A constituição da nacionalidade brasileira através do ensino superior
1. A CONSTITUIÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA ATRAVÉS DO
ENSINO SUPERIOR
Cristiane T. Fonseca de Moraes Nunes
Universidade Federal de Sergipe
cristiane@fslf.com.br
No reinado de D. José I, a sociedade eclesiástica foi substituída por uma sociedade civil. Os interesses da
fé e da alma dão lugar aos interesses do Estado, como detentor do poder absoluto. Pelo discurso
pombalino de modernidade podemos entender um explícito projeto de nação nas reformas educacionais
sugeridas por Pombal, tendo em vista uma desconstrução do modelo vigente proposto pelos jesuítas para
uma nova proposta de ideologia ilustrada. O novo projeto social iluminado era baseado na ideia oposta da
decadência e estagnação das sociedades alienadas pela superstição e pelo obscurantismo religioso
existentes na época. A educação passava a ser tutelada pelo Estado, encarada como um dever público
baseado no progresso das ciências e do homem. Na concepção de uma soberania nacional, a Universidade
de Coimbra é posta no centro de uma produção cultural ou sociocultural que dará formação a essa nova
mentalidade que os intelectuais deveriam dispor. Dessa forma, o papel da universidade se constituiu no
progresso desse Estado, que passou a estabelecer-se como força motriz do progresso. A contribuição de
Coimbra para a formação da nacionalidade brasileira deve ser analisada através da ação dos egressos da
Universidade nos movimentos em favor da Independência do Brasil, em todas as funções políticas,
culturais e científicas em que estiveram envolvidos e filosoficamente comprometidos, quer como
deputados, senadores, ministros e conselheiros quer como presidentes de Províncias. O legado desse
grupo de cientistas possibilitou a formação da identidade nacional brasileira. O presente artigo, fruto de
um projeto de pesquisa, busca identificar a relação entre identidade nacional com os cursos superiores, na
formação destes intelectuais. Vale ressaltar que apenas os bacharéis brasileiros mais abastados podiam
diplomar-se em Portugal, notadamente na citada universidade. Podemos ter uma idéia das implicações das
reformas pombalinas no Brasil pelo Alvará de 1759, com o qual foram estabelecidos os primeiros
concursos públicos realizados na Bahia para as cadeiras de latim e retórica e a nomeação dos primeiros
professores régios de Pernambuco. Enfim, podemos entender as condições de subjulgação do povo
brasileiro posto que o nacionalismo passa a ser condição de libertação fabricando a própria nação e a
Universidade é posta no lócus da criação desse Estado-nação do Brasil.Os cursos que preparavam os
burocratas para o Estado eram as academias militares e os cursos cirúrgicos. Com a chegada dos cursos
de direito foi legitimado o cumprimento das atividades cotidianas de elaborar, discutir e interpretar as leis,
como tarefa principal do aparato jurídico, fundamental para a concepção da identidade nacional através de
um Estado forte e soberano e as instituições educacionais se tornaram o lócus da criação do Estado-nação
pela imposição da ideologia nacionalista.
Palavras-Chave: Reformas Pombalinas; Nacionalidade; Ensino Superior.
2. A Universidade de Coimbra
No Brasil Colonial, pensar em curso superior era pensar na Universidade de
Coimbra. Fundada em 1290, destacava-se como centro de estudos humanísticos na
Europa, sendo uma das instituições educacionais mais antigas do mundo e ainda em
funcionamento na atualidade.
As reformas propostas por Pombal1 visavam colocar Portugal numa posição de
maior destaque na Europa, seguindo o exemplo da Inglaterra, e transformá-lo numa
metrópole capitalista, além de posicionar o Brasil como importante mantenedor de
riqueza. Talvez essa tenha sido a mais forte motivação para as reformas pombalinas:
pôr o reinado português em condições econômicas de competir com as nações
estrangeiras.
Pela proposta de (re)posicionamento de Portugal no cenário europeu e mais
ainda, pela concentração de poder do Estado é que está configurado um projeto de
Nação nas reformas propostas por Pombal.
