Visão do campo da comunicação na lógica de Bourdieu

1. Doutorado em Comunicação Social
Teoria da Comunicação II – 22 de Maio de 2024
Professora: Tatiana Siciliano
Discente: Isabela Duarte Pimentel
Quem entra em campo no
campo da desinformação?

2. Apresentação
Ao examinar a desinformação à luz dos conceitos de Pierre
Bourdieu, torna-se evidente que ela não é apenas um
problema de informação incorreta, mas também um
fenômeno social complexo enraizado em dinâmicas de
poder, disputas no campo científico e produção de
crenças.
Nesse contexto de crise epistêmica, o poder de
consagração e a confiança se dão não apenas pela
autoridade, mas pelo papel de influenciador e posição que
um ator ocupa nas redes sociais.

3. Objetivos 1. Apresentar, a partir de uma revisão da literatura, quais campos do
conhecimento estão envolvidos na pesquisa e produção científica
brasileira sobre desinformação;
2. Entender disputas e embates entre os campos do conhecimento
em torno da pespectiva de trandisciplinarização.
Utilizando a perspectiva relacional de Bourdieu, o campo
da desinformação não existiria a priori, ele seria construído
pelo pesquisador enquanto uma delimitação do seu
interesse de estudo, agenciamentos e diversos fatores que
muitas vezes são negligenciados.

4. O campo da
desinformação
Desinformação tem sido explicada em termos de:
1. fatores culturais, políticos e ideológicos que tornam a
desinformação um campo fértil para a dúvida e a
descrença;
2. processo de descrença institucional propiciada em
um cenário político de contestação epistêmica e o
papel da mídia nesta atuação;
3. uma agenda de guerra híbrida instaurada no campo
político e jurídico.
(Oliveira, 2022)
Campo da desinformação é
marcado pelos embates de
diversos agentes, com graus
diferenciados de capital
econômico, social e cultural e
instituições que produzem e
reproduzem conhecimentos,
saberes e visões de mundo.

5. Disciplinas envolvidadas
• Disciplinas como Psicologia Social, Ciência Política, a
comunicação, publicidade e os estudos de mídia tem se
dedicado a investigar desinformação.
• Os campos que têm estado sujeitos à desinformação
persistente - como a saúde pública e a ciência climática -
também dedicaram muita atenção ao tema.
Falcão, Oliveira e Araújo (2022) contextualizam que ainda que
historicamente as atribuições de combate à desinformação
tenham se concentrado no campo de jornalismo e de
comunicação, é preciso construir uma ponte através da junção
entre diferentes áreas disciplinares. Os autores apontam que
sem essa perspectiva integrada, há uma limitação em termos de
entendimento dos processos múltiplos de produção de
sentido.

6. Fotografia do campo (2020-2022)
Por meio de revisão de
literatura sobre o campo da
desinformação, pode-se
mapear que há estudos
focados na recepção da
mensagem pelos indivíduos
(MOROSOLI; AELST; ERKEL,
2022), criação de narrativas
baseadas em desconfiança
generalizada (Mota e Lima,
2022) e outros focados no
entendimento das disputas
em torno do capital social e
da legitimidade do que é ou
não verdadeiro na ciência
(Oliveira; Wang; Xu; 2022).
Há também no campo da
desinformação pesquisas
focadas na identificação e
classificação dos tipos de
desinformação (AGARWAL;
ALSAEEDI, 2021) e estudos
de natureza etnográfica ,
que buscam entender de
forma mais integrada o
contexto e os embates em
torno dos discursos
científicos e atores que
produzem narrativas
científicas versus
pseudocientíficas (GRAAN;
HODGES; STALCUP, 2020)
Também há uma vertente
dos estudos de
desinformação que une a
visão das ciências sociais à
pespectiva de interface
com computação,
inteligência artificial e
algoritmos
(FERREIRA et al., 2022).

