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Ciência
A ciência permitiu-nos mandar pessoas à Lua, curar a
tuberculose, inventar a bomba atómica, os automóveis, o
aeroplano, a televisão, os computadores e várias outras coisas
que mudaram a natureza da nossa vida quotidiana. Reconhece-
se, geralmente, que o método científico é a forma mais eficaz de
descobrir e prever o comportamento da natureza. Nem todas as
invenções científicas têm sido benéficas para os seres humanos
— é óbvio que esses desenvolvimentos tanto têm sido usados
para destruir como para melhorar a vida humana. Contudo,
seria difícil negar o sucesso na manipulação da natureza que a
ciência tornou possível. Aciência produziu resultados, ao passo
que a bruxaria, a magia, a superstição e a mera tradição não têm
mostrado, comparativamente, grande coisa a seu favor.
O método científico é um grande avanço em relação a
formas anteriores de adquirir conhecimento. Historicamente, a
ciência substituiu a «verdade de autoridade». A verdade de
autoridade significava aceitar como verdadeiras as ideias de
várias «autoridades» importantes — especialmente as obras
166
CIÊNCIA
que sobreviveram de Aristóteles (384-322 a.C.), o filósofo grego
antigo, e os ensinamentos da Igreja—, por causa não do que
afirmavam, mas de quem o afirmava. Ao invés, o método
científico sublinha a necessidade de efetuar testes e fazer
observações detalhadas acerca dos resultados antes de confiar
em qualquer afirmação.
Mas o que é o método científico? Será realmente tão digno
de confiança quanto somos habitualmente levados a acreditar?
Como progride a ciência? Este é o tipo de questões que os
filósofos da ciência colocam. Nesta secção, consideraremos
algumas questões gerais acerca da natureza do método
científico.
A perspectiva simples do método científico
Uma perspectiva simples, mas muito comum, do método
científico é a seguinte: o cientista começa por um vasto número de
observações de certo aspeto do mundo: por exemplo, o efeito de
aquecer a água. Estas observações devem ser tão objetivas quanto
possível: o objetivo do cientista é ser imparcial e nãoter preconceitos
ao registar os dados. Uma vez recolhida, pelo cientista, uma grande
quantidade de dados baseados na observação, o estádio seguinte é
criar uma teoria que explique o padrão de resultados. Esta teoria, se
for boa, explicará simultaneamente o que estava a acontecer e irá
prever o que é provável que aconteça no futuro. Se os resultados
futuros não se coadunarem completamente com estas previsões, o
cientista modificará a sua teoria para dar conta deles. Porque existe
uma grande regularidade na natureza, as previsões científicas
podem ser extraordinariamente precisas.
167
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
Assim, por exemplo, um cientista pode começar por
aquecer água a 100°C sob condições normais e observar a água
a entrar em ebulição e a evaporar-se. O cientista pode então
fazer várias outras observações do comportamento da água sob
diferentes temperaturas e pressões. Com base nestas
observações, o cientista irá sugerir uma teoria acerca do ponto
de ebulição da água em relação à temperatura e à pressão. Esta
teoria irá explicar não apenas as observações particulares feitas
pelo cientista, mas também, se for uma boa teoria, explicar e
prever todas as observações futuras do comportamento da água
sob diferentes temperaturas e pressões. Segundo esta
perspectiva, o método científico começa com observações,
passa à teoria e produz assimuma generalização(ou enunciado
universal) capaz de gerar previsões. Se a generalização for boa,
será considerada uma lei da natureza. A ciência produz
resultados objetivos que podem ser confirmados por qualquer
pessoa que queira repetir os testes originais.
Esta perspectiva do método científico é surpreen-
dentemente comum, mesmo entre os cientistas ativos. No
entanto, é insatisfatória por vários motivos, os mais
importantes dos quais são os seus pressupostos acerca da
natureza da observação e dos argumentos indutivos.
Críticas à perspectiva simples
Observação
Como vimos, a perspectiva simples do método científico
afirma que os cientistas começam por efetuar observações
168
CIÊNCIA
imparciais antes de formularem teorias para explicar essas
observações. Contudo, isto é uma má descrição do que a
observação realmente é: a perspectiva simples pressupõe que o
nosso conhecimento e expectativas não afetam as nossas
observações, que é possível fazer observações de forma
completamente isenta de preconceitos.
Tal como sugeri quando discuti a perceção no capítulo
anterior, ver algo nãoé apenas ter uma imagem na nossa retina.
Ou, como defendeu o filósofo N. R. Hanson (1924-1967), «a
visão envolve mais coisas do que o globo ocular». O nosso
conhecimento e as nossas expectativas do que iremos
provavelmente ver afeitam o que vemos de facto. Por exemplo,
quando eu olho para os fios de uma central telefónica, vejo
apenas um emaranhado caótico de fios coloridos; um
engenheiro de telecomunicações, ao olhar para a mesma coisa,
veria padrões de conexões e outras coisas.O pano de fundo das
crenças do engenheiro de telecomunicações afeta o que ele
efetivamente vê. O engenheiro e eu não temos a mesma
experiência visual que depois interpretamos de forma
diferente: a experiência visual, como a teoria realista causal da
perceção sublinha, não pode separar-se das nossas crenças
acerca do que estamos a ver.
Como outro exemplo deste aspeto, pense o leitor na
diferença entre o que um físico experiente vê quando olha para
um microscópio electrónico e o que uma pessoa de uma cultura
pré-científica veria ao olhar para o mesmo equipamento. O
físico compreenderia a inter-relação entre as diferentes partes
do instrumento e avaliaria a forma de o usar e o que poderia
fazer-se com ele. Para a pessoa da cultura pré-científica, o
instrumento constituiria provavelmente uma confusão de
estranhos bocados de metal e fios, unidos de forma misteriosa.
169
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
É claro que existem muitas coisas em comum que
observadores diferentes da mesma coisa irão ver; caso
contrário, a comunicação seria impossível. Mas a perspectiva
simples do método científico tem tendência para menosprezar
este facto importante acerca da observação: o que vemos não
pode ser pura e simplesmente reduzido às imagens nas nossas
retinas. O que habitualmente vemos depende daquilo a que se
chama o «enquadramento mental»: o nosso conhecimento e
expectativas e também o meio cultural em que fomos
educados.
Contudo, vale a pena notar que existem algumas ob-
servações que se recusam obstinadamente a ser afetadas pelas
nossas crenças. Apesar de saber que a Lua não é maior quando
surge mais abaixo no horizonte do que quando está no seu
zénite, não consigo evitar vê-la maior. Neste caso, a minha
experiência preceptiva da Lua não é afetada pelas minhas
crenças conscientes de fundo. É óbvio que digo que a Lua
«parece maior», e não que «é maior», e isto implica a presença
de conhecimentos teóricos, mas parece ser um caso em que a
minha experiência precetiva é imune à influência das minhas
crenças. Isto mostra que a relação entre o que sabemos e o que
vemos não é tão simples como por vezes se pensa: o
conhecimento de fundo não faz sempre que vejamos de forma
diferente. Isto não enfraquece o argumento contra a
perspectiva simples da ciência, uma vez que, na maioria dos
casos, o que vemos é significativamente afetado pelo nosso
enquadramento mental.
Enunciados observacionais
Uma segunda característica importante da observação num
contexto científico que a perspectiva simples negligencia é a
natureza dos enunciados observacionais.