Neste projeto reformista estava a formação superior. Com a justificativa de
decadência e retrocesso em seus estudos, passa a dita universidade por reformas de
caráter filosófico e educacional. Com a educação tutelada pelo Estado, o papel da
universidade se constituiu como força motriz do progresso.
Convém destacar que enquanto iluminista, Pombal foi adepto do movimento
intelectual que tinha o objetivo de defender o domínio da razão sobre as crenças
religiosas que dominavam a Europa desde a Idade Média. Esta forma de pensamento
tinha o propósito de iluminar a escuridão em que se encontrava a sociedade - daí o
termo iluminismo. Dessa forma, homem deveria buscar respostas para as questões que,
até então, eram justificadas somente pela fé. Nessa época, Portugal era considerado um
país atrasado economicamente em relação às duas grandes potências européias, França e
Inglaterra.
O processo de reforma da Universidade de Coimbra foi formalizado pela Junta
de Providência Literária2, criada com o objetivo de promover a criação dos novos
Estatutos, que ocorreu em 1772. Existiam nesse período quatro cursos: Teologia,
Cânones, Direito e Medicina. De acordo com Carvalho (1978, p. 139),
Seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse
sentido, ao invés de preconizarem uma política de difusão intensa e
extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal
organizar a escola que, antes de servir aos interesses da fé, servisse
aos imperativos da Coroa.
Cabe observar, que falar em ensino superior no período colonial era fazer
referência à Universidade de Coimbra, muito embora alguns autores, dentre eles Luiz
Antonio Cunha3, refiram-se ao ensino superior já através dos cursos de Filosofia,
1
Pombal nasceu em Lisboa em 13 de maio de 1699. Depois da morte do rei D. José I, foi condenado e
expulso da Corte e faleceu no dia 8 de maio de 1782, com 83 anos.
2
Para a Junta de Providência Literária, presidida por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido
Marquês de Pombal, os conselheiros escolhidos eram o cardeal da Cunha, um familiar dos Távoras fiel a
Pombal, frei Manuel do Cenáculo, censor e preceptor do Príncipe D. José; e os irmãos João Pereira
Ramos de Azeredo Coutinho e D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, este ocupando já o lugar
de Reitor Reformador da Universidade. Ver, sobre o tema, ARAÚJO (2000, p. 33).
3
O autor ainda se refere ao ensino de Anatomia e Cirurgia nos hospitais militares, criados em 1808; o
curso de Engenharia implícito na Academia Militar; o ensino de Direito e outros. Sobre isso ver CUNHA
(2007, p. 18).
3. Teologia e Matemática presentes no colégio da Bahia, ainda no século XVI. Dessa
maneira, de uma forma ou de outra, na reforma dos estudos menores de 1759, bem
como na criação do Colégio dos Nobres em 1761, já se vislumbravam as condições para
melhorar a formação preparatória para o ensino superior.
No contexto das reformas pombalinas, os adversários dos construtores
da modernidade lusitana – que se propunham a reatar uma linha de
continuidade com uma espécie de modernidade interrompida no
século XVI – são os jesuítas, que se tornam os responsáveis pelo
atraso de Portugal em todos os setores – econômico, político e cultural
(OLIVEIRA, 2010, p.22).
O progresso do Estado era a representação do “novo” contraposto ao “velho”,
representado pelos jesuítas. A atribuição ao caos, desse modo, é dada aos inacianos.
Portanto, outra ordem religiosa recebe crédito, que são os oratonianos 4. Quebrava-se o
monopólio jesuítico, mas não o eclesiástico, no campo decisivo da pedagogia
(FALCON, 1982, p. 209). Os ideais cristãos continuavam a servir de sólidos alicerces a
uma educação renovada.
A reforma da Universidade de Coimbra é a mais conhecida ação reformista, de
cunho educacional, promovida por Pombal, que veio precedida e fundamentada por
documentos que, somados ao Compêndio Histórico atribuem os malefícios ocasionados
pelos jesuítas à nação lusitana. Tratou-se, na verdade, de uma ação contínua que
destruiu o ethos educacional jesuítico. O compêndio é um texto de convencimento
explícito de que de fato e verdadeiramente a educação centralizada nas mãos dos
jesuítas representou um fracasso cultural, um atraso econômico e toda uma desgraça
generalizada com foco certo na Companhia de Jesus.5
A preocupação fundamental dos reformadores da Universidade foi,
sem dúvida, a elaboração de um programa de estudos secularizados
que, sem ferir os ideais da cristandade, correspondesse às
necessidades da ideologia política dominante (CARVALHO, 1978, p.
