SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
AS AVENTURAS DE PI: Uma interpretação gnóstica
Carlos A. P. Campani (Ir.'. Ibrahim)
Gostei do filme. As imagens são impressionantes. Ang Lee soube explorar os reflexos do
céu no mar, em cenas deslumbrantes. O tigre Richard Parker, produzido por computação gráfica, é
perfeito - torna-se um ator como qualquer outro no filme.
Mas não escrevi este artigo para falar que gostei do filme e porque gostei dele. Meu
propósito é tentar explicar o significado que captei ao assisti-lo, defender uma tese e comparar o
filme com outra história, esta outra uma história clássica: Moby Dick.
Devo advertir o leitor que este artigo contém spoilers do filme, e que seria melhor que o
leitor primeiro assistisse ao filme para, então, ler este artigo.
Minha tese é que o filme tem inspiração gnóstica, como a história de Moby Dick, de
Melville. No livro de Melville, as referências a diversas religiões e ao gnosticismo são bem
conhecidas. Da mesma forma, em As Aventuras de Pi, Pi envolve-se com um inusitado encontro da
religiosidade ocidental e a religião de seu país, a Índia, e não é, de nenhuma maneira, uma
coincidência o surgimento de imenso cetáceo em cena crucial para o entendimento do filme.
Em Moby Dick, um pescador, de nome Ahab, encontra-se sozinho e perdido no meio da
imensidão do mar, lutando contra uma baleia. Ahab acredita que o mundo material de água é
malévolo, e conspira para impedi-lo de encontrar a luz purificadora.
Esta imagem ecoa o conceito gnóstico de “deus como adversário”. Para os gnósticos, a
divindade Yaldabaoth, o Demiurgo, é o adversário que desafia o Homem para a existência sensível,
sua grande prova no caminho para a libertação. Yaldabaoth é o carcereiro que condena a
humanidade a vagar por este mundo material e inferior, o qual, na visão gnóstica, não é o lugar do
Homem, cuja natureza verdadeira é espiritual.
Na história de Moby Dick, Ahab representa o Homem vagando por um mundo onde ele é um
estranho, e no qual deve enfrentar Deus, que lhe impõe o desafio da existência. De forma
semelhante, no filme de Ang Lee, Pi vagueia perdido no mar em um pequeno barco, enfrentando
um tigre, de nome Richard Parker. Na verdade, outra obra já havia explorado paralelos com a
história de Melville, O Tigre, de Blake. Segundo Richard Smith em A Relevância Moderna do
Gnosticismo, Biblioteca de Nag Hammadi, ambas as bestas representam a natureza, que é morte. A
natureza, segundo Melville, é pintada como uma meretriz, “a grandiosa, sincera e laureada Natureza
de Deus”. A natureza é apenas a maquiagem onde esconde-se a morte, como se o grande cetáceo
albino representasse alvo sudário para o Homem. O mundo sensível é a grande barreira entre o
Homem e sua própria libertação.
Deixando que fale o próprio Melville, em Moby Dick, para preencher com cores minhas
afirmações: “Há pouca razão para dúvida, então, que desde aquele encontro quase fatal, Ahab
tivesse nutrido um sentimento de vingança feroz contra a baleia, e mais tenha sentido, em sua
frenética morbidez, ele veio finalmente a identificar-se com ela, não só todos os seus males
corporais, mas todos as suas exasperações intelectuais e espirituais. A Baleia Branca nadou perante
ele como uma incarnação monomaníaca de todos estes agentes maliciosos os quais alguns homens
profundos sentem comendo-os, até que eles ficam vivendo com metade de um coração e metade de
um pulmão. A intangível malignidade a qual foi desde o princípio”.
Para o gnosticismo, o mundo é reflexo da psique humana, e em As Aventuras de Pi, Ang Lee
explora o reflexo do céu no mar para sugerir isso. Desta forma, para o gnosticismo, a natureza
humana espelha a dualidade encontrada o mundo: em parte feita pelo falso deus criador,
Yaldabaoth, e em parte consistindo da luz do Deus Verdadeiro, ABRAXAS. Se o mundo é reflexo do
Homem, o estudo da psique humana e a contemplação sobre a luz que habita no Homem deve ser o
meio para compreender todo o Universo. Isso reflete a máxima das antigas Escolas de Mistério:
“Conhece-te a ti mesmo”.
De um modo geral, as religiões tentam explicar o sentido da vida. No entanto, para os