170
CIÊNCIA
O cientista tem de exprimir observações particulares numa
linguagem. No entanto, a linguagem que o cientista usa para
exprimir estes enunciados observacionais tem sempre
pressupostos teóricos associados.Um enunciado observacional
completamente neutro é coisa que não existe: os enunciados
observacionais estão «teoricamente subordinados». Por
exemplo, até uma afirmação comum como «Ele tocou no fio
elétrico e apanhou um choque» presume que existe eletricidade
e que a eletricidade pode ser perigosa. Ao usar a palavra
«elétrico», o locutor pressupõe toda uma teoria acerca das
causas do dano sofrido pela pessoa que tocou no fio.
Compreender o enunciado completamente implica
compreender teorias acerca de coisas como a eletricidade e a
fisiologia. Os pressupostos teóricos estão incorporados na
forma como o acontecimento é descrito. Por outras palavras, os
enunciados observacionais classificam a nossa experiência de
uma forma específica, mas esta não é a única maneira de a
classificar.
O tipo de enunciado observacional efetivamente feito em
ciência, como, por exemplo, «a estrutura molecular da
substância foi afetada pelo calor», pressupõe teorias bastante
elaboradas. A teoria vem sempre primeiro: a perspectiva
simples do método científico está completamente enganada ao
supor que a observação imparcial precede sempre a teoria. O
que vemos depende do que sabemos e as palavras que
escolhemos para descrever o que vemos pressupõem sempre
uma teoria sobre a natureza do que vemos. Estes sãodois factos
inescapáveis acerca da natureza da observação que
enfraquecem a noção de uma observação objetiva, sem
preconceitos e neutra.
171
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
Seleção
Um terceiro aspeto acerca da observação é que os cientistas
não se limitam a «observar», registando todas as medições de
todos os fenómenos. Isso seria fisicamente impossível. Os
cientistas escolhem os aspetos da situação sobre os quais se
concentram. Esta escolha envolve, também ela, decisões
teoricamente subordinadas.
O problema da indução
Um tipo diferente de objeção à perspectiva simples do
método científico levanta-se pelo facto de esta se apoiar na
indução, e não na dedução. A indução e a dedução são dois
tipos diferentes de argumentos. Um argumento indutivo
envolve uma generalização baseada num certo número de
observações específicas. Se eu observar um grande número de
animais com pelo, concluindo a partir das minhas observações
que todos os animais com pelo são vivíparos (isto é, dão à luz
crias em vez de porem ovos), estaria a usar um argumento
indutivo. Um argumento dedutivo, por outro lado, parte de
certas premissas, passando depois logicamente para uma
conclusão que se segue dessas premissas. Por exemplo, das
premissas «Todas as aves são animais» e «Os cisnes são aves»
posso concluir que, portanto, todos os cisnes são animais: este é
um argumento dedutivo.
Os argumentos dedutivos preservam a verdade. Isto
significa que, se as suas premissas são verdadeiras, as suas
conclusões têm de ser verdadeiras. Entraríamos em contradição
se afirmássemos as premissas e negássemos a conclusão. Assim,
se as premissas «Todas as aves são animais» e «Os cisnes são
aves» são ambas
172
CIÊNCIA
verdadeiras, tem de ser verdade que todos os cisnes são
animais. Ao invés, os argumentos indutivos com premissas
verdadeiras podem ter ou não ter conclusões verdadeiras.
Mesmo que todas as observações de animais com pelo por mim
efetuadas tenham sido fidedignas e que todos os animais sejam
de facto vivíparos, e mesmo que eu tenha feito milhares de
observações, pode vir a descobrir-se que a minha conclusão
indutiva de que todos os animais com pelo sãovivíparos é falsa.
Na verdade, a existência do plátipo ornitorrinco, um tipo
peculiar de animal com pelo que põe ovos, significa que se trata
de uma generalização falsa.
Estamos sempre a usar argumentos indutivos. É a indução
que nos leva a esperar que o futuro seja semelhante ao passado.
Já bebi café muitas vezes, mas nunca me envenenou, por isso
presumo, com base num argumento indutivo, que o café não
me vai envenenar daqui para a frente. Sempre vi o dia seguir-
se à noite, pelo que presumo que continuará a fazê-lo. Observei
muitas vezes que, se estiver à chuva, fico molhado, pelo que
presumo que o futuro será como o passadoe evito sempre que
possível estar à chuva. Todos estes exemplos são casos de
indução. As nossas vidas são todas baseadas no facto de a
indução nos proporcionar previsões razoavelmente fidedignas
acerca do nossomeio e do resultado provável das nossas ações.
Sem o princípio da indução, a nossa interação com o meio seria
completamente caótica: não teríamos bases para presumir que
o futuro seria como o passado.Não saberíamos se a comida que
nos preparamos para ingerir iria alimentar-nos ou envenenar-
nos; nãosaberíamos a cada passose o chão iria sustentar-nos ou
abrir-se um abismo, etc. Toda a regularidade prevista do nosso
meio estaria aberta à dúvida.
173
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
Apesar deste papel central desempenhado pela indução
nas nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da
indução não é inteiramente fidedigno. Como já vimos, pode
dar-nos uma conclusão falsa relativamente à questão de saber
se é verdade que todos os animais com pelo são vivíparos. As
suas conclusões não são tão fidedignas quanto as conclusões
resultantes de argumentos dedutivos com premissas
verdadeiras. Para ilustrar este aspeto, Bertrand Russell, nos
Problemas da Filosofia, usou o exemplo de uma galinha que
acorda todas as manhãs pensando que, uma vez que foi
alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele dia.
Um dia acorda e o camponês torce-lhe o pescoço. A galinha
estava a usar um argumento indutivo baseado num grande
número de observações. Estaremos a ser tão tolos quanto esta
galinha ao apoiar-nos tão fortemente na indução? Como
poderemos justificar a nossa fé na indução? Este é o chamado
problema da indução, um problema identificado por David
Hume no seu Tratado acerca do Conhecimento Humano. Como
poderemos nós alguma vez justificar a nossa confiança num
método de argumentação tão pouco digno de confiança? Esta
questão é particularmente relevante para a filosofia da ciência
porque, pelo menos na teoria simples delineada acima, a
indução desempenha um papel crucial no método científico.
Outro aspeto do problema da indução
Até agora tratámos o problema da indução como uma
questão acerca da justificação da generalização sobre o futuro
com base nopassado. Há outro aspeto do problema da indução
que ainda não abordámos. Trata-se do facto de existirem
numerosas generalizações muito diferentes que
174
CIÊNCIA
poderíamos fazer com base no passado, todas elas consistentes
com a informação disponível. Contudo, estas diferentes
generalizações podem resultar em previsões completamente
diferentes acerca do futuro. Isto é muito bem exemplificado no
exemplo do «verdul», introduzido pelo filósofo contemporâneo
Nelson Goodman (1906-). Este exemplo pode parecer de
alguma forma artificial, mas ilustra um aspeto importante.
Goodman inventou o termo «verdul» para revelar este
segundo aspeto do problema da indução. «Verdul» é o nome de
uma cor. Uma coisa é verdul se for observada antes do ano 2000
e for verde ou se nãofor observada antes do ano 2000 efor azul.
Temos uma vasta experiência que sugere ser verdadeira a
generalização «Todas as esmeraldas são verdes». Mas a infor-
mação disponível é igualmente consistente com a ideia de que
«todas as esmeraldas são verduis» (presumindo que todas as
observações foram feitas antes do ano 2000). No entanto,
afirmar que todas as esmeraldas são verdes ou que são verduis
afeta as previsões que faremos acerca da observação de
esmeraldas depois do ano 2000. Se dissermos que todas as
esmeraldas são verduis, a nossa previsão será a de que algumas
esmeraldas observadas depois do ano 2000 serão azuis: as que
foram observadas antes do ano 2000 serão verdes e as que não
foram observadas antes do ano 2000 serão azuis.No entanto, se
dissermos, como é mais natural, que todas as esmeraldas são
verdes, a nossa previsão será a de que todas elas serão verdes
seja qual for a altura em que forem observadas.