152).
Nota-se discursivamente claro os efeitos funestos de desconstrução do velho
paradigma para o surgimento de um novo modo de ser e de pensar, como se a ação
jesuítica fosse mesmo um erro generalizado, dando uma convincente justificativa pela
mudança radical na forma como se conceberia a educação a partir dali.
A reforma da universidade visava modernizar as faculdades de teologia e de lei
canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito
e atualizar a faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o
estudo de anatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por
questões religiosas. Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco anos de
duração.
4
Foi fundada em Roma com expansão na Europa, a Congregação do Oratório obteve respaldo nas idéias
iluministas, logo, servindo de oposto ao modelo jesuítico.
5
Os outros documentos que deram corpo ao Compêndio Histórico são duas obras anteriores: a Dedução
Cronológica e Analítica, concebida em forma de memorial acusatório contra os jesuítas e a Cúria
Romana, sendo enviado a todas as partes do reino e domínios ultramarinos, e Origem infecta da
relaxação moral dos denominados jesuítas, livro editado anonimamente pela Régia Oficina Tipográfica.
Todas elas serviram de fundamentação para a elaboração dos Novos Estatutos. Ver ARAÚJO (2000).
4. Como finalidade do ensino, havia tanto a preparação para o exercício das
profissões correspondentes a cada uma das faculdades como também a necessidade de
fazer progredir os conhecimentos na prática das ciências. Com a reforma educacional,
foi criado um programa pedagógico que se definiu como uma doutrina contra o sistema
adotado nas escolas jesuíticas (CARVALHO, 1978, p. 47).
Dentre os objetivos da política reformista estabelecida por Pombal, evidente
que estava a intenção de reforçar e aumentar a autoridade do estado monárquico por
estes ideais de progresso e de reforma, tão difundidos e estrategicamente estimulados,
com foco na economia e na educação.
A política de industrialização de Portugal, encetada por Pombal,
gerando um movimento de incentivo da produção de matérias-primas
no Brasil; a influência de princípios fisiocratas; a decadência do ouro
e a volta para a agricultura, a política de inovações e de reformas
determinada no Brasil, sobretudo, pela necessidade de formar os
elementos indispensáveis à administração e à vida da nação do Novo
Mundo desencadearam, como vimos, uma série de conseqüências
culturais, em que os brasileiros exerceram papel ativo.
Assim sendo, a reforma, dentre os aspectos mercantilistas a que se destinou,
procurou a investidura do progresso das investigações através da experiência, da
vivência do pesquisador, com o objetivo de se chegar a novas conclusões a partir da
gestação experimental do outro. O método que passou a vigorar foi o “sintético-
demonstrativo”, mostrando que “quem estuda sem ordem, adianta-se pouco na Estrada
das Ciências”6. Tais reformas foram incorporadas nos Novos Estatutos de 1772 da
Universidade de Coimbra.
Construção da Nacionalidade Brasileira
A referência do papel exercido pela intelectualidade brasileira formada em
Coimbra na construção do Estado-Nação no Brasil é solidificada pela via da
Independência. Outras universidades européias também foram berço dessa
intelectualidade, mesmo em menor proporção, a exemplo de Montpellier, Edimburgo,
Paris e Estratsburgo7. O próprio José Bonifácio de Andrada e Silva8, considerado o
Patriarca da Independência, foi egresso de Coimbra, bem como muitos brasileiros que
foram fundamentais ao movimento em 1822, como José da Silva Lisboa, o Visconde de
Cairu. Segundo Gauer (2007, p. 192), a questão da nacionalidade diz respeito à
separação da metrópole, ficando claro que não existia nenhum tipo de consciência
nacional antes da Independência do Brasil.
