta, que faz propaganda da existência, quanto ao drama de alto coturno que, pela repetição do sofrimento, novamente toma partido pela imutabilidade. Diante do passado recentíssimo, a arte não pode ser 19 mais alegre tanto quanto não pode ser séria por completo. Dúvidas se levantam quanto ao fato da arte ter sido mesmo tão séria quanto a cultura propagou
  • 20. aos homens. A arte não pode mais igualar a expressão da tristeza com o que há de mais alegre, como acontecia na poesia de Hölderlin, que se considerava afinado com o Weltgeist.6 O conteúdo de verdade da alegria parece ter se tornado inatingível. Que os gêneros se estejam borrando, que o gesto trágico pareça cômico e que o cômico se torne melancólico combina com isso tudo. O trágico decai porque levanta uma demanda pelo significado positivo da negatividade, o significado que a filosofia chama de negação positiva. Essa demanda não pode ser satisfeita. A arte que penetra no desconhecido, a única forma agora possível, não é séria nem alegre; a terceira oportunidade, no entanto, está encoberta como se mergulhada no nada, cujas figuras são descritas pelas obras de arte de vanguarda. 1 "Ist die Kunst heiter?" integra os ensaios de Noten zur Literatur. Gesammelte Schriften 11. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996: 599-606. Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira e revisão pela Equipe do Potencial Pedagógico da Teoria Crítica (Antonio Álvaro Zuin, Bruno Pucci e o tradutor). 2 No original: "Viele versuchen umsonst das Freudigste freudig zu sagen Hier spricht endlich es mir, hier in der Trauer sich aus" 3 Contrapõe os verbos "sagen" e "aussprechen" no dístico acima. 4 No original: "Immer spielt ihr und scherzt? Ihr müßt! O Freude! Mir geht diß in die Seele, denn diß müssen Verzweifelte nur". 5 Orcus – na mitologia romana, o reino das sombras, as regiões infernais. (Nota de NRO) 6 Weltgeist: espírito do tempo. (nota de NRO) 20
  • 21. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 208 PRIMEIRA VERSÃO ANO IV, Nº208 AGOSTO - PORTO VELHO, 2006 Volume XVI Maio/Agosto ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia Os textos no mínimo 3 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: ASPECTOS HÍBRIDOS E nilson@unir.br MERCADOLÓGICOS DO DISCURSO DA IGREJA CAIXA POSTAL 775 UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NA MÍDIA CEP: 78.900-970 TELEVISIVA PORTO VELHO-RO TIRAGEM 150 EXEMPLARES Cláudio Márcio do Carmo EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 21
  • 22. Cláudio Márcio do Carmo – UFSJ Professor Adjunto de Lingüística e Lingüística Departamento de Letras, Artes e Cultura. Aspectos híbridos e mercadológicos do discurso da Igreja Universal do Reino de Deus na mídia televisiva Resumo: Tomando como corpus transcrições do programa da Rede Record Pare de Sofrer da Igreja Universal do Reino de Deus, desenvolvemos uma pesquisa queprocurou esclarecer alguns aspectos relacionados à inserção de uma instituição religiosa dentro da mídia. Essa pesquisa, por sua vez, apontou para questões referentes ao processo mercadológico ligado à competição por fiéis e da interdiscursividade, que se manifesta no evento principalmente através do hibridismo dos discursos e gêneros discursivos evocados no programa e que facilitam a veiculação das idéias e a argumentatividade. Palavras-chave: mídia, religião, mercado, interdiscursividade, hibridismo. Abstract: Taking as corpus transcriptions of TV program broadcasted by Rede Record Pare de Sofrer by Igreja Universal do Reino de Deus, we developed a research that tried to clear some aspects related to the insert of a religious institution inside of media. That research appeared for referring issues to the process of marketization linked to the competition for followers and of interdiscursiveness, that shows mainly in the event through the hybridism of the discourses and genres evoked in the program and that facilitate the vehiculation of ideas and the argumentativity. Key words: media, religion, market, interdiscursivity, hybridism. Tomando como corpus transcrições do programa da Rede Record Pare de Sofrer da Igreja Universal do Reino de Deus, desenvolvemos uma pesquisa que procurou esclarecer alguns aspectos relacionados à inserção de uma instituição religiosa dentro da mídia. Essa pesquisa, por sua vez, apontou para questões