Este exemplo mostra que as previsões que fazemos com
base na indução não são as únicas que poderíamos fazer com
base na informação disponível. Assim, não só ficamos com a
conclusão de que as previsões que fazemos com base na
indução não são cem por cento fidedignas, mas também que
175
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
nem sequer são as únicas previsões consistentes com a
informação que acumulámos.
Tentativas de solução
do problema da indução
Parece funcionar
Uma resposta ao problema da indução é fazer notar que a
confiança na indução não é apenas generalizada, mas também
razoavelmente frutuosa: a maior parte das vezes é uma forma
extremamente útil de descobrir regularidades na natureza e de
descobrir o seu comportamento futuro. Como já fizemos notar,
a ciência permitiu-nos mandar pessoas à Lua: se a ciência se
baseia no princípio da indução temos muitíssimos indícios de
que a nossa crença na indução, é justificada. E claro que há
sempre a possibilidade de o Sol nãonasceramanhã ou de, como
a galinha,nos torcerem o pescoço mal acordemos amanhã, mas
a indução é o melhor método que temos. Nenhuma outra forma
de argumentação nos ajudará a prever melhor o futuro do que
o princípio da indução.
Uma objeção a esta defesa do princípio da indução afirma
que a própria defesa se apoia na indução. Por outras palavras,
é um argumento viciosamente circular. O argumento acaba por
nãoser mais do que afirmar que, porque a indução demonstrou
no passadoser bem-sucedida, sob vários aspetos, continuará a
sê-lo no futuro. Mas esta afirmação é, ela própria, uma genera -
lização baseada num número
176
CIÊNCIA
específico de casos felizes de indução, tratando-se por isso,
também, de um argumento indutivo. Um argumento indutivo
não pode justificar satisfatoriamente a indução: isso seria uma
petição de princípio, pressupondo o que nos propomos
demonstrar, nomeadamente que a indução é justificada.
Evolução
Proposições universais, isto é, enunciados que começam
por «Todos ...», tais como «Todos os cisnes são brancos»,
pressupõem semelhanças entre as coisas individuais que estão
a ser agrupadas. Neste caso tem de existir uma semelhança
entre todos os cisnes individuais para que faça sentido agrupá-
los. Contudo, como vimos no caso do «verdul», não existe
apenas uma maneira de classificar as coisas que encontramos
no mundo ou as propriedades que lhes atribuímos. É possível
que, se um dia alguns extraterrestres pousassem na Terra,
viéssemos a descobrir que usavam categorias muito diferentes
das que nós usamos e que, com base nelas, faziam previsões
indutivas muito diferentes das que nós fazemos.
No entanto, como o exemplo do «verdul» mostra, algumas
generalizações parecem mais naturais do que outras. A
explicação mais plausível deste facto é evolucionista: os seres
humanos nascem com um grupo de categorias geneticamente
programadas, com base nas quais classificamos a nossa
experiência. Obtivemos, enquanto espécie, por um processo de
seleção natural, uma tendência para fazer generalizações que
preveem com bastante exatidão o comportamento do mundo
que nos rodeia. São estas tendências que entram em
177
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
jogo quando raciocinamos indutivamente: temos uma
tendência natural para classificar as nossas experiências do
mundo de formas que conduzem a previsões fidedignas. Quer
esta explicação da indução justifique a nossa confiança nela
quer não, proporciona sem dúvida uma explicação da razão
pela qual confiamos geralmente nos argumentos indutivos e do
motivo por que esta confiança é geralmente correta.
Probabilidade
Outra resposta ao problema da indução é admitir que,
apesar de nunca podermos mostrar que a conclusão de um
argumento indutivo é cem por cento certa, podemos, no
entanto, mostrar que é muito provavelmente verdadeira. As
chamadas leis da natureza que a ciência descobre não estão
absolutamente demonstradas como verdadeiras: são
generalizações que têm uma alta probabilidade de serem
verdadeiras. Quantas mais observações confirmarem estas leis,
mais provavelmente serão verdadeiras. Esta resposta é por
vezes conhecida como probabilismo. Não podemos ter a certeza
de que o Sol irá nascer amanhã, mas podemos, com base na
indução, achar que isso é altamente provável.
Contudo, uma objeção a esta ideia é que a própria
probabilidade é algo que pode mudar. A atribuição de
probabilidades a um acontecimento futuro é baseada na
frequência da sua ocorrência no passado. Mas a única
justificação para supor que a probabilidade se verificará no
futuro é, ela mesma, indutiva. Logo, trata-se de um argumento
circular, uma vez que confia na indução para justificar a nossa
confiança na indução.
178
CIÊNCIA
Falsificacionismo: conjectura e refutação
Outra saída para o problema da indução, pelo menos tal
como ele afeta o tema do método científico, é negar que a
indução seja a base do método científico. O falsificacionismo, a
filosofia da ciência desenvolvida por Karl Popper (1902-1994),
entre outros, ocasiona isto mesmo. Os falsificacionistas
defendem que a perspectiva simples da ciência está errada. Os
cientistas não começam por fazer observações, começam com
uma teoria. As teorias científicas e as chamadas leis da natureza
não aspiram à verdade: ao invés, são tentativas especulativas
de oferecer uma análise de vários aspetos da natureza. São
conjeturas: suposições bem informadas, concebidas para serem
melhores do que as teorias anteriores.
Estas conjeturas são então sujeitas a testes experimentais.
Mas estes testes têm um objetivo muito específico. Não
pretendem demonstrar que a conjetura é verdadeira, mas antes
demonstrar que é falsa. A ciência funciona tentando falsificar
teorias, e não demonstrar que são verdadeiras. Qualquer teoria
que se mostre ser falsa é abandonada ou, pelo menos,
modificada. A ciência progride, assim, através de conjeturas e
refutações. Nunca podemos ter a certeza, em relação a qualquer
teoria, de que ela é absolutamente verdadeira: em princípio,
qualquer teoria pode ser falsificada. Esta perspectiva parece
adaptar-se bem ao progresso testemunhado na história da
ciência: a visão ptolemaica do universo, que coloca a Terra no
seu centro, foi ultrapassada pela copernicana; a física de
Newton foi ultrapassada pela física de Einstein.
A falsificação tem pelo menos uma grande vantagem em
relação à perspectiva simples da ciência: um único caso de
179
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
falsificação é suficiente para mostrar que uma teoria não é
satisfatória, ao passoque, por mais observações que confirmem
uma teoria, nunca podem ser suficientes para nos darem cem
por cento de certeza de que a teoria será confirmada por todas
as observações futuras. Esta é uma característica dos
enunciados universais. Se digo «Todos os cisnes são brancos»,
basta a observação de um único cisne preto para refutar a
minha teoria. Contudo, se eu observar dois milhões de cisnes
brancos, o próximo cisne que observar pode muito bem ser
preto: por outras palavras, a generalização é muito mais fácil
de refutar do que de demonstrar.
Falsificabilida.de
O falsificacionismo proporciona também uma maneira de
distinguir as hipóteses científicas úteis das hipóteses
irrelevantes para a ciência. O teste da utilidade de uma teoria é
o seu grau de falsificabilidade.Uma teoria é inútil para a ciência
— na verdade, nem sequer é uma hipótese científica — se não
for possível que exista qualquer observação que a falsifique.