antigos gnósticos, a vida, sendo transitória e ilusória, é ausente de sentido. O mundo não tem um
sentido objetivo, é completamente ilusório. A única coisa que possui existência real é o que está
além do mundo sensível.
No filme, isso está expresso no episódio em que o pai de Pi convence Pi que Richard Parker
não tem uma alma, e a partir daí Pi passa a ter uma vida bem mais tediosa, sem a explicação
soteriológica que é fornecida pelas religiões. No barco, durante a luta contra o tigre, Pi descobre que
pode controlar os instintos de Richard Parker usando treinamento baseado nos reflexos do animal.
O comportamento de Richard Parker no barco só vem a confirmar a inexistência de sentido para a
vida humana e a incapacidade da religião de resolver este problema.
Para o gnosticismo, o mundo foi feito com um “defeito”, pois é obra do deus inferior, o
Demiurgo. Este bug no software da criação não é uma casualidade, mas possui intencionalidade. O
mito gnóstico de Sophia nos dá alguma luz sobre este tema.
Segundo o mito, de um princípio desconhecido emanaram, em sucessão, seres divinos,
chamados de Aeons, que constituem uma hierarquia divina denominada Pleroma, que representa a
natureza divina. No princípio, o Pleroma estava em paz e ordem. No entanto, cada emanação
distanciava-se cada vez mais da fonte primordial, até que surgiu Sophia, associada à sabedoria e ao
aspecto feminino da divindade. Sophia, o Aeon mais distante da fonte primordial, deseja conhecer o
princípio de onde tudo emanou. Seu desejo era impossível de ser realizado, e sua tentativa acabou
provocando o surgimento de um reflexo imperfeito do seu desejo, uma hipostalização deste desejo,
na figura de um ser chamado de Demiurgo. A ação de Sophia provocou uma instabilidade no
Pleroma, pois sua ação não tinha a autorização da hierarquia. Usurpando o poder criador de Sophia,
o Demiurgo, desconhecendo a existência dos Aeons e da Raiz Desconhecida de onde tudo emanou,
criou o mundo material e o homem. Ao final, o Deus Superior liberta Sophia e coloca ordem
novamente no Pleroma. Esta é a luz purificadora de Ahab e o porto seguro de Pi.
Falando sobre este Deus Superior, Carl Jung, escrevendo sob o pseudônimo de Basílides,
citado em A Relevância Moderna do Gnosticismo, diz: “Deus não está morto. Agora ele vive mais
do que nunca. Este é um deus que tu não conheces, pois a humanidade se esqueceu. Nós o
chamamos pelo nome ABRAXAS. Abraxas está acima do sol e do mal. É uma probabilidade
improvável, realidade irreal.”
A cena da ilha carnívora é outra referência que deve ser analisada com cuidado. Percebe-se
ai novamente uma referência ao mundo material malévolo e estranho ao Homem. No entanto, nesta
ilha Pi teve a oportunidade de matar sua fome. Não vejo melhor metáfora para esta ilha malévola,
mas que durante o dia alimenta seus habitantes, do que o culto à deusa hindu Kali, deusa da vida e
da morte, que ostenta em seu pescoço colar de crânios humanos. Ela, como deusa feminina, é um
símbolo da Natureza. A ilha é símbolo e metáfora deste mundo ilusório, mas que fornece os
elementos, a arena, para a iluminação.
Finalmente, ao citar duas possíveis versões para a história do ocorrido na viagem pelo mar,
Pi acaba dizendo que escolheu a que contou porque esta era melhor. Ora, isso só pode ser
interpretado esotericamente como uma indicação que não são os fatos concretos que contam, mas a
nossa interpretação deles, pois o mundo não tem existência real, sendo apenas um reflexo do
Homem, uma ilusão criada por nossa Mente.
No filme, a supervalorização do mar e seus reflexos são uma dica bem clara da intenção de
Ang Lee. Além disto, a cena do cetáceo é mais uma referência que liga o filme ao clássico de
Melville. A vinculação do filme ao gnosticismo não é tão explícita como em Moby Dick, mas pode
ser entendida ao assistir com atenção as dicas dadas pelo próprio enredo e as imagens
deslumbrantes.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Gotas Reflexivas - Wanderlei Xavier
Gotas Reflexivas - Wanderlei XavierGotas Reflexivas - Wanderlei Xavier
Gotas Reflexivas - Wanderlei XavierWanderlei Xavier
 
