Cada vez que acreditamos que nosso papel enquanto comunicadores é apenas 'operar' uma nova tecnologia que nasce, deixamos de lado um necessário e urgente olhar integral sobre o processo de comunicação digital.
Nos tornamos, segundo Postman, ferramentas das nossas ferramentas.
Vamos repensar as tecnologias que utilizamos em nosso cotidiano?
Esse artigo foi construído após a participação nas mesas redondas do Colóquio Internacional de Filosofia da Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e o primeiro mês do curso de Interações Digitais e Cibercultura, ministrado pela professora Adriana Braga, a quem agradeço pelas referências e orientações riquíssimas.
PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
Filosofia da Tecnologia e Estudos Culturais - As tecnologias não são neutras.
1. Doutorado em Comunicação Social
Tópicos Especiais em Comunicação e Experiência - 21 de Março de 2024
Cibercultura e Interações Digitais
Professora: Dra. Adriana Braga
Discente: Isabela Duarte Pimentel
Matrícula: 2412674
Comunicação, tecnologias e
a ilusão da neutralidade
2. Apresentação
• xxxxxxxx Com tantas ferramentas, acabamos perdendo a noção dos aspectos sociais,
culturais, políticos e econômicos das tecnologias que fazem parte da
‘vida moderna’ e caímos em uma visão instrumental.
Nesta breve apresentação, inspirada na Teoria Crítica da Tecnologia, de
Feenberg, vou apresentar como um ‘simples’ canal, como o telégrafo,
nos permite recontar as histórias que costumamos ouvir sobre a
neutralidade dos meios de comunicação e uma ótica voltada para o
fetichismo tecnológico.
Muito mais que ‘transmissão de sinais’, esse ‘meio de comunicação’,
associado a um contexto socioeconômico e político, alterou a vida de
indivíduos, populações, países, relações comerciais e a noção do tempo
. Todo canal envolve tecnologia e ideologia (J.W Carey)
Terminaremos essa viagem sobre tecnologia, visão integrada de contexto,
cultura e a comunicação como um ritual, debatendo as transformações que
a cidade trouxe, na ótica de George Simmel.
Imagem: Copilot - Bing
3. 1.Os impactos do surgimento de um novo
canal são apenas tecnológicos?
2.Quando surge um novo ‘meio’, que
revoluções ocorrem nas mentes e nas cidades
(Simmel)?
3. Por qual razão ainda estudamos
Comunicação na lógica instrumentalista e do
fetichismo tecnológico?
4. Podemos falar de tecnologias neutras?
Questões norteadoras
4. Contexto histórico
O telégrafo pode parecer apenas
um objeto ou um meio de
comunicação, mas, vai além disso.
Ele e sua história nos contam
muito sobre a forma como ainda
encaramos os meios de comunicação
e as tecnologias atuais.
Vamos conhecer os estudos de
Carey sobre tecnologia e
ideologia.
Imagem: Mundo e Educação
5. Sobre o telégrafo
Telégrafo é um aparelho que era
utilizado para a comunicação em
partes do século XIX e do século
XX.
Esse equipamento utilizava a
energia elétrica para enviar
pulsos na corrente que eram
interpretados por meio de um
código que usava pontos e linhas.
O inventor desse meio de
comunicação e do código que era
usado no envio das mensagens foi o
professor Samuel Morse, em 1837.
Imagem: Mundo e Educação
6. Abordagem cultural da Comunicação em James Carey
• Sobre o autor: Carey nasceu em Providence, nos EUA, em
1934, e faleceu em maio de 2006. No início da sua carreira
foi professor na Universidade de Iowa, indo depois para a
Universidade de Illinois.
• Linha Teórica: A Perspectiva cultural / ritual de James W.
Carey é expoente dos estudos culturais críticos nos EUA,
para pensar a Comunicação.
• A partir de meados dos anos de 1960, integrou o movimento
de contestação à hegemonia dos modelos de estudo da
sociedade e da Comunicação inspirados pelos métodos das
ciências naturais, propondo uma abordagem cultural ou
ritual da Comunicação.
7. Duas visões de Carey sobre a comunicação
• Modelo transmissivo: foca na
passagem da informação do emissor
para o receptor. É um modelo bem
linear, matemático.
• Modelo Ritual: "comunicação é um
processo simbólico onde a
realidade é produzida, mantida,
reparada e transformada" (CAREY,
[1975] 1992a, p.23).
Imagem: Copilot - Bing
8. Contexto histórico do surgimento do telégrafo
O telégrafo tem sido objeto de estudos que tendem a
privilegiar, sobretudo, a história da tecnologia, o contexto
é deixado de lado.
James W. Carey, no seu ensaio “Technology and Ideology”,
propõe uma abordagem bem diferente e interessante.
As análises históricas tradicionais sobre o telégrafo tendiam
a se concentrarem na narrativa do dispositivo técnico e das
suas utilizações.
9. O Império do Sinal
• O telégrafo teria sido uma das condições para a
separação da comunicação do transporte (a pé,
cavalo ou por estradas), fornecendo uma
comunicação por meio de sinais, que ganha uma ar
de mistério e até mesmo crença.