Por exemplo, é relativamente simples conceber testes que
poderiam falsificar a hipótese «A chuva em Espanha atinge
principalmente a planície», ao passo que nenhum teste pode
mostrar que é falso que «Ou vai chover hoje ou não». Este
último enunciado é verdadeiro por definição e, portanto, não
tem nada a ver com a observação empírica: não é uma hipótese
científica.
Quanto mais falsificável for um enunciado, mais útil é à
ciência. Muitos enunciados são expressos de forma vaga,
fazendo que seja bastante difícil ver como poderiam ser
testados e como interpretar os resultados. Um enunciado
arrojado e falsificável, contudo, mostrará
180
CIÊNCIA
muito rapidamente ser falso, ou então resistirá à falsificação.
Em qualquer dos casos ajudará ao progresso da ciência: se for
falsificável, contribuirá para encorajar o desenvolvimento de
uma hipótese que não possa ser assim tão facilmente refutada;
se mostrar ser difícil de falsificar, fornecerá uma teoria
convincente, e quaisquer novas teorias serão ainda melhores.
Ao examinar melhor algumas hipóteses que muitas pessoas
pensam serem científicas verificamos não serem testáveis: não
há observações que as falsifiquem. Um exemplo controverso
disto ocorre no caso da psicanálise. Alguns falsificacionistas
argumentaram que muitas das afirmações da psicanálise são
logicamente infalsificáveis, não sendo, portanto, científicas. Se
um psicanalista afirma que o sonho de um certo doente é de
facto acerca de um conflito sexual não resolvido da sua
infância, não há nenhuma observação que possa falsificar esta
afirmação. Se o doente negar a existência de qualquer conflito,
o analista tomará isto como mais uma confirmação de que o
doente está a reprimir algo. Se o doente admitir que a
interpretação do analista é correta, também isto irá confirmar a
hipótese. Logo, não há maneira de falsificar a afirmação, não
podendo, portanto, aumentar o nosso conhecimento do
mundo. Portanto, segundo os falsificacionistas,é uma hipótese
pseudocientífica: não é de maneira nenhuma uma verdadeira
hipótese científica. Contudo, só porque uma teoria não é
científica neste sentido, não se segue que não tenha valor.
Popper pensava que muitas das afirmações da psicanálise
poderiam eventualmente tornar-se testáveis, mas que, na sua
forma pré-científica, nãodeveriam ser tomadas como hipóteses
científicas.
A razãopara evitar hipóteses que não podem ser testadas é
o facto de impedirem o progresso científico:
181
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
se não é possível refutá-las, não há maneira de as substituir por
uma teoria melhor. O processo da conjetura e refutação
característico do progresso científico seria contrariado. A
ciência progride através dos erros: através de teorias que são
falsificadas e substituídas por outras melhores. Neste sentido,
há um certo grau de tentativa e erro na ciência. Os cientistas
experimentam uma hipótese, verificam se podem falsificá-la e,
se o conseguirem, substituem-na por outra melhor, que é então
sujeita ao mesmo tratamento. Todas as hipóteses substituídas
—os erros— contribuem para o acréscimo geral do nosso
conhecimento do mundo. Ao invés, as teorias logicamente
infalsificáveis são, a esse respeito, pouco úteis para o cientista.
Muitas das mais revolucionárias teorias científicas tiveram
origem em conjeturas arrojadas e imaginativas. A teoria de
Popper sublinha a imaginação criativa envolvida na conceção
de novas teorias. A este respeito dá uma explicação mais
plausível da criatividade científica do que a perspectiva
simples, que faz das teorias científicas deduções lógicas a partir
das observações.
Críticas ao falsificacionismo
O papel da confirmação
Uma crítica ao falsificacionismo é o facto de não conseguir
tomar em linha de conta o papel da confirmação de hipóteses
na ciência. Ao concentrar-se nas tentativas de falsificar
hipóteses, não presta atenção aos efeitos das previsões bem-
sucedidas sobre a aceitação ou não de uma hipótese científica.
Por exemplo, se
182
CIÊNCIA
a minha hipótese afirma que a temperatura a que a água entra
em ebulição varia de forma constante em relação à pressão
atmosférica do ambiente em que a experiência for conduzida,
isto permitir-me-á fazer várias previsões acerca da temperatura
a que a água entrará em ebulição sob diferentes pressões. Por
exemplo, poderá levar-me a prever — e bem — que os mon-
tanhistas não conseguirão fazer uma boa chávena de chá a
altitudes elevadas porque a água entra em ebulição a uma
temperatura inferior a 100°C, de forma que a infusãodas folhas
de chá não se daria da forma apropriada. Se se mostrar que as
minhas previsões são precisas, esse facto servirá para apoiar a
minha teoria. O tipo de falsificacionismo descrito acima ignora
este aspeto da ciência. Previsões bem-sucedidas com base em
hipóteses, sobretudo se são hipóteses invulgares e originais,
desempenham um papel importante no desenvolvimento
científico.
Isto não destrói o falsificacionismo: o poder lógico de uma
única observação falsificadora continuará a ser sempre maior
do que qualquer número de observações confirmadoras. No
entanto, o falsificacionismo precisa de ser ligeiramente
modificado para dar conta do papel desempenhado pela
confirmação de hipóteses.
Erro humano
O falsificacionismo parece advogar o derrube de uma teoria
com base num único caso de falsificação. Contudo, na prática
há muitas componentes em qualquer experiência ou estudo
científico, havendo geralmente margem considerável para o
erro e a má interpretação dos resultados. Os aparelhos de
medição podem funcionar mal ou os métodos de recolha de
dados
183
ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA
podem não ser fidedignos. Assim, os cientistas não deviam,
certamente, ser facilmente influenciados por uma observação
única que pareça destruir uma teoria.
Popper concordaria com isto. Não se trata de um problema
sério para o falsificacionismo. Do ponto de vista da lógica é claro
que, em princípio, um único caso falsificador pode destruir uma
teoria. Contudo, Popper não sugere que os que praticam a
ciência devem pura e simplesmente abandonar uma teoria
assim que tiverem um casoque aparentemente a falsifique: pelo
contrário, devem ser céticos e investigar todas as origens
possíveis de erro.
Historicamente incorreto
O falsificacionismo nãodá adequadamente conta de muitos
dos desenvolvimentos mais significativos da história da ciência.
A revolução copernicana, a ideia de que o Sol estava no centro
do universo e de que a Terra e os outros planetas o orbitavam,
ilustra o facto de a presença de casos aparentemente
falsificadores não ter conduzido as grandes figuras à rejeição
das suas hipóteses. Agarraram-se às suas teorias perante dados
em contrário que, segundo os padrões da época, eram arra-
sadores. A alteração do modelo científico da natureza do
universo não ocorreu segundo um processo de conjeturas
seguido de refutações. Só depois de vários séculos de
desenvolvimento da física pôde a teoria ser adequadamente
testada em função da observação.
Analogamente, a teoria da gravitação de Isaac Newton
(1642-1727) foi aparentemente falsificada por observações da
órbita lunar, realizadas pouco depois da apresentação pública
da sua teoria. Só muito mais tarde se mostrou que estas
observações tinham sido
184
CIÊNCIA
enganadoras. Apesar desta refutação aparente, Newton e
outros cientistas mantiveram-se fiéis à teoria da gravitação, o
que teve efeitos benéficos para o desenvolvimento da ciência.
No entanto, segundo a perspectiva falsificacionista de Popper,
a teoria de Newton deveria ter sido abandonada por ter sido
falsificada.
O que estes dois exemplos sugerem é que a teoria
falsificacionista da ciência nem sempre se ajusta muito bem à
história efetiva da ciência. A teoria precisa pelo menos de ser
modificada para poder explicar de forma precisa como as
teorias científicas são substituídas.