Desse modo, a contribuição de Coimbra para a formação da nacionalidade
brasileira deve ser analisada através da ação dos egressos da Universidade de Coimbra
6
Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra, p. 245.
7
Ver DIAS (2005, p. 39).
8
O brasileiro José Bonifácio foi filósofo, advogado, professor, intelectual, cientista e político. Catedrático
de mineralogia em Coimbra; deputado, vice-presidente da Província de São Paulo, ministro do Império;
exilado político, tutor do imperador Pedro II e articulador da independência brasileira.
Fonte: educacao.uol.com.br/biografias acessado em 11/07/2010.
5. nos movimentos em favor da Independência. Esse corpo técnico de brasileiros,
conforme Gauer,
desempenhou tantas funções políticas, culturais, profissionais,
obtiveram tantos títulos de nobreza de honraria e títulos eclesiásticos,
assumiram tantos cargos públicos e políticos que dão conta da grande
atividade desenvolvida pelos Egressos.
Assim, compreendemos a contribuição dos egressos de Coimbra na formação da
nacionalidade brasileira, em todas as funções políticas, culturais e científicas em que
estiveram envolvidos. No caso dos juristas, esse corpo esteve ligado diretamente à
montagem do Estado-Nação brasileiro, pois eles atuaram como deputados, senadores,
ministros e conselheiros, além de presidentes de Províncias (GAUER, 2007, p. 234). A
partir de 1808, foram criados cursos e academias destinados a formar burocratas para o
Estado e especialistas na produção de bens simbólicos; como subproduto, formar
profissionais liberais (CUNHA, 2007, p. 63).
Podemos ter uma idéia das implicações das reformas pombalinas no Brasil pelo
Alvará de 1759, com o qual foram estabelecidos os primeiros concursos públicos
realizados na Bahia para as cadeiras de latim e retórica e a nomeação dos primeiros
professores régios de Pernambuco.
Já no Império, com a instalação dos Cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, nas
duas cidades consideradas, à época, capazes de recebê-los – São Paulo e Olinda, toda a
formação jurídica passou a ser voltada para as questões brasileiras, direcionadas às
características e problemas do país. Os dois cursos foram implantados em casas
religiosas. Em São Paulo, no Convento de São Francisco, e em Olinda no Mosteiro de
São Bento, onde permaneceu até 1854, quando foi transferido para o Recife.
Os cursos que preparavam os burocratas para o Estado eram as academias
militares e os cursos cirúrgicos. Dessa forma, a chegada dos cursos de direito vieram
legitimar o cumprimento das atividades cotidianas de elaborar, discutir e interpretar as
leis, como tarefa principal do aparato jurídico, fundamental para a concepção da
identidade nacional através de um Estado forte e soberano. Segundo GEARY (2005, p.
51),
Tanto em Estados fortes e hegemônicos como em movimentos pela
independência, afirmações como “nós sempre fomos um povo” são,
no fundo, apelos para que se tornem povos – apelos sem base histórica
que na verdade são tentativas de se criar a história. O passado, como
sempre foi dito, é um país estrangeiro, e nunca nos encontraremos lá.
O ideal de nação, portanto, não apareceu da noite para o dia, nem nasceu de uma
consciência nacional. A definição de uma consciência nacional é fenômeno bem
posterior e só há de refletir-se na literatura, no movimento romântico de meados do
século XIX (DIAS, 2005, p. 77).
Podemos considerar que a cultura ilustrada progressista e modernizadora,
baseada em uma ciência mais pragmática, foi se incorporando lentamente na
mentalidade dos intelectuais brasileiros, pela obra que vislumbravam realizar para o
progresso de sua terra. Neste sentido, as instituições de ensino tiveram uma importante
função. Depois da independência, formaram-se dois setores, o do ensino estatal (laico) e
o do ensino particular (religioso ou laico) CUNHA (2007, p.78).
6. Dessa forma, instituições educacionais se tornaram o lócus da criação
do Estado-nação, tanto com a imposição da ideologia nacionalista
como, de forma mais sutil, com a disseminação da língua nacional, na
qual estava implícita essa ideologia (GEARY, 2005, p. 46).