7. • Campo é uma rede de relações que se estabelecem entre
diferentes posições, ocupadas por agentes deste campo,
que estão em constante disputa por poder;
• É o espaço estruturado de posições e suas inter-relações,
que são determinadas pela distribuição de diferentes tipos de
recursos ou capitais, espécie de “poderes sociais” adquiridos;
• Campo científico possui próprios valores e crenças, suas
instâncias de consagração e estratégias de legitimação
posições dominantes e dominadas;
• O espaço social, assim como a estrutura dos campos, é
intensamente hierarquizado. Ocupar uma determinada
posição no campo, por sua vez, equivale a possuir (ou não)
autoridade e legitimidade.
Campo enquanto teia de relações

8. Por ser uma questão tão complexa, requer
uma abordagem transdisciplinar
Entender atores
envolvidos e seus
discursos.
Agendamentos e
disputas
simbólicas.
Ações de
gerenciamento
Multidisciplinares.
Campo da
desinformação
“No entanto, os desafios para produzir
respostas efetivas frente a essa profusão
informacional exigem um grande trabalho
multidisciplinar e em conjunto a vários
setores da sociedade e campos do saber”
(Oliveira, 2020)

9. Aportes teóricos de Bourdieu
• Campo;
• Tipos de capitais (econômico, social, simbólico, cultural , etc);
• Poder simbólico;
• Estratégias sociais de dominação, distinção e reprodução;
• Produção da crença;
• Institucionalização dos saberes;
• Legitimidade do discurso;
• Agentes dominantes x dominados;
• Sistemas de consagração;
• Meios de comunicação como estruturas estruturadas;
• Instrumentos de dominação (corpo de especialistas);
• Lutas simbólicas no campo;
• Campo científico.

10. Além de uma‘desordem informacional’
1. Discurso de legitimação da ciência x outros discursos paralelos;
2. Fortalecimento de um novo corpo de especialistas na disputa simbólica e
legitimação do que faz ou não bem à saúde;
3. Falência das metanarrativas e a crise da ciência (Lyotard, 1998);
4. Influenciadores, celebridades, charlatões e perfis pseudocientíficos adquirem
ares de especialistas e seu discurso ganha poder de legitimação e
consagração (Bourdie, 2006);
5. Novos atores, agentes e instituições quebram o monopólio da ciência e seu
poder de consagração do que é ou não verdade em termos de saúde;
6. Influenciadores validam curas milagrosas e agem como ‘padrinhos
simbólicos’, seu poder de assinatura fomenta venda e consumo de curas
milagrosas.

11. Sobre o campo científico x pseudociência
1. Para Bourdieu, o campo científico é um espaço de jogo de uma luta
concorrencial (Bourdieu, 1976). Ou seja, dentro das áreas do
conhecimento há disputas em torno do monopólio da autoridade e
legitimidade, de maneira autorizada e com autoridade.
2. As demarcações entre ciência e pseudociência se inserem também
nesta luta concorrencial pelo monopólio da autoridade em torno do
domínio pelo conhecimento que transcendem definições em torno da
verdade da ciência (Oliveira, 2020).

12. Discursos oficiais x não oficiais
Quadros conceituais sobre a desinformação, ou desordem informacional, que
persistem em enquadrar a partir da intencionalidade ou legitimar as instituições
epistêmicas como fonte de confiança, pouco contribuem para desenvolver análises
mais densas sobre estas disputas de informação nos ambientes digitais para traçar
estratégias e políticas de ação para melhor lidar com a este problema (Oliveira,
2020)
Cenário de disputas
Espaços de circulação da informação são disputados por interesses
diversos e composto por diferentes conjuntos de atores em um momento
em que vivemos uma crise epistemológica sobre todas as instituições
consolidadas em torno da produção de verdade (Albuquerque, Quinan, 2019).
Novos especialistas : Regime regulado pela crença individual e pela
experiência pessoal (Van Zoonen, 2012).

13. Saberes x crenças
• Ciência produz saber e discurso oficial – instituição
epistêmica x grupos estigmatizados produzem
pseudociência;
• Atores tradicionalmente legitimados (agências de
governo, institutos de pesquisa, partidos políticos, sistemas
jurídicos) perdem espaço na esfera pública = comunidades
epistêmicas;
• Sistemas de validação sobre a produção de verdade, a
partir de instrumentos legitimados pela própria
comunidade científica x outros campos do saber.

14. Novos atores buscam legitimidade
• Os capitais fundamentais são o econômico, o
cultural e o simbólico, sendo que o simbólico é
a “forma de que se revestem as diferentes
espécies de capital quando percebidas e
reconhecidas como legítimas”. (BOURDIEU ,
1990, p. 154)
BOURDIEU , Pierre. Coisas ditas. São Paulo:
Brasiliense: 1990.