027 nosso lar 27 o trabalho, enfim
027 nosso lar  27 o trabalho, enfim027 nosso lar  27 o trabalho, enfim
027 nosso lar 27 o trabalho, enfimFatoze
 
Lucifer Luciferax I
Lucifer Luciferax ILucifer Luciferax I
Lucifer Luciferax Ileobibiano
 
Huberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índia
Huberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na ÍndiaHuberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índia
Huberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índiauniversalismo-7
 
Chico Xavier Espirita Apostólico Romano
 Chico Xavier Espirita Apostólico Romano Chico Xavier Espirita Apostólico Romano
Chico Xavier Espirita Apostólico Romanofree
 
Candeia 16 março/abril
Candeia 16 março/abril Candeia 16 março/abril
Candeia 16 março/abril rivaer2002
 
Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33
Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33
Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33Jose Luiz Maio
 
Lucifer luciferax 3
Lucifer luciferax 3Lucifer luciferax 3
Lucifer luciferax 3sergiocarlos
 
Entendendo o livro black wings 2 copia
Entendendo o livro  black wings 2   copiaEntendendo o livro  black wings 2   copia
Entendendo o livro black wings 2 copiaRaquel Alves
 
Evangelho animais 55
Evangelho animais 55Evangelho animais 55
Evangelho animais 55Fatoze
 
Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011
Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011
Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011Sérgio Pitaki
 
Lucifer luciferax IV
Lucifer luciferax IVLucifer luciferax IV
Lucifer luciferax IVleobibiano
 
Huberto Rohden - Lúcifer e Lógos
Huberto Rohden - Lúcifer e LógosHuberto Rohden - Lúcifer e Lógos
Huberto Rohden - Lúcifer e Lógosuniversalismo-7
 

Mais procurados (20)

LiLIth a Lua Negra
LiLIth a Lua NegraLiLIth a Lua Negra
LiLIth a Lua Negra
 
A vingança de dagoberto 2001
A vingança de dagoberto 2001A vingança de dagoberto 2001
A vingança de dagoberto 2001
 
Gotas Reflexivas - Wanderlei Xavier
Gotas Reflexivas - Wanderlei XavierGotas Reflexivas - Wanderlei Xavier
Gotas Reflexivas - Wanderlei Xavier
 
027 nosso lar 27 o trabalho, enfim
027 nosso lar  27 o trabalho, enfim027 nosso lar  27 o trabalho, enfim
027 nosso lar 27 o trabalho, enfim
 
Prova 3º ano
Prova 3º anoProva 3º ano
Prova 3º ano
 
Lucifer Luciferax I
Lucifer Luciferax ILucifer Luciferax I
Lucifer Luciferax I
 
Huberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índia
Huberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na ÍndiaHuberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índia
Huberto Rohden - Minhas Vivências na Palestina, no Egito e na Índia
 
Chico Xavier Espirita Apostólico Romano
 Chico Xavier Espirita Apostólico Romano Chico Xavier Espirita Apostólico Romano
Chico Xavier Espirita Apostólico Romano
 
Liber 418 port comentado
Liber 418 port comentadoLiber 418 port comentado
Liber 418 port comentado
 
Alçando voos
Alçando voosAlçando voos
Alçando voos
 
Candeia 16 março/abril
Candeia 16 março/abril Candeia 16 março/abril
Candeia 16 março/abril
 
Alçando voos
Alçando voosAlçando voos
Alçando voos
 
Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33
Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33
Estudando André Luiz Nosso Lar cap. 24 a 33
 