Vários brasileiros formados em Coimbra foram importantes tanto para as
ciências como para o movimento da Independência. José Bonifácio tinha um projeto de
nação e desempenhou papel fundamental na constituição dessa identidade nacional.
Para além da participação de brasileiros na implantação da Reforma, é
importante se ter presente que os brasileiros formados por Coimbra
neste período e após o período Pombalino foram os que participaram
ativamente da montagem do Estado-nação por ocasião do processo de
independência. A participação desse corpo técnico no processo de
independência reflete a modernidade portuguesa, implantada pela
Reforma, no Brasil (GAUER, 1996, p. 125).
Outro egresso de Coimbra, José da Silva Lisboa (1756-1835), conhecido por
Visconde de Cairu, bacharelou-se em Cânones e foi autor de importantes tratados sobre
economia, sendo ainda escolhido mais tarde senador do Império. Os estudos
universitários despertavam nos estudantes o senso crítico e a tomada de consciência da
posição do Brasil em relação a Portugal, paradoxalmente conscientes também do papel
da economia brasileira como mola propulsora da economia portuguesa, por isso mesmo
eram adeptos ao rompimento com a metrópole.
Na concepção de um novo projeto de modernidade e de nação era vislumbrada a
criação de uma nova raça, composta pela miscigenação de outros povos com os
brasileiros, como uma estratégia política para garantir a ocupação do território. Aliás,
esse já havia sido um projeto de Pombal que estimulou o casamento de europeus com as
colonas, bem como substituiu as línguas indígenas pela língua portuguesa. Tal fato
torna-se característica marcante na nacionalidade brasileira e servem de indícios para se
acreditar que a cultura brasileira pode ter nascido da mesclagem destes povos. José
Bonifácio foi também um defensor da abolição da escravatura e principal conselheiro do
príncipe regente e futuro imperador, D. Pedro I.
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de
alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular
como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma
cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como,
por exemplo, um sistema educacional nacional (HALL, 2005, p. 49-
50).
Logo, foi instituída a Língua Portuguesa como língua oficial no Brasil. De
acordo com os estudos pioneiros de Laerte Ramos de Carvalho (1978) as reformas
pombalinas foram iniciadas em 1757 com a Lei do Diretório, na imposição do idioma
nacional. A partir daí, o Estado passa a ser o responsável pela educação – e não mais os
jesuítas. Esse Estado centralizador, ao impor uma língua oficial impõe também aos
índios a civilidade e a dominação. Assim, as discussões talvez tenham sido provocadas
pelo “Verdadeiro Método de Estudar”, obra publicada em 1747 por Luis António
Verney, que aponta a Gramática Latina como requisito fundamental para se estudar as
demais línguas – inclusive a portuguesa.
Segundo DIAS (2005, p. 48) o papel da política de Estado nesse movimento de
estudiosos, dedicados em sua maioria às ciências naturais, merece realce particular por
7. suas múltiplas implicações, tanto na orientação dos estudos como na mentalidade dos
principais políticos da Independência. O que corrobora com a afirmação de que em
Coimbra há muito já se firmavam entre seus acadêmicos, propósitos claros de retornar
ao Brasil com a missão de tentar contribuir nos movimentos em prol da Independência.
Considerações Finais
É ponto pacífico que o nacionalismo, no caso do Brasil, é oriundo da
Independência. Assim, a nossa nacionalidade nasceu em 1822. Antes disso, o
nacionalismo era apenas uma ideologia, um objetivo a ser alcançado, que foi possível
pela ruptura da submissão a Portugal.
Com a revolução francesa9 e a luta pelos direitos do cidadão, nasceu o
sentimento de cidadania, dentro de uma concepção social. A mentalidade de ilustrados
brasileiros que eram graduados na Europa civilizada foi fundamental para a concepção
de trazer para o seu país de origem, a ideia de progresso e desenvolvimento, tanto
econômico como social.
Existia em Portugal, um termo para designar aqueles que deixaram suas
terras para viver novas culturas pela Europa. Era os “estrangeirados”, que como Pombal
eram rotulados de forma pejorativa pelos católicos mais conservadores. Representante
do despotismo esclarecido europeu, que promovia o poder do Estado e do Rei pelos
ideais de progresso e reforma, com foco na economia e na educação, o próprio Pombal
vislumbrou no ideal iluminista a concepção de uma nova sociedade e de um novo
modelo de homem “iluminado”, composto pelo intermédio da educação, que desde o
início da colonização do Brasil esteve a cargo da Companhia de Jesus.