referentes ao processo mercadológico ligado à competição por fiéis e da interdiscursividade, que se manifesta no evento principalmente através do hibridismo dos discursos e gêneros discursivos evocados no programa e que facilitam a veiculação das idéias e a argumentatividade. Nosso referencial teórico de base é a análise crítica do discurso (doravante ACD) segundo proposta do lingüista inglês Norman Fairclough, que idealiza um quadro tridimensional e multidisciplinar de análise que prevê, no processo analítico de um texto/discurso, a análise textual, a análise da prática discursiva e a análise da prática sociocultural. Aqui, estaremos trabalhando, sobretudo, com a prática discursiva, a qual envolve o processo de produção, distribuição e consumo de um dado texto e, por conseguinte, a inter-relação entre palavra e imagem, o que dá corpo ao texto midiático. ISSN 1517 - 5421 22
  • 23. 1. Sobre o conceito de hibridismo e sua relação com o processo da interdiscursividade Para Fairclough (1999: 184), hibridismo pode ser entendido como uma mistura de gêneros, discursos, registros e textos e pode ser aplicado não só aos discursos (substantivo comum), definido como “modo de significar a experiência a partir de uma experiência particular” (FAIRCLOUGH, 2001: 39), como também aos gêneros (enquanto “formas convencionais de texto”) que constituem um discurso (substantivo abstrato), definido como o “uso da linguagem concebido como prática social” (Ibid.). Podemos perceber o alcance dessa noção porque, dentro do mesmo quadro teórico-metodológico, podemos trabalhar o discurso, substantivo comum, correspondendo “as dimensões do texto tradicionalmente referidas como conteúdo, tópico, assunto, significado ideacional” (MAGALHÃES, 2001: 21) e expandir para o discurso, substantivo abstrato, que corresponde àquilo que sustenta os discursos substantivos comuns, sendo o local de que partem diferentes pontos de vista. Magalhães esclarece que a preferência por discurso em vez dos termos mencionados decorre do fato de este ser o único capaz de ressaltar as representações particulares presentes nos textos. Por outro lado, também se levam em conta os gêneros como macrotegorias nas quais os discursos (substantivo comum) se materializam, uma vez que, como mostra Fairclough (1992), o gênero é um elemento que precede em hierarquia os outros. Os processos de hibridização citados pelo autor em Discourse and social change (1992) são a paródia, a própria mistura de gêneros, a intertextualidade, enquanto presença explícita de outros textos num dado texto, e a interdiscursividade que está em destaque em seus estudos, por ser um conceito mais amplo que leva ao entendimento do que constitui um texto: sua rede de relações, sua constituição a partir de uma configuração interdependente e complexa de tipos textuais e convenções discursivas. Esse conceito de interdiscursividade, por sua vez, provém de uma expansão do termo heterogeneidade discursiva, tomado de AUTHIER-REVUZ (1982) e MAINGUENEAU (1989), segundo os quais há dois tipos de heterogeneidade: a manifesta e a constitutiva. A primeira incide sobre manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação, enquanto o segundo aborda uma heterogeneidade que não é marcada na superfície, mas que a Análise do Discurso pode definir, formulando hipóteses, através do interdiscurso (MAINQUENEAU, 1989: 75). Em outras palavras, a heterogeneidade mostrada encontra-se na superfície do texto, sendo resgatável em termos enunciativos, enquanto a heterogeneidade constitutiva converge para o tipo de discurso e para a combinação de elementos das ordens do discurso em que se insere. Em ACD, há preocupação tanto com a heterogeneidade mostrada como com a heterogeneidade constitutiva, pois, como explicita Magalhães (2001: 19), “para referir-se ao fenômeno de diálogo entre textos em geral, sem distinção entre heterogeneidade manifesta ou constitutiva, será usado simplesmente o temo intertextualidade e, para referir-se especificamente ao segundo, será usado o termo interdiscursividade”. Como esclarece Fairclough (1992: 124), o princípio da interdiscursividade (ou intertextualidade constitutiva) sugere que as ordens do discurso têm primazia sobre tipos particulares de discurso que são constituídos dentro de uma configuração de diversos elementos de ordens do discurso. Pode-se inferir, então, desse pensamento que a interdiscursividade surge como essa diversidade de elementos que desembocam no hibridismo. Dentro dessa perspectiva, apesar de não haver ISSN 1517 - 5421 23
