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MANA 2(2):189-211, 1996




                                                                   RESENHAS




BADIOU, Alain. 1995. Ética. Um Ensaio           Badiou parte da evidência de um
sobre a Consciência do Mal. Rio de Ja-      dispositivo complexo, composto por or-
neiro: Relume-Dumará. 100 pp.               ganismos internacionais, comissões na-
                                            cionais, tribunais de ética, expedições
                                            militares de defesa de valores etc., sus-
Ovídio Abreu Filho                          tentando uma rede de discursos que
Prof. de Antropologia, UFF                  invoca categorias abstratas – o Homem,
                                            o Outro, a Vida – e impõe, como impe-
O nazismo e o fracasso das experiências     rativos categóricos, o respeito aos “di-
comunistas estão impressos na cons-         reitos humanos”, o reconhecimento do
ciência ética contemporânea. Os hor-        “Outro” e a defesa de uma “vida dig-
rores totalitários, os perigos ditos ine-   na”. Sob esta tripartição da “ideologia
rentes ao desejo revolucionário e a su-     ética”, Badiou revela a recusa niilista
posta inoperância das políticas de trans-   de pensar o Bem enquanto prescrição
formação assumem, hoje, uma função          positiva dos possíveis.
mítica, inscrevendo no espírito “manei-         A primeira figura desse niilismo é o
ras de pensar” que fundamentam uma          Homem. Trata-se de uma imagem na-
vontade de prescindir da filosofia e de     turalista, biológica mesmo, que reduz o
conceder à opinião o direito de articular   homem a um “animal capaz de reco-
um consenso ético.                          nhecer a si mesmo como vítima” (:25).
    Em conformidade com as investiga-       Postula-se, então, o primado do Mal: o
ções anteriores de Badiou sobre o Ser,      Homem, como sujeito universal, possui
o Acontecimento, a Verdade e o Sujeito,     “a capacidade a priori de distinguir o
a Ética se constrói em uma espiral que      Mal” (:23), o que ofende os Direitos do
impõe aos problemas uma mobilidade          Homem, o Outro e a Vida. O nazismo,
que os relaciona transversalmente com       o genocídio dos judeus, desempenha,
contextos continuamente ampliados.          no interior da “ideologia ética”, o papel
Assim, se se pode dizer, como o autor o     do Mal Absoluto – exemplo de agres-
faz, que seu livro tem dois momentos –      são radical às três figuras da tripartição
um crítico, outro criador –, deve-se        ética.
acrescentar que o movimento dessas              Ao homem-vítima, ao “animal-para-
atividades na espiral torna-as indisso-     a-morte”, Badiou contrapõe a idéia do
ciáveis. É assim que Badiou investiga a     Imortal, do homem como animal poten-
natureza da vontade que sustenta a          te, capaz de imortalizar-se na afirma-
“ideologia ética” contemporânea, ao         ção de “acontecimentos” que o transfor-
mesmo tempo que propõe uma “ética           mam em “sujeito de processos de ver-
das verdades”.                              dade” – recusa do Sujeito Universal e
190   RESENHAS




      sua ética geral vigilante dos direitos da     co de alterar-se, de “prescrever à nossa
      vítima. O homem singulariza-se em sua         situação e a nós mesmos possíveis ain-
      potência de se subjetivar: Badiou cons-       da inexplorados” (:45).
      trói assim o espaço de uma “ética das             A terceira figura da recusa niilista é
      situações”, que problematiza a relação        a idéia de uma Vida Digna, que alimen-
      do homem com a raridade do “aconte-           ta uma “bio-ética”. É a idéia de “felici-
      cimento”, da “verdade” e do “sujeito”.        dade” que articula a crença no Homem
          A segunda figura da recusa niilista       com a reivindicação de uma “vida dig-
      é o Outro, e seu correlato é a “ética da      na”. A morte definida e vivida como
      diferença”. Badiou mostra como o cui-         figura do Mal é banida do pensamento
      dado da “ideologia ética” com o Outro         e, precariamente simbolizada, retorna
      é uma degradação do esforço realizado         como conteúdo real da “ideologia éti-
      por Lévinas em pensar uma ética a par-        ca”. O desejo conservador que sustenta
      tir de uma abertura radical e primeira        a reivindicação de uma “vida digna”,
      ao Outro. A “ética da diferença” aban-        ao não questionar a necessidade, o
      dona a exigência de situar o Outro a          mercado e a legitimidade da situação
      partir do pensamento do Todo-Outro,           ocidental, obriga, no fim das contas,
      da experiência de uma não identidade          que a ética decida quem deve viver –
      essencial. Não ultrapassando uma visão        ou seja, ser integrado à ordem mundial
      mimética do Outro, trocando o funda-          – e quem deve morrer.