• Além das questões econômicas, Carey traz outras
camadas em sua análise: por um lado, sobre o
universo simbólico, por outro, sobre o mundo
econômico.
Outras mudanças:
1. Linguagem escrita;
2. Velocidade na transmissão da informação;
3. Conexão comercial entre regiões;
4. Desenvolvimento econômico e surgimento de impérios.
Imagem: Copilot - Bing
10. Conexão entre tecnologia e ideologi
• Transmissão elétrica era
envolta em uma aura de
mistério, algo que
conectava material e
espiritual;
• Telégrafo representa
mistério do dualismo mente-
corpo e coloca foco de
energia vital no reino da
mente, no mundo imaterial.
Imagem: Copilot - Bing
11. Sistema nervoso x metáforas orgâ
“O telégrafo permitiu o desenvolvimento,
na metáfora favorita da época, de um
sistema nervoso social encefálico, onde
os sinais vitais estavam separados da
musculatura. Foram o telégrafo e a
ferrovia – a construção real e dolorosa
de um sistema integrado – que forneceram
a porta de entrada para as metáforas
orgânicas que dominaram o pensamento do
século XIX.” p.314
Imagem: Copilot - Bing
12. O ritmo telegráfico das mensagens
“Como as palavras eram caras no
telégrafo (...) não só a escrita
deveria ser condensada para
economizar dinheiro”. P.311
“O telégrafo alterou a escrita
literária - Levou a um jornalismo
sem o luxo de detalhes e
análises”. P.311
O telégrafo não só permitiu que as
mensagens fossem separadas do
movimento físico dos objetos; também
permitiu a comunicação para controlar
ativamente os processos físicos.
P.305
13. Além da tecnologia, telégrafo envolveu:
• Descontextualização dos mercados (trocas não
ocorrem mais pessoalmente);
• Fortalecimento de novos pólos comerciais;
• Os preços já não dependiam de fatores locais de
oferta e procura, mas se relacionavam às forças
nacionais e internacionais;
• Padronização dos horários locais (Standard time
zones);
• Alusão à perda da aura – Franklin (A obra de
arte na era da reprodutibilidade técnica, 1935);
• Mudança na concepção do tempo na vida real de
pessoas comuns.
14. O tempo mudou! A vida também!
Imagem 3 – criada com Copilot, AI do Bing, em 12/3/2024 – 18h35
“As concepções modernas de tempo estão tão
profundamente enraizadas na nossa consciência que a
cena do trabalhador, receber um relógio na
aposentadoria é grotesco e cômico. Ele recebe um
relógio quando a necessidade de contar as horas
termina. Ele recebe um relógio como homenagem por
ter aprendido a lição mais difícil do trabalhador:
saber as horas. O relógio coordenou a fábrica
industrial; a grade do tempo coordenou, através do
telégrafo, a nação industrial. O telégrafo, então,
não apenas alterou a relação entre comunicação e
transporte (...) também mudou as formas
fundamentais pelas quais a comunicação era
pensada”. P.323
15. Mesmo depois do telégrafo, ainda hoje
acreditamos em tecnologias neutras e
desenraizadas de uma sociedade, sua
história, contexto e cultural....
E para isso, precisamos pensar na
Filosofia da Tecnologia.
16. • Andrew Feenberg é um filósofo canadense
que se destaca principalmente por seu
filosofia da tecnologia e estudos de ciência,
sociedade (CTS).
• Ele nasceu em 1943 e é conhecido por suas
para a compreensão das interações entre
sociedade, bem como para o desenvolvimento da
crítica da tecnologia.
• Currículo: professor de Filosofia na Escola
Simon Fraser University, em Vancouver,
também é membro do programa de Mestrado em
Tecnologia e Sociedade.
• Destacou-se com a publicação de uma série de
ligados à filosofia da tecnologia, dentre os
technology (1999) e Transforming
Imagem: Simon Fraser University
17. A Filosofia da Tecnologia
Conferência pronunciada
para estudantes
universitários de Komaba
- Japão, em junho, 2003.
a racionalidade tecno cientifica se tornou uma nova cultura
“Na medida em que uma tal
sociedade é tecnológica em suas
bases, os assuntos que se levantam
neste questionamento maior
pertencem ao campo da filosofia da
tecnologia”. P.1
Imagem: Rabiscos da História
18. A filosofia
da
tecnologia
• Dilema dos tempos modernos -
ciência, ao invés de revelar as
essências no antigo sentido grego
do termo, responde à pergunta
sobre como funciona p.4
• Hoje ciência tem visão puramente
instrumental.
• Dizemos que a tecnologia é
neutra, significando que ela não
tem nenhuma preferência entre os
vários usos possíveis aos quais
pode ser aplicada. Esta é a
filosofia instrumentalista da
tecnologia, que é um tipo de
produto espontâneo de nossa
civilização.
Imagem: Rabiscos da História
19. Crise
epistêmica
• “Crise da civilização da
qual não parece haver
saída, pois sabemos como
chegar lá mas não sabemos
por que estamos indo e nem
mesmo para onde estamos
indo”
• “A filosofia da
tecnologia atual não se
constitiu como uma crítica
da modernidade”. (página 6)
Imagem: Rabiscos da História
20. Três Classificações da Tecnologia
Tecnologias autônomas: as tecnologias tem vida própria ou são humanamente
controláveis.
