SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 31
Baixar para ler offline
244 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
DOSSIÊ
A
O novo na sociologia latino-americana
1. A especificidade sociocultural atual da América Latina
LUCIO OLIVER COSTILLA *
mérica Latina é uma região que tem uma especificidade
significativa no mundo atual. Ela tem uma população tra-
balhadora com efetiva atividade política e uma
intelectualidade desenvolvida política e culturalmente que
apresenta uma grande contradição com o seu perfil de
subcontinente subdesenvolvido entregue ao capitalismo transnacional. A
região hoje vivencia múltiplos problemas e dificuldades, submersa na es-
tagnação de sua economia, na exclusão social crescente e no enfraqueci-
mento de seus Estados.
A combinação contraditória no continente latino-americano entre
uma intelectualidade que tem um elevado nível e a existência de movi-
mentos sociais e políticos que atuam numa situação social explosiva, gera
amplas possibilidades para o desenvolvimento da sociologia.
A sociologia latino-americana, como todas as ciências sociais, tem
sido afetada pelas novas situações e fenômenos de fim de século: a revo-
lução técnico-científica no âmbito de capitalismo industrial, a queda do
socialismo estatal, os processos de mundialização do capital, a revalorização
* Doutor em Sociologia pela Universidade Nacional Autónoma do México. Professor titular do Centro de Estudos Latino-
americanos, Faculdade de Ciências Políticas e Sociais, Universidade Nacional Autónoma do México.
245SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
das comunidades locais e dos grupos étnicos, o papel determinante do
indivíduo e suas necessidades. Nesta medida, a crise das ciências sociais
acompanha essas mudanças significativas, na busca de novas perspectivas
analíticas capazes de explicar o ritmo de mudanças contemporâneas.
Dois Congressos da Associação Latino-americana de Sociologia -ALAS-,os
realizados na Cidade do México, em 1995, e em São Paulo, em 1997,
mostraram uma recuperação da teoria e da crítica no trabalho dos sociólo-
gos, ante a crise das ciências sociais e o empirismo neoliberal. E mais, uma
revisão das discussões de eventos acadêmicos significativos no Brasil mos-
tram esta tendência revitalizadora: os trabalhos das comissões da ANPOCS,
em função do encontro de 1996; os grupos de trabalho no Encontro de
Ciências Sociais Norte/Nordeste, em Fortaleza, Ceará, 1997; os grupos de
trabalho no VIII Congresso da Associação Brasileira de Sociologia, em
Brasília, em 1997, o XIII Congresso em Campinas, em 2003.
A rigor, como novidade neste início de milênio, a Sociologia da Amé-
rica Latina apresenta uma acumulação de conhecimentos particulares nos
mais variados âmbitos da vida social, o que se pode ver facilmente na
diversidade de temáticas e grupos de trabalho nos referidos encontros.
Muitas temáticas novas ficam, naturalmente, na ordem do dia para a sociolo-
gia: o papel das etnias, dos movimentos regionais, das lutas pelo
aprofundamento da cidadania; a reconstituição dos pactos constitutivos
do Estado e das nações; o papel desorganizador do narcotráfico; o neo-
autoritarismo no âmbito de processos democráticos; a exclusão social es-
trutural com o desemprego crescente; a corrupção; as crises dos sistemas
políticos; a queda das utopias; os fundamentalismos; a democracia
participativa nos municípios; os fenômenos associados a uma busca de
qualidade de vida.
Em verdade, o que a sociologia latino-americana tem como novo é
um regresso ao pensamento crítico que a caracterizou no passado recente
e uma emergente tendência em estabelecer a devida relação dos estudos
246 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
particulares com a dinâmica da totalidade social. Pelas particularidades da
América Latina, a sociologia pode ir mais longe. Para isso, precisa aprofundar
sua reflexão sobre as diferentes questões que se apresentam como objeto
de estudo.
A importante recuperação da crítica no pensamento social latino-
americano1
delimita, antes de tudo, uma postura política de contestação
dos sociólogos, a exigir um avanço similar na elaboração da teoria social.
De fato, a postura contestatória não implica, por si só, um desenvolvimen-
to na reflexão e na análise dos problemas. Exige um esforço efetivo de
elaboração e produção.
A questão do avanço teórico não pode associar-se, de novo, à tenta-
tiva de voltar a propor o domínio de uma teoria mais científica que as
outras. A história dos dois últimos séculos demonstrou que, nas ciências
sociais, é impossível a dominação absoluta de uma teoria ou de um
paradigma único:
Dentro de uma disciplina formal, muitas grandes teo-
rias podem co-habitar, mas existe um paradigma ape-
nas quando uma teoria comprovável domina, sozinha,
todas as outras teorias e é aceita pela comunidade
cientifica como um todo. Nas ciências sociais, porém,
tem-se, na melhor das hipóteses, uma confrontação
entre diversas teorias não comprováveis. Na maior parte
das vezes, não há nem mesmo uma confrontação, mas,
sim, uma cuidadosa recusa recíproca, uma desatenção
de todos os lados, o que é relativamente fácil, devido
ao tamanho das comunidades científicas, divididas em
escolas. Isso é verdadeiro para todos os países, gran-
des ou pequenos (Mattei Dogan, 1966).
1 Postura crítica evidente, em particular nos destaques que a maioria dos pesquisadores fez das inquietudes sociais importantes
na região, nos temas colocados para a reflexão, e nos problemas particulares priorizados para estudar nos anos que vêm. O XX
Congresso da ALAS foi realizado no México em outubro de 1995. Oliver Costilla, 1996; Sosa Elízaga, 1996.
247SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
O que poderia ser, então, um avanço da teoria social no pensamento
crítico da América Latina? Quais poderiam ser as suas linhas de aborda-
gem? Mencionei em trabalho anterior (Oliver Costilla, 1996) que um pri-
meiro grande desafio da produção teórica caminha pela superação do
imediatismo nas ciências sociais. Agora, desejo colocar mais outros ele-
mentos.
2. A luta contra o empirismo
Uma das manifestações do empirismo na sociologia foi o apareci-
mento mundial de uma multiplicidade de abordagens e temáticas
especializadas de estudo social auto-referido, sem nenhuma relação com
a totalidade social e com a sua dinâmica:
De 1970 em diante, o crescimento começou a ocorrer
junto com um processo de fragmentação, com o resul-
tado de ser a sociologia, hoje, nas democracias desen-
volvidas, uma disciplina heterogênea e centrífuga. De-
pendendo da maneira como ela é definida, pode-se
falar de 35 a 40 sociologias setoriais, indo em todas as
direções: para a história, a economia, a política, o di-
reito, a vida social, a indústria e a religião. Não há
atividade social que não tenha seu sociólogo oficial,
como a sociologia da educação, da família, da
criminalidade, das comunicações, do lazer, da terceira
idade, da medicina, das organizações – a lista é longa
(Mattei Dogan, 1996, p. 105).
A construção de um horizonte explicativo para os problemas e fenô-
menos captando a sua dinâmica essencial e construindo categorias e rela-
ções explicativas deveria constituir parte obrigatória da nova reflexão social.
A meu ver, o desenvolvimento desta reflexão exige o estabelecimento das
248 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
relações dos fenômenos particulares com a totalidade social, resgatando,
de forma crítica e ampliada o legado crítico anterior. Em fim, constituição
de um horizonte explicativo, resgate da dinâmica essencial, construção de
categorias e relações, estabelecimento da vinculação com o todo, como
uma tentativa para superar definitivamente o predomínio do empirismo
na época da globalização (Bagú, 1996). Tal empirismo nada mais é que a
adaptação pura e simples do pensamento ao capitalismo existente e do-
minante globalmente.
As inovações do pensamento social do último decênio, fortemente
presentes nas pesquisas criativas da América Latina, colocam perspectivas
muito atraentes para analisar aspectos da realidade, antes ignorados. O
imaginário nas organizações sociais, as identidades como referência dos
grupos sociais e dos indivíduos, os aspectos simbólicos do poder, a
revalorização da experiência no comportamento dos indivíduos, o papel
da linguagem e dos significados nas relações sociais. No entanto, todos
estes novos enfoques de pesquisa, junto à rejeição dos “enfoques tradicio-
nais” dos clássicos, têm levado muitos estudos a entender o mundo como
uma realidade fragmentada. Nesta perspectiva, o mundo hoje se apresen-
ta como uma entidade parcializada, na qual a economia não tem relação
com a sociedade, nem esta com a política ou com a cultura, etc. A socie-
dade, nestes enfoques, é inapreensivel como totalidade. A própria idéia
de totalidade não tem guarida teórica nenhuma. Então, a sociologia inova-
dora tem, de fato, feito o que afirma o ditado popular: “um passo adiante,
dois passos atrás”. Eis um problema teórico: a separação da realidade em
mundos fragmentados, desconexos.
Voltar a incluir o enfoque da totalidade na análise social não quer
dizer entender o mundo como se fazia há vinte anos atrás, ou seja: como
uma realidade linearmente articulada entre economia capitalista, classes
sociais tradicionais, luta pelo poder político com interesses bem definidos,
249SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
ideologia alienada, etc. A historia tem mostrado que o mundo tem manifes-
tações próprias, em movimento constante, que as classes sociais que exis-
tem na produção, podem expressar posições ou opções políticas comple-
xas e muito diferentes das que linearmente expressariam seus interesses e
que a política e a ideologia têm mediações próprias. Logo, totalidade não
quer dizer, então, repetição das articulações do passado. A cultura tem uma
relação intrínseca com a sociedade, com a política e com a economia. E o
papel da teoria é desvendar a relação entre os fenômenos e tentar desco-
brir sua real vinculação e respectivas mediações.
A legítima abertura da sociologia dos anos noventa a novos enfoques
e novos objetos de estudo, em muitos casos, tem levado a deixar de lado
uma das mais importantes heranças da história sociológica: o estudo e a
classificação das estruturas, dos processos, dos atores e das instituições
sociais. E mais: secundariza dois elementos essenciais e consagrados na
compreensão sociológica da dinâmica social: 1) a análise das tendências
no desenvolvimento social e 2) a analise da influência das classes e dos
grupos sociais na conformação das instituições, na determinação do po-
der e do domínio e na elaboração das identidades e das utopias. A teoria
tem que insistir em recuperar este aspecto da sociologia para mostrar a
dimensão histórico-social dos fenômenos que estuda. Sem essa dimensão
histórico-social, os objetos de estudo ficam como que isolados numa “tor-
re de cristal”, como uma manifestação erudita que não diz nada para o
avanço do conhecimento social.
Outra manifestação do predomínio do empirismo na sociologia foi o
deslizamento contínuo dos pesquisadores de uma teoria para outra, sem
debate e sem balanços que dessem conta da sua inadequação para o
estudo dos fenômenos. Nos anos oitenta, foi-se popularizando o ecletismo
teórico, vertente que, na verdade, utilizava a mistura das teorias para fugir
250 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
do pensamento teórico e de suas regras:
A assunção de diferentes posturas teóricas em sociolo-
gia não tem levado sempre a saldar contas, fazer balan-
ços, senão a um deslizamento conceptual... Depois de
meados de 1980, a pesquisa empírica de uma varieda-
de de objetos foi muito abundante, junto com a pouca
profundidade no debate teórico. Aparentemente, o que
tem guiado os pesquisadores é sobretudo um critério
prático e plural na definição de seus instrumentos
conceptuais. Dita prescindencia com respeito à
dimensão teórica tem a ver com o modo de funcionar
normalmente a nossa disciplina (Lídia Girola, 1996).
Só depois de duas décadas, em meados dos anos noventa, a trajetória
das ciências sociais parece voltar-se para o trabalho teórico, tanto na Amé-
rica Latina como no mundo todo, agora carregada de um abundante conhe-
cimento empírico:
Na medida em que amadurece e espalha antenas em
todas as direções, a sociologia torna-se consciente da
sua excessiva fragmentação e dispersão e experimenta
a necessidade de retornar a seu centro – não sendo
porém bem-sucedida, até o momento. Este processo é
assim descrito por Ralph Turner: A sociologia passou
de uma fase de ênfase na teoria, com poucas bases
empíricas testáveis, para outra de empirismo
antiteoricista, e daí para uma outra fase, na qual a pes-
quisa é vista primordialmente em função de sua rele-
vância para a grande teoria (Mattei Dogan, 1996, p.
106).2
2 Na verdade, nem tudo é tão unilateral e simples assim. Dos anos vinte aos anos setenta, o pensamento social crítico latino-
americano, com ênfase na teoria, também atendeu à pesquisa empírica. De fato, muitos estudos clássicos que acompanham
suas análises com pesquisas empíricas, vêm dessas datas. São de autores como Ramiro Guerra, Silvio Frondizi, Caio Prado jr.,
Sergio Bagú, José Revueltas, Gino Germani, Julio César Jobet, Euclides da Cunha, Pablo González Casanova, Ruy Mauro
Marini, René Zavaleta, dentre outros (Millán e Marini, 1995).
251SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
Assim, abre-se espaço para uma saudável tendência nas ciências soci-
ais: superar o empirismo reencontrando-se com a teoria. A própria postura
contestatória ante o neoliberalismo já é um bom indicador. Além do reco-
nhecimento do horizonte teórico como necessário para entender as socie-
dades de finais de século, cabem as perguntas: Quais são as perspectivas,
opções, linhas, processos e abordagens do trabalho teórico na atual fase de
crescente encontro entre a pesquisa e a grande teoria? Como pode a teoria
social crítica latino-americana desenvolver-se criativamente? Quais são os
principais obstáculos para isso?
3. A crise da civilização
Uma necessidade fundante, hoje, para a América Latina é atualizar a
sua procura de desenvolvimento: como estar à altura do mundo, como
universalizar-se para viver o momento histórico atual com todas as
potencialidades sociais possíveis, superando formas de produção e de vida
atrasadas e caducas. E mais: como co-participar na crítica das novas formas
modernas e pós-modernas, vislumbrando novos modelos de civilização.
A exigência principal colocada para as ciências sociais da nossa re-
gião reedita, com novas formas, um velho dilema já posto nos anos cin-
qüenta: explicar e criticar nosso atraso latino-americano. No entanto, esta
exigência não pode, em nenhuma hipótese conduzir-nos a tomar como
referência o espelho neoliberal do capitalismo mundial. O objetivo de
nosso desenvolvimento não pode ser o de ocidentalizarmo-nos à maneira
norte-americana ou européia, com o seu individualismo egoísta, sua ex-
ploração industrial e cibernética, sua violência social, sua alienação e sua
máquina de guerra e ódio nacional e social. Antes de tudo é preciso fazer
a crítica do atraso, junto com a critica da modernidade da qual este atraso
faz parte, impedindo o nosso desenvolvimento, pela dependência e pela
252 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
subordinação. A crítica tem que demonstrar o “porquê” da crise do Estado-
Nação e as causas da existência de uma sociedade de exploração irracional
dos homens e da natureza, marcada por uma nova exclusão social e uma
falta de valores humanistas aliadas a uma concentração de riqueza e poder
anormais nos países de capitalismo avançado, e em nossos próprios países.
Os aportes que a América Latina pode dar à crítica e à renovação da
democracia política, à reforma da produção e da vida, ao humanismo e ao
comunitarismo radical renovado, têm que se encontrar com os velhos
objetivos de libertação nacional e social do mundo atual, adaptados às
novas condições. De fato, nem libertação nacional nem libertação social
podem ser configuradas como no passado. Não estamos buscando, no
Ocidente, o que as suas sociedades avançadas são hoje. Pelo contrario,
estamos junto ao Ocidente, lutando por um mundo distinto. Nossa defini-
tiva ocidentalização, então, vai consolidar-se quando a América Latina
aportar novas opções para o mundo contemporâneo.
É mister aceitar que o pensamento social ocidental dominante até
hoje tem sido e é, em muitos aspectos, simplista e excludente. A velha
fórmula de que A não é B e faz exclusão de B resulta, evidentemente,
falsa. Para entender o mundo atual, e especialmente para compreender a
América Latina, hoje, é imprescindível abrirmo-nos à compreensão de
que A inclui B e o pressupõe, implica-o. Assim, o refinamento institucional
e a luta civilizada e regulamentada da política nos estados e nas grandes
metrópoles da região assentam-se, normalmente, na opressão brutal e na
violência no campo e no mundo do trabalho e até mesmo as pressupõe.
A riqueza, o desenvolvimento tecnológico e científico e a educação
dos países avançados têm como base a superexploração dos recursos na-
turais e do trabalho social, tanto nas regiões e países periféricos como nas
áreas terceirizadas dos próprios países de capitalismo avançado. A mesma
coisa pode dizer-se das megacidades, que são núcleos extraordinários de
desenvolvimento industrial, comercial e de serviços, cujo fundamento é a
migração rural proveniente de um campo empobrecido e sem recursos,
que, na verdade, ficou pobre por ter financiado, durante décadas, o de-
senvolvimento industrial das cidades.
253SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
Os problemas sociais não têm existência isolada. Para caracterizá-los,
realmente, é necessário estabelecer os vínculos entre cada fenômeno e
todos os aspectos da dinâmica social. Somente depois de tal vinculação
teremos uma visão total e complexa do conteúdo dos ditos fenômenos
que articuladamente constituem a questão social de uma dada sociedade.
Logo, fenômenos como, por exemplo, a acumulação de capital (tão bem-
vista pela sociedade na sua forma de crescimento do produto interno bru-
to anual) é a outra face da exploração do trabalho social ou, também, o
desenvolvimento tecnológico é a outra cara da exclusão social de milhões
de desempregados permanentes e de meninos sem escola nem trabalho,
etc.. Ou ainda, a incerteza e a pobreza de milhões de latino-americanos
são a outra face da geração de novos-ricos na região, como o registra
periodicamente a revista norte-americana “Forbes”. É preciso sempre ter
presente que a realidade é multilateral, e o pensamento não pode ser
outra coisa que isso: interdisciplinar e multilateral.
A reflexão teórica sempre tem uma referência histórica e cultural
que ilumina o sentido profundo das coisas. Trata-se de um horizonte de
conhecimento da época, do tempo vivido e da cultura socializada. A
teorização dos problemas, hoje, tem que considerar que já vivemos os
problemas do século XXI. O nosso horizonte está marcado por fenômenos
específicos: a queda do socialismo real e o descrédito das utopias, a
mundialização do capital, a reestruturação produtiva, a transformação do
trabalho, o desemprego estrutural, a globalização tecnológica e
comunicacional; o enfraquecimento da soberania nacional e da responsa-
bilidade social dos estados; a marginalização crescente de muitos países
subdesenvolvidos, numa palavra, o nosso horizonte está marcado pela
crise das civilizações modernas que, no século XX, procuraram respostas
ao desenvolvimento humano.
Uma nova “visão do mundo” tem que acompanhar a teoria latino-
americana do século XXI. Esse horizonte inclui a crise cultural-civilizatória
das construções histórico-sociais que formaram o mundo nos últimos dois
séculos, tanto capitalistas quanto socialistas. Esta consideração essencial tem
254 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
sido feita, não por acaso, no balanço da situação do mundo nos fins do
século XX por quatro dos maiores filósofos e historiadores das ciências soci-
ais: Sérgio Bagú, Adolfo Sánchez Vázquez, Erich Hobsbawm e Immanuel
Wallerstein (textos de 1995 e 1996).
A noção de crise da civilização é muito abrangente, incluindo as
relações de produção e de troca, as formas sociais, as instituições, as orga-
nizações e as relações políticas e culturais, as identidades, o imaginário, os
projetos de hegemonia, as ideologias e as utopias, enfim, têm a ver com as
produções histórico-sociais dos homens ao longo destes dois séculos que
não contemplam uma real dimensão humanista.
A nossa época vive uma encruzilhada: como toda crise, a atual é o
momento mais propício para profundas frustrações e para grandes mu-
danças, para um questionamento global e para um desenvolvimento polí-
tico-ideológico de grandes proporções. A crise cultural de hoje, como as