      mento religioso de Todo-Outro por um              Contra o niilismo que condena o
      apoio “científico”, busca sua objetivi-       pensamento à ratificação do necessário
      dade no culturalismo. Mas, o fascínio         e que busca transformar “o espetáculo
      do homem ocidental com a diversidade          da economia em opinião consensual re-
      cultural não impede a constituição de         signada”, Badiou afirma a “possibilida-
      uma identidade ética: “eu respeito as         de do impossível”, do “acontecimento”,
      diferenças contanto naturalmente que          da “verdade” e do “sujeito”. Não se po-
      aquele que difere respeite, exatamente        de mais pensar o Mal absoluto ou um
      como eu, as ditas diferenças” (:38).          Bem universal: o Bem só é representá-
          Ao fascínio com a alteridade, Ba-         vel concretamente na abertura de uma
      diou contrapõe o problema do Imortal,         situação, como “norma interior de uma
      a questão do reconhecimento do Mes-           desorganização prolongada da vida”
      mo. Suas proposições partem dos se-           (:71). O Bem é, assim, uma raridade que
      guintes axiomas: “não há nenhum               atravessa a vida, o processo que convo-
      Deus”; “o múltiplo ‘sem Um’ – todo múl-       ca o animal-humano – que vive aquém
      tiplo sendo sempre, por sua vez, múlti-       do Bem e do Mal – a entrar na composi-
      plos de múltiplos – é a lei do ser”; “o in-   ção de um sujeito: é o que sustenta o
      finito é a banalidade de toda situação e      Imortal.
      não o predicado de uma transcendên-               Badiou opõe o mundo das opiniões,
      cia”(:39). Desse ponto de vista, a dife-      onde o animal vive aquém do Bem e do
      rença não põe nenhum problema ao              Mal, aos processos de verdade hetero-
      pensamento: é o que há. À indiferença         gêneos aos saberes instituídos. Adver-
      da diferença Badiou afirma o cuidado          te, no entanto, que é sempre o animal
      com o que advém, com o “Mesmo”,               que dá corpo tanto às opiniões quanto
      com as “verdades” que induzem sujei-          às verdades: “é esse corpo, e tudo de
      tos. Contra o respeito abstrato por um        que o mesmo é capaz, que entra na
      Outro domesticado ressalta o desejo éti-      composição de um ‘ponto de verdade’”
RESENHAS    191




(:57). É essa tensão, e não a universali-   – substância cuja realidade tem de ser
dade de um sujeito, que funda o campo       garantida pelo extermínio dos judeus.
ético. Badiou define a “ética de uma        A “traição” é a virtualidade aberta pela
verdade” como o “que dá consistência        ambigüidade da posição do “alguém”
à presença de alguém na composição de       no processo de uma verdade, sua con-
um sujeito que induz o processo dessa       sistência depende de que o “interesse-
verdade” (:57). Ora, o problema ético só    desinteressado” que impele o animal a
se coloca para além dos reconhecimen-       se tornar sujeito de uma verdade se
tos da opinião, só existe como problema     sobreponha ao simples interesse de
para um “sujeito” de um processo real       perseverar no seu ser. Badiou enfatiza
de fidelidade a um “acontecimento”,         que a “traição” não significa simples
isto é, a “singularidades irredutíveis”,    abandono de uma verdade, a “traição”
“fora-da-lei” das situações. A ética é      é o autoconvencimento de que o pro-
uma problematização da relação do “al-      cesso jamais existiu e de que o Imortal
guém” com um “acontecimento” que            é uma impossibilidade. O “desastre” é
redefine sua relação com a situação e       conseqüência do desconhecimento dos
seus saberes. Relação nada simples,         limites de uma verdade, decorre da
que define o Bem e o Mal como catego-       vontade desmesurada de verdade que
rias relativas a uma política das verda-    impulsiona um se tornar dogmática da
des. Política que se decide nas possibi-    “língua-sujeito” que pretende então
lidades demarcadas pelas seguintes          tudo poder nomear. A prepotência dog-
alternativas: afirmação de um aconteci-     mática ignora a presença do animal na
mento ou de um simulacro de aconteci-       composição do sujeito de uma verdade.