Conclusão
Neste capítulo centrei-me no problema da indução e na
perspectiva falsificacionista do método científico. Apesar de as
pessoas que fazem ciência não precisarem de estar conscientes
das implicações filosóficas do que fazem, muitas delas foram
influenciadas pela explicação falsificacionista do progresso
científico. Apesar de a filosofia não afetar necessariamente a
forma como os cientistas trabalham, pode, sem dúvida, alterar
a forma como compreendem o seu trabalho.
185
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A ciência e o método científico

  • 1. 5 Ciência A ciência permitiu-nos mandar pessoas à Lua, curar a tuberculose, inventar a bomba atómica, os automóveis, o aeroplano, a televisão, os computadores e várias outras coisas que mudaram a natureza da nossa vida quotidiana. Reconhece- se, geralmente, que o método científico é a forma mais eficaz de descobrir e prever o comportamento da natureza. Nem todas as invenções científicas têm sido benéficas para os seres humanos — é óbvio que esses desenvolvimentos tanto têm sido usados para destruir como para melhorar a vida humana. Contudo, seria difícil negar o sucesso na manipulação da natureza que a ciência tornou possível. Aciência produziu resultados, ao passo que a bruxaria, a magia, a superstição e a mera tradição não têm mostrado, comparativamente, grande coisa a seu favor. O método científico é um grande avanço em relação a formas anteriores de adquirir conhecimento. Historicamente, a ciência substituiu a «verdade de autoridade». A verdade de autoridade significava aceitar como verdadeiras as ideias de várias «autoridades» importantes — especialmente as obras 166
  • 2. CIÊNCIA que sobreviveram de Aristóteles (384-322 a.C.), o filósofo grego antigo, e os ensinamentos da Igreja—, por causa não do que afirmavam, mas de quem o afirmava. Ao invés, o método científico sublinha a necessidade de efetuar testes e fazer observações detalhadas acerca dos resultados antes de confiar em qualquer afirmação. Mas o que é o método científico? Será realmente tão digno de confiança quanto somos habitualmente levados a acreditar? Como progride a ciência? Este é o tipo de questões que os filósofos da ciência colocam. Nesta secção, consideraremos algumas questões gerais acerca da natureza do método científico. A perspectiva simples do método científico Uma perspectiva simples, mas muito comum, do método científico é a seguinte: o cientista começa por um vasto número de observações de certo aspeto do mundo: por exemplo, o efeito de aquecer a água. Estas observações devem ser tão objetivas quanto possível: o objetivo do cientista é ser imparcial e nãoter preconceitos ao registar os dados. Uma vez recolhida, pelo cientista, uma grande quantidade de dados baseados na observação, o estádio seguinte é criar uma teoria que explique o padrão de resultados. Esta teoria, se for boa, explicará simultaneamente o que estava a acontecer e irá prever o que é provável que aconteça no futuro. Se os resultados futuros não se coadunarem completamente com estas previsões, o cientista modificará a sua teoria para dar conta deles. Porque existe uma grande regularidade na natureza, as previsões científicas podem ser extraordinariamente precisas. 167
  • 3. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA Assim, por exemplo, um cientista pode começar por aquecer água a 100°C sob condições normais e observar a água a entrar em ebulição e a evaporar-se. O cientista pode então fazer várias outras observações do comportamento da água sob diferentes temperaturas e pressões. Com base nestas observações, o cientista irá sugerir uma teoria acerca do ponto de ebulição da água em relação à temperatura e à pressão. Esta teoria irá explicar não apenas as observações particulares feitas pelo cientista, mas também, se for uma boa teoria, explicar e prever todas as observações futuras do comportamento da água sob diferentes temperaturas e pressões. Segundo esta perspectiva, o método científico começa com observações, passa à teoria e produz assimuma generalização(ou enunciado universal) capaz de gerar previsões. Se a generalização for boa, será considerada uma lei da natureza. A ciência produz resultados objetivos que podem ser confirmados por qualquer pessoa que queira repetir os testes originais. Esta perspectiva do método científico é surpreen- dentemente comum, mesmo entre os cientistas ativos. No entanto, é insatisfatória por vários motivos, os mais importantes dos quais são os seus pressupostos acerca da natureza da observação e dos argumentos indutivos. Críticas à perspectiva simples Observação Como vimos, a perspectiva simples do método científico afirma que os cientistas começam por efetuar observações 168
  • 4. CIÊNCIA imparciais antes de formularem teorias para explicar essas observações. Contudo, isto é uma má descrição do que a observação realmente é: a perspectiva simples pressupõe que o nosso conhecimento e expectativas não afetam as nossas observações, que é possível fazer observações de forma completamente isenta de preconceitos. Tal como sugeri quando discuti a perceção no capítulo anterior, ver algo nãoé apenas ter uma imagem na nossa retina. Ou, como defendeu o filósofo N. R. Hanson (1924-1967), «a visão envolve mais coisas do que o globo ocular». O nosso conhecimento e as nossas expectativas do que iremos provavelmente ver afeitam o que vemos de facto. Por exemplo, quando eu olho para os fios de uma central telefónica, vejo apenas um emaranhado caótico de fios coloridos; um engenheiro de telecomunicações, ao olhar para a mesma coisa, veria padrões de conexões e outras coisas.O pano de fundo das crenças do engenheiro de telecomunicações afeta o que ele efetivamente vê. O engenheiro e eu não temos a mesma experiência visual que depois interpretamos de forma diferente: a experiência visual, como a teoria realista causal da perceção sublinha, não pode separar-se das nossas crenças acerca do que estamos a ver. Como outro exemplo deste aspeto, pense o leitor na diferença entre o que um físico experiente vê quando olha para um microscópio electrónico e o que uma pessoa de uma cultura pré-científica veria ao olhar para o mesmo equipamento. O físico compreenderia a inter-relação entre as diferentes partes do instrumento e avaliaria a forma de o usar e o que poderia fazer-se com ele. Para a pessoa da cultura pré-científica, o instrumento constituiria provavelmente uma confusão de estranhos bocados de metal e fios, unidos de forma misteriosa. 169
  • 5. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA É claro que existem muitas coisas em comum que observadores diferentes da mesma coisa irão ver; caso contrário, a comunicação seria impossível. Mas a perspectiva simples do método científico tem tendência para menosprezar este facto importante acerca da observação: o que vemos não pode ser pura e simplesmente reduzido às imagens nas nossas retinas. O que habitualmente vemos depende daquilo a que se chama o «enquadramento mental»: o nosso conhecimento e expectativas e também o meio cultural em que fomos educados. Contudo, vale a pena notar que existem algumas ob- servações que se recusam obstinadamente a ser afetadas pelas nossas crenças. Apesar de saber que a Lua não é maior quando surge mais abaixo no horizonte do que quando está no seu zénite, não consigo evitar vê-la maior. Neste caso, a minha experiência preceptiva da Lua não é afetada pelas minhas crenças conscientes de fundo. É óbvio que digo que a Lua «parece maior», e não que «é maior», e isto implica a presença de conhecimentos teóricos, mas parece ser um caso em que a minha experiência precetiva é imune à influência das minhas crenças. Isto mostra que a relação entre o que sabemos e o que vemos não é tão simples como por vezes se pensa: o conhecimento de fundo não faz sempre que vejamos de forma diferente. Isto não enfraquece o argumento contra a perspectiva simples da ciência, uma vez que, na maioria dos casos, o que vemos é significativamente afetado pelo nosso enquadramento mental. Enunciados observacionais Uma segunda característica importante da observação num contexto científico que a perspectiva simples negligencia é a natureza dos enunciados observacionais. 170