crises similares do passado, propicia grande criatividade teórica e eviden-
cia um grande potencial político.
A consciência da crise de civilização que vivemos deve permear o
pensamento teórico contemporâneo das ciências sociais: a teoria não é a
mesma quando leva em consideração este ponto de partida. Como diziam
os clássicos da filosofia (Kant, Hegel), a crise é o lado negativo do qual
temos que partir para a nossa construção teórico-conceitual; é o caminho
para enxergar as novas possibilidades. Aliás, isso afeta nosso olhar diante
de qualquer fenômeno ou problema social.
A consciência da crise de civilização pode mudar nossa apreciação das
alternativas críticas ao capitalismo transnacionalizado. Por isso, não é sufici-
ente questionar as soluções erradas, experimentadas pelos regimes comu-
nistas autoritários e burocráticos do século XX, e defender que o verdadeiro
comunismo ou o socialismo clássicos ainda são a alternativa ao capitalismo
contemporâneo. Precisa-se, sim, redefinir a concepção e os projetos socia-
listasecomunistasapartirdeumacriticaradicalàsexperiências e às teorizações
255SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
do comunismo do século XX, concebendo-as como tentativa civilizatória
que fracassou. E mais: essa redefinição de projetos precisa considerar o
cenário das transformações do capitalismo mundializado, no sentido de
buscar alternativas e saídas que recuperem, nas novas condições hoje pos-
tas, o poder do trabalho sobre o capital.
A nova perspectiva leva a mudar, inclusive, a visão que o pensamen-
to crítico latino-americano tem do pós-modernismo como uma teorização
niilista que se baseia no estado de ânimo. De fato, se deixarmos de lado as
teses do relativismo total, uma concepção do pós-modernismo pode estar
falando desta mesma crise:
Essa idéia de modernidade aponta para o pós-moder-
nismo e a pós-modernidade, sendo que esta última
não deve ser entendida como uma nova época que
agora substitui a idade moderna, mas como a consci-
ência crescente dos limites do projeto de modernidade.
É claro que há muitos problemas, na tentativa de pro-
duzir definições para pós-modernismo e pós-
modernidade. Simplificando, pós-modernismo sugere
o problema de lidar com a complexidade cultural, de
lidar com aquilo que, do ponto de vista de categorias
bem organizadas, parece ser desordem, mas que não
pode ser adequadamente incorporado na classificação
existente nem ignorado. É possível identificar algumas
características. Em primeiro lugar, pós-modernismo
implica uma perda de confiança nas grandes narrativas
de progresso e iluminismo, centrais à modernidade
ocidental. A confiança na universalidade desse projeto
é substituída pela ênfase na contingência, na incoerên-
cia e na ambivalência. Há uma consciência crescente
da multicodificação, da hibridização e do sincretismo
cultural. Em segundo lugar, tem havido democratização
e popularização de formas de conhecimento e de
produção e difusão cultural que eram previamente
256 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
monopolizadas ou controladas por grupos estabelecidos
(Mike Featherston, 1996).
Com a recuperação do horizonte da crise civilizatória da nossa época,
a teoria ganha também, porque o processo de pensar transforma-se numa
exigência radical de hoje para todos nós.
4. A globalização e as novas perspectivas analíticas
Um fenômeno tão abrangente e tão radical como a globalização, de
qualquer maneira que esta seja entendida, não pode ser assimilado como
a ideologia neoliberal impõe: como se o fenômeno fosse único, seguindo
o mesmo processo em todo o mundo. A sociologia latino-americana ajuda
para compreender que a globalização é um fenômeno qualitativamente
diferente nos países centrais e nos países de capitalismo dependente na
América Latina. Em verdade, em nossos países, a globalização é uma re-
dução do tempo e do espaço à condição de que participemos como regiões
subordinadas dentro de um plano estratégico mundial.
A globalização significa coisas diferentes para o grande capital
transnacionalizado, para os trabalhadores, para a pequena e média indús-
tria, para quem pode concentrar a renda nacional e para quem passa a ser
excluído permanentemente pela redução do emprego ou pela falência da
produção.
O capitalismo do nosso fim de século está mudando demais, expan-
dindo suas potencialidades de assimilação mundial e subordinando os
processos sociais de caráter local, alicerçado numa extrema mobilidade.
Sem dúvida, a teorização dos fenômenos sociais, quaisquer que sejam
eles, tem que estabelecer a sua relação com a reestruturação do capitalis-
mo mundial, com a globalização. De fato, há, ainda, o ressurgimento do
local, que pode ser observado em muitos acontecimentos importantes do
nosso tempo na América Latina. Esse ressurgimento faz parte das resistên-
257SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
cias e das novas possibilidades geradas pela mundialização do capital: a
insurreição indígena zapatista no México; a modernização industrial do
nordeste no Brasil; os pactos bilíngües e biculturais “indios-ladinos” no
poder na Bolívia; as novas manifestações do sincretismo religioso e cultu-
ral em Cuba; o avanço para um Estado multinacional na Guatemala, etc.
Evidentemente a crítica latino-americana precisa considerar o hori-
zonte da mundialização do capital para estudar o novo sentido dos fe-
nômenos sociais, sejam estes fenômenos sociais globais, grupais ou indivi-
duais. Tudo tem que ser analisado a partir desta perspectiva: os processos
produtivos, o trabalho, o emprego, a acumulação; os problemas das grandes
cidades e das pequenas vilas; as migrações; as relações políticas e os proces-
sos eleitorais; o neoliberalismo, as políticas sociais, o papel das minorias, a
situação do meio ambiente, a violência intrafamiliar, do estatal e outros.
Mas, o que é a globalização, além da visão plena de ideologia que os
meios de comunicação e o discurso do poder nos apresentam todos os
dias? Qual globalização vamos utilizar como horizonte de conhecimento
do social? Aquela que exige uma adaptação maior ao capitalismo mundial,
tal como ele é hoje, ou aquela que nos abre novos horizontes para conhe-
cer e criticar o mundo?
Compete à teoria acompanhar as experiências da sociedade no novo
fenômeno da mundialização, para encontrar alternativas às políticas
neoliberais. Para isso, temos que adentrar com profundidade no estudo
do processo de reestruturação do capitalismo mundial.3
3 Num outro trabalho, estudo alguns aspectos da globalização e da mundialização do capital (A globalização e a nova crítica
do Estado latino-americano, Lúcio Oliver Costilla, 1997), e tento colocar alguns argumentos para distinguir as diversas
concepções que sobre ela se tem nas ciências sociais atuais.
258 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
A globalização é um fenômeno condicionante dos processos sociais e
é também um novo cenário espaço-temporal para o desenvolvimento ou,
ao contrário, para o desmantelamento de velhas classes, grupos sociais, insti-
tuições, organizações e indivíduos. A teoria precisa entender o alcance do
referido condicionamento.
Na medida em que a produção e o mercado já não estão isolados no
âmbito nacional, em que tudo faz parte da concorrência mundial, em que
as comunicações e as tecnologias unificam o mundo e abrem as portas
para uma reorganização econômica, política e cultural mundial, a pers-
pectiva da globalização está gerando muitos e diversos conceitos analíti-
cos: mundialização do valor, novo papel social do trabalho vivo e da ciên-
cia, terceirização, análises simbólicas, flexibilidade laboral, reestruturação
produtiva, desestatização e desnacionalização do Estado, nova exclusão
social, novo comunitarismo, partidos-movimentos, globalismo e
universalismo, homogeneização, localismo, particularismo, fragmentação,
masculinidade, países integrados, regiões inseridas, países e grupos sociais
excluídos, desemprego estrutural, dentre tantos outros que permeiam os
discursos acadêmicos e políticos e a própria mídia.
Todos são novos conceitos, plenos de conteúdos e ainda pouco tra-
balhados. Alguns deles, como, por exemplo, o papel do trabalho vivo na
produção e o papel da ciência, têm conseqüências fundamentais para a
compreensão da própria acumulação do capital e para a constituição das
classes sociais no século XXI.
A caracterização das mudanças tem que levar a uma nova produção
teórica, a outros horizontes e conceitos, a novas determinações e
indeterminações, outras contradições e relações e a novas explanações. A
questão não é somente usar “conceitos da moda” e utilizá-los na pesquisa,
mas, sim, estabelecer o vínculo do que é particular e concreto com os
processos gerais e os fenômenos abstratos.
259SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
É inegável que, atualmente, a teoria tem que lidar com o problema,
pois falar hoje de globalização, é uma referência obrigatória nas ciências
sociais dominantes:
O processo de globalização parece ser assunto obriga-
tório hoje em todo tipo de publicação ou debate. Por
mais que a palavra venha se desgastando, a realidade
socioeconômica e cultural deste processo não pode
ser eludida por cientistas sociais interessados em com-
preender tanto a natureza das novas formas de produ-
ção e consumo quanto as caraterísticas dos agentes
envolvidos (Editorial. Sociedade e Estado, vol. XI, n. 1,
janeiro-junho 1996. Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília, p. 5).
A imagem da globalização projetada pelos grandes meios de comu-
nicação de massas é um sonho romântico, que fala de uma modernização
radical das economias de todos os países, do acesso generalizado a novas
formas de produção, da capacidade que todo mundo tem de adquirir
novos objetos de consumo no mercado, da nova informação e
intercomunicação mundial. Nesta perspectiva global, os homens viram
universais na sua relação social, tudo “sob a sombra aconchegante dos
valores absolutos e eternos da liberdade de mercado e do Estado político,
democrático e liberal”.
Esta imagem intencionalmente trabalhada da globalização é a
unilateralização “boa” de um fenômeno que tem muitas contradições. De
fato, a crítica do fenômeno tem demonstrado que a globalização põe em
cima da mesa a dominação mundial de uma nova classe industrial e finan-
ceira, a exclusão social de amplos setores de pobres e desempregados, a
marginalização nacional da maioria dos países subdesenvolvidos, a subor-
dinação do mundo ao poder político, financeiro e militar dos Estados
Unidos, a extensão da irracionalidade na exploração da natureza pelos
interesses industriais e uma maior alienação dos homens ao consumo sun-
260 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
tuoso (Santos, Milton, 1993; Santos, 1995).
A globalização, do ponto de vista mais rigoroso, é uma nova forma
de organização da economia mundial. É a mundialização do capital:
Trata-se de um dado estágio de desenvolvimento do
capitalismo, que se caracteriza por um aprofundamento
da concentração do capital e de uma nova forma de
organização das empresas, pela financeirização e pela
fragmentação... é antes de tudo um processo que ocor-
re no plano da organização industrial, como resposta
defensiva das empresas multinacionais ao fim da onda
larga de expansão capitalista ocorrida no inicio dos
anos 70 (Rosa Ma. Marques, 1996).
A nova forma de produção e de gestão mundializada, a
internacionalização das relações de produção capitalistas, a expansão
mundial dos mercados, a reorganização administrativa global, a
reestruturação produtiva, a flexibilização laboral, o próprio predomínio
do capital industrial e financeiro não são somente questões técnico-eco-
nômicas: são uma nova capacidade de poder, de domínio, na relação do
capital em todos os âmbitos. Configuram um novo poder no mundo, con-
cêntrico em grandes oligopólios (Chesnais, 1994), embora tenham um alto
grau de fragmentação e concorrência entre eles. Em verdade, os oligopólios
desenvolvem sua hegemonia através dos Estados nacionais dos países in-
dustrialmente desenvolvidos, sedes desses oligopólios, e dos Estados nacio-
nais “reformados”, fragmentados e enfraquecidos dos países subdesenvol-
vidos e ainda, por meio dos organismos financeiros transnacionais.
A forte influência da economia e da política na vida social, não signi-
fica que o fenômeno da globalização fique reduzido à economia e à polí-
tica. No âmbito sociocultural e das comunicações, a globalização tem uma
dinâmica própria que acompanha e reproduz o fenômeno de uma forma
geral. A cultura tem suas próprias dinâmicas, que, uma vez iniciadas, po-
dem conduzir para rotas singulares inimagináveis, influindo na própria re-
261SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
produção política e econômico-social. Assim também no âmbito da cultura,
é necessário um enfoque complexo da globalização, que inclui o local como
espaço de redefinição da tendência homogeneizante:
O que parece claro, é que não se trata de considerar o
global e o local como dicotomia separada no espaço
ou no tempo, e sim que os processos de globalização e
localização são indissociáveis na fase atual
(Featherstone, 1996, p. 11).
Cabe então uma questão chave: como fica a América Latina ante os
processos de globalização, de mundialização do capital? A América Latina
encontrou-se com a globalização através das políticas neoliberais de ajus-
te e reforma do Estado, determinadas pelos Estados Unidos, Alemanha e
Japão, e via a pressão econômica e ideológica das instituições econômico-
financeiras multinacionais Banco Mundial, Fundo Monetário Internacio-
nal, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Concretamente isso se
vem dando através do ingresso intensivo dos investimentos externos dire-
tos e das corporações transnacionais, com a devida concordância e cum-
plicidade das novas elites econômicas e políticas latino-americanas.
A mundialização do capital revestiu-se de neoliberalismo, constitu-
indo a ideologia da globalização. Isso gerou, nos movimentos populares,
uma visão unilateral de rejeição, voltando-se, muitos destes, para projetos
estatistas nacionalistas do passado (neovarguismo, neocardenismo,
neoperonismo), que não são alternativas reais ao novo fenômeno, porque
o capitalismo atual não pode dinamizar-se através apenas de mercados e
Estados nacionais.
Hoje sabemos que o neoliberalismo é o caminho antipopular e auto-
ritário da mundialização, um caminho que lembra muito as velhas revolu-
ções cupulares realizadas pelas elites burocráticas, consolidadas no aparato
estatal. Elas usam o Estado para destruir o poder econômico e político de
uma fração capitalista já superada pelas novas relações mundiais do capital,
262 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
impondo então, uma nova dominação burocrática e transnacionalizada, que
exclui a presença e a participação de grandes massas populares.
Mas a mundialização é um fenômeno que, teoricamente, pode de-
senvolver-se por outras vias, inclusive até progressistas, com a participação
dos trabalhadores. Já temos algumas experiências que mostram que as
possibilidades existem e que poderiam ser reais com outras correlações de
forças. Uma delas é o acordo das montadoras entre trabalhadores e em-
presas transnacionais de automóveis no Brasil, em 1993 (Oliveira, 1993),
quando o sindicato participou da reestruturação produtiva, melhorando a
produção, mantendo o emprego e aumentando salários. Este exemplo
ainda é excepcional num mundo em que a inserção dos países da Améri-
ca Latina na mundialização se faz a partir da quebra dos direitos dos traba-
lhadores, da super-exploração da mão-de-obra e dos subsídios estatais. O
posicionamento capitalista dos Estados, via sua transformação em Estados
nacionais de competição (Hirsch, 1996) na América Latina, não tem leva-
do a um verdadeiro posicionamente, mas à sua subordinação servil aos
grupos financeiros. Na América Latina, os Estados são intermediaristas,
ajustadores, de gerenciamento do capital financeiro.
Na América Latina, o Estado nacional vem sendo reformado para se
adaptar à mundialização do capital. São as chamadas reformas do Estado,
definidas na agenda estratégica do “Consenso de Washington”, as quais
viabilizam a inserção subordinada e fragmentada dos países. Numa outra
perspectiva de inserção na mundialização, o Estado nacional precisa ser
reformado, integrando a sociedade. Assim, a reforma do Estado teria que
ser sobretudo política, para que o novo Estado e as economias regionais
pudessem inserir-se como totalidade e não em pólos particulares. Em
termos concretos, tal reforma teria que conceber a mundialização como a
grande oportunidade para desenvolver um novo projeto de desenvolvimen-
to nacional e popular para modernizar as pequenas e médias indústrias,
para transformar o campo, para resolver os problemas de saúde, educação,
263SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
emprego. Enfim, para incorporar a sociedade num grande plano de desen-
volvimento em que os trabalhadores ocupem de novo espaços próprios de
poder autônomo.
A reforma do Estado feita não tem a ver com as verdadeiras necessi-
dades dos países da América Latina; foi, simplesmente, a reestruturação
da burocracia, a privatização e a inserção subordinadas ao poder do gran-
de capital financeiro e industrial transnacional.
5. Por uma nova democracia: sem exclusões, nem excluídos
Depois de duas décadas, pode-se constatar que o retorno à demo-
cracia em grande parte dos países latino-americanos tem significado afir-
mar o Estado neoliberal transnacionalizado, acompanhado de processos e
práticas da democracia política. Tem havido, certamente, um desenvolvi-
mento do jogo político aberto, da representatividade e da cultura política
cidadãs, junto a um agravamento da pobreza, do desemprego e da exclu-
são sociais.
Este fenômeno tem levado uma parte da intelectualidade a desilu-
dir-se com o desenvolvimento democrático, o que coloca em discussão a
questão da legitimidade de um Estado que se orienta pela governabilidade,
mas não resolve problemas sociais urgentes. Em geral, o que prevalece são
as políticas neoliberais do Consenso de Washington. Nessas políticas, o
principal tem sido a transferência de recursos do Estado para o capital
privado, com a idéia de apoiar a formação de supostos novos empresários,
capazes de reconstruir o capitalismo para participar na globalização. Três
mecanismos têm sido os principais na agilização dessas políticas: o ingresso
dos investimentos estrangeiros diretos; a privatização das empresas estatais
e o apoio a um acelerado processo de concentração e centralização de
264 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
capital transnacionalizado (Fiori, 1997).
São poucos os casos latino-americanos em que a cidadania está real-
mente vinculada ao enfrentamento da questão social. Os Estados têm re-
duzido as suas políticas públicas, privilegiando o pagamento dos serviços
das dívidas externa e interna. O orçamento dedicado às políticas sociais
representa um percentual muito baixo do gasto público.
O que é então a democracia nas nossas sociedades latino-america-
nas, especialmente hoje que está representada como o objetivo máximo a
obter? O que significa a existência de um povo nacional, cujas maiorias
vivem na exclusão social e na marginalidade, embora façam parte do de-
senvolvimento da democracia?
Para refletir sobre estas questões, convém demarcar duas considera-
ções: primeiro, a democracia não resolve, por si mesma, a questão social.
A democracia faz parte do âmbito do político, da organização do poder,
do Estado político na forma republicana, baseando-se na separação entre
a esfera do político e a esfera do social. Os assuntos relacionados à condi-
ção social – o trabalho, o emprego, o salário, a moradia – na visão formal
e estreita do Estado político, fazem parte do privado social.4
Nesta perspectiva analítica, os ideólogos do Estado liberal, fundados
na teoria da separação entre o âmbito político e o âmbito privado, afir-
mam ter colocado as coisas em seu devido lugar. Assim, a democracia no
âmbito liberal, assume uma dimensão restrita, efetivando-se sem colocar
em pauta os reais interesses públicos, configurados nas questões decor-
rentes do próprio movimento do capitalismo contemporâneo: concentra-
ção de renda, desemprego massivo, precarização das relações de traba-
lho, exclusão social, entre outras.
4 Constitui exceção uma forma específica de Estado funcional a um determinado momento de acumulação do capital – o
chamado Estado de Bem-Estar – no qual se tem uma intervenção efetiva na questão social.
265SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
Para salvaguardar os seus interesses ante o desenvolvimento demo-
crático, o bloco de poder dominante, composto pelas elites econômicas e