  • 24. um conceito mais elaborado de hibridismo, pode-se pensá-lo a partir da multiplicidade de discursos que evocamos em nosso dia-a-dia, os quais fazem com que cada palavra, expressão, exposição e/ou ponto de vista faça sentido. Isso nos leva a perceber as conexões extralingüísticas que fazem com que o material lingüístico – em termos fonético-fonológicos, lexicais, morfológicos e sintáticos ordenados em um todo semântico que constitui um texto e dá forma e voz a diferentes discursos – tome forma, sentido e poder junto às instituições de que interdependentemente fazem parte. Nas palavras de Pagano (2001: 88), “o hibridismo parece surgir da práxis ou da produção textual, que, se bem participa de um gênero específico ou se vincula a ele, está sempre ativando outros gêneros”. Logo, podemos dizer que o hibridismo é uma forma genuína de materialização da interdiscursividade a qual “opera sobre diferentes níveis ou dimensões da intertextualidade na qual gêneros, situações, registros, práticas sociais ou comunidades de prática são apropriados como aspectos significativos da ação mediada” (SCOLLON, 1998: 253). Como nos esclarece Fairclough (1995: 60-1), a natureza das práticas discursivas na mídia é híbrida e isso pode ser percebido pelo uso de vários tipos de discurso e pela mistura deles, o que causa uma complexidade intertextual apenas percebida lingüisticamente na heterogeneidade do significado e da forma. 2. Mídia e Religião: hibridismo e marketing religioso Após essa rápida retomada de alguns conceitos importantes para o desenvolvimento de nossa proposta, podemos depreender a partir da análise do corpus que o hibridismo mais importante do evento discursivo estudado ocorre com relação à ordem do discurso midiático e à ordem do discurso religioso. Os gêneros e discursos chamados num evento sofrem consideráveis modificações na mídia televisiva, local em que, segundo Fairclough (1995: 60-61), a natureza das práticas discursivas é híbrida, justificando constantes diálogos materializados pelos processos da intertextualidade e da interdiscursividade. Quando tomamos como referência a natureza do evento estudado – o programa Pare de Sofrer – o discurso religioso que, via de regra, deveria sobressair- se a qualquer outro adquire um papel secundário por sofrer um processo de mercantilização (cf. FAIRCLOUGH, 2001). Isso quer dizer que o discurso veiculado é muito pouco religioso, funcionando muito mais como marketing da instituição. A ordem do discurso religioso se enfraquece em função da emergência de um discurso mercadológico que procura vender os produtos da instituição como se fossem bens de consumo. Essa modificação justifica a importância da ordem do discurso midiático que possibilita a expansão do discurso veiculado e a venda dos bens institucionais religiosos a um número bastante vasto de pessoas. E é justamente desse processo que emergem as questões referentes a quem faz o que, para quem e com que interesse, introduzindo o que podemos denominar marketing da fé ou marketing religioso. O marketing, de uma forma geral, tem sido estudado sob diversos pontos de vista (cf. COBRA, 1986; ROCHA & CHRISTENSEN, 1987; PINHO, 1991; KOTLER & ROBERTO, 1992), mas um dos tipos de marketing menos estudado é o marketing religioso, que se distancia dos demais porque nem sempre procura ISSN 1517 - 5421 24
  • 25. vender algo de material, mas principalmente bens de salvação (cf. BOURDIEU, 1999: 32). Por essa razão, estaremos tomando esses autores como referências, porém fazendo possíveis e, às vezes, necessárias modificações de forma a expor como esse tipo de marketing ocorre no programa Pare de Sofrer. Como podemos inferir das explanações de Pinho (1991: 13-14), o conceito de marketing veio tomando forma no decorrer dos tempos porque deixou um foco que recaía apenas sobre a produção e a distribuição de um produto, e elegeu um outro foco que levava em consideração também o consumo. Segundo o autor, é importante produzir aquilo que os consumidores desejam, prestar atenção nos mercados já existentes e a quais produtos e serviços esses mercados estão receptivos. De acordo com Rocha & Christensen (1987: 22), no processo