Lucifer luciferax 3
Lucifer luciferax 3Lucifer luciferax 3
Lucifer luciferax 3
 
Entendendo o livro black wings 2 copia
Entendendo o livro  black wings 2   copiaEntendendo o livro  black wings 2   copia
Entendendo o livro black wings 2 copia
 
Colônias Espirituais
Colônias EspirituaisColônias Espirituais
Colônias Espirituais
 
Evangelho animais 55
Evangelho animais 55Evangelho animais 55
Evangelho animais 55
 
Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011
Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011
Gralha Azul no. 11 - Sobrames Paraná - Maio 2011
 
Lucifer luciferax IV
Lucifer luciferax IVLucifer luciferax IV
Lucifer luciferax IV
 
Huberto Rohden - Lúcifer e Lógos
Huberto Rohden - Lúcifer e LógosHuberto Rohden - Lúcifer e Lógos
Huberto Rohden - Lúcifer e Lógos
 

Destaque (20)

Espaco1
Espaco1Espaco1
Espaco1
 
Cpmadeinlove
Cpmadeinlove Cpmadeinlove
Cpmadeinlove
 
Cyberbullying
CyberbullyingCyberbullying
Cyberbullying
 
Certificado de competencia Brasil
Certificado de competencia BrasilCertificado de competencia Brasil
Certificado de competencia Brasil
 
Apresentação1
Apresentação1Apresentação1
Apresentação1
 
Indicadores de éxito TDAH
Indicadores de éxito TDAHIndicadores de éxito TDAH
Indicadores de éxito TDAH
 
Normas
NormasNormas
Normas
 
Requerimento - Candidatura
Requerimento - Candidatura Requerimento - Candidatura
Requerimento - Candidatura
 
1 quem é a forza
1   quem é a forza1   quem é a forza
1 quem é a forza
 
1
11
1
 
Brasil
BrasilBrasil
Brasil
 
Folha isoladas
Folha  isoladasFolha  isoladas
Folha isoladas
 
Sobre a jeunesse
Sobre a jeunesseSobre a jeunesse
Sobre a jeunesse
 
Engºs da pm de n horizonte
Engºs da pm de n horizonteEngºs da pm de n horizonte
Engºs da pm de n horizonte
 
Gestor de Conta - Espanha
Gestor de Conta - Espanha Gestor de Conta - Espanha
Gestor de Conta - Espanha
 
Credencial nueva 2
Credencial nueva 2Credencial nueva 2
Credencial nueva 2
 
Exercícios juros simples
Exercícios juros simplesExercícios juros simples
Exercícios juros simples
 
2013 pontodosconcursos - leitura sugerida 1
2013   pontodosconcursos - leitura sugerida 12013   pontodosconcursos - leitura sugerida 1
2013 pontodosconcursos - leitura sugerida 1
 
Inspecao contra vazamentos
Inspecao contra vazamentosInspecao contra vazamentos
Inspecao contra vazamentos
 
Informações paroquiais (3) (4)
Informações paroquiais (3) (4)Informações paroquiais (3) (4)
Informações paroquiais (3) (4)
 

Semelhante a As Aventuras de Pi: uma interpretação gnóstica

Narrativa Mítica
Narrativa MíticaNarrativa Mítica
Narrativa MíticaDalmo Borba
 
Universo de Lúcifer
Universo de LúciferUniverso de Lúcifer
Universo de LúciferRODRIGO ORION
 
Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...
Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...
Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...Raquel Alves
 
Imagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneos
Imagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneosImagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneos
Imagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneosBeatriz Acencio
 
Lucifer luciferax III
Lucifer luciferax IIILucifer luciferax III
Lucifer luciferax IIIleobibiano
 
A mulher espírito bisão branco
A mulher espírito bisão brancoA mulher espírito bisão branco
A mulher espírito bisão brancoJ. Alfredo Bião
 
Aula 04 mito e filosofia 20130329114826 (1)
Aula  04 mito e filosofia 20130329114826 (1)Aula  04 mito e filosofia 20130329114826 (1)
Aula 04 mito e filosofia 20130329114826 (1)samuel2312
 