políticas do capitalismo transnacionalizante, tem optado por sacralizar a
relativa separação entre o âmbito político-parlamentar e o âmbito do Po-
der Executivo no tocante à política econômica nacional e local. Nas ins-
tâncias legislativas, não se discute seriamente os problemas referentes à
política econômica, nem aqueles que têm a ver com o uso do orçamento
do Poder Executivo. Tem-se utilizado a separação entre o Poder Legislativo
e o Poder Executivo para diminuir os espaços públicos e cooptar os parti-
dos e os parlamentares, alem de excluí-los de determinados assuntos pú-
blicos de importância fundamental. Isso tem definido, ainda mais, a ten-
dência moderna de que o poder real (quem tem nas mãos as decisões)
fique concentrado no Executivo, deixando para os poderes Legislativo e
Judiciário tarefas secundárias de fiscalização.
Em princípio, a democracia como forma política de constituição do
poder público, constitui um espaço aberto para que a luta social defina a
orientação do poder. No entanto, no cenário latino-americano contempo-
râneo, a expressão pública da hegemonia capitalista, a nova tecnocracia
moderna especializada, quase sempre controla a vida política, tanto den-
tro como fora das próprias instituições. Quem ganha na democracia é
quem tem os aparelhos de poder, quem tem o domínio do conhecimento
especializado nas mãos. Neste contexto, a conquista da democracia repu-
blicana não exime os trabalhadores de construírem uma hegemonia pró-
pria, hegemonia que implica uma outra visão de mundo e construção de
políticas distintas para o enfrentamento da questão social. Mas a consecu-
ção da democracia, o desenvolvimento da cidadania política, a existência
de plenos direitos políticos não significam necessariamente o triunfo de
uma cultura política dos trabalhadores nem a sua real participação nos
assuntos do Estado. Pode significar o êxito de uma visão empresarial priva-
da nos assuntos sociais. Por isso, a democracia não pode ser somente um
266 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
objetivo. Tem também que ser o espaço em que se confrontam opções
hegemônicas diversas, no qual os trabalhadores desenvolvam seu próprio
perfil de políticas nacionais, estaduais e locais.
O Estado nacional tende à obsolescência? Hoje o fim do Estado Na-
ção é um argumento muito corrente em nossos tempos e está carregado
de reducionismo econômico e de ideologia. A globalização do capital, dos
mercados, da produção econômica mundial, está realmente transgredin-
do os limites estatais e nacionais. Porém, concomitantemente a estes pro-
cessos econômicos, somente na Europa Ocidental existe um processo
político de criação democrática com tendência a um Estado regional, a
União Européia.
Na América, não existe nada similar, e falar da obsolescência do Es-
tado-Nação só serve para legitimar as políticas de um proto-Estado ameri-
cano regional (isto é, um Estado autoritário em processo), constituído pelo
governo dos Estados Unidos, por organismos empresariais transnacionais
– como o Conselho das Américas – e por organismos financeiros
multinacionais – o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Esse proto-Estado transnacional norte-americano não expressa a constru-
ção democrática de um Estado político regional que substitua o Estado-
Nação na América Latina, e, sim, revela a imposição autoritária de uma
política econômica em benefício do grande capital transnacional norte-
americano. Em vista disso, o Estado-Nação latino-americano – como ex-
pressão da vontade de soberania política e nacional dos povos – segue
vigente, como o faz há duzentos anos, apesar das tendências contemporâ-
neas da mundialização do capital.
Hoje a nação precisa ser uma formação social aberta, em movimen-
to e reorganização, na qual seus membros tenham outros direitos além da
cidadania política. Esta “nação popular” será uma resultante da luta pelo
aprofundamento da democracia, buscando obter espaço para grandes mu-
danças. Em verdade, é a busca de um espaço político no qual possam surgir
267SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
e se desenvolver forças sociais, políticas e culturais nacionais com capaci-
dade para o confronto com a atual hegemonia capitalista autoritária. A nova
sociedade civil terá que reconhecer as suas diversas fisionomias e entender
a necessidade de organização e luta para se manter viva. Sem dúvida, a
internacionalização do capital e dos mercados aponta a tendência de que a
Nação fique somente como uma mensagem cultural prescindível, como
um “folclore de fim-de-semana”, embora as novas conceituações sobre o
nacional permitam associar a Nação com a expressão plena do particular
em termos universais.
Para que os conceitos políticos e sociais não sejam utilizados em um
sentido empirista ou imediatista e para aprofundar o horizonte de conhe-
cimentos e o processo histórico pertinente, temos que encontrar o univer-
so de referência. Podemos tentar entender isso melhor com a análise de
uma das questões mais vitais da polêmica sociológica e da luta política
hoje em dia: uma democracia sem exclusões e sem excluídos.
Depois do retorno democrático no sul da América Latina, do triunfo
do neoliberalismo, da reforma dos Estados e da queda do socialismo real
autoritário, ficou o caminho aberto para a construção de um consenso de
que o melhor sistema de poder, no mundo moderno, são as repúblicas ou
as monarquias constitucionais democráticas. A democracia é, hoje, a for-
ma política com maior legitimação. À procura da governabilidade, perio-
dicamente se prometem avanços substanciais pela via que conduz a uma
maior democracia no futuro. Daí, que a grande tarefa dos nossos dias seja
a consolidação e o aprimoramento da democracia. Mas qual democracia
tem que se consolidar e aprimorar? Para que serve a democracia do ponto
de vista dos interesses das grandes maiorias, dos excluídos?
Hoje é consensual que a democracia é um conjunto de determina-
das regras do jogo político institucional para “uma boa sociedade”:
268 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
...um conjunto de regras ‘certas’ do jogo que permita
institucionalizar e provisoriamente resolver os antago-
nismo sociais e chegar a resultados ‘incertos’, isto é,
nem sempre necessariamente favoráveis aos interesses
das classes dominantes; por outro, a democracia tam-
bém contem uma definição da ‘boa sociedade’ (Borón,
1994, p. 13).
Na América Latina, o retorno à democracia gerou um sentido de
liberdade política, de participação e vivência de direitos de cidadania,
que a região não tinha conhecido nunca, embora a situação social do
povo não tenha efetivamente mudado:
...os alentadores avanços políticos registrados nos anos
80 foram acompanhados por uma marcada piora das
condições de vida das grandes maiorias nacionais, o
que só pode colocar sombras sobre o futuro da demo-
cracia nos nossos países (Borón, 1994, p. 12).
Mas, a final o que é a democracia numa sociedade com claros pro-
cessos de exclusão social? Por que os desempregados, os excluídos, os
empobrecidos pelo neoliberalismo, os miseráveis, os cada vez mais nu-
merosos “sem”, não fazem uso da democracia para, pelo menos, modifi-
car em algo a sua situação, que parece apresentar-se sem saídas? Ou,
ainda pior, fazem uso da democracia e parece que nada dá certo.
Mesmo trabalhando com uma concepção ampla de democracia po-
lítica, a exigência em aprofundar o conteúdo teórico do conceito é uma
necessidade. Para isso, é necessário ir além dos diferentes “temas” da ciên-
cia política, relativos à democracia: Estado, soberania popular, representa-
ção política, divisão de poderes, Estado de Direito, liberdades sociais e
individuais, igualdade. É necessário, mesmo, determinar também qual é a
concepção de sociedade e de Estado que se tem no universo intelectual e
social do pesquisador (Borón, 1994) e dos problemas que se deseja anali-
sar ou resolver. Só assim, poderemos estabelecer a relação com o fenôme-
no de exclusão social nos termos contemporâneos.
269SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
Democracia política pode ter um significado diferente, segundo a nossa
compreensão da sociedade e do Estado. Se entendemos, como os liberais,
que a sociedade é um conjunto de forças sociais, com igual capacidade de
podereinfluêncianoEstado,capacidadederivadadasuasituação concorrencial
no mercado – o problema da democracia política fica reduzido a instituir,
manter e consolidar as instituições políticas representativas, baseadas no su-
frágio universal, e as regras certas do jogo político. Em síntese, o jogo demo-
crático fica reduzido à luta pela influência e poder entre grupos sociais com
interesses distintos e com igual capacidade de conformar maiorias. O Esta-
do somente garante o jogo limpo e o império do direito. E até pode ser um
ator a mais entre a multiplicidade de atores que participam no sistema
político, sem, com isso, alterar a real concorrência política. De fato, esta é
a noção predominante de democracia no Ocidente. E, nesta perspectiva,
tudo depende da conformação “livre” de maiorias e minorias em cada uma
das questões substanciais. As sociedades latino-americanas já teriam alcan-
çado o objetivo democrático, sem resolver, porém, a exclusão social, mes-
mo que esta tenha uma história longa nos modelos oligárquicos excludentes
do passado e que, hoje, na mundialização de capital, aparece com um
caráter estrutural.
O conceito de democracia pode ter outro significado, e os proble-
mas, uma outra dimensão, se entendemos a sociedade em sua natureza
capitalista, cuja relação de domínio de classes é determinada pela explo-
ração, acumulação e subordinação, ainda que apareça fantasiada de igual-
dade política pelas relações de mercado (fetichismo das mercadorias, Marx,
O Capital, Tomo I, vol. I). Nessas sociedades, o Estado tem formas históri-
cas particulares de representação do interesse coletivo, de uma instituição
legítima, mas também constitui um órgão de poder centralizador, mono-
pólio da força e do direito, mantenedor das relações contratuais de mer-
cado, com um peso decisivo na acumulação. E, assim, a burocracia que o
270 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
conduz não é somente um ator político a mais, mas, sim, a elite condutora
que expressa um projeto de sociedade que reproduz uma determinada
dominação social. Na maioria das vezes, as mediações políticas giram ou
estão centradas no Estado. E mais: o Estado ainda garante e reproduz, no
âmbito geral, o domínio da classe capitalista (em nossos dias, da classe
capitalista transnacionalizada).
Nesta perspectiva analítica, a democracia política latino-americana
não é ainda um espaço de expressão do público, de verdadeira participa-
ção política dos segmentos excluídos e, sim, é uma forma da dominação
política da nova burguesia transnacionalizada e de governabilidade de um
Estado quase mundializado, Estado este sem plena soberania política, sem
total soberania nacional e sem uma política de desenvolvimento social.
Isto não impede que essa democracia seja também uma forma de luta
contra essa dominação política capitalista, um terreno fundamental de
organização, desenvolvimento e preparação política das maiorias, de cons-
trução potencial de uma nova hegemonia popular, seja através de refor-
mas radicais ou de transformações diversas, para mudar a correlação de
forças e a organização produtiva da sociedade e até para propor uma
civilização democrática pluralista baseada em novas formas produtivas e
econômicas humanistas. Nesta concepção, a democracia existente tam-
bém é uma via dos excluídos para lutar contra a exclusão social, é um
canal dos movimentos sociais para coincidir com partidos políticos críticos
da mundialização atual.
Concluímos, com isso, que, para discutir a questão da democracia,
hoje, na região da América Latina, ou num dos seus países, temos que
desenvolver uma compreensão teórica do problema, como ponto de par-
tida para que a discussão possa aprofundar-se no rumo de corretos resul-
271SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
tados.
Possivelmente, numa discussão política ou num debate popular, não
seja importante um aprofundamento das bases teóricas dos conceitos, mas,
no âmbito acadêmico, isso é condição fundamental para uma nova produ-
ção de conhecimento. Este é mais um dos múltiplos desafios considerados
aqui para uma nova sociologia da América Latina.
Referências
BAGÚ, Sergio. Vivir la realidad y teorizar en Ciências Sociales. Estudios Latino-
americanos, México, CELA-FCPyS, UNAM, Nueva época, n. 4, julio-diciembre.
1995.
BORÓN, Atilio A. Estadolatria e teorias ‘estadocêntricas’ (notas sobre algumas aná-
lises do Estado no capitalismo contemporâneo).In: Estado, Capitalismo e Demo-
cracia na América Latina. Trad. Emir Sader. Rio de Janeiro: Ed. Paz e terra, 1994.
COMISSÃO Gulbenkian para a Reestruturação das Ciências Sociais. Para abrir as
Ciências Sociais. São Paulo: Cortez Editora, agosto de 1996.
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xama Ed.,1996.
DOGAN, Mattei. Fragmentação das ciências sociais e recombinação de especiali-
dades em torno da sociologia. Sociedade e Estado, Brasília, vol. XI, n. I, janeiro-
junho. 1996.
FIORI, José Luís. Ajuste, transição e governabilidade: o enigma brasileiro. In: FIORI,
José Luís e TAVARES, Maria da Conceição. Desajuste global e modernização
conservadora. São Paulo: Paz e terra, 1994.
FIORI, José Luís. Dança das cadeiras. Revista Carta Capital, 20 de agosto. 1997.
GIROLA, Lídia. 8. Tradiçiones, comunidades disciplinarias y cambios conceptuales.
Un brevisimo intento de definición. In: OLIVER COSTILLA, Lúcio (Coord). Balan-
ce y perspectivas del pensamiento latino-americano. Cidade do México:
Asociación Latinoamericana de Sociología-UNAM-Universidad de Colima, 1996.
p. 111.
272 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
HOBSBAWM, Erich. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Pau-
lo: Companhia das letras, 1995.
MILLÁN, Márgara e MAURO MARINI, Ruy (org). La teoria social latinoamericana.
3 volumens. México: UNAM, 1995.
OLIVEIRA, Francisco de. Quanto melhor, melhor: O acordo das montadoras.
Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 36, julho. 1993.
OLIVEIRA, Francisco de. Quem tem medo da governabilidade?. Novos Estúdios,
São Paulo, Cebrap, n. 41, março. 1995.
OLIVER COSTILLA, Lúcio (Coord). Balance y perspectivas del pensamiento lati-
no-americano. México: Asociación Latinoamericana de Sociología-UNAM-
Universidad de Colima, 1996.
OLIVER COSTILLA, Lúcio. A globalização e a nova crítica do Estado latino-ame-
ricano. Ponencia apresentada ao VIII Encontro Norte/Nordeste de Ciências Soci-
ais. Fortaleza, Ceará, 10-13 de junho de 1997.
SADER, Emir (org). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democráti-
co. São Paulo: Paz e terra, 1995.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Textos sobre democracia, socialismo, esquerda.
Dialética, México, Ed. Universidad Autônoma de Puebla, n. 21 a 26. 1992-1996.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A construção multicultural da igualdade e da
diferença. Mimeo da palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia,
Rio de Janeiro, setembro de 1995.
SOSA ELÍZAGA, Raquel (Coord). América Latina y el Caribe: perspectivas de su
reconstrucción. México: Asociación Latinoamericana de Sociología, UNAM,
Coordinación de Humanidades, 1996.
TEIXEIRA, Francisco J.S., e OLIVEIRA, Manfredo Araújo de (org). Neoliberalismo E
Reestructuração Produtiva. São Paulo: Cortez; Fortaleza: UEC, 1996.
WALLERSTEIN, Immanuel. La reestructuración capitalista y el sistema mundo. In:
SOSA ELÍZAGA, Raquel (coord.). América Latina y el Caribe: perspectivas de su
reconstrucción. México: Asociación Latinoamericana de Sociología, UNAM,
Coordinación de Humanidades, 1996.
Recebido: 23/03/2005
Aceite final: 26/04/2005
273SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273
Resumo
O artigo analisa varias caraterísticas atuais das ciências sociais latino-ameri-
canas em paralelo ao desenvolvimento da América Latina nos últimos anos. O
ponto de partida é o sinal de que a combinação contraditória no continente lati-
no-americano entre uma intelectualidade que tem um elevado nível cultural e a
existência de movimentos sociais e políticos numa situação social explosiva, gera
amplas possibilidades para o desenvolvimento da sociologia. A crise das ciências
sociais acompanha estas mudanças significativas, na busca de novas perspectivas
analíticas capazes de explicar o ritmo de mudanças contemporâneas.
A rigor, no artigo, tenta-se demonstrar que o que a sociologia latino-ameri-
cana tem como novo é um regresso ao pensamento crítico que a caracterizou no
passado. Uma das mais importantes heranças da história sociológica latino-ameri-
cana é o estudo e a classificação, desde uma perspectiva de totalidade, das estru-
turas sociais e dos processos sociopolíticos como fundamento para analisar o
posicionamento dos atores e a dinâmica das instituições sociais.
Assim, abre-se espaço para uma saudável tendência nas ciências sociais:
superar o empirismo, reencontrando-se com a teoria. Uma necessidade fundante,
hoje, para a América Latina é atualizar a sua procura de desenvolvimento: como
estar à altura do mundo, como universalizar-se para viver o momento histórico
atual com todas as potencialidades sociais possíveis, superando formas de produ-
ção e de vida atrasadas e caducas. E mais: como co-participar na crítica das novas
formas modernas e pós-modernas, vislumbrando novos modelos de civilização,
fazendo a crítica da democracia liberal e dos Estados nacionais de concorrência de
latino-americanos, e impulsionando a recuperacão do público democrático pe-
rante a tendência ao autoritarismo estatal.
Os aportes que a América Latina pode dar à crítica e à renovação da demo-
cracia política, à reforma da produção e da vida, ao humanismo e ao comunitarismo
radical renovado, têm que se encontrar com os velhos objetivos de libertação
nacional e social do mundo atual, adaptados às novas condições.
Palavras-chaves: América Latina, Sociología latino-americana, empirismo, teoria
social, civilização, crise política, democracia, exclusão, Estado neoliberal, socieda-
de civil, público estatal.
534 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jun/dez 2005, p. 530-540
Novelty in Latin American sociology
Lucio Oliver Costilla
The paper examines several current characteristics of social sciences in Latin
America, in parallel to the development of the subcontinent in recent years. The
starting point is the sign that the contradictory combination in Latin America of an
intellectuality that has a high cultural level and the existence of social and political
movements in an explosive social situation creates wide possibilities for the
development of sociology. The crisis of social sciences follows those significant
changes, seeking new analytical perspectives able to demonstrate the pace of
contemporary changes.
Strictly speaking, the article tries to demonstrate that what Latin American
sociology sees as novelty is a regression to the critical thinking that characterized it
in the past. One of the most important legacies of Latin American sociological
history is the study and classification, from a perspective of totality, of social structures
and sociopolitical processes as a basis to examine actors’ stances and the dynamics
of social institutions.
Therefore, there is room for a healthy trend in social sciences: overcoming
empiricism, regaining theory. A founding need for Latin America today is to update
its search for development: how is it possible to be up to the world, to universalize
in order to live a historical moment with all its social potential, overcoming
backwards and age-worn ways of production and life. And more: how to co-
participate in the criticism of new modern and postmodern ways, envisaging new
models of civilization, criticizing liberal democracy and Latin Americans’ national
States of competition, and encouraging the recovery of the democratic public in
face of the tendency to state authoritarianism.
The contributions that Latin America can give to the criticism and the renewal
of democratic politics, to the reform of production and life, and to humanism and
renewed radical communitarianism have to meet the old aims of national and
social liberation of today’s world, adjusted to the new conditions.
Key words: Latin America, Latin American sociology, empiricism, social theory,
civilization, political crisis, democracy, exclusion, neoliberal State, civil society,
State public.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Projeto societario contra hegemonico educacao do campo
Projeto societario contra hegemonico educacao do  campo Projeto societario contra hegemonico educacao do  campo
Projeto societario contra hegemonico educacao do campo pibidsociais
 