competitivo, cada empresa está permanentemente buscando o melhor ajustamento entre o produto específico que ela oferece e algum grupo de consumidores no mercado; entretanto, como o mercado é dinâmico, toda empresa está permanentemente ameaçada de perder sua posição seja por mudança no ambiente, no comportamento dos consumidores ou na ação dos concorrentes. Por isso, no evento estudado, além de a programação ter cunho assistencial, o que é comum a qualquer religião, em vários momentos ocorrem ataques a outras religiões – principalmente, Espiritismo, Umbanda, Quimbanda e Candomblé – ou a outras denominações também evangélicas. Logo, essas outras religiões e/ou denominações constituem o que podemos chamar de mercado concorrente no campo religioso. Um dado significativo trabalhado por Pinho (1993: 17) diz respeito ao plano de marketing, ou seja, ao documento que programa as várias atividades voltadas para criação de um mercado. O autor explica que, no processo de preparação do planejamento mercadológico, devem ser levadas em consideração seis atividades: a pesquisa de mercado, o planejamento do produto, a fixação de preços, a propaganda, a promoção de vendas e a distribuição do produto. Transferindo esse planejamento mercadológico para o contexto religioso estudado, podemos dizer que há uma pesquisa de mercado a qual faz um levantamento das religiões que concorrem no mercado religioso atual, fato evidenciado pelas constantes menções a elas feitas pelo pastor. No caso do planejamento do produto, podemos perceber que se criou um produto, visando a atender às necessidades da comunidade receptora, isto é, a resolução de seus problemas. A fixação de preços também merece atenção porque, apesar de não haver preços em dinheiro nem produtos materiais claramente à venda, o preço do serviço parece ser a adesão ao grupo. Quanto à propaganda, criou-se uma atmosfera no programa que informa ao consumidor – à comunidade receptora – de que há uma saída para seus problemas, que é o encontro com Deus na Igreja Universal do Reino de Deus. A propaganda, nesse sentido, está intimamente relacionada com a promoção de venda, pois foi criado o evento Pare de Sofrer na mídia televisiva para que ele leve o “serviço” ao comprador, à comunidade receptora. No último caso, a distribuição do produto, pode-se perceber claramente que, dentro do evento, o produto – a solução para os problemas – é colocado ao alcance do consumidor a partir da informação das igrejas mais próximas da residência dos participantes e da Catedral da fé, na Avenida Olegário Maciel (centro de Belo Horizonte, MG), local de fácil acesso e conhecido da comunidade. Esse ponto finaliza o planejamento proposto pela comunidade produtora, a partir da facilitação da compra de seus bens de consumo, de seus bens de salvação. ISSN 1517 - 5421 25
  • 26. Tomando ainda emprestados de Pinho (1995: 28-30) a terminologia e os esclarecimentos sobre os tipos de propaganda, podemos afirmar que o programa ainda articula de forma híbrida tipos diferentes de propaganda. No momento em que difunde a ideologia, as idéias e concepções da Igreja Universal do Reino de Deus, está sendo feito o que o autor chama de propaganda ideológica. Quando o foco recai sobre as necessidades da instituição religião que toma ares de empresa, está sendo feita uma propaganda institucional. E, por último, quando se procura influenciar a comunidade receptora com formas de persuasão destinadas a influenciar seu ponto vista religioso, ocorre a propaganda religiosa. Nesse ínterim, propaganda e publicidade se misturam em função de um marketing da fé, de um marketing religioso. Enquanto a propaganda tem a função de propagar os pontos de vista e ideologias da instituição religiosa, a publicidade assume a função de vender os produtos da mesma: os bens de salvação, a solução para os mais diversos tipos de problemas. A mídia funciona, nesse processo, como marketing direto da instituição religiosa. Nas palavras de Pinho (1993: 61), “a televisão e os demais meios de comunicação de massa se fazem presentes e têm grande penetração em todo território nacional (...)” e, com o advento de outras tecnologias como TVs a cabo e Internet, ela ultrapassa nosso território e permite uma abrangência global. Apesar de a comunidade produtora do evento fazer o programa para uma comunidade receptora até certo ponto