Tal proposta, consistia em estabelecer uma educação pública. O ensino
jesuítico se tornou ineficaz para atender às exigências de uma sociedade em
transformação, representando, logo, o atraso, a estagnação, a escuridão ao progresso do
homem, sendo uma das aquisições da época das Luzes a idéia de que o homem podia
ser considerado como um objeto de ciência (FALCON, 1982).
A penetração desse homem ilustrado, desse brasileiro letrado, intelectual e
cientista estrangeirado, que retorna à sua terra de origem com ideias de aplicar seus
conhecimentos obtidos no exterior em prol de uma nova mentalidade, de utilidade e
liberdade é o embrião da nação brasileira.
Não existia a constituição de um Estado-Nação no Brasil. Havia um
território dominado por Portugal. Por isso mesmo não poderia haver uma espécie de
“consciência nacional” até porque o vínculo com Portugal foi se desfazendo
gradualmente, sem maiores traumas, sem grandes movimentos de guerra de libertação.
A maioria da população aceitou uma independência negociada (OLIVEIRA, 2010) uma
vez que Portugal acatou a independência do Brasil mediante o pagamento de uma
indenização de 2 milhões de libras esterlinas.
Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da
população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de
um sentido de nacionalidade. No máximo, havia alguns centros
urbanos dotados de uma população politicamente mais aguerrida e
algum sentimento de identidade regional (CARVALHO, 2010, p. 25).
9
A revolução francesa, ocorrida entre 1789 e 1799, proclamou os princípios universais e fundou nova
ideologia de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
8. A construção do Estado nacional nasceu em Coimbra, centro formador da
elite colonial brasileira, pelo grupo que seria mais tarde egressos, e que se
consolidariam como a elite intectual da colônia, visto que a nacionalidade foi herança
dos intelectuais e dos acadêmicos, em um contexto que não existia a noção de igualdade
entre todos.
Com as reformas pombalinas inicia-se o processo de colocar o Estado como
fomentador de apurada mão-de-obra que emanava dos cursos de Coimbra. A
Universidade não escondia sua condição de formadora de recursos humanos
qualificados para o aparelho estatal, isto é, de que ela era peça importante no projeto de
ação política governamental. Em seu interior, o que se pretendia, era a preparação e o
treinamento de uma única elite luso-brasileira, modernizadora e ilustrada, em favor de
uma política previamente estipulada pelo Estado, cujo fim era tirar Portugal do lugar
secundário em que se encontrava no cenário das nações européias.
Foi através dos egressos de Coimbra que a legislação do Estado-nação foi
construída (Gauer, 2007, p. 39). O primeiro código criminal, de 1830, foi elaborado por
Bernardo Pereira de Vasconcelos, formado em Coimbra (Gauer, 1996, p. 78).
No campo da literatura, figuram grandes nomes como Basílio da Gama 10,
Silva Alvarenga11 e Francisco de Melo Franco12, além dos poemas de Cláudio Manuel
da Costa e de Alvarenga Peixoto.
Muitos desses intelectuais de tendência empírica que associavam aos
estudos jurídicos os científicos, quando não se dedicavam
exclusivamente às ciências, figuraram no movimento da
Independência, na Constituinte de 1823, e alguns foram políticos
importantes durante o Primeiro Reinado e a Regência, embora as
circunstancias políticas e econômicas já não favorecessem ou
estimulassem o sucesso de seus empreendimentos (DIAS, 2005, p.
102).
A socialização do papel político da escola esteve presente nos ideais
pombalinos. Por isso que é fundamental compreender o sentido da difusão das luzes da
razão, presente nas reformas e na concepção desse ideal de progresso coletivo e de
perfeição individual. A função da Universidade era essa, por isso que o ensino superior
foi fundamental na consolidação de uma identidade nacional, fomentada nos bancos
portugueses de ensino.