Os movimentos sociais como fonte de transformação na educação
Os movimentos sociais como fonte de transformação na educaçãoOs movimentos sociais como fonte de transformação na educação
Os movimentos sociais como fonte de transformação na educaçãoYvana Hafizza de Carvalho
 
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012Elisio Estanque
 
Ditadura e-servico-social 1
Ditadura e-servico-social 1Ditadura e-servico-social 1
Ditadura e-servico-social 1Rosile
 
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação  Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação Queite Lima
 
O desenvolvimento do serviço social
O desenvolvimento do serviço socialO desenvolvimento do serviço social
O desenvolvimento do serviço socialAmanda Leticia
 
Teoria geral do serviço social unip
Teoria geral do serviço social unipTeoria geral do serviço social unip
Teoria geral do serviço social unipArte de Lorena
 
A dimensão política do trabalho do assitente social
A dimensão política do trabalho do assitente socialA dimensão política do trabalho do assitente social
A dimensão política do trabalho do assitente socialAndré Santos Luigi
 
Movimentos Sociais e Serviço Social
Movimentos Sociais e Serviço SocialMovimentos Sociais e Serviço Social
Movimentos Sociais e Serviço SocialAndré Santos Luigi
 
Sociedade civil e movimentos sociais
Sociedade civil e movimentos sociaisSociedade civil e movimentos sociais
Sociedade civil e movimentos sociaisAndré Santos Luigi
 
Me e a revolução
Me e a revoluçãoMe e a revolução
Me e a revoluçãoAramys Reis
 
Conhecimentos específicos sociologia 1 fase
Conhecimentos específicos sociologia 1 faseConhecimentos específicos sociologia 1 fase
Conhecimentos específicos sociologia 1 fasepascoalnaib
 
Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unip
Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unipFundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unip
Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unipArte de Lorena
 
A natureza-do-servico-social
A natureza-do-servico-socialA natureza-do-servico-social
A natureza-do-servico-socialRosane Domingues
 
T6 desigualdades de classes 2010
T6 desigualdades de classes 2010T6 desigualdades de classes 2010
T6 desigualdades de classes 2010Elisio Estanque
 

Mais procurados (17)

Projeto societario contra hegemonico educacao do campo
Projeto societario contra hegemonico educacao do  campo Projeto societario contra hegemonico educacao do  campo
Projeto societario contra hegemonico educacao do campo
 
Os movimentos sociais como fonte de transformação na educação
Os movimentos sociais como fonte de transformação na educaçãoOs movimentos sociais como fonte de transformação na educação
Os movimentos sociais como fonte de transformação na educação
 
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
 
Ditadura e-servico-social 1
Ditadura e-servico-social 1Ditadura e-servico-social 1
Ditadura e-servico-social 1
 
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação  Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
 
O desenvolvimento do serviço social
O desenvolvimento do serviço socialO desenvolvimento do serviço social
O desenvolvimento do serviço social
 
Teoria geral do serviço social unip
Teoria geral do serviço social unipTeoria geral do serviço social unip
Teoria geral do serviço social unip
 
A dimensão política do trabalho do assitente social
A dimensão política do trabalho do assitente socialA dimensão política do trabalho do assitente social
A dimensão política do trabalho do assitente social
 
Movimentos Sociais e Serviço Social
Movimentos Sociais e Serviço SocialMovimentos Sociais e Serviço Social
Movimentos Sociais e Serviço Social
 
Sociedade civil e movimentos sociais
Sociedade civil e movimentos sociaisSociedade civil e movimentos sociais
Sociedade civil e movimentos sociais
 
Me e a revolução
Me e a revoluçãoMe e a revolução
Me e a revolução
 
Conhecimentos específicos sociologia 1 fase
Conhecimentos específicos sociologia 1 faseConhecimentos específicos sociologia 1 fase
Conhecimentos específicos sociologia 1 fase
 
Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unip
Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unipFundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unip
Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço social unip
 
A natureza-do-servico-social
A natureza-do-servico-socialA natureza-do-servico-social
A natureza-do-servico-social
 