ideal e de difícil classificação, a mídia chega a um universo de consumidores muito mais vasto, que pode ou não pertencer à instituição, pois esse universo compõe-se de qualquer pessoa que estiver assistindo, pelos mais diversos motivos, ao programa e puder vir a consumir o discurso e os bens institucionais que estão à venda. Pinho (1995: 79) mostra que, a partir do estudo do consumidor e do produto, tem lugar a determinação do tema e a seleção dos estímulos e apelos para a mensagem comercial, que serão tomados como base e irão influenciar a escolha dos veículos de comunicação no planejamento de uma campanha publicitária. A ênfase na comunidade receptora acontece porque, como observa McKay (1999: 287), a maior parte da nossa comunicação tem como objetivo conseguir aquilo que desejamos: tentar influenciar os outros a mudarem e se comportarem como preferimos. Nesse sentido, o objetivo do marketing é conhecer e entender o consumidor tão bem para que o produto ou serviço seja vendido por si só (COBRA, 1986: 34), fato que ajuda na simulação de neutralidade verificada no evento. Por essa razão, a mídia foi o espaço escolhido pela instituição religiosa cujo discurso é nosso objeto de estudo e nela todas as micro e macrocategorias foram articuladas de forma a atingir sinteticamente um único propósito: a adesão de novos fiéis ao grupo, impulsionados por suas próprias necessidades. Como observa Sant’Anna (1986: 85), “a publicidade provocando as emoções nos indivíduos cuida de impulsionar seus desejos latentes com tanta força, que eles se sentem impelidos a trabalhar para poder satisfazê-los”. Segundo o autor, o motivo imediato da ação humana é o desejo, pois ele é a expressão consciente da necessidade, e apenas quando nos apercebemos da necessidade e esta se manifesta em forma de desejo por determinada coisa, a nossa conduta se põe em ação (p. 89-91). ISSN 1517 - 5421 26
  • 27. De acordo com Sant’Anna (1986: 90-91), para que alguém compre alguma coisa é preciso que, na sua mente, se desenvolvam sucessivamente os seguintes estados: a existência da necessidade, a consciência dessa necessidade, o conhecimento do objeto que pode satisfazê-la, o desejo de satisfazê-la e a decisão por determinado produto ou marca que melhor satisfará seu desejo. Esse estado de consciência, a seu turno, baseia-se no pressuposto de que, para convencer alguém a comprar, é preciso colocar-lhe a consciência, sucessivamente, em quatro estados: atenção, interesse, desejo e ação. Ainda segundo Sant’Anna, o espírito humano se detém naquilo que lhe interessa pessoal e diretamente, desviando-se do que não cativa a sua atenção (p. 97). Esse ponto de vista leva-nos a perceber que, no evento discursivo Pare de Sofrer, essa psicologia da compra e venda é largamente usada. A comunidade produtora busca o tempo todo conscientizar a comunidade receptora da necessidade de solucionar seus problemas, fato que lhe interessa diretamente. Por isso, mostra que o “objeto” que pode satisfazer esse desejo é a própria instituição Igreja Universal do Reino de Deus e articula discursos, gêneros discursivos e estruturas lingüísticas para criar na comunidade receptora o desejo de satisfazê-lo. Esse processo desemboca clara e inevitavelmente na decisão de que a única e melhor igreja capaz de satisfazer seus desejos é a Universal, onde encontrarão a Deus, a paz e a solução para todos os tipos de problemas e aflições. Nessa perspectiva, Malanga, apud Pinho (1991: 108), observa que a televisão possui doze vantagens quando utilizada como veículo publicitário: ela possui grande impacto porque reúne imagem, som, movimento e cor; penetra em 86% dos lares [e hoje muito mais]; é um veículo eficiente para a demonstração de produtos; a mensagem comercial domina a tela; pode colocar rapidamente um novo produto com uma posição elevada no mercado, em breve período de tempo; é um meio flexível que pode ser modelado de acordo com as necessidades particulares do anunciante; permite a identificação do patrocinador; transmite mensagens para grandes audiências, a baixo custo; permite a utilização de personalidades da TV nas campanhas e promoções; atende aos interesses de mercado; e, por fim, é completa e atualizada, o que permite informar ao anunciante como está sendo recebido o seu produto. Por isso, foram utilizados vários gêneros comuns e estruturas