Ao reformar a Universidade de Coimbra, e portanto estabelecer um cânone
do ensino superior, Pombal vislumbrou modernizar as faculdades de teologia e de lei
canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito
e atualizar a faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o
estudo de anatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por
questões religiosas. Também foi implantado o estudo da higiene, adotar as descobertas
de Harvey relacionadas com a circulação do sangue; as teorias de Albinus em anatomia,
as de Boerhaave em patologia e as de Van Swieten em farmacologia. Os cursos
jurídicos tiveram redução de oito para cinco anos de duração. Além disso foram criadas
duas novas faculdades, a de filosofia e a de matemática (MAXWELL, 1996, p. 110).
Podemos compreender, assim, a contribuição dos egressos de Coimbra na
formação da nacionalidade brasileira, em todas as funções políticas, culturais e
10
Autor de “O Uruguai”, poema de 1769.
11
Autor de “O desertor”, poema de 1774.
12
Autor de “O reino da estupidez”, obra de 1785.
9. científicas em que estiveram envolvidos e filosoficamente comprometidos. No caso dos
juristas, esse corpo esteve ligado diretamente à montagem do Estado-Nação brasileiro,
pois eles atuaram como deputados, senadores, ministros e conselheiros, além de
presidentes de Províncias (GAUER, 2007, p. 234). A partir de 1808, foram criados
cursos e academias destinados a formar burocratas para o Estado e especialistas na
produção de bens simbólicos; como subproduto, formar profissionais liberais (CUNHA,
2007, p. 63).
Segundo DIAS (2005, p. 79), a mentalidade pragmática dos iluministas foi-
se enraizando entre os brasileiros. Esses ilustrados dos fins do século XVIII foram
geradores de profissionais fruto de uma elite letrada e assim a representação e a
importância das instituições de ensino, notadamente de ensino superior, configura-se
como o berço que abrigou a nacionalidade brasileira, embalada pelos intelectuais e
cientistas que buscaram na formação européia ilustrada a inspiração para serem úteis à
sua terra de origem, contribuindo na constituição de um Estado-Nação.
A construção de uma sociedade unificada por uma língua, pelo
pertencimento a um território autônomo e pela implantação de uma Constituição,
moldou um Brasil rumo ao tão almejado progresso e refletiu a modernidade portuguesa.
Referências Bibliográficas
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a
difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos estudos
secundários no Brasil. São Paulo: Saraiva/EDUSP, 1978.
ARAÚJO, Ana Cristina. O Marquês de Pombal e a Universidade. Coimbra: Imprensa
da Universidade de Coimbra, 2000.
CARVALHO, Laerte Ramos de. As Reformas Pombalinas da Instrução Pública. São
Paulo: Editora Saraiva, Ed. USP, 1978.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 13ª Ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
CHARTIER, Roger. A História Cultural - entre práticas e representações, Lisboa:
DIFEL, 1990.
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã: o ensino superior, da Colônia à Era
Vargas. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos.
São Paulo: Alameda, 2005.
ESTATUTO da Universidade de Coimbra 1772. Coimbra: Universidade de Coimbra,
1972, v. I, II e III.
FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. São Paulo: Ática, 1982.
FÉRRER, Francisco Adegildo. O obscurantismo iluminado: Pombal e a instrução em
Portugal e no Brasil. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo, 1998.
GAUER, Ruth Maria Chittó. A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de
1772. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
_______. A contribuição dos egressos de Coimbra para a construção do Estado-
nação no Brasil. Curitiba: Juruá, 2007.
10. GEARY, Patrick J. O Mito das Nações: a invenção do nacionalismo. São Paulo:
Conrad Editora do Brasil, 2005.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1995.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu
da Silva, Guaracira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo:
Pioneira/Thomson Learning, 2003.
OLIVEIRA, Luiz Eduardo (org.). A legislação pombalina sobre o ensino de línguas:
suas implicações na educação brasileira (1757-1827). Maceió: EDUFAL, 2010.
TEIXEIRA, Ivan. Mecenato Pombalino e poesia neoclássica. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1999.
POMBAL, Marques de. Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra. Porto:
Campo das Letras, 2008.