A Profecia em Cantares de Salomão
A Profecia em Cantares de SalomãoA Profecia em Cantares de Salomão
A Profecia em Cantares de Salomãowelingtonjh
 
Anubis - função do culto para o vivo.pdf
Anubis - função do culto para o vivo.pdfAnubis - função do culto para o vivo.pdf
Anubis - função do culto para o vivo.pdfVIEIRA RESENDE
 
Areligiaoproibida
AreligiaoproibidaAreligiaoproibida
AreligiaoproibidaSid Alves
 
Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho
Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho
Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho AMLDRP
 

Semelhante a As Aventuras de Pi: uma interpretação gnóstica (20)

Narrativa Mítica
Narrativa MíticaNarrativa Mítica
Narrativa Mítica
 
Universo de Lúcifer
Universo de LúciferUniverso de Lúcifer
Universo de Lúcifer
 
Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...
Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...
Entendendo o livro “Lilith Negra: símbolos culturais em um debate intersemiót...
 
O Abismo
O AbismoO Abismo
O Abismo
 
Imagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneos
Imagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneosImagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneos
Imagens da literatura grega clássica nos textos contemporâneos
 
Mitos
MitosMitos
Mitos
 
Lucifer luciferax III
Lucifer luciferax IIILucifer luciferax III
Lucifer luciferax III
 
Pentagrama 5
Pentagrama 5Pentagrama 5
Pentagrama 5
 
Auto da Compadecida
Auto da CompadecidaAuto da Compadecida
Auto da Compadecida
 
A mulher espírito bisão branco
A mulher espírito bisão brancoA mulher espírito bisão branco
A mulher espírito bisão branco
 
Platâo
PlatâoPlatâo
Platâo
 
Aula 04 mito e filosofia 20130329114826 (1)
Aula  04 mito e filosofia 20130329114826 (1)Aula  04 mito e filosofia 20130329114826 (1)
Aula 04 mito e filosofia 20130329114826 (1)
 
A Profecia em Cantares de Salomão
A Profecia em Cantares de SalomãoA Profecia em Cantares de Salomão
A Profecia em Cantares de Salomão
 
Mitos
MitosMitos
Mitos
 
Anubis - função do culto para o vivo.pdf
Anubis - função do culto para o vivo.pdfAnubis - função do culto para o vivo.pdf
Anubis - função do culto para o vivo.pdf
 
Huberto rohden lúcifer e lógos
Huberto rohden   lúcifer e lógosHuberto rohden   lúcifer e lógos
Huberto rohden lúcifer e lógos
 
Areligiaoproibida
AreligiaoproibidaAreligiaoproibida
Areligiaoproibida
 
Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho
Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho
Ficha de leitura - as valquírias, paulo coelho
 
Lucifer 3
Lucifer 3Lucifer 3
Lucifer 3
 
Lucifer 1
Lucifer 1Lucifer 1
Lucifer 1
 

Mais de Carlos Campani

Técnicas de integração
Técnicas de integraçãoTécnicas de integração
Técnicas de integraçãoCarlos Campani
 
Lista de exercícios 3
Lista de exercícios 3Lista de exercícios 3
Lista de exercícios 3Carlos Campani
 
Lista de exercícios 2
Lista de exercícios 2Lista de exercícios 2
Lista de exercícios 2Carlos Campani
 
Aplicações da integração
Aplicações da integraçãoAplicações da integração
Aplicações da integraçãoCarlos Campani
 
Lista de exercícios 1
Lista de exercícios 1Lista de exercícios 1
Lista de exercícios 1Carlos Campani
 
ANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃO
ANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃOANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃO
ANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃOCarlos Campani
 
PROPRIEDADES DAS FUNÇÕES
PROPRIEDADES DAS FUNÇÕESPROPRIEDADES DAS FUNÇÕES
PROPRIEDADES DAS FUNÇÕESCarlos Campani
 
Funções, suas propriedades e gráfico
Funções, suas propriedades e gráficoFunções, suas propriedades e gráfico
Funções, suas propriedades e gráficoCarlos Campani
 