T6 desigualdades de classes 2010
T6 desigualdades de classes 2010T6 desigualdades de classes 2010
T6 desigualdades de classes 2010
 
Texto2 1
Texto2 1Texto2 1
Texto2 1
 
Neotomismo e serviço social
Neotomismo e serviço socialNeotomismo e serviço social
Neotomismo e serviço social
 

Semelhante a A especificidade sociocultural da América Latina e os desafios da sociologia

Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação Queite Lima
 
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012Elisio Estanque
 
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...Lívia Willborn
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisElisio Estanque
 
Rccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_ee
Rccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_eeRccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_ee
Rccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_eeElisio Estanque
 
Draibe estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadania
Draibe  estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadaniaDraibe  estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadania
Draibe estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadaniaAngelo Pereira
 
Nova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohn
Nova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohnNova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohn
Nova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohnRosane Domingues
 
CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...
CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...
CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...Jeferson Alexandre Miranda
 
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-statusMarshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-statusAleSantos24
 
Produção do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiro
Produção do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiroProdução do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiro
Produção do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiroAmanda Leticia
 
O QUE É SOCIOLOGIA?
O QUE É SOCIOLOGIA?O QUE É SOCIOLOGIA?
O QUE É SOCIOLOGIA?guest6a86aa
 
Apostila políticas básicas da educação habilitação senador pompeu - pdf
Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdfApostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf
Apostila políticas básicas da educação habilitação senador pompeu - pdfProf. Antônio Martins de Almeida Filho
 
Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.
 Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.  Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.
Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social. Rose Rocha
 
Althusser resenha
Althusser   resenhaAlthusser   resenha
Althusser resenhaEsser99
 
TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS
TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS  TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS
TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS Coordenacaofund
 
229094384.gohn teoria dos movimientos sociais
229094384.gohn   teoria dos movimientos sociais229094384.gohn   teoria dos movimientos sociais
229094384.gohn teoria dos movimientos sociaisAlessandro Aoki
 
Sociologia e engajamento, crh 2009
Sociologia e engajamento, crh 2009Sociologia e engajamento, crh 2009
Sociologia e engajamento, crh 2009Elisio Estanque
 

Semelhante a A especificidade sociocultural da América Latina e os desafios da sociologia (20)

Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
Gohn, maria da. glória. movimentos sociais e educação
 
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012Mov sociais  a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
Mov sociais a nova rebelião da classe media eesne_sup2012
 
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (boaventura de sou...
 
Revista em aberto
Revista em abertoRevista em aberto
Revista em aberto
 
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociaisRebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
Rebeliao de classe media_precariedade de movimentos sociais
 
Rccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_ee
Rccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_eeRccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_ee
Rccs 103 rebeliao de classe media_pp53-80_ee
 
Draibe estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadania
Draibe  estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadaniaDraibe  estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadania
Draibe estado de bem estar desenvolvimento economico e cidadania
 
Nova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohn
Nova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohnNova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohn
Nova teoria-dos-movimentos-sociais---maria-da-gloria-gohn
 
CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...
CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...
CEPÊDA_TRAJETÓRIAS DO CORPORATIVISMO NO BRASIL - Teoria social, problemas eco...
 
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-statusMarshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
Marshall, t. h. cidadania classe-social-e-status
 
Produção do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiro
Produção do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiroProdução do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiro
Produção do conhecimento científico, pesquisa e o Serviço Social brasileiro
 
O QUE É SOCIOLOGIA?
O QUE É SOCIOLOGIA?O QUE É SOCIOLOGIA?
O QUE É SOCIOLOGIA?
 
Apostila políticas básicas da educação habilitação senador pompeu - pdf
Apostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdfApostila políticas básicas da educação   habilitação senador pompeu - pdf
Apostila políticas básicas da educação habilitação senador pompeu - pdf
 
Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.
 Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.  Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.
Enfoque das políticas sociais e do desenvolvimento do serviço social.
 
Aula de psicologia
Aula de psicologiaAula de psicologia
Aula de psicologia
 
Althusser resenha
Althusser   resenhaAlthusser   resenha
Althusser resenha
 
TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS
TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS  TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS
TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS
 
229094384.gohn teoria dos movimientos sociais
229094384.gohn   teoria dos movimientos sociais229094384.gohn   teoria dos movimientos sociais
229094384.gohn teoria dos movimientos sociais
 
Teorias do curriculo
Teorias do curriculoTeorias do curriculo
Teorias do curriculo
 
Sociologia e engajamento, crh 2009
Sociologia e engajamento, crh 2009Sociologia e engajamento, crh 2009
Sociologia e engajamento, crh 2009
 

Mais de Aline Mirella Fernandes (7)

Sociologia 9
Sociologia 9Sociologia 9
Sociologia 9
 
Sociologia 7
Sociologia 7Sociologia 7
Sociologia 7
 
Sociologia 6
Sociologia 6Sociologia 6
Sociologia 6
 
Sociologia 5
Sociologia 5Sociologia 5
Sociologia 5
 
Sociologia 4
Sociologia 4Sociologia 4
Sociologia 4
 
Sociologia 2
Sociologia 2Sociologia 2
Sociologia 2
 
Sociologia 1
Sociologia 1Sociologia 1
Sociologia 1
 

Último

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEMPRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEMHELENO FAVACHO
 
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptxSlides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptxMauricioOliveira258223
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.Mary Alvarenga
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesFabianeMartins35
 
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxJOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxTainTorres4
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfprofesfrancleite
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfCamillaBrito19
 
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdfLeloIurk1
 
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamentalAntônia marta Silvestre da Silva
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfmaurocesarpaesalmeid
 
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médioapostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médiorosenilrucks
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxferreirapriscilla84
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorINTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorEdvanirCosta
 

Último (20)

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEMPRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS GESTÃO DA APRENDIZAGEM
 
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptxSlides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptx
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
 
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxJOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
 
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
 
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
 
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIXAula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
 
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médioapostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorINTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
 