mento; fidelidade ou traição do alguém      Como diz Badiou, “o Bem só é Bem na
ao acontecimento; continência ou in-        medida em que não pretende tornar o
continência das verdades contra os sa-      mundo bom. Seu único ser é o advento
beres da situação.                          à situação de uma verdade singular. É
    Badiou evita toda confusão do Mal       preciso então que a potência de uma
com a violência do animal-humano si-        verdade seja também sua impotência”
tuada aquém do Bem e do Mal: o Mal é        (:93). A Ética propõe o Continuar – sus-
uma virtualidade aberta pelo processo       tentação da fidelidade ao acontecimen-
de verdade. Ele se apresenta sob três       to – como imperativo que tem o cuidado
formas: como “terror”, como “traição” e     ético de evitar os simulacros, de não ce-
como “desastre”. O “terror” é correlato     der aos interesses e de recusar uma no-
de uma fidelidade a um simulacro de         meação total.
acontecimento. Nesse processo, o que é          Na situação atual onde o capital
nomeado não é o vazio de uma situa-         impõe a todos, por meio da globaliza-
ção, aquilo que ao mesmo tempo esca-        ção, sua suposta “sinceridade incontor-
pa ao saber da opinião e se dirige a to-    nável”, o livro de Badiou pode ser visto
dos como universalidade, mas uma par-       como uma peça de resistência, de luta
ticularidade, uma substância cuja reali-    contra essa “unanimidade”, que resulta
dade deve ser produzida pelo terror         de uma acumulação primitiva de valo-
que gera um vazio a seu redor. Badiou       res – movimento de captura da diversi-
toma o nazismo como exemplo, não de         dade dos desejos, da virtualidade dos
um Todo-Mal, mas de uma política de         imprevistos e da multiplicidade dos
“terror”. A ruptura nazista se faz no       possíveis – que se realiza em escala pla-
processo de fidelidade ao povo alemão       netária.

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éTica um ensaio sobre a consciencia do mal alain badoiu

  • 1. MANA 2(2):189-211, 1996 RESENHAS BADIOU, Alain. 1995. Ética. Um Ensaio Badiou parte da evidência de um sobre a Consciência do Mal. Rio de Ja- dispositivo complexo, composto por or- neiro: Relume-Dumará. 100 pp. ganismos internacionais, comissões na- cionais, tribunais de ética, expedições militares de defesa de valores etc., sus- Ovídio Abreu Filho tentando uma rede de discursos que Prof. de Antropologia, UFF invoca categorias abstratas – o Homem, o Outro, a Vida – e impõe, como impe- O nazismo e o fracasso das experiências rativos categóricos, o respeito aos “di- comunistas estão impressos na cons- reitos humanos”, o reconhecimento do ciência ética contemporânea. Os hor- “Outro” e a defesa de uma “vida dig- rores totalitários, os perigos ditos ine- na”. Sob esta tripartição da “ideologia rentes ao desejo revolucionário e a su- ética”, Badiou revela a recusa niilista posta inoperância das políticas de trans- de pensar o Bem enquanto prescrição formação assumem, hoje, uma função positiva dos possíveis. mítica, inscrevendo no espírito “manei- A primeira figura desse niilismo é o ras de pensar” que fundamentam uma Homem. Trata-se de uma imagem na- vontade de prescindir da filosofia e de turalista, biológica mesmo, que reduz o conceder à opinião o direito de articular homem a um “animal capaz de reco- um consenso ético. nhecer a si mesmo como vítima” (:25). Em conformidade com as investiga- Postula-se, então, o primado do Mal: o ções anteriores de Badiou sobre o Ser, Homem, como sujeito universal, possui o Acontecimento, a Verdade e o Sujeito, “a capacidade a priori de distinguir o a Ética se constrói em uma espiral que Mal” (:23), o que ofende os Direitos do impõe aos problemas uma mobilidade Homem, o Outro e a Vida. O nazismo, que os relaciona transversalmente com o genocídio dos judeus, desempenha, contextos continuamente