Solução de equações modulares
Solução de equações modularesSolução de equações modulares
Solução de equações modularesCarlos Campani
 
Equações polinomiais
Equações polinomiaisEquações polinomiais
Equações polinomiaisCarlos Campani
 
Instruções de Aprendiz
Instruções de AprendizInstruções de Aprendiz
Instruções de AprendizCarlos Campani
 
Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...
Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...
Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...Carlos Campani
 

Mais de Carlos Campani (20)

Técnicas de integração
Técnicas de integraçãoTécnicas de integração
Técnicas de integração
 
Lista de exercícios 3
Lista de exercícios 3Lista de exercícios 3
Lista de exercícios 3
 
Lista de exercícios 2
Lista de exercícios 2Lista de exercícios 2
Lista de exercícios 2
 
Aplicações da integração
Aplicações da integraçãoAplicações da integração
Aplicações da integração
 
Lista de exercícios 1
Lista de exercícios 1Lista de exercícios 1
Lista de exercícios 1
 
Integral
IntegralIntegral
Integral
 
Semana 14
Semana 14 Semana 14
Semana 14
 
Semana 13
Semana 13 Semana 13
Semana 13
 
Semana 12
Semana 12Semana 12
Semana 12
 
Semana 11
Semana 11Semana 11
Semana 11
 
Semana 10
Semana 10 Semana 10
Semana 10
 
Semana 9
Semana 9 Semana 9
Semana 9
 
ANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃO
ANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃOANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃO
ANÁLISE COMPLETA DE UMA FUNÇÃO
 
PROPRIEDADES DAS FUNÇÕES
PROPRIEDADES DAS FUNÇÕESPROPRIEDADES DAS FUNÇÕES
PROPRIEDADES DAS FUNÇÕES
 
Funções, suas propriedades e gráfico
Funções, suas propriedades e gráficoFunções, suas propriedades e gráfico
Funções, suas propriedades e gráfico
 
Solução de equações modulares
Solução de equações modularesSolução de equações modulares
Solução de equações modulares
 
Equações polinomiais
Equações polinomiaisEquações polinomiais
Equações polinomiais
 
PROVAS DE TEOREMAS
PROVAS DE TEOREMASPROVAS DE TEOREMAS
PROVAS DE TEOREMAS
 
Instruções de Aprendiz
Instruções de AprendizInstruções de Aprendiz
Instruções de Aprendiz
 
Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...
Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...
Álgebra básica, potenciação, notação científica, radiciação, polinômios, fato...
 

Último

Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da AutorrealizaçãoDar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealizaçãocorpusclinic
 
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptxLição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptxCelso Napoleon
 
toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...
toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...
toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...VANESSACABRALDASILVA
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoRicardo Azevedo
 
As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)natzarimdonorte
 
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...PIB Penha
 
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPaulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPIB Penha
 
As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................natzarimdonorte
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresOração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresNilson Almeida
 
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxLição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxCelso Napoleon
 
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfTabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfAgnaldo Fernandes
 
Vivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide Silva
Vivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide SilvaVivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide Silva
Vivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide SilvaSammis Reachers
 
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAEUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAMarco Aurélio Rodrigues Dias
 
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdfO Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdfmhribas
 

Último (16)

Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da AutorrealizaçãoDar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
 
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptxLição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
 
toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...
toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...
toaz.info-livro-a-trilha-menos-percorrida-de-m-scott-peck-compressed-pr_8b78f...
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
 
As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)
 
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
 
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPaulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
 
As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................
 