A especificidade sociocultural da América Latina e os desafios da sociologia

  • 1. 244 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 DOSSIÊ A O novo na sociologia latino-americana 1. A especificidade sociocultural atual da América Latina LUCIO OLIVER COSTILLA * mérica Latina é uma região que tem uma especificidade significativa no mundo atual. Ela tem uma população tra- balhadora com efetiva atividade política e uma intelectualidade desenvolvida política e culturalmente que apresenta uma grande contradição com o seu perfil de subcontinente subdesenvolvido entregue ao capitalismo transnacional. A região hoje vivencia múltiplos problemas e dificuldades, submersa na es- tagnação de sua economia, na exclusão social crescente e no enfraqueci- mento de seus Estados. A combinação contraditória no continente latino-americano entre uma intelectualidade que tem um elevado nível e a existência de movi- mentos sociais e políticos que atuam numa situação social explosiva, gera amplas possibilidades para o desenvolvimento da sociologia. A sociologia latino-americana, como todas as ciências sociais, tem sido afetada pelas novas situações e fenômenos de fim de século: a revo- lução técnico-científica no âmbito de capitalismo industrial, a queda do socialismo estatal, os processos de mundialização do capital, a revalorização * Doutor em Sociologia pela Universidade Nacional Autónoma do México. Professor titular do Centro de Estudos Latino- americanos, Faculdade de Ciências Políticas e Sociais, Universidade Nacional Autónoma do México.
  • 2. 245SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 das comunidades locais e dos grupos étnicos, o papel determinante do indivíduo e suas necessidades. Nesta medida, a crise das ciências sociais acompanha essas mudanças significativas, na busca de novas perspectivas analíticas capazes de explicar o ritmo de mudanças contemporâneas. Dois Congressos da Associação Latino-americana de Sociologia -ALAS-,os realizados na Cidade do México, em 1995, e em São Paulo, em 1997, mostraram uma recuperação da teoria e da crítica no trabalho dos sociólo- gos, ante a crise das ciências sociais e o empirismo neoliberal. E mais, uma revisão das discussões de eventos acadêmicos significativos no Brasil mos- tram esta tendência revitalizadora: os trabalhos das comissões da ANPOCS, em função do encontro de 1996; os grupos de trabalho no Encontro de Ciências Sociais Norte/Nordeste, em Fortaleza, Ceará, 1997; os grupos de trabalho no VIII Congresso da Associação Brasileira de Sociologia, em Brasília, em 1997, o XIII Congresso em Campinas, em 2003. A rigor, como novidade neste início de milênio, a Sociologia da Amé- rica Latina apresenta uma acumulação de conhecimentos particulares nos mais variados âmbitos da vida social, o que se pode ver facilmente na diversidade de temáticas e grupos de trabalho nos referidos encontros. Muitas temáticas novas ficam, naturalmente, na ordem do dia para a sociolo- gia: o papel das etnias, dos movimentos regionais, das lutas pelo aprofundamento da cidadania; a reconstituição dos pactos constitutivos do Estado e das nações; o papel desorganizador do narcotráfico; o neo- autoritarismo no âmbito de processos democráticos; a exclusão social es- trutural com o desemprego crescente; a corrupção; as crises dos sistemas políticos; a queda das utopias; os fundamentalismos; a democracia participativa nos municípios; os fenômenos associados a uma busca de qualidade de vida. Em verdade, o que a sociologia latino-americana tem como novo é um regresso ao pensamento crítico que a caracterizou no passado recente e uma emergente tendência em estabelecer a devida relação dos estudos
  • 3. 246 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 particulares com a dinâmica da totalidade social. Pelas particularidades da América Latina, a sociologia pode ir mais longe. Para isso, precisa aprofundar sua reflexão sobre as diferentes questões que se apresentam como objeto de estudo. A importante recuperação da crítica no pensamento social latino- americano1 delimita, antes de tudo, uma postura política de contestação dos sociólogos, a exigir um avanço similar na elaboração da teoria social. De fato, a postura contestatória não implica, por si só, um desenvolvimen- to na reflexão e na análise dos problemas. Exige um esforço efetivo de elaboração e produção. A questão do avanço teórico não pode associar-se, de novo, à tenta- tiva de voltar a propor o domínio de uma teoria mais científica que as outras. A história dos dois últimos séculos demonstrou que, nas ciências sociais, é impossível a dominação absoluta de uma teoria ou de um paradigma único: Dentro de uma disciplina formal, muitas grandes teo- rias podem co-habitar, mas existe um paradigma ape- nas quando uma teoria comprovável domina, sozinha, todas as outras teorias e é aceita pela comunidade cientifica como um todo. Nas ciências sociais, porém, tem-se, na melhor das hipóteses, uma confrontação entre diversas teorias não comprováveis. Na maior parte das vezes, não há nem mesmo uma confrontação, mas, sim, uma cuidadosa recusa recíproca, uma desatenção de todos os lados, o que é relativamente fácil, devido ao tamanho das comunidades científicas, divididas em escolas. Isso é verdadeiro para todos os países, gran- des ou pequenos (Mattei Dogan, 1966). 1 Postura crítica evidente, em particular nos destaques que a maioria dos pesquisadores fez das inquietudes sociais importantes na região, nos temas colocados para a reflexão, e nos problemas particulares priorizados para estudar nos anos que vêm. O XX Congresso da ALAS foi realizado no México em outubro de 1995. Oliver Costilla, 1996; Sosa Elízaga, 1996.
  • 4. 247SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 O que poderia ser, então, um avanço da teoria social no pensamento crítico da América Latina? Quais poderiam ser as suas linhas de aborda- gem? Mencionei em trabalho anterior (Oliver Costilla, 1996) que um pri- meiro grande desafio da produção teórica caminha pela superação do imediatismo nas ciências sociais. Agora, desejo colocar mais outros ele- mentos. 2. A luta contra o empirismo Uma das manifestações do empirismo na sociologia foi o apareci- mento mundial de uma multiplicidade de abordagens e temáticas especializadas de estudo social auto-referido, sem nenhuma relação com a totalidade social e com a sua dinâmica: De 1970 em diante, o crescimento começou a ocorrer junto com um processo de fragmentação, com o resul- tado de ser a sociologia, hoje, nas democracias desen- volvidas, uma disciplina heterogênea e centrífuga. De- pendendo da maneira como ela é definida, pode-se falar de 35 a 40 sociologias setoriais, indo em todas as direções: para a história, a economia, a política, o di- reito, a vida social, a indústria e a religião. Não há atividade social que não tenha seu sociólogo oficial, como a sociologia da educação, da família, da criminalidade, das comunicações, do lazer, da terceira idade, da medicina, das organizações – a lista é longa (Mattei Dogan, 1996, p. 105). A construção de um horizonte explicativo para os problemas e fenô- menos captando a sua dinâmica essencial e construindo categorias e rela- ções explicativas deveria constituir parte obrigatória da nova reflexão social. A meu ver, o desenvolvimento desta reflexão exige o estabelecimento das
  • 5. 248 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 relações dos fenômenos particulares com a totalidade social, resgatando, de forma crítica e ampliada o legado crítico anterior. Em fim, constituição de um horizonte explicativo, resgate da dinâmica essencial, construção de categorias e relações, estabelecimento da vinculação com o todo, como uma tentativa para superar definitivamente o predomínio do empirismo na época da globalização (Bagú, 1996). Tal empirismo nada mais é que a adaptação pura e simples do pensamento ao capitalismo existente e do- minante globalmente. As inovações do pensamento social do último decênio, fortemente presentes nas pesquisas criativas da América Latina, colocam perspectivas muito atraentes para analisar aspectos da realidade, antes ignorados. O imaginário nas organizações sociais, as identidades como referência dos grupos sociais e dos indivíduos, os aspectos simbólicos do poder, a revalorização da experiência no comportamento dos indivíduos, o papel da linguagem e dos significados nas relações sociais. No entanto, todos estes novos enfoques de pesquisa, junto à rejeição dos “enfoques tradicio- nais” dos clássicos, têm levado muitos estudos a entender o mundo como uma realidade fragmentada. Nesta perspectiva, o mundo hoje se apresen- ta como uma entidade parcializada, na qual a economia não tem relação com a sociedade, nem esta com a política ou com a cultura, etc. A socie- dade, nestes enfoques, é inapreensivel como totalidade. A própria idéia de totalidade não tem guarida teórica nenhuma. Então, a sociologia inova- dora tem, de fato, feito o que afirma o ditado popular: “um passo adiante, dois passos atrás”. Eis um problema teórico: a separação da realidade em mundos fragmentados, desconexos. Voltar a incluir o enfoque da totalidade na análise social não quer dizer entender o mundo como se fazia há vinte anos atrás, ou seja: como uma realidade linearmente articulada entre economia capitalista, classes sociais tradicionais, luta pelo poder político com interesses bem definidos,
  • 6. 249SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 ideologia alienada, etc. A historia tem mostrado que o mundo tem manifes- tações próprias, em movimento constante, que as classes sociais que exis- tem na produção, podem expressar posições ou opções políticas comple- xas e muito diferentes das que linearmente expressariam seus interesses e que a política e a ideologia têm mediações próprias. Logo, totalidade não quer dizer, então, repetição das articulações do passado. A cultura tem uma relação intrínseca com a sociedade, com a política e com a economia. E o papel da teoria é desvendar a relação entre os fenômenos e tentar desco- brir sua real vinculação e respectivas mediações. A legítima abertura da sociologia dos anos noventa a novos enfoques e novos objetos de estudo, em muitos casos, tem levado a deixar de lado uma das mais importantes heranças da história sociológica: o estudo e a classificação das estruturas, dos processos, dos atores e das instituições sociais. E mais: secundariza dois elementos essenciais e consagrados na compreensão sociológica da dinâmica social: 1) a análise das tendências no desenvolvimento social e 2) a analise da influência das classes e dos grupos sociais na conformação das instituições, na determinação do po- der e do domínio e na elaboração das identidades e das utopias. A teoria tem que insistir em recuperar este aspecto da sociologia para mostrar a dimensão histórico-social dos fenômenos que estuda. Sem essa dimensão histórico-social, os objetos de estudo ficam como que isolados numa “tor- re de cristal”, como uma manifestação erudita que não diz nada para o avanço do conhecimento social. Outra manifestação do predomínio do empirismo na sociologia foi o deslizamento contínuo dos pesquisadores de uma teoria para outra, sem debate e sem balanços que dessem conta da sua inadequação para o estudo dos fenômenos. Nos anos oitenta, foi-se popularizando o ecletismo teórico, vertente que, na verdade, utilizava a mistura das teorias para fugir
  • 7. 250 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 do pensamento teórico e de suas regras: A assunção de diferentes posturas teóricas em sociolo- gia não tem levado sempre a saldar contas, fazer balan- ços, senão a um deslizamento conceptual... Depois de meados de 1980, a pesquisa empírica de uma varieda- de de objetos foi muito abundante, junto com a pouca profundidade no debate teórico. Aparentemente, o que tem guiado os pesquisadores é sobretudo um critério prático e plural na definição de seus instrumentos conceptuais. Dita prescindencia com respeito à dimensão teórica tem a ver com o modo de funcionar normalmente a nossa disciplina (Lídia Girola, 1996). Só depois de duas décadas, em meados dos anos noventa, a trajetória das ciências sociais parece voltar-se para o trabalho teórico, tanto na Amé- rica Latina como no mundo todo, agora carregada de um abundante conhe- cimento empírico: Na medida em que amadurece e espalha antenas em todas as direções, a sociologia torna-se consciente da sua excessiva fragmentação e dispersão e experimenta a necessidade de retornar a seu centro – não sendo porém bem-sucedida, até o momento. Este processo é assim descrito por Ralph Turner: A sociologia passou de uma fase de ênfase na teoria, com poucas bases empíricas testáveis, para outra de empirismo antiteoricista, e daí para uma outra fase, na qual a pes- quisa é vista primordialmente em função de sua rele- vância para a grande teoria (Mattei Dogan, 1996, p. 106).2 2 Na verdade, nem tudo é tão unilateral e simples assim. Dos anos vinte aos anos setenta, o pensamento social crítico latino- americano, com ênfase na teoria, também atendeu à pesquisa empírica. De fato, muitos estudos clássicos que acompanham suas análises com pesquisas empíricas, vêm dessas datas. São de autores como Ramiro Guerra, Silvio Frondizi, Caio Prado jr., Sergio Bagú, José Revueltas, Gino Germani, Julio César Jobet, Euclides da Cunha, Pablo González Casanova, Ruy Mauro Marini, René Zavaleta, dentre outros (Millán e Marini, 1995).
  • 8. 251SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 Assim, abre-se espaço para uma saudável tendência nas ciências soci- ais: superar o empirismo reencontrando-se com a teoria. A própria postura contestatória ante o neoliberalismo já é um bom indicador. Além do reco- nhecimento do horizonte teórico como necessário para entender as socie- dades de finais de século, cabem as perguntas: Quais são as perspectivas, opções, linhas, processos e abordagens do trabalho teórico na atual fase de crescente encontro entre a pesquisa e a grande teoria? Como pode a teoria social crítica latino-americana desenvolver-se criativamente? Quais são os principais obstáculos para isso? 3. A crise da civilização Uma necessidade fundante, hoje, para a América Latina é atualizar a sua procura de desenvolvimento: como estar à altura do mundo, como universalizar-se para viver o momento histórico atual com todas as potencialidades sociais possíveis, superando formas de produção e de vida atrasadas e caducas. E mais: como co-participar na crítica das novas formas modernas e pós-modernas, vislumbrando novos modelos de civilização. A exigência principal colocada para as ciências sociais da nossa re- gião reedita, com novas formas, um velho dilema já posto nos anos cin- qüenta: explicar e criticar nosso atraso latino-americano. No entanto, esta exigência não pode, em nenhuma hipótese conduzir-nos a tomar como referência o espelho neoliberal do capitalismo mundial. O objetivo de nosso desenvolvimento não pode ser o de ocidentalizarmo-nos à maneira norte-americana ou européia, com o seu individualismo egoísta, sua ex- ploração industrial e cibernética, sua violência social, sua alienação e sua máquina de guerra e ódio nacional e social. Antes de tudo é preciso fazer a crítica do atraso, junto com a critica da modernidade da qual este atraso faz parte, impedindo o nosso desenvolvimento, pela dependência e pela
  • 9. 252 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 subordinação. A crítica tem que demonstrar o “porquê” da crise do Estado- Nação e as causas da existência de uma sociedade de exploração irracional dos homens e da natureza, marcada por uma nova exclusão social e uma falta de valores humanistas aliadas a uma concentração de riqueza e poder anormais nos países de capitalismo avançado, e em nossos próprios países. Os aportes que a América Latina pode dar à crítica e à renovação da democracia política, à reforma da produção e da vida, ao humanismo e ao comunitarismo radical renovado, têm que se encontrar com os velhos objetivos de libertação nacional e social do mundo atual, adaptados às novas condições. De fato, nem libertação nacional nem libertação social podem ser configuradas como no passado. Não estamos buscando, no Ocidente, o que as suas sociedades avançadas são hoje. Pelo contrario, estamos junto ao Ocidente, lutando por um mundo distinto. Nossa defini- tiva ocidentalização, então, vai consolidar-se quando a América Latina aportar novas opções para o mundo contemporâneo. É mister aceitar que o pensamento social ocidental dominante até hoje tem sido e é, em muitos aspectos, simplista e excludente. A velha fórmula de que A não é B e faz exclusão de B resulta, evidentemente, falsa. Para entender o mundo atual, e especialmente para compreender a América Latina, hoje, é imprescindível abrirmo-nos à compreensão de que A inclui B e o pressupõe, implica-o. Assim, o refinamento institucional e a luta civilizada e regulamentada da política nos estados e nas grandes metrópoles da região assentam-se, normalmente, na opressão brutal e na violência no campo e no mundo do trabalho e até mesmo as pressupõe. A riqueza, o desenvolvimento tecnológico e científico e a educação dos países avançados têm como base a superexploração dos recursos na- turais e do trabalho social, tanto nas regiões e países periféricos como nas áreas terceirizadas dos próprios países de capitalismo avançado. A mesma coisa pode dizer-se das megacidades, que são núcleos extraordinários de desenvolvimento industrial, comercial e de serviços, cujo fundamento é a migração rural proveniente de um campo empobrecido e sem recursos, que, na verdade, ficou pobre por ter financiado, durante décadas, o de- senvolvimento industrial das cidades.
  • 10. 253SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 Os problemas sociais não têm existência isolada. Para caracterizá-los, realmente, é necessário estabelecer os vínculos entre cada fenômeno e todos os aspectos da dinâmica social. Somente depois de tal vinculação teremos uma visão total e complexa do conteúdo dos ditos fenômenos que articuladamente constituem a questão social de uma dada sociedade. Logo, fenômenos como, por exemplo, a acumulação de capital (tão bem- vista pela sociedade na sua forma de crescimento do produto interno bru- to anual) é a outra face da exploração do trabalho social ou, também, o desenvolvimento tecnológico é a outra cara da exclusão social de milhões de desempregados permanentes e de meninos sem escola nem trabalho, etc.. Ou ainda, a incerteza e a pobreza de milhões de latino-americanos são a outra face da geração de novos-ricos na região, como o registra periodicamente a revista norte-americana “Forbes”. É preciso sempre ter presente que a realidade é multilateral, e o pensamento não pode ser outra coisa que isso: interdisciplinar e multilateral. A reflexão teórica sempre tem uma referência histórica e cultural que ilumina o sentido profundo das coisas. Trata-se de um horizonte de conhecimento da época, do tempo vivido e da cultura socializada. A teorização dos problemas, hoje, tem que considerar que já vivemos os problemas do século XXI. O nosso horizonte está marcado por fenômenos específicos: a queda do socialismo real e o descrédito das utopias, a mundialização do capital, a reestruturação produtiva, a transformação do trabalho, o desemprego estrutural, a globalização tecnológica e comunicacional; o enfraquecimento da soberania nacional e da responsa- bilidade social dos estados; a marginalização crescente de muitos países subdesenvolvidos, numa palavra, o nosso horizonte está marcado pela crise das civilizações modernas que, no século XX, procuraram respostas ao desenvolvimento humano. Uma nova “visão do mundo” tem que acompanhar a teoria latino- americana do século XXI. Esse horizonte inclui a crise cultural-civilizatória das construções histórico-sociais que formaram o mundo nos últimos dois séculos, tanto capitalistas quanto socialistas. Esta consideração essencial tem