  • 6. CIÊNCIA O cientista tem de exprimir observações particulares numa linguagem. No entanto, a linguagem que o cientista usa para exprimir estes enunciados observacionais tem sempre pressupostos teóricos associados.Um enunciado observacional completamente neutro é coisa que não existe: os enunciados observacionais estão «teoricamente subordinados». Por exemplo, até uma afirmação comum como «Ele tocou no fio elétrico e apanhou um choque» presume que existe eletricidade e que a eletricidade pode ser perigosa. Ao usar a palavra «elétrico», o locutor pressupõe toda uma teoria acerca das causas do dano sofrido pela pessoa que tocou no fio. Compreender o enunciado completamente implica compreender teorias acerca de coisas como a eletricidade e a fisiologia. Os pressupostos teóricos estão incorporados na forma como o acontecimento é descrito. Por outras palavras, os enunciados observacionais classificam a nossa experiência de uma forma específica, mas esta não é a única maneira de a classificar. O tipo de enunciado observacional efetivamente feito em ciência, como, por exemplo, «a estrutura molecular da substância foi afetada pelo calor», pressupõe teorias bastante elaboradas. A teoria vem sempre primeiro: a perspectiva simples do método científico está completamente enganada ao supor que a observação imparcial precede sempre a teoria. O que vemos depende do que sabemos e as palavras que escolhemos para descrever o que vemos pressupõem sempre uma teoria sobre a natureza do que vemos. Estes sãodois factos inescapáveis acerca da natureza da observação que enfraquecem a noção de uma observação objetiva, sem preconceitos e neutra. 171
  • 7. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA Seleção Um terceiro aspeto acerca da observação é que os cientistas não se limitam a «observar», registando todas as medições de todos os fenómenos. Isso seria fisicamente impossível. Os cientistas escolhem os aspetos da situação sobre os quais se concentram. Esta escolha envolve, também ela, decisões teoricamente subordinadas. O problema da indução Um tipo diferente de objeção à perspectiva simples do método científico levanta-se pelo facto de esta se apoiar na indução, e não na dedução. A indução e a dedução são dois tipos diferentes de argumentos. Um argumento indutivo envolve uma generalização baseada num certo número de observações específicas. Se eu observar um grande número de animais com pelo, concluindo a partir das minhas observações que todos os animais com pelo são vivíparos (isto é, dão à luz crias em vez de porem ovos), estaria a usar um argumento indutivo. Um argumento dedutivo, por outro lado, parte de certas premissas, passando depois logicamente para uma conclusão que se segue dessas premissas. Por exemplo, das premissas «Todas as aves são animais» e «Os cisnes são aves» posso concluir que, portanto, todos os cisnes são animais: este é um argumento dedutivo. Os argumentos dedutivos preservam a verdade. Isto significa que, se as suas premissas são verdadeiras, as suas conclusões têm de ser verdadeiras. Entraríamos em contradição se afirmássemos as premissas e negássemos a conclusão. Assim, se as premissas «Todas as aves são animais» e «Os cisnes são aves» são ambas 172
  • 8. CIÊNCIA verdadeiras, tem de ser verdade que todos os cisnes são animais. Ao invés, os argumentos indutivos com premissas verdadeiras podem ter ou não ter conclusões verdadeiras. Mesmo que todas as observações de animais com pelo por mim efetuadas tenham sido fidedignas e que todos os animais sejam de facto vivíparos, e mesmo que eu tenha feito milhares de observações, pode vir a descobrir-se que a minha conclusão indutiva de que todos os animais com pelo sãovivíparos é falsa. Na verdade, a existência do plátipo ornitorrinco, um tipo peculiar de animal com pelo que põe ovos, significa que se trata de uma generalização falsa. Estamos sempre a usar argumentos indutivos. É a indução que nos leva a esperar que o futuro seja semelhante ao passado. Já bebi café muitas vezes, mas nunca me envenenou, por isso presumo, com base num argumento indutivo, que o café não me vai envenenar daqui para a frente. Sempre vi o dia seguir- se à noite, pelo que presumo que continuará a fazê-lo. Observei muitas vezes que, se estiver à chuva, fico molhado, pelo que presumo que o futuro será como o passadoe evito sempre que possível estar à chuva. Todos estes exemplos são casos de indução. As nossas vidas são todas baseadas no facto de a indução nos proporcionar previsões razoavelmente fidedignas acerca do nossomeio e do resultado provável das nossas ações. Sem o princípio da indução, a nossa interação com o meio seria completamente caótica: não teríamos bases para presumir que o futuro seria como o passado.Não saberíamos se a comida que nos preparamos para ingerir iria alimentar-nos ou envenenar- nos; nãosaberíamos a cada passose o chão iria sustentar-nos ou abrir-se um abismo, etc. Toda a regularidade prevista do nosso meio estaria aberta à dúvida. 173
  • 9. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA Apesar deste papel central desempenhado pela indução nas nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da indução não é inteiramente fidedigno. Como já vimos, pode dar-nos uma conclusão falsa relativamente à questão de saber se é verdade que todos os animais com pelo são vivíparos. As suas conclusões não são tão fidedignas quanto as conclusões resultantes de argumentos dedutivos com premissas verdadeiras. Para ilustrar este aspeto, Bertrand Russell, nos Problemas da Filosofia, usou o exemplo de uma galinha que acorda todas as manhãs pensando que, uma vez que foi alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele dia. Um dia acorda e o camponês torce-lhe o pescoço. A galinha estava a usar um argumento indutivo baseado num grande número de observações. Estaremos a ser tão tolos quanto esta galinha ao apoiar-nos tão fortemente na indução? Como poderemos justificar a nossa fé na indução? Este é o chamado problema da indução, um problema identificado por David Hume no seu Tratado acerca do Conhecimento Humano. Como poderemos nós alguma vez justificar a nossa confiança num método de argumentação tão pouco digno de confiança? Esta questão é particularmente relevante para a filosofia da ciência porque, pelo menos na teoria simples delineada acima, a indução desempenha um papel crucial no método científico. Outro aspeto do problema da indução Até agora tratámos o problema da indução como uma questão acerca da justificação da generalização sobre o futuro com base nopassado. Há outro aspeto do problema da indução que ainda não abordámos. Trata-se do facto de existirem numerosas generalizações muito diferentes que 174
  • 10. CIÊNCIA poderíamos fazer com base no passado, todas elas consistentes com a informação disponível. Contudo, estas diferentes generalizações podem resultar em previsões completamente diferentes acerca do futuro. Isto é muito bem exemplificado no exemplo do «verdul», introduzido pelo filósofo contemporâneo Nelson Goodman (1906-). Este exemplo pode parecer de alguma forma artificial, mas ilustra um aspeto importante. Goodman inventou o termo «verdul» para revelar este segundo aspeto do problema da indução. «Verdul» é o nome de uma cor. Uma coisa é verdul se for observada antes do ano 2000 e for verde ou se nãofor observada antes do ano 2000 efor azul. Temos uma vasta experiência que sugere ser verdadeira a generalização «Todas as esmeraldas são verdes». Mas a infor- mação disponível é igualmente consistente com a ideia de que «todas as esmeraldas são verduis» (presumindo que todas as observações foram feitas antes do ano 2000). No entanto, afirmar que todas as esmeraldas são verdes ou que são verduis afeta as previsões que faremos acerca da observação de esmeraldas depois do ano 2000. Se dissermos que todas as esmeraldas são verduis, a nossa previsão será a de que algumas esmeraldas observadas depois do ano 2000 serão azuis: as que foram observadas antes do ano 2000 serão verdes e as que não foram observadas antes do ano 2000 serão azuis.No entanto, se dissermos, como é mais natural, que todas as esmeraldas são verdes, a nossa previsão será a de que todas elas serão verdes seja qual for a altura em que forem observadas. Este exemplo mostra que as previsões que fazemos com base na indução não são as únicas que poderíamos fazer com base na informação disponível. Assim, não só ficamos com a conclusão de que as previsões que fazemos com base na indução não são cem por cento fidedignas, mas também que 175