ampliados. no interior da “ideologia ética”, o papel Assim, se se pode dizer, como o autor o do Mal Absoluto – exemplo de agres- faz, que seu livro tem dois momentos – são radical às três figuras da tripartição um crítico, outro criador –, deve-se ética. acrescentar que o movimento dessas Ao homem-vítima, ao “animal-para- atividades na espiral torna-as indisso- a-morte”, Badiou contrapõe a idéia do ciáveis. É assim que Badiou investiga a Imortal, do homem como animal poten- natureza da vontade que sustenta a te, capaz de imortalizar-se na afirma- “ideologia ética” contemporânea, ao ção de “acontecimentos” que o transfor- mesmo tempo que propõe uma “ética mam em “sujeito de processos de ver- das verdades”. dade” – recusa do Sujeito Universal e
  • 2. 190 RESENHAS sua ética geral vigilante dos direitos da co de alterar-se, de “prescrever à nossa vítima. O homem singulariza-se em sua situação e a nós mesmos possíveis ain- potência de se subjetivar: Badiou cons- da inexplorados” (:45). trói assim o espaço de uma “ética das A terceira figura da recusa niilista é situações”, que problematiza a relação a idéia de uma Vida Digna, que alimen- do homem com a raridade do “aconte- ta uma “bio-ética”. É a idéia de “felici- cimento”, da “verdade” e do “sujeito”. dade” que articula a crença no Homem A segunda figura da recusa niilista com a reivindicação de uma “vida dig- é o Outro, e seu correlato é a “ética da na”. A morte definida e vivida como diferença”. Badiou mostra como o cui- figura do Mal é banida do pensamento dado da “ideologia ética” com o Outro e, precariamente simbolizada, retorna é uma degradação do esforço realizado como conteúdo real da “ideologia éti- por Lévinas em pensar uma ética a par- ca”. O desejo conservador que sustenta tir de uma abertura radical e primeira a reivindicação de uma “vida digna”, ao Outro. A “ética da diferença” aban- ao não questionar a necessidade, o dona a exigência de situar o Outro a mercado e a legitimidade da situação partir do pensamento do Todo-Outro, ocidental, obriga, no fim das contas, da experiência de uma não identidade que a ética decida quem deve viver – essencial. Não ultrapassando uma visão ou seja, ser integrado à ordem mundial mimética do Outro, trocando o funda- – e quem deve morrer. mento religioso de Todo-Outro por um Contra o niilismo que condena o apoio “científico”, busca sua objetivi- pensamento à ratificação do necessário dade no culturalismo. Mas, o fascínio e que busca transformar “o espetáculo do homem ocidental com a diversidade da economia em opinião consensual re- cultural não impede a constituição de signada”, Badiou afirma a “possibilida- uma identidade ética: “eu respeito as de do impossível”, do “acontecimento”, diferenças contanto naturalmente que da “verdade” e do “sujeito”. Não se po- aquele que difere respeite, exatamente de mais pensar o Mal absoluto ou um como eu, as ditas diferenças” (:38). Bem universal: o Bem só é representá- Ao fascínio com a alteridade, Ba- vel concretamente na abertura de uma diou contrapõe o problema do Imortal, situação, como “norma interior de uma a questão do reconhecimento do Mes- desorganização prolongada da vida” mo. Suas proposições partem dos se- (:71). O Bem é, assim, uma raridade que guintes axiomas: “não há nenhum atravessa a vida, o processo que convo- Deus”; “o múltiplo ‘sem Um’ – todo múl- ca o animal-humano – que vive aquém tiplo sendo sempre, por sua vez, múlti- do Bem e do Mal – a entrar na composi- plos de múltiplos – é a lei do ser”; “o in- ção de um sujeito: é o que sustenta o finito é a banalidade de toda situação e Imortal. não o predicado de uma transcendên- Badiou opõe o mundo das opiniões, cia”(:39). Desse ponto de vista, a dife- onde o animal vive aquém do Bem e do rença não põe nenhum problema ao Mal, aos processos de verdade hetero- pensamento: é o que há. À indiferença gêneos aos saberes instituídos. Adver- da diferença Badiou afirma o cuidado te, no entanto, que é sempre o animal com o que advém, com o “Mesmo”, que dá corpo tanto às opiniões quanto com as “verdades” que induzem sujei- às verdades: “é esse corpo, e tudo de tos. Contra o respeito abstrato por um que o mesmo é capaz, que entra na Outro domesticado ressalta o desejo éti- composição de um ‘ponto de verdade’”