  • 11. 254 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 sido feita, não por acaso, no balanço da situação do mundo nos fins do século XX por quatro dos maiores filósofos e historiadores das ciências soci- ais: Sérgio Bagú, Adolfo Sánchez Vázquez, Erich Hobsbawm e Immanuel Wallerstein (textos de 1995 e 1996). A noção de crise da civilização é muito abrangente, incluindo as relações de produção e de troca, as formas sociais, as instituições, as orga- nizações e as relações políticas e culturais, as identidades, o imaginário, os projetos de hegemonia, as ideologias e as utopias, enfim, têm a ver com as produções histórico-sociais dos homens ao longo destes dois séculos que não contemplam uma real dimensão humanista. A nossa época vive uma encruzilhada: como toda crise, a atual é o momento mais propício para profundas frustrações e para grandes mu- danças, para um questionamento global e para um desenvolvimento polí- tico-ideológico de grandes proporções. A crise cultural de hoje, como as crises similares do passado, propicia grande criatividade teórica e eviden- cia um grande potencial político. A consciência da crise de civilização que vivemos deve permear o pensamento teórico contemporâneo das ciências sociais: a teoria não é a mesma quando leva em consideração este ponto de partida. Como diziam os clássicos da filosofia (Kant, Hegel), a crise é o lado negativo do qual temos que partir para a nossa construção teórico-conceitual; é o caminho para enxergar as novas possibilidades. Aliás, isso afeta nosso olhar diante de qualquer fenômeno ou problema social. A consciência da crise de civilização pode mudar nossa apreciação das alternativas críticas ao capitalismo transnacionalizado. Por isso, não é sufici- ente questionar as soluções erradas, experimentadas pelos regimes comu- nistas autoritários e burocráticos do século XX, e defender que o verdadeiro comunismo ou o socialismo clássicos ainda são a alternativa ao capitalismo contemporâneo. Precisa-se, sim, redefinir a concepção e os projetos socia- listasecomunistasapartirdeumacriticaradicalàsexperiências e às teorizações
  • 12. 255SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 do comunismo do século XX, concebendo-as como tentativa civilizatória que fracassou. E mais: essa redefinição de projetos precisa considerar o cenário das transformações do capitalismo mundializado, no sentido de buscar alternativas e saídas que recuperem, nas novas condições hoje pos- tas, o poder do trabalho sobre o capital. A nova perspectiva leva a mudar, inclusive, a visão que o pensamen- to crítico latino-americano tem do pós-modernismo como uma teorização niilista que se baseia no estado de ânimo. De fato, se deixarmos de lado as teses do relativismo total, uma concepção do pós-modernismo pode estar falando desta mesma crise: Essa idéia de modernidade aponta para o pós-moder- nismo e a pós-modernidade, sendo que esta última não deve ser entendida como uma nova época que agora substitui a idade moderna, mas como a consci- ência crescente dos limites do projeto de modernidade. É claro que há muitos problemas, na tentativa de pro- duzir definições para pós-modernismo e pós- modernidade. Simplificando, pós-modernismo sugere o problema de lidar com a complexidade cultural, de lidar com aquilo que, do ponto de vista de categorias bem organizadas, parece ser desordem, mas que não pode ser adequadamente incorporado na classificação existente nem ignorado. É possível identificar algumas características. Em primeiro lugar, pós-modernismo implica uma perda de confiança nas grandes narrativas de progresso e iluminismo, centrais à modernidade ocidental. A confiança na universalidade desse projeto é substituída pela ênfase na contingência, na incoerên- cia e na ambivalência. Há uma consciência crescente da multicodificação, da hibridização e do sincretismo cultural. Em segundo lugar, tem havido democratização e popularização de formas de conhecimento e de produção e difusão cultural que eram previamente
  • 13. 256 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 monopolizadas ou controladas por grupos estabelecidos (Mike Featherston, 1996). Com a recuperação do horizonte da crise civilizatória da nossa época, a teoria ganha também, porque o processo de pensar transforma-se numa exigência radical de hoje para todos nós. 4. A globalização e as novas perspectivas analíticas Um fenômeno tão abrangente e tão radical como a globalização, de qualquer maneira que esta seja entendida, não pode ser assimilado como a ideologia neoliberal impõe: como se o fenômeno fosse único, seguindo o mesmo processo em todo o mundo. A sociologia latino-americana ajuda para compreender que a globalização é um fenômeno qualitativamente diferente nos países centrais e nos países de capitalismo dependente na América Latina. Em verdade, em nossos países, a globalização é uma re- dução do tempo e do espaço à condição de que participemos como regiões subordinadas dentro de um plano estratégico mundial. A globalização significa coisas diferentes para o grande capital transnacionalizado, para os trabalhadores, para a pequena e média indús- tria, para quem pode concentrar a renda nacional e para quem passa a ser excluído permanentemente pela redução do emprego ou pela falência da produção. O capitalismo do nosso fim de século está mudando demais, expan- dindo suas potencialidades de assimilação mundial e subordinando os processos sociais de caráter local, alicerçado numa extrema mobilidade. Sem dúvida, a teorização dos fenômenos sociais, quaisquer que sejam eles, tem que estabelecer a sua relação com a reestruturação do capitalis- mo mundial, com a globalização. De fato, há, ainda, o ressurgimento do local, que pode ser observado em muitos acontecimentos importantes do nosso tempo na América Latina. Esse ressurgimento faz parte das resistên-
  • 14. 257SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 cias e das novas possibilidades geradas pela mundialização do capital: a insurreição indígena zapatista no México; a modernização industrial do nordeste no Brasil; os pactos bilíngües e biculturais “indios-ladinos” no poder na Bolívia; as novas manifestações do sincretismo religioso e cultu- ral em Cuba; o avanço para um Estado multinacional na Guatemala, etc. Evidentemente a crítica latino-americana precisa considerar o hori- zonte da mundialização do capital para estudar o novo sentido dos fe- nômenos sociais, sejam estes fenômenos sociais globais, grupais ou indivi- duais. Tudo tem que ser analisado a partir desta perspectiva: os processos produtivos, o trabalho, o emprego, a acumulação; os problemas das grandes cidades e das pequenas vilas; as migrações; as relações políticas e os proces- sos eleitorais; o neoliberalismo, as políticas sociais, o papel das minorias, a situação do meio ambiente, a violência intrafamiliar, do estatal e outros. Mas, o que é a globalização, além da visão plena de ideologia que os meios de comunicação e o discurso do poder nos apresentam todos os dias? Qual globalização vamos utilizar como horizonte de conhecimento do social? Aquela que exige uma adaptação maior ao capitalismo mundial, tal como ele é hoje, ou aquela que nos abre novos horizontes para conhe- cer e criticar o mundo? Compete à teoria acompanhar as experiências da sociedade no novo fenômeno da mundialização, para encontrar alternativas às políticas neoliberais. Para isso, temos que adentrar com profundidade no estudo do processo de reestruturação do capitalismo mundial.3 3 Num outro trabalho, estudo alguns aspectos da globalização e da mundialização do capital (A globalização e a nova crítica do Estado latino-americano, Lúcio Oliver Costilla, 1997), e tento colocar alguns argumentos para distinguir as diversas concepções que sobre ela se tem nas ciências sociais atuais.
  • 15. 258 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 A globalização é um fenômeno condicionante dos processos sociais e é também um novo cenário espaço-temporal para o desenvolvimento ou, ao contrário, para o desmantelamento de velhas classes, grupos sociais, insti- tuições, organizações e indivíduos. A teoria precisa entender o alcance do referido condicionamento. Na medida em que a produção e o mercado já não estão isolados no âmbito nacional, em que tudo faz parte da concorrência mundial, em que as comunicações e as tecnologias unificam o mundo e abrem as portas para uma reorganização econômica, política e cultural mundial, a pers- pectiva da globalização está gerando muitos e diversos conceitos analíti- cos: mundialização do valor, novo papel social do trabalho vivo e da ciên- cia, terceirização, análises simbólicas, flexibilidade laboral, reestruturação produtiva, desestatização e desnacionalização do Estado, nova exclusão social, novo comunitarismo, partidos-movimentos, globalismo e universalismo, homogeneização, localismo, particularismo, fragmentação, masculinidade, países integrados, regiões inseridas, países e grupos sociais excluídos, desemprego estrutural, dentre tantos outros que permeiam os discursos acadêmicos e políticos e a própria mídia. Todos são novos conceitos, plenos de conteúdos e ainda pouco tra- balhados. Alguns deles, como, por exemplo, o papel do trabalho vivo na produção e o papel da ciência, têm conseqüências fundamentais para a compreensão da própria acumulação do capital e para a constituição das classes sociais no século XXI. A caracterização das mudanças tem que levar a uma nova produção teórica, a outros horizontes e conceitos, a novas determinações e indeterminações, outras contradições e relações e a novas explanações. A questão não é somente usar “conceitos da moda” e utilizá-los na pesquisa, mas, sim, estabelecer o vínculo do que é particular e concreto com os processos gerais e os fenômenos abstratos.
  • 16. 259SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 É inegável que, atualmente, a teoria tem que lidar com o problema, pois falar hoje de globalização, é uma referência obrigatória nas ciências sociais dominantes: O processo de globalização parece ser assunto obriga- tório hoje em todo tipo de publicação ou debate. Por mais que a palavra venha se desgastando, a realidade socioeconômica e cultural deste processo não pode ser eludida por cientistas sociais interessados em com- preender tanto a natureza das novas formas de produ- ção e consumo quanto as caraterísticas dos agentes envolvidos (Editorial. Sociedade e Estado, vol. XI, n. 1, janeiro-junho 1996. Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, p. 5). A imagem da globalização projetada pelos grandes meios de comu- nicação de massas é um sonho romântico, que fala de uma modernização radical das economias de todos os países, do acesso generalizado a novas formas de produção, da capacidade que todo mundo tem de adquirir novos objetos de consumo no mercado, da nova informação e intercomunicação mundial. Nesta perspectiva global, os homens viram universais na sua relação social, tudo “sob a sombra aconchegante dos valores absolutos e eternos da liberdade de mercado e do Estado político, democrático e liberal”. Esta imagem intencionalmente trabalhada da globalização é a unilateralização “boa” de um fenômeno que tem muitas contradições. De fato, a crítica do fenômeno tem demonstrado que a globalização põe em cima da mesa a dominação mundial de uma nova classe industrial e finan- ceira, a exclusão social de amplos setores de pobres e desempregados, a marginalização nacional da maioria dos países subdesenvolvidos, a subor- dinação do mundo ao poder político, financeiro e militar dos Estados Unidos, a extensão da irracionalidade na exploração da natureza pelos interesses industriais e uma maior alienação dos homens ao consumo sun-
  • 17. 260 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 tuoso (Santos, Milton, 1993; Santos, 1995). A globalização, do ponto de vista mais rigoroso, é uma nova forma de organização da economia mundial. É a mundialização do capital: Trata-se de um dado estágio de desenvolvimento do capitalismo, que se caracteriza por um aprofundamento da concentração do capital e de uma nova forma de organização das empresas, pela financeirização e pela fragmentação... é antes de tudo um processo que ocor- re no plano da organização industrial, como resposta defensiva das empresas multinacionais ao fim da onda larga de expansão capitalista ocorrida no inicio dos anos 70 (Rosa Ma. Marques, 1996). A nova forma de produção e de gestão mundializada, a internacionalização das relações de produção capitalistas, a expansão mundial dos mercados, a reorganização administrativa global, a reestruturação produtiva, a flexibilização laboral, o próprio predomínio do capital industrial e financeiro não são somente questões técnico-eco- nômicas: são uma nova capacidade de poder, de domínio, na relação do capital em todos os âmbitos. Configuram um novo poder no mundo, con- cêntrico em grandes oligopólios (Chesnais, 1994), embora tenham um alto grau de fragmentação e concorrência entre eles. Em verdade, os oligopólios desenvolvem sua hegemonia através dos Estados nacionais dos países in- dustrialmente desenvolvidos, sedes desses oligopólios, e dos Estados nacio- nais “reformados”, fragmentados e enfraquecidos dos países subdesenvol- vidos e ainda, por meio dos organismos financeiros transnacionais. A forte influência da economia e da política na vida social, não signi- fica que o fenômeno da globalização fique reduzido à economia e à polí- tica. No âmbito sociocultural e das comunicações, a globalização tem uma dinâmica própria que acompanha e reproduz o fenômeno de uma forma geral. A cultura tem suas próprias dinâmicas, que, uma vez iniciadas, po- dem conduzir para rotas singulares inimagináveis, influindo na própria re-
  • 18. 261SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 produção política e econômico-social. Assim também no âmbito da cultura, é necessário um enfoque complexo da globalização, que inclui o local como espaço de redefinição da tendência homogeneizante: O que parece claro, é que não se trata de considerar o global e o local como dicotomia separada no espaço ou no tempo, e sim que os processos de globalização e localização são indissociáveis na fase atual (Featherstone, 1996, p. 11). Cabe então uma questão chave: como fica a América Latina ante os processos de globalização, de mundialização do capital? A América Latina encontrou-se com a globalização através das políticas neoliberais de ajus- te e reforma do Estado, determinadas pelos Estados Unidos, Alemanha e Japão, e via a pressão econômica e ideológica das instituições econômico- financeiras multinacionais Banco Mundial, Fundo Monetário Internacio- nal, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Concretamente isso se vem dando através do ingresso intensivo dos investimentos externos dire- tos e das corporações transnacionais, com a devida concordância e cum- plicidade das novas elites econômicas e políticas latino-americanas. A mundialização do capital revestiu-se de neoliberalismo, constitu- indo a ideologia da globalização. Isso gerou, nos movimentos populares, uma visão unilateral de rejeição, voltando-se, muitos destes, para projetos estatistas nacionalistas do passado (neovarguismo, neocardenismo, neoperonismo), que não são alternativas reais ao novo fenômeno, porque o capitalismo atual não pode dinamizar-se através apenas de mercados e Estados nacionais. Hoje sabemos que o neoliberalismo é o caminho antipopular e auto- ritário da mundialização, um caminho que lembra muito as velhas revolu- ções cupulares realizadas pelas elites burocráticas, consolidadas no aparato estatal. Elas usam o Estado para destruir o poder econômico e político de uma fração capitalista já superada pelas novas relações mundiais do capital,
  • 19. 262 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 impondo então, uma nova dominação burocrática e transnacionalizada, que exclui a presença e a participação de grandes massas populares. Mas a mundialização é um fenômeno que, teoricamente, pode de- senvolver-se por outras vias, inclusive até progressistas, com a participação dos trabalhadores. Já temos algumas experiências que mostram que as possibilidades existem e que poderiam ser reais com outras correlações de forças. Uma delas é o acordo das montadoras entre trabalhadores e em- presas transnacionais de automóveis no Brasil, em 1993 (Oliveira, 1993), quando o sindicato participou da reestruturação produtiva, melhorando a produção, mantendo o emprego e aumentando salários. Este exemplo ainda é excepcional num mundo em que a inserção dos países da Améri- ca Latina na mundialização se faz a partir da quebra dos direitos dos traba- lhadores, da super-exploração da mão-de-obra e dos subsídios estatais. O posicionamento capitalista dos Estados, via sua transformação em Estados nacionais de competição (Hirsch, 1996) na América Latina, não tem leva- do a um verdadeiro posicionamente, mas à sua subordinação servil aos grupos financeiros. Na América Latina, os Estados são intermediaristas, ajustadores, de gerenciamento do capital financeiro. Na América Latina, o Estado nacional vem sendo reformado para se adaptar à mundialização do capital. São as chamadas reformas do Estado, definidas na agenda estratégica do “Consenso de Washington”, as quais viabilizam a inserção subordinada e fragmentada dos países. Numa outra perspectiva de inserção na mundialização, o Estado nacional precisa ser reformado, integrando a sociedade. Assim, a reforma do Estado teria que ser sobretudo política, para que o novo Estado e as economias regionais pudessem inserir-se como totalidade e não em pólos particulares. Em termos concretos, tal reforma teria que conceber a mundialização como a grande oportunidade para desenvolver um novo projeto de desenvolvimen- to nacional e popular para modernizar as pequenas e médias indústrias, para transformar o campo, para resolver os problemas de saúde, educação,
  • 20. 263SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 emprego. Enfim, para incorporar a sociedade num grande plano de desen- volvimento em que os trabalhadores ocupem de novo espaços próprios de poder autônomo. A reforma do Estado feita não tem a ver com as verdadeiras necessi- dades dos países da América Latina; foi, simplesmente, a reestruturação da burocracia, a privatização e a inserção subordinadas ao poder do gran- de capital financeiro e industrial transnacional. 5. Por uma nova democracia: sem exclusões, nem excluídos Depois de duas décadas, pode-se constatar que o retorno à demo- cracia em grande parte dos países latino-americanos tem significado afir- mar o Estado neoliberal transnacionalizado, acompanhado de processos e práticas da democracia política. Tem havido, certamente, um desenvolvi- mento do jogo político aberto, da representatividade e da cultura política cidadãs, junto a um agravamento da pobreza, do desemprego e da exclu- são sociais. Este fenômeno tem levado uma parte da intelectualidade a desilu- dir-se com o desenvolvimento democrático, o que coloca em discussão a questão da legitimidade de um Estado que se orienta pela governabilidade, mas não resolve problemas sociais urgentes. Em geral, o que prevalece são as políticas neoliberais do Consenso de Washington. Nessas políticas, o principal tem sido a transferência de recursos do Estado para o capital privado, com a idéia de apoiar a formação de supostos novos empresários, capazes de reconstruir o capitalismo para participar na globalização. Três mecanismos têm sido os principais na agilização dessas políticas: o ingresso dos investimentos estrangeiros diretos; a privatização das empresas estatais e o apoio a um acelerado processo de concentração e centralização de
  • 21. 264 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 capital transnacionalizado (Fiori, 1997). São poucos os casos latino-americanos em que a cidadania está real- mente vinculada ao enfrentamento da questão social. Os Estados têm re- duzido as suas políticas públicas, privilegiando o pagamento dos serviços das dívidas externa e interna. O orçamento dedicado às políticas sociais representa um percentual muito baixo do gasto público. O que é então a democracia nas nossas sociedades latino-america- nas, especialmente hoje que está representada como o objetivo máximo a obter? O que significa a existência de um povo nacional, cujas maiorias vivem na exclusão social e na marginalidade, embora façam parte do de- senvolvimento da democracia? Para refletir sobre estas questões, convém demarcar duas considera- ções: primeiro, a democracia não resolve, por si mesma, a questão social. A democracia faz parte do âmbito do político, da organização do poder, do Estado político na forma republicana, baseando-se na separação entre a esfera do político e a esfera do social. Os assuntos relacionados à condi- ção social – o trabalho, o emprego, o salário, a moradia – na visão formal e estreita do Estado político, fazem parte do privado social.4 Nesta perspectiva analítica, os ideólogos do Estado liberal, fundados na teoria da separação entre o âmbito político e o âmbito privado, afir- mam ter colocado as coisas em seu devido lugar. Assim, a democracia no âmbito liberal, assume uma dimensão restrita, efetivando-se sem colocar em pauta os reais interesses públicos, configurados nas questões decor- rentes do próprio movimento do capitalismo contemporâneo: concentra- ção de renda, desemprego massivo, precarização das relações de traba- lho, exclusão social, entre outras. 4 Constitui exceção uma forma específica de Estado funcional a um determinado momento de acumulação do capital – o chamado Estado de Bem-Estar – no qual se tem uma intervenção efetiva na questão social.