  • 11. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA nem sequer são as únicas previsões consistentes com a informação que acumulámos. Tentativas de solução do problema da indução Parece funcionar Uma resposta ao problema da indução é fazer notar que a confiança na indução não é apenas generalizada, mas também razoavelmente frutuosa: a maior parte das vezes é uma forma extremamente útil de descobrir regularidades na natureza e de descobrir o seu comportamento futuro. Como já fizemos notar, a ciência permitiu-nos mandar pessoas à Lua: se a ciência se baseia no princípio da indução temos muitíssimos indícios de que a nossa crença na indução, é justificada. E claro que há sempre a possibilidade de o Sol nãonasceramanhã ou de, como a galinha,nos torcerem o pescoço mal acordemos amanhã, mas a indução é o melhor método que temos. Nenhuma outra forma de argumentação nos ajudará a prever melhor o futuro do que o princípio da indução. Uma objeção a esta defesa do princípio da indução afirma que a própria defesa se apoia na indução. Por outras palavras, é um argumento viciosamente circular. O argumento acaba por nãoser mais do que afirmar que, porque a indução demonstrou no passadoser bem-sucedida, sob vários aspetos, continuará a sê-lo no futuro. Mas esta afirmação é, ela própria, uma genera - lização baseada num número 176
  • 12. CIÊNCIA específico de casos felizes de indução, tratando-se por isso, também, de um argumento indutivo. Um argumento indutivo não pode justificar satisfatoriamente a indução: isso seria uma petição de princípio, pressupondo o que nos propomos demonstrar, nomeadamente que a indução é justificada. Evolução Proposições universais, isto é, enunciados que começam por «Todos ...», tais como «Todos os cisnes são brancos», pressupõem semelhanças entre as coisas individuais que estão a ser agrupadas. Neste caso tem de existir uma semelhança entre todos os cisnes individuais para que faça sentido agrupá- los. Contudo, como vimos no caso do «verdul», não existe apenas uma maneira de classificar as coisas que encontramos no mundo ou as propriedades que lhes atribuímos. É possível que, se um dia alguns extraterrestres pousassem na Terra, viéssemos a descobrir que usavam categorias muito diferentes das que nós usamos e que, com base nelas, faziam previsões indutivas muito diferentes das que nós fazemos. No entanto, como o exemplo do «verdul» mostra, algumas generalizações parecem mais naturais do que outras. A explicação mais plausível deste facto é evolucionista: os seres humanos nascem com um grupo de categorias geneticamente programadas, com base nas quais classificamos a nossa experiência. Obtivemos, enquanto espécie, por um processo de seleção natural, uma tendência para fazer generalizações que preveem com bastante exatidão o comportamento do mundo que nos rodeia. São estas tendências que entram em 177
  • 13. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA jogo quando raciocinamos indutivamente: temos uma tendência natural para classificar as nossas experiências do mundo de formas que conduzem a previsões fidedignas. Quer esta explicação da indução justifique a nossa confiança nela quer não, proporciona sem dúvida uma explicação da razão pela qual confiamos geralmente nos argumentos indutivos e do motivo por que esta confiança é geralmente correta. Probabilidade Outra resposta ao problema da indução é admitir que, apesar de nunca podermos mostrar que a conclusão de um argumento indutivo é cem por cento certa, podemos, no entanto, mostrar que é muito provavelmente verdadeira. As chamadas leis da natureza que a ciência descobre não estão absolutamente demonstradas como verdadeiras: são generalizações que têm uma alta probabilidade de serem verdadeiras. Quantas mais observações confirmarem estas leis, mais provavelmente serão verdadeiras. Esta resposta é por vezes conhecida como probabilismo. Não podemos ter a certeza de que o Sol irá nascer amanhã, mas podemos, com base na indução, achar que isso é altamente provável. Contudo, uma objeção a esta ideia é que a própria probabilidade é algo que pode mudar. A atribuição de probabilidades a um acontecimento futuro é baseada na frequência da sua ocorrência no passado. Mas a única justificação para supor que a probabilidade se verificará no futuro é, ela mesma, indutiva. Logo, trata-se de um argumento circular, uma vez que confia na indução para justificar a nossa confiança na indução. 178
  • 14. CIÊNCIA Falsificacionismo: conjectura e refutação Outra saída para o problema da indução, pelo menos tal como ele afeta o tema do método científico, é negar que a indução seja a base do método científico. O falsificacionismo, a filosofia da ciência desenvolvida por Karl Popper (1902-1994), entre outros, ocasiona isto mesmo. Os falsificacionistas defendem que a perspectiva simples da ciência está errada. Os cientistas não começam por fazer observações, começam com uma teoria. As teorias científicas e as chamadas leis da natureza não aspiram à verdade: ao invés, são tentativas especulativas de oferecer uma análise de vários aspetos da natureza. São conjeturas: suposições bem informadas, concebidas para serem melhores do que as teorias anteriores. Estas conjeturas são então sujeitas a testes experimentais. Mas estes testes têm um objetivo muito específico. Não pretendem demonstrar que a conjetura é verdadeira, mas antes demonstrar que é falsa. A ciência funciona tentando falsificar teorias, e não demonstrar que são verdadeiras. Qualquer teoria que se mostre ser falsa é abandonada ou, pelo menos, modificada. A ciência progride, assim, através de conjeturas e refutações. Nunca podemos ter a certeza, em relação a qualquer teoria, de que ela é absolutamente verdadeira: em princípio, qualquer teoria pode ser falsificada. Esta perspectiva parece adaptar-se bem ao progresso testemunhado na história da ciência: a visão ptolemaica do universo, que coloca a Terra no seu centro, foi ultrapassada pela copernicana; a física de Newton foi ultrapassada pela física de Einstein. A falsificação tem pelo menos uma grande vantagem em relação à perspectiva simples da ciência: um único caso de 179
  • 15. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA falsificação é suficiente para mostrar que uma teoria não é satisfatória, ao passoque, por mais observações que confirmem uma teoria, nunca podem ser suficientes para nos darem cem por cento de certeza de que a teoria será confirmada por todas as observações futuras. Esta é uma característica dos enunciados universais. Se digo «Todos os cisnes são brancos», basta a observação de um único cisne preto para refutar a minha teoria. Contudo, se eu observar dois milhões de cisnes brancos, o próximo cisne que observar pode muito bem ser preto: por outras palavras, a generalização é muito mais fácil de refutar do que de demonstrar. Falsificabilida.de O falsificacionismo proporciona também uma maneira de distinguir as hipóteses científicas úteis das hipóteses irrelevantes para a ciência. O teste da utilidade de uma teoria é o seu grau de falsificabilidade.Uma teoria é inútil para a ciência — na verdade, nem sequer é uma hipótese científica — se não for possível que exista qualquer observação que a falsifique. Por exemplo, é relativamente simples conceber testes que poderiam falsificar a hipótese «A chuva em Espanha atinge principalmente a planície», ao passo que nenhum teste pode mostrar que é falso que «Ou vai chover hoje ou não». Este último enunciado é verdadeiro por definição e, portanto, não tem nada a ver com a observação empírica: não é uma hipótese científica. Quanto mais falsificável for um enunciado, mais útil é à ciência. Muitos enunciados são expressos de forma vaga, fazendo que seja bastante difícil ver como poderiam ser testados e como interpretar os resultados. Um enunciado arrojado e falsificável, contudo, mostrará 180