15. Deslegitimação da ciência
• Como ferramenta da deslegitimação dessas
instituições, a produção de narrativas alternativas
geram as chamadas ‘fake sciences’, fake news de
ciências associadas a “uma rede complexa que
envolve conflitos de interesse e declínio da
credibilidade das instituições produtoras de
conhecimento e de verdade” [Oliveira, Quinan &
Toth, 2020, p. 93].

16. Depoimentos: novas instâncias de
consagração do discurso científico
“Minha primeira reação diante de um depoimento de
alguém que teve problema com a vacina é ter
empatia. Tenho certeza que a pessoa não foi falsa
nem nada assim, a gente sabe que isso é real”. (E11)
“No caso dos vídeos que você me mostrou, eu acho
que o da menina parece mais verdadeiro, dá para
se colocar no lugar dela, sentir a dor que ela
sente. Eu compartilharia sim. Em geral, os vídeos
de campanha e vacinação do Ministério são muito
técnicos e frios”. (E8)
“O conteúdo do ‘Curas Naturais’ tem
sido muito valioso para o meu dia a dia
e sempre compartilho os vídeos com
meus grupos próximos, familiares e
amigos. Sabe algo que faz bem e não
é remédio? Eu me sinto assim e isso
explica a visão que tenho das vacinas
também”(E4)
Pimentel, I.D. Entre a ciência e a força do testemunho: circulação de conteúdo antivacina nas redes
sociais. UFRJ, 2020.

17. Campo de estudo da desinformação
científica na América Latina (2023)
A Figura 4 indica quais são os principais tipos de estudos
que encontramos no corpus. É importante recordar que os
tipos não são excludentes, ou seja, uma pesquisa poderia
apresentar dois ou mais tipos. Estudos de redes sociais
digitais esteve presente em 35,2% da literatura, enquanto
que 33,9% (n = 47) foram voltados para estudos de mídia
em geral. Cerca de um quarto dos artigos (23,2%, n = 33)
estava relacionado aos estudos de percepção pública e
estudos de audiência. Já as pesquisas do tipo teóricas
representaram 12,7% do corpus. Os três artigos presentes
na categoria ‘Outros’se manifestam como Estudo de cunho
histórico (n = 1) ou antropológico (n = 1) e Pesquisa
doutrinária e legislativa do Direito Ambiental (n = 1).
(Mancoso et al, 2023)

18. Metodologias mais
utilizadas na
América Latina
Os resultados também indicam que as metodologias mais comumente
utilizadas para estudar desinformação, fake news, teorias da conspiração e
negacionismo científico na América Latina são análise de conteúdo, survey,
análises estatísticas, pesquisa bibliográfica e análise do discurso.
A literatura aponta para o uso de métodos digitais para a pesquisa nesta
região.
(Mancoso et al, 2023)

19. Referências utilizadas
• OLIVEIRA, T.M. Como enfrentar a desinformação científica? Desafios
sociais, políticos e jurídicos intensificados no contexto da pandemia.
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, e5374, dezembro 2020.
https://doi.org/10.18617/liinc.v16i2.5374
• OLIVEIRA, T.M. Desinformação científica em tempos de crise epistêmica:
circulação de teorias da conspiração nas plataformas de mídias sociais.
revista Fronteiras – estudos midiáticos. 22(1):21-35 janeiro/abril 2020 -
Unisinos – doi: 10.4013/fem.2020.221.03.
• Mancoso et al. Pesquisa em desinformação e divulgação científica: uma
revisão da literatura latino-americana. Journal of Science Communication
– América Latina 06(01)(2023)A01 1
• Mapeando a desinformacao sobre o meio ambiente na America Latina e no
Caribe: uma análise bibliometrica de um campo incipiente de pesquisa.
Artigo Journal of Science Communication – America Latina
07(01)(2024)A02 1
• LOPES, Maria Immacolata V. de. O campo da comunicação: reflexões
sobre seu estatuto disciplinar. Revista USP, SP, No 48, dez-fev 2000-2001.
• BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. Sociologia.
São Paulo: Editora Ática, 1976.
• BOURDIEU. Pierre.Os usos sociais da ciência – por uma sociologia
clínica do campo científico. São Paulo, Unesp, 2004.