  • 22. 265SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 Para salvaguardar os seus interesses ante o desenvolvimento demo- crático, o bloco de poder dominante, composto pelas elites econômicas e políticas do capitalismo transnacionalizante, tem optado por sacralizar a relativa separação entre o âmbito político-parlamentar e o âmbito do Po- der Executivo no tocante à política econômica nacional e local. Nas ins- tâncias legislativas, não se discute seriamente os problemas referentes à política econômica, nem aqueles que têm a ver com o uso do orçamento do Poder Executivo. Tem-se utilizado a separação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo para diminuir os espaços públicos e cooptar os parti- dos e os parlamentares, alem de excluí-los de determinados assuntos pú- blicos de importância fundamental. Isso tem definido, ainda mais, a ten- dência moderna de que o poder real (quem tem nas mãos as decisões) fique concentrado no Executivo, deixando para os poderes Legislativo e Judiciário tarefas secundárias de fiscalização. Em princípio, a democracia como forma política de constituição do poder público, constitui um espaço aberto para que a luta social defina a orientação do poder. No entanto, no cenário latino-americano contempo- râneo, a expressão pública da hegemonia capitalista, a nova tecnocracia moderna especializada, quase sempre controla a vida política, tanto den- tro como fora das próprias instituições. Quem ganha na democracia é quem tem os aparelhos de poder, quem tem o domínio do conhecimento especializado nas mãos. Neste contexto, a conquista da democracia repu- blicana não exime os trabalhadores de construírem uma hegemonia pró- pria, hegemonia que implica uma outra visão de mundo e construção de políticas distintas para o enfrentamento da questão social. Mas a consecu- ção da democracia, o desenvolvimento da cidadania política, a existência de plenos direitos políticos não significam necessariamente o triunfo de uma cultura política dos trabalhadores nem a sua real participação nos assuntos do Estado. Pode significar o êxito de uma visão empresarial priva- da nos assuntos sociais. Por isso, a democracia não pode ser somente um
  • 23. 266 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 objetivo. Tem também que ser o espaço em que se confrontam opções hegemônicas diversas, no qual os trabalhadores desenvolvam seu próprio perfil de políticas nacionais, estaduais e locais. O Estado nacional tende à obsolescência? Hoje o fim do Estado Na- ção é um argumento muito corrente em nossos tempos e está carregado de reducionismo econômico e de ideologia. A globalização do capital, dos mercados, da produção econômica mundial, está realmente transgredin- do os limites estatais e nacionais. Porém, concomitantemente a estes pro- cessos econômicos, somente na Europa Ocidental existe um processo político de criação democrática com tendência a um Estado regional, a União Européia. Na América, não existe nada similar, e falar da obsolescência do Es- tado-Nação só serve para legitimar as políticas de um proto-Estado ameri- cano regional (isto é, um Estado autoritário em processo), constituído pelo governo dos Estados Unidos, por organismos empresariais transnacionais – como o Conselho das Américas – e por organismos financeiros multinacionais – o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Esse proto-Estado transnacional norte-americano não expressa a constru- ção democrática de um Estado político regional que substitua o Estado- Nação na América Latina, e, sim, revela a imposição autoritária de uma política econômica em benefício do grande capital transnacional norte- americano. Em vista disso, o Estado-Nação latino-americano – como ex- pressão da vontade de soberania política e nacional dos povos – segue vigente, como o faz há duzentos anos, apesar das tendências contemporâ- neas da mundialização do capital. Hoje a nação precisa ser uma formação social aberta, em movimen- to e reorganização, na qual seus membros tenham outros direitos além da cidadania política. Esta “nação popular” será uma resultante da luta pelo aprofundamento da democracia, buscando obter espaço para grandes mu- danças. Em verdade, é a busca de um espaço político no qual possam surgir
  • 24. 267SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 e se desenvolver forças sociais, políticas e culturais nacionais com capaci- dade para o confronto com a atual hegemonia capitalista autoritária. A nova sociedade civil terá que reconhecer as suas diversas fisionomias e entender a necessidade de organização e luta para se manter viva. Sem dúvida, a internacionalização do capital e dos mercados aponta a tendência de que a Nação fique somente como uma mensagem cultural prescindível, como um “folclore de fim-de-semana”, embora as novas conceituações sobre o nacional permitam associar a Nação com a expressão plena do particular em termos universais. Para que os conceitos políticos e sociais não sejam utilizados em um sentido empirista ou imediatista e para aprofundar o horizonte de conhe- cimentos e o processo histórico pertinente, temos que encontrar o univer- so de referência. Podemos tentar entender isso melhor com a análise de uma das questões mais vitais da polêmica sociológica e da luta política hoje em dia: uma democracia sem exclusões e sem excluídos. Depois do retorno democrático no sul da América Latina, do triunfo do neoliberalismo, da reforma dos Estados e da queda do socialismo real autoritário, ficou o caminho aberto para a construção de um consenso de que o melhor sistema de poder, no mundo moderno, são as repúblicas ou as monarquias constitucionais democráticas. A democracia é, hoje, a for- ma política com maior legitimação. À procura da governabilidade, perio- dicamente se prometem avanços substanciais pela via que conduz a uma maior democracia no futuro. Daí, que a grande tarefa dos nossos dias seja a consolidação e o aprimoramento da democracia. Mas qual democracia tem que se consolidar e aprimorar? Para que serve a democracia do ponto de vista dos interesses das grandes maiorias, dos excluídos? Hoje é consensual que a democracia é um conjunto de determina- das regras do jogo político institucional para “uma boa sociedade”:
  • 25. 268 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 ...um conjunto de regras ‘certas’ do jogo que permita institucionalizar e provisoriamente resolver os antago- nismo sociais e chegar a resultados ‘incertos’, isto é, nem sempre necessariamente favoráveis aos interesses das classes dominantes; por outro, a democracia tam- bém contem uma definição da ‘boa sociedade’ (Borón, 1994, p. 13). Na América Latina, o retorno à democracia gerou um sentido de liberdade política, de participação e vivência de direitos de cidadania, que a região não tinha conhecido nunca, embora a situação social do povo não tenha efetivamente mudado: ...os alentadores avanços políticos registrados nos anos 80 foram acompanhados por uma marcada piora das condições de vida das grandes maiorias nacionais, o que só pode colocar sombras sobre o futuro da demo- cracia nos nossos países (Borón, 1994, p. 12). Mas, a final o que é a democracia numa sociedade com claros pro- cessos de exclusão social? Por que os desempregados, os excluídos, os empobrecidos pelo neoliberalismo, os miseráveis, os cada vez mais nu- merosos “sem”, não fazem uso da democracia para, pelo menos, modifi- car em algo a sua situação, que parece apresentar-se sem saídas? Ou, ainda pior, fazem uso da democracia e parece que nada dá certo. Mesmo trabalhando com uma concepção ampla de democracia po- lítica, a exigência em aprofundar o conteúdo teórico do conceito é uma necessidade. Para isso, é necessário ir além dos diferentes “temas” da ciên- cia política, relativos à democracia: Estado, soberania popular, representa- ção política, divisão de poderes, Estado de Direito, liberdades sociais e individuais, igualdade. É necessário, mesmo, determinar também qual é a concepção de sociedade e de Estado que se tem no universo intelectual e social do pesquisador (Borón, 1994) e dos problemas que se deseja anali- sar ou resolver. Só assim, poderemos estabelecer a relação com o fenôme- no de exclusão social nos termos contemporâneos.
  • 26. 269SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 Democracia política pode ter um significado diferente, segundo a nossa compreensão da sociedade e do Estado. Se entendemos, como os liberais, que a sociedade é um conjunto de forças sociais, com igual capacidade de podereinfluêncianoEstado,capacidadederivadadasuasituação concorrencial no mercado – o problema da democracia política fica reduzido a instituir, manter e consolidar as instituições políticas representativas, baseadas no su- frágio universal, e as regras certas do jogo político. Em síntese, o jogo demo- crático fica reduzido à luta pela influência e poder entre grupos sociais com interesses distintos e com igual capacidade de conformar maiorias. O Esta- do somente garante o jogo limpo e o império do direito. E até pode ser um ator a mais entre a multiplicidade de atores que participam no sistema político, sem, com isso, alterar a real concorrência política. De fato, esta é a noção predominante de democracia no Ocidente. E, nesta perspectiva, tudo depende da conformação “livre” de maiorias e minorias em cada uma das questões substanciais. As sociedades latino-americanas já teriam alcan- çado o objetivo democrático, sem resolver, porém, a exclusão social, mes- mo que esta tenha uma história longa nos modelos oligárquicos excludentes do passado e que, hoje, na mundialização de capital, aparece com um caráter estrutural. O conceito de democracia pode ter outro significado, e os proble- mas, uma outra dimensão, se entendemos a sociedade em sua natureza capitalista, cuja relação de domínio de classes é determinada pela explo- ração, acumulação e subordinação, ainda que apareça fantasiada de igual- dade política pelas relações de mercado (fetichismo das mercadorias, Marx, O Capital, Tomo I, vol. I). Nessas sociedades, o Estado tem formas históri- cas particulares de representação do interesse coletivo, de uma instituição legítima, mas também constitui um órgão de poder centralizador, mono- pólio da força e do direito, mantenedor das relações contratuais de mer- cado, com um peso decisivo na acumulação. E, assim, a burocracia que o
  • 27. 270 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 conduz não é somente um ator político a mais, mas, sim, a elite condutora que expressa um projeto de sociedade que reproduz uma determinada dominação social. Na maioria das vezes, as mediações políticas giram ou estão centradas no Estado. E mais: o Estado ainda garante e reproduz, no âmbito geral, o domínio da classe capitalista (em nossos dias, da classe capitalista transnacionalizada). Nesta perspectiva analítica, a democracia política latino-americana não é ainda um espaço de expressão do público, de verdadeira participa- ção política dos segmentos excluídos e, sim, é uma forma da dominação política da nova burguesia transnacionalizada e de governabilidade de um Estado quase mundializado, Estado este sem plena soberania política, sem total soberania nacional e sem uma política de desenvolvimento social. Isto não impede que essa democracia seja também uma forma de luta contra essa dominação política capitalista, um terreno fundamental de organização, desenvolvimento e preparação política das maiorias, de cons- trução potencial de uma nova hegemonia popular, seja através de refor- mas radicais ou de transformações diversas, para mudar a correlação de forças e a organização produtiva da sociedade e até para propor uma civilização democrática pluralista baseada em novas formas produtivas e econômicas humanistas. Nesta concepção, a democracia existente tam- bém é uma via dos excluídos para lutar contra a exclusão social, é um canal dos movimentos sociais para coincidir com partidos políticos críticos da mundialização atual. Concluímos, com isso, que, para discutir a questão da democracia, hoje, na região da América Latina, ou num dos seus países, temos que desenvolver uma compreensão teórica do problema, como ponto de par- tida para que a discussão possa aprofundar-se no rumo de corretos resul-
  • 28. 271SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 tados. Possivelmente, numa discussão política ou num debate popular, não seja importante um aprofundamento das bases teóricas dos conceitos, mas, no âmbito acadêmico, isso é condição fundamental para uma nova produ- ção de conhecimento. Este é mais um dos múltiplos desafios considerados aqui para uma nova sociologia da América Latina. Referências BAGÚ, Sergio. Vivir la realidad y teorizar en Ciências Sociales. Estudios Latino- americanos, México, CELA-FCPyS, UNAM, Nueva época, n. 4, julio-diciembre. 1995. BORÓN, Atilio A. Estadolatria e teorias ‘estadocêntricas’ (notas sobre algumas aná- lises do Estado no capitalismo contemporâneo).In: Estado, Capitalismo e Demo- cracia na América Latina. Trad. Emir Sader. Rio de Janeiro: Ed. Paz e terra, 1994. COMISSÃO Gulbenkian para a Reestruturação das Ciências Sociais. Para abrir as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez Editora, agosto de 1996. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xama Ed.,1996. DOGAN, Mattei. Fragmentação das ciências sociais e recombinação de especiali- dades em torno da sociologia. Sociedade e Estado, Brasília, vol. XI, n. I, janeiro- junho. 1996. FIORI, José Luís. Ajuste, transição e governabilidade: o enigma brasileiro. In: FIORI, José Luís e TAVARES, Maria da Conceição. Desajuste global e modernização conservadora. São Paulo: Paz e terra, 1994. FIORI, José Luís. Dança das cadeiras. Revista Carta Capital, 20 de agosto. 1997. GIROLA, Lídia. 8. Tradiçiones, comunidades disciplinarias y cambios conceptuales. Un brevisimo intento de definición. In: OLIVER COSTILLA, Lúcio (Coord). Balan- ce y perspectivas del pensamiento latino-americano. Cidade do México: Asociación Latinoamericana de Sociología-UNAM-Universidad de Colima, 1996. p. 111.
  • 29. 272 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 HOBSBAWM, Erich. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Pau- lo: Companhia das letras, 1995. MILLÁN, Márgara e MAURO MARINI, Ruy (org). La teoria social latinoamericana. 3 volumens. México: UNAM, 1995. OLIVEIRA, Francisco de. Quanto melhor, melhor: O acordo das montadoras. Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 36, julho. 1993. OLIVEIRA, Francisco de. Quem tem medo da governabilidade?. Novos Estúdios, São Paulo, Cebrap, n. 41, março. 1995. OLIVER COSTILLA, Lúcio (Coord). Balance y perspectivas del pensamiento lati- no-americano. México: Asociación Latinoamericana de Sociología-UNAM- Universidad de Colima, 1996. OLIVER COSTILLA, Lúcio. A globalização e a nova crítica do Estado latino-ame- ricano. Ponencia apresentada ao VIII Encontro Norte/Nordeste de Ciências Soci- ais. Fortaleza, Ceará, 10-13 de junho de 1997. SADER, Emir (org). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democráti- co. São Paulo: Paz e terra, 1995. SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Textos sobre democracia, socialismo, esquerda. Dialética, México, Ed. Universidad Autônoma de Puebla, n. 21 a 26. 1992-1996. SANTOS, Boaventura de Sousa. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Mimeo da palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia, Rio de Janeiro, setembro de 1995. SOSA ELÍZAGA, Raquel (Coord). América Latina y el Caribe: perspectivas de su reconstrucción. México: Asociación Latinoamericana de Sociología, UNAM, Coordinación de Humanidades, 1996. TEIXEIRA, Francisco J.S., e OLIVEIRA, Manfredo Araújo de (org). Neoliberalismo E Reestructuração Produtiva. São Paulo: Cortez; Fortaleza: UEC, 1996. WALLERSTEIN, Immanuel. La reestructuración capitalista y el sistema mundo. In: SOSA ELÍZAGA, Raquel (coord.). América Latina y el Caribe: perspectivas de su reconstrucción. México: Asociación Latinoamericana de Sociología, UNAM, Coordinación de Humanidades, 1996. Recebido: 23/03/2005 Aceite final: 26/04/2005
  • 30. 273SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 244-273 Resumo O artigo analisa varias caraterísticas atuais das ciências sociais latino-ameri- canas em paralelo ao desenvolvimento da América Latina nos últimos anos. O ponto de partida é o sinal de que a combinação contraditória no continente lati- no-americano entre uma intelectualidade que tem um elevado nível cultural e a existência de movimentos sociais e políticos numa situação social explosiva, gera amplas possibilidades para o desenvolvimento da sociologia. A crise das ciências sociais acompanha estas mudanças significativas, na busca de novas perspectivas analíticas capazes de explicar o ritmo de mudanças contemporâneas. A rigor, no artigo, tenta-se demonstrar que o que a sociologia latino-ameri- cana tem como novo é um regresso ao pensamento crítico que a caracterizou no passado. Uma das mais importantes heranças da história sociológica latino-ameri- cana é o estudo e a classificação, desde uma perspectiva de totalidade, das estru- turas sociais e dos processos sociopolíticos como fundamento para analisar o posicionamento dos atores e a dinâmica das instituições sociais. Assim, abre-se espaço para uma saudável tendência nas ciências sociais: superar o empirismo, reencontrando-se com a teoria. Uma necessidade fundante, hoje, para a América Latina é atualizar a sua procura de desenvolvimento: como estar à altura do mundo, como universalizar-se para viver o momento histórico atual com todas as potencialidades sociais possíveis, superando formas de produ- ção e de vida atrasadas e caducas. E mais: como co-participar na crítica das novas formas modernas e pós-modernas, vislumbrando novos modelos de civilização, fazendo a crítica da democracia liberal e dos Estados nacionais de concorrência de latino-americanos, e impulsionando a recuperacão do público democrático pe- rante a tendência ao autoritarismo estatal. Os aportes que a América Latina pode dar à crítica e à renovação da demo- cracia política, à reforma da produção e da vida, ao humanismo e ao comunitarismo radical renovado, têm que se encontrar com os velhos objetivos de libertação nacional e social do mundo atual, adaptados às novas condições. Palavras-chaves: América Latina, Sociología latino-americana, empirismo, teoria social, civilização, crise política, democracia, exclusão, Estado neoliberal, socieda- de civil, público estatal.
  • 31. 534 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jun/dez 2005, p. 530-540 Novelty in Latin American sociology Lucio Oliver Costilla The paper examines several current characteristics of social sciences in Latin America, in parallel to the development of the subcontinent in recent years. The starting point is the sign that the contradictory combination in Latin America of an intellectuality that has a high cultural level and the existence of social and political movements in an explosive social situation creates wide possibilities for the development of sociology. The crisis of social sciences follows those significant changes, seeking new analytical perspectives able to demonstrate the pace of contemporary changes. Strictly speaking, the article tries to demonstrate that what Latin American sociology sees as novelty is a regression to the critical thinking that characterized it in the past. One of the most important legacies of Latin American sociological history is the study and classification, from a perspective of totality, of social structures and sociopolitical processes as a basis to examine actors’ stances and the dynamics of social institutions. Therefore, there is room for a healthy trend in social sciences: overcoming empiricism, regaining theory. A founding need for Latin America today is to update its search for development: how is it possible to be up to the world, to universalize in order to live a historical moment with all its social potential, overcoming backwards and age-worn ways of production and life. And more: how to co- participate in the criticism of new modern and postmodern ways, envisaging new models of civilization, criticizing liberal democracy and Latin Americans’ national States of competition, and encouraging the recovery of the democratic public in face of the tendency to state authoritarianism. The contributions that Latin America can give to the criticism and the renewal of democratic politics, to the reform of production and life, and to humanism and renewed radical communitarianism have to meet the old aims of national and social liberation of today’s world, adjusted to the new conditions. Key words: Latin America, Latin American sociology, empiricism, social theory, civilization, political crisis, democracy, exclusion, neoliberal State, civil society, State public.