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS  NA VISÃO ESPÍRITAVICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS  NA VISÃO ESPÍRITA
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresOração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
 
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxLição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
 
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfTabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
 
Vivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide Silva
Vivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide SilvaVivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide Silva
Vivendo a vontade de Deus para adolescentes - Cleide Silva
 
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAEUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
 
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdfO Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
 
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
 

As Aventuras de Pi: uma interpretação gnóstica

  • 1. AS AVENTURAS DE PI: Uma interpretação gnóstica Carlos A. P. Campani (Ir.'. Ibrahim) Gostei do filme. As imagens são impressionantes. Ang Lee soube explorar os reflexos do céu no mar, em cenas deslumbrantes. O tigre Richard Parker, produzido por computação gráfica, é perfeito - torna-se um ator como qualquer outro no filme. Mas não escrevi este artigo para falar que gostei do filme e porque gostei dele. Meu propósito é tentar explicar o significado que captei ao assisti-lo, defender uma tese e comparar o filme com outra história, esta outra uma história clássica: Moby Dick. Devo advertir o leitor que este artigo contém spoilers do filme, e que seria melhor que o leitor primeiro assistisse ao filme para, então, ler este artigo. Minha tese é que o filme tem inspiração gnóstica, como a história de Moby Dick, de Melville. No livro de Melville, as referências a diversas religiões e ao gnosticismo são bem conhecidas. Da mesma forma, em As Aventuras de Pi, Pi envolve-se com um inusitado encontro da religiosidade ocidental e a religião de seu país, a Índia, e não é, de nenhuma maneira, uma coincidência o surgimento de imenso cetáceo em cena crucial para o entendimento do filme. Em Moby Dick, um pescador, de nome Ahab, encontra-se sozinho e perdido no meio da imensidão do mar, lutando contra uma baleia. Ahab acredita que o mundo material de água é malévolo, e conspira para impedi-lo de encontrar a luz purificadora. Esta imagem ecoa o conceito gnóstico de “deus como adversário”. Para os gnósticos, a divindade Yaldabaoth, o Demiurgo, é o adversário que desafia o Homem para a existência sensível, sua grande prova no caminho para a libertação. Yaldabaoth é o carcereiro que condena a humanidade a vagar por este mundo material e inferior, o qual, na visão gnóstica, não é o lugar do Homem, cuja natureza verdadeira é espiritual. Na história de Moby Dick, Ahab representa o Homem vagando por um mundo onde ele é um estranho, e no qual deve enfrentar Deus, que lhe impõe o desafio da existência. De forma semelhante, no filme de Ang Lee, Pi vagueia perdido no mar em um pequeno barco, enfrentando um tigre, de nome Richard Parker. Na verdade, outra obra já havia explorado paralelos com a história de Melville, O Tigre, de Blake. Segundo Richard Smith em A Relevância Moderna do Gnosticismo, Biblioteca de Nag Hammadi, ambas as bestas representam a natureza, que é morte. A natureza, segundo Melville, é pintada como uma meretriz, “a grandiosa, sincera e laureada Natureza de Deus”. A natureza é apenas a maquiagem onde esconde-se a morte, como se o grande cetáceo albino representasse alvo sudário para o Homem. O mundo sensível é a grande barreira entre o Homem e sua própria libertação. Deixando que fale o próprio Melville, em Moby Dick, para preencher com cores minhas afirmações: “Há pouca razão para dúvida, então, que desde aquele encontro quase fatal, Ahab tivesse nutrido um sentimento de vingança feroz contra a baleia, e mais tenha sentido, em sua frenética morbidez, ele veio finalmente a identificar-se com ela, não só todos os seus males corporais, mas todos as suas exasperações intelectuais e espirituais. A Baleia Branca nadou perante ele como uma incarnação monomaníaca de todos estes agentes maliciosos os quais alguns homens profundos sentem comendo-os, até que eles ficam vivendo com metade de um coração e metade de um pulmão. A intangível malignidade a qual foi desde o princípio”. Para o gnosticismo, o mundo é