  • 16. CIÊNCIA muito rapidamente ser falso, ou então resistirá à falsificação. Em qualquer dos casos ajudará ao progresso da ciência: se for falsificável, contribuirá para encorajar o desenvolvimento de uma hipótese que não possa ser assim tão facilmente refutada; se mostrar ser difícil de falsificar, fornecerá uma teoria convincente, e quaisquer novas teorias serão ainda melhores. Ao examinar melhor algumas hipóteses que muitas pessoas pensam serem científicas verificamos não serem testáveis: não há observações que as falsifiquem. Um exemplo controverso disto ocorre no caso da psicanálise. Alguns falsificacionistas argumentaram que muitas das afirmações da psicanálise são logicamente infalsificáveis, não sendo, portanto, científicas. Se um psicanalista afirma que o sonho de um certo doente é de facto acerca de um conflito sexual não resolvido da sua infância, não há nenhuma observação que possa falsificar esta afirmação. Se o doente negar a existência de qualquer conflito, o analista tomará isto como mais uma confirmação de que o doente está a reprimir algo. Se o doente admitir que a interpretação do analista é correta, também isto irá confirmar a hipótese. Logo, não há maneira de falsificar a afirmação, não podendo, portanto, aumentar o nosso conhecimento do mundo. Portanto, segundo os falsificacionistas,é uma hipótese pseudocientífica: não é de maneira nenhuma uma verdadeira hipótese científica. Contudo, só porque uma teoria não é científica neste sentido, não se segue que não tenha valor. Popper pensava que muitas das afirmações da psicanálise poderiam eventualmente tornar-se testáveis, mas que, na sua forma pré-científica, nãodeveriam ser tomadas como hipóteses científicas. A razãopara evitar hipóteses que não podem ser testadas é o facto de impedirem o progresso científico: 181
  • 17. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA se não é possível refutá-las, não há maneira de as substituir por uma teoria melhor. O processo da conjetura e refutação característico do progresso científico seria contrariado. A ciência progride através dos erros: através de teorias que são falsificadas e substituídas por outras melhores. Neste sentido, há um certo grau de tentativa e erro na ciência. Os cientistas experimentam uma hipótese, verificam se podem falsificá-la e, se o conseguirem, substituem-na por outra melhor, que é então sujeita ao mesmo tratamento. Todas as hipóteses substituídas —os erros— contribuem para o acréscimo geral do nosso conhecimento do mundo. Ao invés, as teorias logicamente infalsificáveis são, a esse respeito, pouco úteis para o cientista. Muitas das mais revolucionárias teorias científicas tiveram origem em conjeturas arrojadas e imaginativas. A teoria de Popper sublinha a imaginação criativa envolvida na conceção de novas teorias. A este respeito dá uma explicação mais plausível da criatividade científica do que a perspectiva simples, que faz das teorias científicas deduções lógicas a partir das observações. Críticas ao falsificacionismo O papel da confirmação Uma crítica ao falsificacionismo é o facto de não conseguir tomar em linha de conta o papel da confirmação de hipóteses na ciência. Ao concentrar-se nas tentativas de falsificar hipóteses, não presta atenção aos efeitos das previsões bem- sucedidas sobre a aceitação ou não de uma hipótese científica. Por exemplo, se 182
  • 18. CIÊNCIA a minha hipótese afirma que a temperatura a que a água entra em ebulição varia de forma constante em relação à pressão atmosférica do ambiente em que a experiência for conduzida, isto permitir-me-á fazer várias previsões acerca da temperatura a que a água entrará em ebulição sob diferentes pressões. Por exemplo, poderá levar-me a prever — e bem — que os mon- tanhistas não conseguirão fazer uma boa chávena de chá a altitudes elevadas porque a água entra em ebulição a uma temperatura inferior a 100°C, de forma que a infusãodas folhas de chá não se daria da forma apropriada. Se se mostrar que as minhas previsões são precisas, esse facto servirá para apoiar a minha teoria. O tipo de falsificacionismo descrito acima ignora este aspeto da ciência. Previsões bem-sucedidas com base em hipóteses, sobretudo se são hipóteses invulgares e originais, desempenham um papel importante no desenvolvimento científico. Isto não destrói o falsificacionismo: o poder lógico de uma única observação falsificadora continuará a ser sempre maior do que qualquer número de observações confirmadoras. No entanto, o falsificacionismo precisa de ser ligeiramente modificado para dar conta do papel desempenhado pela confirmação de hipóteses. Erro humano O falsificacionismo parece advogar o derrube de uma teoria com base num único caso de falsificação. Contudo, na prática há muitas componentes em qualquer experiência ou estudo científico, havendo geralmente margem considerável para o erro e a má interpretação dos resultados. Os aparelhos de medição podem funcionar mal ou os métodos de recolha de dados 183
  • 19. ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA podem não ser fidedignos. Assim, os cientistas não deviam, certamente, ser facilmente influenciados por uma observação única que pareça destruir uma teoria. Popper concordaria com isto. Não se trata de um problema sério para o falsificacionismo. Do ponto de vista da lógica é claro que, em princípio, um único caso falsificador pode destruir uma teoria. Contudo, Popper não sugere que os que praticam a ciência devem pura e simplesmente abandonar uma teoria assim que tiverem um casoque aparentemente a falsifique: pelo contrário, devem ser céticos e investigar todas as origens possíveis de erro. Historicamente incorreto O falsificacionismo nãodá adequadamente conta de muitos dos desenvolvimentos mais significativos da história da ciência. A revolução copernicana, a ideia de que o Sol estava no centro do universo e de que a Terra e os outros planetas o orbitavam, ilustra o facto de a presença de casos aparentemente falsificadores não ter conduzido as grandes figuras à rejeição das suas hipóteses. Agarraram-se às suas teorias perante dados em contrário que, segundo os padrões da época, eram arra- sadores. A alteração do modelo científico da natureza do universo não ocorreu segundo um processo de conjeturas seguido de refutações. Só depois de vários séculos de desenvolvimento da física pôde a teoria ser adequadamente testada em função da observação. Analogamente, a teoria da gravitação de Isaac Newton (1642-1727) foi aparentemente falsificada por observações da órbita lunar, realizadas pouco depois da apresentação pública da sua teoria. Só muito mais tarde se mostrou que estas observações tinham sido 184
  • 20. CIÊNCIA enganadoras. Apesar desta refutação aparente, Newton e outros cientistas mantiveram-se fiéis à teoria da gravitação, o que teve efeitos benéficos para o desenvolvimento da ciência. No entanto, segundo a perspectiva falsificacionista de Popper, a teoria de Newton deveria ter sido abandonada por ter sido falsificada. O que estes dois exemplos sugerem é que a teoria falsificacionista da ciência nem sempre se ajusta muito bem à história efetiva da ciência. A teoria precisa pelo menos de ser modificada para poder explicar de forma precisa como as teorias científicas são substituídas. Conclusão Neste capítulo centrei-me no problema da indução e na perspectiva falsificacionista do método científico. Apesar de as pessoas que fazem ciência não precisarem de estar conscientes das implicações filosóficas do que fazem, muitas delas foram influenciadas pela explicação falsificacionista do progresso científico. Apesar de a filosofia não afetar necessariamente a forma como os cientistas trabalham, pode, sem dúvida, alterar a forma como compreendem o seu trabalho. 185 Elementos Básicos de Filosofia, Nigel Warburton, Gradiva