  • 3. RESENHAS 191 (:57). É essa tensão, e não a universali- – substância cuja realidade tem de ser dade de um sujeito, que funda o campo garantida pelo extermínio dos judeus. ético. Badiou define a “ética de uma A “traição” é a virtualidade aberta pela verdade” como o “que dá consistência ambigüidade da posição do “alguém” à presença de alguém na composição de no processo de uma verdade, sua con- um sujeito que induz o processo dessa sistência depende de que o “interesse- verdade” (:57). Ora, o problema ético só desinteressado” que impele o animal a se coloca para além dos reconhecimen- se tornar sujeito de uma verdade se tos da opinião, só existe como problema sobreponha ao simples interesse de para um “sujeito” de um processo real perseverar no seu ser. Badiou enfatiza de fidelidade a um “acontecimento”, que a “traição” não significa simples isto é, a “singularidades irredutíveis”, abandono de uma verdade, a “traição” “fora-da-lei” das situações. A ética é é o autoconvencimento de que o pro- uma problematização da relação do “al- cesso jamais existiu e de que o Imortal guém” com um “acontecimento” que é uma impossibilidade. O “desastre” é redefine sua relação com a situação e conseqüência do desconhecimento dos seus saberes. Relação nada simples, limites de uma verdade, decorre da que define o Bem e o Mal como catego- vontade desmesurada de verdade que rias relativas a uma política das verda- impulsiona um se tornar dogmática da des. Política que se decide nas possibi- “língua-sujeito” que pretende então lidades demarcadas pelas seguintes tudo poder nomear. A prepotência dog- alternativas: afirmação de um aconteci- mática ignora a presença do animal na mento ou de um simulacro de aconteci- composição do sujeito de uma verdade. mento; fidelidade ou traição do alguém Como diz Badiou, “o Bem só é Bem na ao acontecimento; continência ou in- medida em que não pretende tornar o continência das verdades contra os sa- mundo bom. Seu único ser é o advento beres da situação. à situação de uma verdade singular. É Badiou evita toda confusão do Mal preciso então que a potência de uma com a violência do animal-humano si- verdade seja também sua impotência” tuada aquém do Bem e do Mal: o Mal é (:93). A Ética propõe o Continuar – sus- uma virtualidade aberta pelo processo tentação da fidelidade ao acontecimen- de verdade. Ele se apresenta sob três to – como imperativo que tem o cuidado formas: como “terror”, como “traição” e ético de evitar os simulacros, de não ce- como “desastre”. O “terror” é correlato der aos interesses e de recusar uma no- de uma fidelidade a um simulacro de meação total. acontecimento. Nesse processo, o que é Na situação atual onde o capital nomeado não é o vazio de uma situa- impõe a todos, por meio da globaliza- ção, aquilo que ao mesmo tempo esca- ção, sua suposta “sinceridade incontor- pa ao saber da opinião e se dirige a to- nável”, o livro de Badiou pode ser visto dos como universalidade, mas uma par- como uma peça de resistência, de luta ticularidade, uma substância cuja reali- contra essa “unanimidade”, que resulta dade deve ser produzida pelo terror de uma acumulação primitiva de valo- que gera um vazio a seu redor. Badiou res – movimento de captura da diversi- toma o nazismo como exemplo, não de dade dos desejos, da virtualidade dos um Todo-Mal, mas de uma política de imprevistos e da multiplicidade dos “terror”. A ruptura nazista se faz no possíveis – que se realiza em escala pla- processo de fidelidade ao povo alemão netária.