argumentativas potencialmente persuasivas, recursos que podem ser pensados também a partir da busca de uma familiaridade que une duas comunidades: a produtora e a receptora (cf. SCOLLON, 1998). Segundo Borelli (1995: 75), “a familiaridade se torna possível porque os gêneros acionam mecanismo de recomposição da memória e do imaginário coletivo de diferentes grupos sociais”. A partir disso, cria-se uma atmosfera que propicia manter mesmo grupos diferentes unidos em torno de determinadas idéias. Como esclarece a autora, pela memória de falas, textos, velhas histórias, contos e lendas – um dia narrados e ouvidos –, o passado reencontra no presente seu sentido e permite a convergência de expectativas no processo de restauração de experiência. Esse pensamento justifica o hibridismo do programa e converge para a promoção ideológica da Igreja Universal do Reino de Deus que usa diferentes discursos e gêneros como mecanismos constituintes e solidificadores de mais um padrão da indústria cultural e religiosa do Brasil de hoje. Referências bibliográficas ISSN 1517 - 5421 27
  • 28. AUTHIER-REVUZ, J. Hétérogenéité montrée et hétérogenéité constitutive: éléments pour une approche de l’autre dans le discours. DRLAV, 32, 1982. BORELLI, H. S. Gêneros ficcionais: materialidade, cotidiano, imaginário. In: SOUSA, M. W. (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 71-85. BOURDIEU, P. Gênese e estrutura do campo religioso. In: BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 27-98. CARMO, C. M. Aspectos híbridos do discurso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na mídia televisiva: entre a religião e o marketing. UFMG, 2001. (Dissertação de Mestrado) COBRA, M. O conceito de marketing. In: COBRA, Marcos. Marketing essencial: conceitos, estratégias e controle. São Paulo: Atlas: 1986. p. 29-50 FAIRCLOUGH, N. Discour se and Social Change. Cambridge: Polity Press, 1992. FAIRCLOUGH, N. Media discourse. London: Longman, 1995. FAIRCLOUGH, N. Linguistic and intertextual analysis within discourse analysis. In: JAWORSKY, Adam e COUPLAND, Nikolas. (Eds.). The discourse reader. London & New York: Routledge, 1999. p. 183-220. FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 31-82. KOTLER, P.; ROBERTO, E. L. Marketing social: estratégias para alterar o comportamento público. Rio de Janeiro: Campus, 1992. MCKAY, Matthew et al. Influenciar os outros. In: MCKAY, Matthew et al. Mensagens: como obter sucesso aperfeiçoando suas habilidades na comunicação. São Paulo: Summus Editorial, 1999. p. 287-295. MAGALHÃES, C. M. A análise crítica do discurso enquanto teoria e método de estudo. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 15-30. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. São Paulo: Pontes, 1989. PAGANO, A. S. Gêneros híbridos. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 83-120. PINHO, J. B. Comunicação em marketing: princípios da comunicação mercadológica. 2 ed. Campinas: Papirus, 1991. ROCHA, A.; CHRISTENSEN, C. Marketing: teoria e prática no Brasil. São Paulo: Atlas, 1987. SANT’ANNA, A. Propaganda: teoria, técnica e prática. 6 ed. São Paulo: Pioneira, 1986. SCOLLON, R. Mediated discourse as social interaction: a study of news discourse. London & New York: Longman, 1998. ISSN 1517 - 5421 28
  • 29. SUGESTÃO DE LEITURA HENRI LEFEBVRE E O RETORNO À DIALÉTICA JOSÉ DE SOUZA MARTINS (ORG) Editora Hucitec RESUMO: Nos anos de perseguição e obscurantismo da ditadura, um grupo de professores e estudantes de pós-graduação começou a se reunir semanalmente no antigo Departamento de Ciências Sociais da USP em meados de 1975. Em 1988, o grupo decidiu continuar seu trabalho em um seminário, que resultou neste conjunto de artigos, cuja reflexão parte deste importante autor para o pensamento europeu do final do século XX, e fundamental para a sociologia e para a geografia humana SUMÁRIO: As temporalidades da história na dialética de lefebvre; A opressão da equivalência, as diferenças; A produção política da sociedade; O Estado e as classes sociais; A insurreição do uso; As representações e o possível; A teoria das formas em Lefebvre; O único e o homogêneo na produção do espaço; A mundialidade do espaço; A luta contra os deuses Áreas de interesse: Geografia, Epistemologia, Filosofia, Sociologia. Palavras-chave: marxismo, teoria crítica, filosofia. ISSN 1517 - 5421 29