reflexo da psique humana, e em As Aventuras de Pi, Ang Lee explora o reflexo do céu no mar para sugerir isso. Desta forma, para o gnosticismo, a natureza humana espelha a dualidade encontrada o mundo: em parte feita pelo falso deus criador, Yaldabaoth, e em parte consistindo da luz do Deus Verdadeiro, ABRAXAS. Se o mundo é reflexo do Homem, o estudo da psique humana e a contemplação sobre a luz que habita no Homem deve ser o meio para compreender todo o Universo. Isso reflete a máxima das antigas Escolas de Mistério: “Conhece-te a ti mesmo”. De um modo geral, as religiões tentam explicar o sentido da vida. No entanto, para os antigos gnósticos, a vida, sendo transitória e ilusória, é ausente de sentido. O mundo não tem um
  • 2. sentido objetivo, é completamente ilusório. A única coisa que possui existência real é o que está além do mundo sensível. No filme, isso está expresso no episódio em que o pai de Pi convence Pi que Richard Parker não tem uma alma, e a partir daí Pi passa a ter uma vida bem mais tediosa, sem a explicação soteriológica que é fornecida pelas religiões. No barco, durante a luta contra o tigre, Pi descobre que pode controlar os instintos de Richard Parker usando treinamento baseado nos reflexos do animal. O comportamento de Richard Parker no barco só vem a confirmar a inexistência de sentido para a vida humana e a incapacidade da religião de resolver este problema. Para o gnosticismo, o mundo foi feito com um “defeito”, pois é obra do deus inferior, o Demiurgo. Este bug no software da criação não é uma casualidade, mas possui intencionalidade. O mito gnóstico de Sophia nos dá alguma luz sobre este tema. Segundo o mito, de um princípio desconhecido emanaram, em sucessão, seres divinos, chamados de Aeons, que constituem uma hierarquia divina denominada Pleroma, que representa a natureza divina. No princípio, o Pleroma estava em paz e ordem. No entanto, cada emanação distanciava-se cada vez mais da fonte primordial, até que surgiu Sophia, associada à sabedoria e ao aspecto feminino da divindade. Sophia, o Aeon mais distante da fonte primordial, deseja conhecer o princípio de onde tudo emanou. Seu desejo era impossível de ser realizado, e sua tentativa acabou provocando o surgimento de um reflexo imperfeito do seu desejo, uma hipostalização deste desejo, na figura de um ser chamado de Demiurgo. A ação de Sophia provocou uma instabilidade no Pleroma, pois sua ação não tinha a autorização da hierarquia. Usurpando o poder criador de Sophia, o Demiurgo, desconhecendo a existência dos Aeons e da Raiz Desconhecida de onde tudo emanou, criou o mundo material e o homem. Ao final, o Deus Superior liberta Sophia e coloca ordem novamente no Pleroma. Esta é a luz purificadora de Ahab e o porto seguro de Pi. Falando sobre este Deus Superior, Carl Jung, escrevendo sob o pseudônimo de Basílides, citado em A Relevância Moderna do Gnosticismo, diz: “Deus não está morto. Agora ele vive mais do que nunca. Este é um deus que tu não conheces, pois a humanidade se esqueceu. Nós o chamamos pelo nome ABRAXAS. Abraxas está acima do sol e do mal. É uma probabilidade improvável, realidade irreal.” A cena da ilha carnívora é outra referência que deve ser analisada com cuidado. Percebe-se ai novamente uma referência ao mundo material malévolo e estranho ao Homem. No entanto, nesta ilha Pi teve a oportunidade de matar sua fome. Não vejo melhor metáfora para esta ilha malévola, mas que durante o dia alimenta seus habitantes, do que o culto à deusa hindu Kali, deusa da vida e da morte, que ostenta em seu pescoço colar de crânios humanos. Ela, como deusa feminina, é um símbolo da Natureza. A ilha é símbolo e metáfora deste mundo ilusório, mas que fornece os elementos, a arena, para a iluminação. Finalmente, ao citar duas possíveis versões para a história do ocorrido na viagem pelo mar, Pi acaba dizendo que escolheu a que contou porque esta era melhor. Ora, isso só pode ser interpretado esotericamente como uma indicação que não são os fatos concretos que contam, mas a nossa interpretação deles, pois o mundo não tem existência real, sendo apenas um reflexo do Homem, uma ilusão criada por nossa Mente. No filme, a supervalorização do mar e seus reflexos são uma dica bem clara da intenção de Ang Lee. Além disto, a cena do cetáceo é mais uma referência que liga o filme ao clássico de Melville. A vinculação do filme ao gnosticismo não é tão explícita como em Moby Dick, mas pode ser entendida ao assistir com atenção as dicas dadas pelo próprio enredo e as imagens deslumbrantes.