Instrumentalismo - Esta é a visão segundo a qual a tecnologia é
simplesmente uma ferramenta ou instrumento da espécie humana através do
qual satisfazemos nossas necessidades.
Determinismo histórico -Marx - o avanço tecnológico é a força motriz da
história. Os deterministas tecnológicos argumentam em geral que a tecnologia
utiliza o avanço do conhecimento do mundo natural para servir às
características universais da natureza humana.
21. Teorias sobre a
tecnologia
• “Substantivismo" foi escolhido para
descrever uma posição que atribui
valores substantivos à tecnologia, em
contraste com as visões do
instrumentalismo e do determinismo, que
vêm a tecnologia como intrinsecamente
neutra.
• Uso da tecnologia com valor -. O uso
da tecnologia para este ou aquele
propósito seria, por si só, uma escolha
específica de valor, e não apenas uma
forma mais eficiente de realizar algum
tipo de valor pré-existente. P.7
• Teoria Crítica da Tecnologia - A
teoria crítica da tecnologia sustenta
que os seres humanos não precisam
esperar um Deus para transformar a sua
sociedade tecnológica em um lugar melhor
para se viver. Vê na tecnologia uma
promessa para aumentar a liberdade. O
problema não está na tecnologia como
tal, mas em nosso fracasso até o momento
em criar instituições apropriadas ao
exercício do controle humano sobre ela.
p.9
Imagem: Rabiscos da História
22. Valores da tecnologia são
socialmente construídos
• De acordo com Teoria Crítica, os
valores incorporados na tecnologia
são socialmente especificados e não
são representados adequadamente por
abstrações .
• A tecnologia emoldura não apenas um
estilo de vida, mas muitos possíveis
estilos diferentes, cada um
refletindo diferentes escolhas de
design e diferentes extensões da
mediação tecnológica.
• As tecnologias não são instrumentos
neutros.
23. Simmel
• As grandes cidades e a vida do
espírito (1903)
• O fundamento psicológico da
cidade grande é intensificação da
vida nervosa = resulta da mudança
rápida e ininterrupta de
impressões interiores e
exteriores. P.1
• Mudanças de vida na grande cidade
- concentração de imagens em
mudança, o intervalo ríspido no
interior daquilo que se
compreende com um olhar, o
caráter inesperado das impressões
que se impõem. P.2
• Princípio Monetário /
Individualidade = trocas sem
conexão.
Imagem: Rabiscos da História
24. Sobre George Simmel
• Georg Simmel nasceu em Berlim, Alemanha,
no dia 1 de março de 1858.
• Foi o fundador da Sociologia das Formas
Sociais, tendo estudado as formas de
socialização ou das relações sociais.
Imagem: Ebiografia
25. Mudanças
• Separação entre os produtores, do
campo e quem consome seus produtos;
• Redução dos sentimentos e do
convívio, foco em trocas, cálculos –
afrouxamento das relações sociais;
• Talvez não haja nenhum fenômeno
anímico que seja reservado de modo
tão incondicional à cidade grande
como o caráter blasé. P.5
• Espírito objetivo sobre o espírito
subjetivo, isto é, tanto na linguagem
como no direito, tanto na técnica de
produção como na arte, tanto na
ciência como nos objetos do âmbito
doméstico encarna-se uma soma de
espírito, cujo crescimento diário é
acompanhado à distância cada vez
maior e de modo muito incompleto pelo
desenvolvimento espiritual dos
sujeitos. P.11
• A atrofia da cultura individual
mediante a hipertrofia da cultura
Imagem: Gazeta Filosófica
26. Referências
• Setubal, F. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun. 37
(1) • Jun 2014 • https://doi.org/10.1590/S1809-58442014000100002 Disponível em
https://www.scielo.br/j/interc/a/6nNFF5bGkHtGbBWSRV9rSTL/# Acesso em
15/3/2024
• Simmel, G. As grandes cidades e a vida do espírito. Mana. Rio de Janeiro, v. 11,
n. 2, pp. 557-591. Disponível em
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/116682/mod_resource/content/1/Simmel%2
0-%20Grandes%20cidades.pdf Acesso em 12/03/2024
• FEENBERG, A. O que é a filosofia da tecnologia? In: NEDER, R. T. A teoria
crítica de Andrew Feenberg: racionalização democrática, poder e tecnologia. 2ª,
Brasília: Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América
Latina/CDS/UnB/Capes, 2013a. p. 49-66. Acesso em 12/03/2024
• Carey. J.w. Technology and Ideology: The Case of the Telegraph. Disponível em
http://blog.wbkolleg.unibe.ch/wp-content/uploads/Carey.pdf Acesso em 12/03/2024
• Mariconda, M. Entrevista com Andrew Feenberg. Disponível em
https://www.scielo.br/j/ss/a/gyKGFbbrNCpcyP97T6S77NL/?lang=pt Acesso em
15/03/2024.
Imagem: Gazeta Filosófica